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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Música da Cabeça - Programa #192


 1.000 dias sem Marielle. 14.600 dias sem Lennon. Seguimos tocando a vida, mas que eles fazem falta, fazem. O que não quer dizer que a gente deixe de tocar o nosso MDC, que, aliás, vai ter eles e muito mais, como: The Cure, Chico Buarque, Joe Satriani, Kid Abelha, Aracy de Almeida e mais. No "Cabeça dos Outros", tem ainda Naná Vasconcelos e, no "Palavra, Lê",  Tom Waits. Eu se fosse vocês não ficaria mais um dia sem ouvir o programa. Aproveita já o de hoje: 21h, na na imperdível Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Aliás, por ontem e por hoje: "Why?"

sábado, 18 de julho de 2020

Roy Orbison - "In Dreams" (1963)



"Roy era um cantor de ópera.
Ele tinha uma voz grandiosa."
Bob Dylan

"Vendo Roy Orbison,
eu aprendi como cantar uma
balada romântica."
Mick Jagger

"Quando estava quase adormecendo,
escrevi a introdução de "In Dreams",
 fui dormir, levantei-me na manhã seguinte
 e já tinha a letra. 
Todas as músicas são presentes,
 mas essa foi realmente um presente."
Roy Orbison



O primeiro contato que tive com a canção "In Dreams", curiosamente, não foi sonoro. O persoangem John Constantine ouvia a canção no rádio de um táxi num episódio da graphic novel, de Neil Gaiman, "Prelúdios e Noturnos", do personagem Sandman, o Mestre dos Sonhos. "A candy-colored clown they call the sandman/ Tiptoes to my room every night/ Just to sprinkle stardust and to whisper/ Go to sleep. Everything is all right...".  Embora o autor e seus desenhistas lidassem muito bem com a inserção de elementos músicas dentro do formato de quadrinhos, é óbvio que numa HQ não teria ali som para identificar de que música se tratava, contudo, na mesma edição, numa espécia de sumário para os trechos de músicas mencionadas naquela publicação, o autor era creditado: Roy Orbison.



Somente algum tempo depois é que fui ouvir aquela música em "Veludo Azul", de David Lynch, na interpretação célebre da dublagem do personagem Ben usando a luminária como microfone e foi só então que eu liguei os pontos: "quadrinhos-neilgaiman-sandman-mestredossonhos-indreams-royorbison-veludoazul...". Ah,era aquela! Aquela era "In Dreams" que eu havia lido nos quadrinhos. E ela era maravilhosa! Foi o que precisava para fazê-la cair definitivamente nas minhas graças.

"Veludo Azul" - Ben dublando "In Dreams"

"In Dreams", a belísima canção de interpretação emotiva e extasiante, e de arranjo de cordas grandioso, aparece pela primeira vez na discografia de Orbison no disco que leva o mesmo nome, de 1963, mas o álbum não se resume a esta canção que já se eternizou na galeria das grandes baladas da história da música. Roy Orbison é mestre em baladas românticas e "Lonely Wine" e "Dream", não deixam dúvidas sobre isso; "Shahdaroba" também romântica mas um pouco mais embalada é outra ótima canção; mais agitadinha ainda, o rock "Sunset", também merece destaque, bem como "Blue Bayou", outro dos grandes sucessos do cantor que conta com mais uma de suas inspiradas interpretações.
Um dos cantores mais influentes em todo o universo da música, Roy Orbison era admirado por Elvis, Johnny Cash e é frequentemente reverenciado por nomes como Bono, Tom Waits, Bruce Springesteen, entre outros. De minha parte, demorei para conhecer mas desde que tive contato me juntei ao coro dos ilustres fãs.  Sua voz inconfundível e suas interpretações singulares estão, definitivamente, marcadas na história da música.

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FAIXAS:
  1. "In Dreams" (Orbison)
  2. "Lonely Wine" (Roy Wells)
  3. "Shahdaroba" (Cindy Walker)
  4. "No One Will Ever Know" (Mel Foree, Fred Rose)
  5. "Sunset" (Orbison, Joe Melson)
  6. "House Without Windows" (Fred Tobias, Lee Pockriss)
  7. "Dream" (Johnny Mercer)
  8. "Blue Bayou" (Orbison, Joe Melson)
  9. "(They Call You) Gigolette" (Orbison, Joe Melson)
  10. "All I Have To Do Is Dream" (Boudleaux Bryant)
  11. "Beautiful Dreamer" (Stephen Foster)
  12. My Prayer (Jimmy Kennedy, Georges Boulanger)
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Ouça:


Cly Reis

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Música da Cabeça - Programa #116


As variadas cores do São João e do LGBT+ estão representadas no ecletismo do programa desta semana. Olha só quantos tons diferentes: Baco Exu do Blues, David Bowie, Carmen Miranda, Tom Waits, Led Zeppelin, Moacir Santos, Leonard Cohen e mais. E o mais legal: cores diferentes mas totalmente harmônicas! Vem pra Festa Junina do Música da Cabeça, que tenho certeza que vão fazer questão de ficar presos na nossa cadeia. A fogueira tem hora pra acender: às 21h, no Arraial da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e quadrilha: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

"A Balada de Buster Scruggs", de Joel Coen e Ethan Coen (2018)



No ano em que a Netflix vem com força na disputa pelo Oscar, somando entre suas quatro produções, quinze nomeações, uma delas, "A Balada de Buster Sruggs" conta com ninguém menos que os já oscarizados Irmãos Coen, à frente do projeto. Com três indicações, esta antologia de western traz, em seis episódios, alguns dos mais característicos e tradicionais elementos do gênero como gatilhos rápidos, duelos, assaltos a banco, enforcamento, caravanas, indígenas, corrida do ouro, caçadores de recompensa tudo ao melhor estilo dos irmãos Coen que, por sinal, são especialistas em westerns, sejam eles contemporâneos e mais urbanos como "Fargo", "Arizona Nunca Mais" ou o premiado "Onde os Fracos Não têm Vez", como um faroeste tradicional como "Bravura Indômita", refilmagem deles para o clássico de 1969.
Tom Waits, como o obstinado prospector,
faz um dos melhores episódios do filme.
Pontuado com o habitual humor-negro da dupla, o conjunto de historietas adaptadas dos livros vai do cômico ao trágico, do absurdo ao realista, do trivial ao inusitado em histórias que, cada uma à sua maneira, com seus méritos, seus personagens, conquistam a atenção do espectador. O caubói bom de gatilho e de música, que dá nome ao filme, no primeiro conto é cativante; a historia da solteirona que perde o irmão e o cachorro durante a caravana entre Estados é de cortar o coração; e a do garimpeiro, vivido brilhantemente por Tom Waits, é um carrossel de emoções, indo desde uma simpatia e torcida pelo personagem, até chegar a uma revolta pelo oportunismo do bandido que espera à espreita pelo ouro fácil. A bem da verdade, embora todos sejam interligados pela época e pelo ambiente, a consolidação do Oeste americano, o filme como um todo, fica devendo um pouco de unidade. As histórias são instigantes, interessantes mas a variedade de situações, sem um laço em comum, faz com que pareça, de certa forma, mais um conjunto de episódios independentes do que uma obra fechada. Salvo este probleminha, vale a pena assistir "The Ballad of Buster Scruggs". É gostoso, é divertido, é bem dirigido, é envolvente. Um fã de cinema e admirador da obra dos Coen, provavelmente, não ficará decepcionado. Aos menos avisados, no entanto, é bom avisar: não vale a pena se apegar muito aos personagens. Os Coen não costumam poupar seus protagonistas.

O simpático Buster Scruggs é bom de gatilho e de gogó.



Cly Reis

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Música da Cabeça - Programa #68


Dia da Mulher Negra? Temos aqui no Música da Cabeça, sim! Hoje, o nosso quadro "Uma Palavra" traz uma entrevista com a "palavreira" (poeta, cantora, escritora, tradutora y outras coisas) Tatiana Nascimento Dos Santos. O dia é também de muita música, entre elas The WiseGuysZeca BaleiroDavid Bowie e Tom Waits. Ainda, "Palavra, Lê, "Música da Fato" e tudo o que você encontra nas quarta-feiras aqui na Rádio Elétrica, às 21h. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.




Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Claquete Especial de Natal



Papai Noel passou por aqui


Nesta época de final de ano, o cinema, essa representação encenada e diegética da realidade, reforça sua função, seja ela de ajudar a refletir ou simplesmente entreter (ou os dois juntos, por que não?). Como n’"O Poderoso Chefão - Parte 2", em que os acontecimentos da máfia e da política estão fervilhando em plena virada de 1959 para 1960 em Cuba, ou em “Boogie Nights”, quando todos interrompem a chegada da década de 80 por causa de um suicídio em plena festa de Réveillon, o dia de Natal também (ou a passagem de 24 para 25) aparece em alguns filmes não necessariamente como tema central, mas como um pano de fundo essencial àquilo que se quer contar. Às vezes é um detalhe, mas extremamente simbólico para determinada obra de cinema. Um nexo narrativo que contribui para a história de forma a lhe trazer os ícones que a data representa (o nascimento e o significado simbólico de Cristo, a figura pop do Papai Noel, a valorização dos sentimentos de fraternidade e compaixão, a representação do consumismo, o pertencimento à sociedade capitalista ocidental, etc.).

Por isso, o Clyblog registra aqui algo nessa linha: não aquelas comédias natalinas típicas que, embora divertidas, são óbvias. Aqui, fugimos da obviedade. Listamos, sim, filmes que se nutrem dos elementos natalinos mais profundos por assim dizer, ainda que apenas como instrumento para dar um toque à trama, para gerar contraste entre a aparência e real ou apenas para contar melhor uma história. Se você está cansado de assistir as franquias “Esqueceram de Mim” ou “Meu Papai é Noel”, aqui vão alguns títulos que não esquecem da data, mas vão além da mesmice – e que, justo por isso, merecem ser vistos mesmo em outras épocas do ano. Mesmo que, porventura, apenas passem pelo tema, o Natal, com seus significados, está lá.


“Duro de Matar” (“Die Hard”, John McTiernan, EUA, 1988) 

Provavelmente o melhor filme de ação dos anos 80 junto com “Um Tira da Pesada”, “48 Horas” e alguns outros poucos, tem o Natal como pano de fundo para uma trama inteligente que mescla policial, comédia e realismo (sim, realismo) na medida certa. O policial nova-iorquino John McClane (Bruce Willis) vai visitar a esposa em Los Angeles, que está numa festa de Natal da empresa onde trabalha, no edifício Nakatomi Plaza. Durante a festa, terroristas alemães, liderados por Hans Gruber (Alan Rickman) invadem o prédio e sequestram todos os convidados com a intenção de roubar milhões em ações da companhia. McClane escapa de ser aprisionado pelo grupo de Gruber e, com grande dificuldade, mas com perícia e astúcia, passa a combatê-los.

A fórmula é muito parecida com o que Hollywood fazia de muito tempo no gênero ação/policial – as sequências com o gancho da tensão e as explosivas cenas de ação, entremeadas por tiradas engraçadas que aliviam a seriedade e a periculosidade – mas adiciona-lhe algo que passaria a servir de exemplo para trocentas produções posteriores: a pegada realista. McClane derrota os terroristas neste dia de Natal atípico, mas o consegue a custas de muito esfolamento. O conceito de anti-herói, humano e mortal, é uma quebra de paradigma no cinema norte-americano do gênero. Se há estilhaços de vidro no chão e McClane está descalço, ele vai cortar o pé, ora essa! É exatamente isso que acontece, numa ressignificação do tipo James Bond, perfeito e inatingível. Tanto é que, por tudo que passa, McClane sai um trapo no final do filme, o qual finaliza emblematicamente com o jazz natalino “Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!” na voz de Vaughn Monroe. Igualmente, o contraste dos elementos visuais e alegóricos da data com a violência (o vermelho da roupa do Papai Noel com o sangue dos ferimentos) funciona muito bem. Daqueles que sempre que estão passando na TV se assiste, inevitável.


  • "Duro de Matar" - "Ho-Ho-Ho!"




“Morte e Vida Severina” (Walter Avancini, BRA, 1981)

Uma obra-prima da teledramaturgia mundial (vencedora do Emmy daquele ano), é a encenação do poema de João Cabral de Melo Neto, o qual se chama também “Auto de Natal Pernambucano”. Com músicas primorosas de Chico Buarque e aproveitando parte do elenco que Zelito Viana usara na filmagem da história quatro anos antes para o cinema, esta é, sem dúvida, a mais bela versão do texto clássico do poeta pernambucano.

De forte cunho social e denunciador, narra a trajetória do retirante nordestino Severino (José Dumond, impecável) do sertão árido à capital Recife através de versos musicados ou recitados em busca de respostas à vida miserável que leva. O que encontra em muitas das etapas dessa cruzada é apenas morte através do descaso e da desassistência do povo, de “Severinos iguais em tudo na vida”, o que o faz pensar em “saltar fora da ponte e da vida”. Mas o nascimento de mais um “Severino”, filho de um carpinteiro pobre mas sábio, vem trazer cores à desesperança. É a “boa nova” que o Natal ensina, o Cristo incutido naquela pequena e franzina vida que se rebenta. “E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida?”.





“A Felicidade não se Compra” (“It's a Wonderful Life”, Frank Capra, EUA, 1946)

Capra é um dos mestres do primeiro cinemão norte-americano. Era capaz de criar filmes de marcantes conceitos estético e narrativo a um espírito fortemente nacionalista, seja na valorização dos símbolos de seu país, seja no recorrente tom moral típico daquele povo, o qual vai da puerilidade à arrogância. No caso, mais para onírico, “A Felicidade...” conta a história de um espírito candidato a anjo que, para ganhar suas asas, recebeu a missão de ajudar um empresário (James Stewart) que, em virtude de grave problema financeiro, tinha a intenção de se suicidar. O aspirante a anjo aparece-lhe na véspera do Natal quando este está prestes a saltar de uma ponte. Ele fala de sua missão e comentou que seria um desperdício matar-se, pois ele era importante para muita gente. Ante o ceticismo de seu protegido, que se sentia um fracassado, o amigo espiritual mostrou-lhe várias situações que teriam acontecido se não fosse sua interferência: a morte do irmão, o desespero da II Guerra (recém terminada quando o filme foi rodado), a tristeza da esposa, a situação lastimável de sua cidade, entre outras.

Com fotografia P&B impecável – bastante forjada no cinema soviético de Eisenstein e Vertov –, Capra amarra uma história cheia de acontecimentos com um domínio narrativo espantoso sem deixá-la confusa ou chata. Trata-se de um típico clássico natalino, eu sei, mas com tamanha qualidade não daria para deixá-lo de fora – até por que, atualmente, está em desuso assistir a filmes antigos ainda mais nessa ditatoriamente colorida época natalina. No final, a mensagem é evidente, o que não lhe tira a emoção – até por que muito bem escrito e realizado.



“Cortina de Fumaça” (“Smoke”, Wayne Wang e Paul Auster, EUA/Alemanha, 1995)

Uma ode à solidariedade e ao respeito às diferenças, sejam elas raciais, de gênero ou qualidades pessoais. Tem coisa mais a ver com Natal isso? Pois esta pequena obra-prima com cara de Jim Jarmusch traz isso e mais um pouco. O “isso” é a história envolvente e coral: Auggie Wren (Harvey Keitel) tem uma tabacaria onde circulam tipos bem peculiares (olha aí as diferenças subtextualizadas). Ele também tem um hábito próprio: o de fotografar, às oito da manhã, a fachada de sua loja. É assim que ele conhece o escritor em crise criativa e emocional Paul Benjamin (William Hurt), que, por um momento fortuito, acaba conhecendo um jovem negro morador de rua a quem ajuda a encontrar seu pai. A história é, na verdade, um reencontro das raízes pessoais e dos laços afetivos mal resolvidos no passado.

O “um pouco mais” a que me referi é, além desse instigante subtexto, há a célebre cena em que Auggie vai parar na casa de uma senhora cega cujo neto furtara-lhe a loja. Ela, amorosa e sem os pré-conceitos de quem enxerga apenas com os olhos, o recebe e o convida para cear com ela naquela véspera de Natal. Tudo ao som da belíssima canção “Innocent When You Dream”, de Tom Waits. Cena emocionante. Uma história tão linda que, renovadas as emoções de todos na trama, motiva o até então travado escritor Paul em seu novo romance, chamado: “Auggie When’s a Christmas Story”.


  • "Cortina de Fumaça" - História de Natal de Auggie Wren



“O Natal do Charlie Brown” ou “Feliz Natal, Charlie Brown” (“A Charlie Brown Christmas”, Bill Melendez, EUA, 1965)

Já havia me referido ao filme indiretamente aqui no blog no Natal de 2013 quando escrevi sobre a magnífica trilha sonora de Vince Guaraldi nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Pois além da preciosidade que musica o episódio, a própria animação merece destaque. Com os elementos característicos da série de Charles Schulz, o curta “O Natal do Charlie Brown” é o primeiro desenho animado da turma dos Peanuts. Quando o questionador Charlie Brown reclama sobre o sentido materialista que as pessoas dão à data, Lucy sugere que ele se torne o diretor de uma peça teatral no colégio. Charlie Brown aceita, mas, claro, sua insegurança e os ingovernáveis fatores externos fazem com que ele perca o controle, frustrando-se. “Que puxa!” O amigo de todas as horas Linus, entretanto, lhe consola relembrando o verdadeiro sentido natalino.

Tem um Charlie Brown e Snoopy novo por estrear no Brasil que aproveita o Natal (comercialmente, inclusive) como pano de fundo, mas este aqui é insuperável, não só pela trilha original de Guaraldi mas pela precisão de Melendez na direção, que sempre imprimiu à série de TV a dose certa de doçura, comédia, entretenimento e ludicidade. Atração – e ensinamento – para crianças e adultos.


  • "O Natal do Charlie Brown" 






“Fanny e Alexander” (Ingmar Bergman, SUE/FRA/ALE, 1982)

Sou um tanto suspeito em falar desse filme, pois trata-se de meu preferido da longa, profícua e expressiva filmografia do gênio Bergman. Entretanto, como deixar de fora essa obra-prima que, além de alinhar-se bastante com o recorte que proponho, é o amadurecimento total de um artista que já nascera maduro para o cinema. Superprodução que encerra a carreira do cineasta na grande tela, transcorre-se em dois anos da primeira década do século XX na família Ekdahl. Após um alegre Natal, o pai de um casal de crianças morre. Deste momento em diante Alexander (Bertil Guve), o menino, passa a ver o fantasma do pai frequentemente. Tempos depois, sua mãe casa-se com um extremamente rígido religioso e as crianças são obrigadas a deixar a casa da avó paterna para viverem com a família do padrasto de hábitos severos, onde são tratados como prisioneiros. Na casa do padrasto o sensível e inventivo Alexander passa a ver o fantasma da primeira esposa dele e suas filhas, que haviam morrido tentando escapar dele. Decorrido algum tempo, a mãe se conscientiza da real personalidade do marido e de quanto seus filhos sofrem naquela casa e planeja um modo de tirá-los daquele lugar e levá-los de volta para casa.

O proposital clima espiritualista de toda a história faz cama para a impactante sequência da fuga, em que as forças divinas operam um milagre de Natal e os três conseguem escapar da prisão domiciliar. Haveria muito a se falar sobre “Fanny e Alexander” (a relação entre pais e filhos, a espiritualidade imanente, a percepção afinada da criança, a metáfora da vida como palco – e vice-versa –, os limites entre vida e morte, etc.) mas destaco aqui um fator primordial: o fato de o Natal estar presente no início e no final do filme. A data do nascimento de Jesus demarca dois momentos psicológicos e emocionais dos personagens, numa significação das possibilidades de mudança e desenvolvimento da vida e das pessoas. Cada um com suas qualidades e dificuldades, com suas personalidades e jeitos, mas passíveis de enxergarem o mundo para além de si mesmos. Afinal, é Natal.


  • "Fanny e Alexander" - Ceia de Natal









O ClyBlog deseja um
Feliz Natal a todos!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Rickie Lee Jones – “Rickie Lee Jones” (1979)




"Ela é muito mais velha do que eu
em termos de sabedoria da vida.
Às vezes, ela parece tão antiga
como a sujeira das ruas,
e ainda outras vezes
ela é tão nova como uma garotinha."
Tom Waits,
sobre Rickie Lee Jones



Era 1979 e uma voz diferente surgiu no rádio. O clima era mezzo jazzístico, mezzo pop, beirando as coisas que Joni Mitchell havia feito cinco anos antes. Mas tinha uma pegada irresistível, uma produção impecável, era uma daquelas canções que a gente ouve no rádio, fica esperando o locutor dizer quem é e sai correndo para uma loja de discos (é, se fazia isso, naquela época) pra comprar a bolacha (isso é 1979 “A.CD”. Ou seja: antes do CD). O mistério foi desvendado pelo locutor da Gaúcha FM (não lembro quem era): Rickie Lee Jones com “Chuck E’s in Love”.

Aos poucos, o mistério daquela voz quase infantil, cantando jazz, foi sendo desvendado. A cantora tinha sido namorada de Tom Waits, companheira de estrada e de loucuras do cantor e compositor e, nestas andanças, foi apresentada aos produtores Russ Titelman e Lenny Waronker da Warner Bros. Como uma história de Cinderela, Rickie Lee Jones, a fugitiva, a garota beat dos anos 70, acabou sendo contratada por uma das maiores gravadoras do mundo e, num passe de mágica, estava no topo das paradas dos Estados Unidos. Em breve, de quase todo mundo. Mas o que tinha esta cantora e este disco de tão importante, diferente? E o que levou este escriba a traçar algumas linhas, chamando este disco de estreia de um dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS? Vamos (procurar) desvendar na sequência.

“Rickie Lee Jones” inicia exatamente com esta música do rádio, “Chuck E’s in Love”. Uma canção com um toque jazzístico, levado pela bateria do mestre Steve Gadd e pelos violões de Rickie, Buzz Feiten e Fred Tackett. Na letra, ela simplesmente conta a história do seu amigo Chuck E. Weiss se apaixonando. O que brilha mesmo nesta canção é a produção de Titelman & Waronker, que conseguiram dar um tom beirando ao pop para uma música composta no violão e de melodia simples. O resultado é que “Chuck E’s in Love” chegou ao quarto lugar da parada como single, levando o LP ao terceiro lugar da Billboard.

Em “On Saturdays Afternoons in 1963”, ela relembra seus tempos de criança em Chicago e diz: “O máximo que você jamais irá/ é voltar ao lugar que você já conheci/ Se os adultos conseguem rir tão devagar/ Enquanto você vê a neve cair lentamente/ Os anos devem passar”. O arranjo de orquestra é de Nick DeCaro, muito eficiente.

“Night Train” é uma das minhas preferidas do disco. Nela, a mãe está fugindo do marido agressivo, levando seu bebê e conta para a criança como aconteceu esta fuga, usando inclusive metáforas do jogo de bilhar. “Aqui estou indo/ caminhando com meu bebê nos braços/ porque estou no lado errado da bola oito preta/ E o diabo, veja, ele está bem atrás de nós/ E esta trabalhadora disse que vai levar meu bebezinho/ meu pequeno anjo de volta/ Mas eles não vão conseguir/ porque estou aqui com você no trem noturno”. Na criação deste clima de fuga, temos a percussão exata de Victor Feldman, o baixo de Willie Weeks, os teclados de Neil Larsen, os violões de Jones e Feiten e o arranjo orquestral de Mandel. Rickie se supera no vocal desta canção, susurrando no início e fazendo uma verdadeira prece no meio da canção. Emocionante.

“Youngblood” é outra canção em que Rickie relembra seus tempos de juventude. “Dê uma caminhada à meia-noite na cidade/ Young Blood vai te encontrar em algum lugar/ Se você está procurando por alguma coisa pra fazer/ Sempre tem algo acontecendo/ Como eu e Bragger pedimos emprestado um coupê hoje/ Lá vem Pepe e ela tem um amigo com o Chevrolet/ mas ela não está correndo/ Está caminhando devagar/ e ela não está chorando... apenas está cantando baixinho”. Tudo isso embalado pelos timbales e pela bateria de Mark Stevens e os backing vocals inconfundíveis de Michael McDonald. Esta canção foi o segundo single tirado do disco, chegando ao 40º lugar da parada da Billboard.

“Easy Money” tem participações de peso. A música começa com o baixo acústico do mestre Red Callender, o solo de piano é de Dr. John e o vibrafone que percorre a canção é de Victor Feldman. O clima deste blues é de dois escroques que querem fazer um “dinheiro fácil”. A mulher quer usar seus poderes de sedução para arrancar uma grana dos trouxas. Daquelas de estalar os dedos junto com o disco.

Quando Rickie Lee tinha 21 anos, ela morou no Arizona. Sua vida naquele estado cheio de paisagens desoladoras e céu aberto rendeu algumas canções no repertório da cantora. Uma delas é “The Last Chance Texaco”, onde ela usa os nomes de empresas petrolíferas (cujos postos de gasolina ela devia ver nas estradas desertas do Arizona) como metáforas para amores desfeitos. A composição tem como base o violão de Rickie Lee, mas os sintetizadores de Micahel Boddicker e Randy Newman, que recriam o ruído dos carros que passam pela estrada. Na letra, ela recomenda que se faça uma checagem dos componentes do carro, antes que ele pare na estrada. Como se checar o estado do relacionamento vá impedir que ele termine. “É sua última chance/ de checar embaixo da capota/ última chance/ Ela não está soando muito bem/ Sua última chance/ de confiar no homem com a estrela/ Você encontrou sua última chance Texaco/ Bem ele tentou ser comum (Standard)/ Tentou ser móvel (Móbile)/ Tentou viver num mundo (World)/ e numa concha (Shell)”. Todo o tempo a metáfora percorrendo a canção.

“Danny’s All-Star Joint” volta o clima memorialista de RLJ, lembrando de uma lanchonete de sua adolescência onde tinha uma máquina de música que fazia “doyt-doyt”. O Rhythm and Blues da canção é propelido pela bateria de Steve Gadd, pelo baixo de Chuck Rainey e pelos sopros de Tom Scott, Chuck Findley e Ernie Watts. Lá pelas tantas, a jovem RLJ fala para seu acompanhante masculino: “Você não pode quebrar as regras até que saiba como jogar o jogo/ Mas se você quiser se divertir/ pode mencionar o meu nome/ Mantenha seus pés nas rua/ seus calcanhares na grama/ Mas mantenha seu negócio no bolso/ é aí que ele pertence”. Irresistível com os sopros fazendo aqueles riffs estilo James Brown.

Uma canção diferente no disco é “Coolsville”, mais uma faixa em que ela relembra os tempos de teenager rebelde que vivia nas ruas de Venice. Com a guitarra de Buzz Feiten dando um clima fantasmagórico e a bateria de Jeff Porcaro rebombando como tímpanos de orquestra, Rickie Lee conta sua história e de dois amigos, Bragger e Junior Lee, que viviam em Coolsville, a cidade dos descolados. Depois de algumas aventuras, os três se reencontram: “Então agora é J e B e eu/ soa parecido/ mas não é a mesma coisa/ mas tá tudo bem/ A cidade não nos machuca tanto/ quando tudo parece o mesmo”. Viver em Coolsville já não significa tanto para estes três desajustados.

“Weasel and the White Boys Cool” é uma parceria com Alfred Johnson, com quem RLJ começou a cantar em Los Angeles, quando tinha 21 anos. Foi uma das músicas compostas na época que sobreviveu e foi parar no disco. Aqui, Rickie Lee é a observadora das aventuras e desventuras de Sal (Bernardi), seu amigo e ex-namorado e que viria a ter papel importante no segundo disco da cantora e compostora, chamado “Pirates”, lançado dois anos depois. “Sal estava trabalhando no esconderijo de Nyro no centro da cidade/ Vendendo artigos do congresso para estas pessoas do Centro/ Ele era bem sórdido que o conheci/ uma fuinha num casaco de lá de menino pobre/ Sal vivia num curral de vinil preto em Nova Jersey/ comprava sua carne da puta na porta ao lado/ Ele queria malpassado mas ganhava bem passado”. Durante a canção, Sal se muda de bairro, dando adeus aos seus pais e amigos, passa dificuldades mas acaba na fila da previdência social. Rickie Lee o salva, logo depois.

Mais uma parceria com Alfred Johnson, “Company” é uma balada jazzística daquelas lancinantes com arranjo maravilhoso de cordas de Johnny Mandel. Brilham também o piano de Neil Larsen e os teclados de Randy Kerber. Uma canção de amor desfeito. A letra diz tudo: “Eu lembro de você muito bem/ Mas sobreviverei outro dia/ Conversas para partilhar/ Quanto não tem ninguém/ Eu imagino o que você diria/ Te verei em outra vida, baby/ Te libertarei em meus sonhos/ Mas quando eu chegar do outro lado da galáxia/ Vou sentir falta de sua companhia”. A narradora está consciente de que o amor acabou, mas continua sentindo a falta: “E agora que você se mandou pra viver sua vida/ Você diz que nos encontraremos de vez em quando/ Mas nunca seremos os mesmos/ E eu sei que nunca terei esta chance de novo/ Não como você/ Companhia/ Estou procurando por companhia/ Veja e ouça através dos anos/ Algum dia você poderá me ouvir/ Ainda chorando por companhia”. Nervos dilacerados por esta paixão que se terminou mas não acabou.

A última faixa do disco também é melancólica. “After Hours (Twelve Bars Past Midnight)”, com o piano de Rickie Lee e as cordas de Nick DeCaro. A juventude de RLJ é novamente evocada na letra: “Toda a gangue já foi pra casa/ Parada na esquina/ bem sozinha/ Eu e você, poste de luz/ Pintamos a cidade de cinza/ Oh, somos tantas lâmpadas/ que perderam nosso caminho/ Diga boa noite, América/ O mundo ainda ama um sonhador/ E toda a gangue já foi pra casa/ e eu estou parada na esquina/ bem sozinha”.

Depois deste inesperado sucesso do disco de estreia, muitas fichas foram colocadas no futuro comercial do trabalho de Rickie Lee Jones. Rebelde como sempre foi, ela levou dois anos divulgando este primeiro disco, excursionando pelos Estados Unidos e Europa e, quando chegou a hora de fazer um novo disco, subverteu todas as possíveis expectativas lançando “Pirates”, um disco incrível, porém de difícil audição para ouvidos acostumados ao Top 40. Mas essa é outra história.
**************** 
FAIXAS:
1. "Chuck E.'s In Love" – 3:28
2. "On Saturday Afternoons in 1963" – 2:31
3. "Night Train" – 3:14
4. "Young Blood" – 4:04
5. "Easy Money" – 3:16
6. "The Last Chance Texaco" – 4:05
7. "Danny's All-Star Joint" – 4:01
8. "Coolsville" – 3:49
9. "Weasel and the White Boys Cool" (Rickie Lee Jones/Alfred Johnson) – 6:00
10. "Company" (Lee Jones/Johnson) – 4:40
11. "After Hours (Twelve Bars Past Goodnight)" – 2:13
todas composições de autoria de Rickie Lee Jones, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tom Waits - "Rain Dogs" (1985)


"Pessoas que vivem na rua. Você sabe, como depois da chuva você vê todos esses cães que parecem perdidos, andando por aí. A chuva remove todo o odor, toda orientação deles. Então, todas as pessoas no álbum estão entrelaçadas por alguma maneira física de compartilhar essa dor e desconforto."
Tom Waits,
definindo a expressão
que dá nome ao álbum,
“Rain Dogs”



Sempre lembro da minha mãe se referindo ao Tom Waits como “roncoio” quando eu ou o meu irmão ouvíamos o “Rain Dogs” lá em casa. Chamava assim por causa da voz rouca, rasgada, doente, parecendo ébria e que por vezes ele ainda força um pouco mais para reforçar estas características. E efetivamente o vocal do Sr. Waits é um pouco disso tudo, mas no que não desdoura em nada – muito pelo contrário – toda sua qualidade, capacidade vocal e versatilidade. Em “Rain Dogs” de 1985, Tom Waits passeia pelos mais variados gêneros colocando sua rouquidão a serviço de interpretações admiráveis e singulares. Vai da polca pouco tradicional “Cemetery Polka” ao rock’n roll rasgado de “Union Square”, do country bem caipira, na romântica e chorosa, “Blind Love” ou na ótima “Hang Down Your Head” ao jazz charmosíssimo de “Walking Spanish”; ou indo de uma trilha de filme de espionagem (“Midtown”) a um poema musicado (“9th. and Hennepin”).
A diversidade eclética não para por aí: tem a espetacular salsa “Jockey Full of Bourbon”; “Big Black Mariah” outro rock’n roll clássico, este com participação de Sir. Keith Richards; o jazz de cabaré “Tango Till They’re Sore”; o bluesão “Gun Street Girl”; e um tema funeral típico de Nova Orleans, “Anywhere I Lay My Head” que fecha espetacularmente o disco em uma interpretação emocionante de Waits.
Vale destacar também a faixa que abre o disco, “Singapore”; a excelente faixa título, “Rain Dogs”, com sua introdução de acordeão; “Clap Hands” com a voz sussurrada de Waits e uma percussão muito interessante; a lamentosa e tristonha balada “Time”, outra das grandes faixas do disco e a boa “Downtown Train”, por certo a mais popzinha do disco.
Enfim, todas mereceriam destaque. É daqueles discos indefectíveis.
Rouco, louco, bêbado, doente... que seja. Defina como quiser. O certo é que trata-se de uma das vozes mais peculiares e competentes do universo atual da música e um músico completo capaz de um trabalho indefectível como este “Rain Dogs”, um dos grandes álbuns dos anos 80.

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FAIXAS:

1. "Singapore" 2:46
2. "Clap Hands" 3:47
3. "Cemetery Polka" 1:51
4. "Jockey Full of Bourbon" 2:45
5. "Tango Till They're Sore" 2:49
6. "Big Black Mariah" 2:44
7. "Diamonds & Gold" 2:31
8. "Hang Down Your Head" 2:32
9. "Time" 3:55
10. "Rain Dogs" 2:56
11. "Midtown" Instrumental 1:00
12. "9th & Hennepin" 1:58
13. "Gun Street Girl" 4:37
14. "Union Square" 2:24
15. "Blind Love" 4:18
16. "Walking Spanish" 3:05
17. "Downtown Train" 3:53
18. "Bride of Rain Dogs" Instrumental 1:07
19. "Anywhere I Lay My Head" 2:48


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Ouça:
Tom Waits Rain Dogs


Cly Reis