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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

U2 - "Zooropa" (1993)

 

Atento, bebê?

“Quando começamos ‘Zooropa’, sugeri à banda que ficassem improvisando no estúdio regularmente. Eles haviam perdido esse hábito de improvisar e, por vários motivos, não o faziam. Então eu disse: ‘devemos imaginar que estamos fazendo trilhas sonoras de filmes hipotéticos, não fazendo músicas.’”
Brian Eno

Nunca acreditei em “Achtung Baby”, o tão celebrado disco da U2 de 1991. É este mesmo o termo: "acredito". Não se trata de "gostar", mas sim de crer. Aliás, gostar, até gosto. "One", "Until the End of the World" e “Acrobat” estão aí para provar. Porém, estas e todas as demais nove faixas de “Achtung...” são, a rigor, de longe menos inspiradas do que diversas outras da banda e, principalmente, graus abaixo do que Bono Vox, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton têm condições de entregar. Por que, então, falo de credibilidade e não necessariamente de qualidade? E por que abro o texto indo na contramão da maioria falando de uma obra consagrada e não daquela que motiva este artigo, “Zooropa”? Afora a ordem sucessória entre um disco e outro, é necessário que se volte alguns anos antes ao grande sucesso comercial e de crítica da U2 nos anos 90 para entender aquela que considero a maior farsa planejada da música pop moderna.

O ano é 1988. A U2 ostentava a posição de grande banda do rock internacional. Com o término da The Smiths e os às vezes errante caminhos da The Cure, a U2 somava todos os elementos para ocupar tal posição, rompendo a linha que divide o underground do início da carreira para o status de lotadores de estádio. Musicalmente, um fenômeno gerador de hits, vendas de discos e canções clássicas. Tinha um vocalista de admiráveis qualidades vocais e letrísticas, um guitar hero sofisticado e criativo e a "cozinha" mais competente do rock 80. Politicamente, foi o grupo mais engajado da sua geração. A coroação veio com “The Joshua Tree”, de 1987, que deu aos irlandeses discos de ouro, platina e diamante em vários países e um Grammy de Álbum do Ano, consolidando-os no mercado mundial com sucessos como "With ir Without You" e "I Still Haven't Found What I'm Looking For".

Arte do famigerado "Achtung...", de 1991
Ocorre que “Joshua...” é daquelas obras tão divisórias na carreira de qualquer artista, que lhes surtiu o efeito contrário. Ao invés de orientar Bono & Cia., desnorteou-os. Que rumo tomar depois de tamanho êxito comercial e artístico? O longo e irregular “Rattle and Hum”, no qual voltam os olhares para a cultura folk norte-americana, simboliza este hiato conceitual. A imagem da capa de Bono apontando o holofote para The Edge, mais do que uma mostra da saudável parceria entre ambos, simboliza uma necessidade (talvez inconsciente) de valorização da forma sobre a aparência. A U2 queria dizer que não se resumia ao Bono front man e, sim, que formavam um coletivo do qual seu guitarrista era o melhor representante. Nem todos entendiam isso, entretanto; E pior: continuavam exigindo-lhes a divindade cega atribuída às celebridades. Então, para que lado ir se já afastados da forte pegada política de “Sunday Blood Sunday” e alçados a astros planetários? Foi então que, naquele mesmo ano de 1988, a resposta se insinuou como uma solução: a fraude da dupla alemã Milli Vanilli.

Surgidos como revelação da música pop, Fab Morvan e Rob Pilatus foram acusados de não interpretarem as próprias músicas. Desmascarados, foram demitidos da gravadora que os fez vender milhões e tiveram que devolver o Grammy que venceram. Morvan e Pilatus precisaram convocar uma vexatória coletiva para confessarem que, de fato, apenas faziam playback em cima do palco e que ghostsingers cantavam por eles em estúdio. Justificaram que haviam sido recrutados pelo visual, como uma estratégia de publicidade. Bono, então, ouviu e ligou os pontos: “Fraude, Grammy, publicidade, paradas de sucesso, personagens...”. Deu-lhe um estalo: ali estava a chave para os problemas da U2.

Não é possível medir o quanto Bono ficou impactado com tal ocorrido, embora a polêmica da Milli Vanilli tenha ganhado tamanha proporção que, provavelmente, deu um sinal de alerta para qualquer um que pertencesse à indústria cultural. Bono, ao que tudo indica, perspicaz como é, captou a essência da discussão, mas injetou-lhe doses de ironia. Numa fase de “crise de identidade”, o negócio era assumir uma “não identidade”. Genial! Já distante da figura politizada que os consagrou e diante da incerteza que o estrelato provocou, a escolha da U2 foi criar uma nova imagem pública: dar vida a personagens fictícios e produzir músicas de fácil assimilação. 

Os riffs de “Achtung...”, basta notar, são bastante simples, até simplórios em alguns casos em se tratado da alta técnica de The Edge. "Who's Gonna Ride Your Wild Horses", "The Fly", "Mysterious Ways", "Tryin' To Throw Your Arms Around The World" são assim: quase sem graça. O minimalismo característico de The Edge transformou-se em preguiça. Praticamente todas as faixas têm o mesmo embalo. Mas, claro, com a caprichada produção de Brian Eno, que mascarava tudo. Além disso, fotos e clipes de Anton Corbijn, mixagem de Daniel Lanois e Robbie Adams e engenharia de som de Flood. Invólucro perfeito, como todo produto premium de supermercado. Para arrematar a traquinagem, o disco é gravado na mesma Alemanha em que David Bowie e o mesmo Eno conceberam a nova música pop no final dos anos 70. Mas também a mesma Alemanha da Milli Vanilli... 


Agora, valendo!

Jamais a U2 tinha feito algo tão raso como “Achtung Baby”, e isso queria dizer alguma coisa. O circo foi tão bem montado que, com absoluta unanimidade, todos caíram na deles. Público e crítica elevaram o disco a obra-prima mesmo sem ter um riff à altura de “Bad”, “Red Hill Minning Town”, “God Part 2”, “Like a Song...” e por aí vai. Quando um artista chega a determinado estágio, o que se espera é que, no mínimo, supere o que já fez. Mas diante da incapacidade crítica da pós-modernidade, a U2 percebeu que isso não se aplicaria a ídolos acima de qualquer suspeita como eles. Na verdade, fizeram o contrário: ao invés de evoluir, deram passos para trás, mas com muita inteligência e marketing. E ego. Bono encarnava personagens como The Fly e The Macphisto com visível falta de habilidade cênica, mas suficiente para encantar os fãs. A piada foi tão bem contada que, somado ao respeito e a credibilidade de que jamais uma banda “séria” como a U2 faria algo assim, ninguém desconfiou de nada.

Por sorte, a enganação deliberada de “Achtung...” foi, em trocadilho com o próprio título, apenas para ver se a galera estava “atenta”. Como ninguém estava, no fundo o tiro saiu pela culatra. O negócio era desistir da palhaçada e fazer algo bom novamente. Fruto de canções surgidas durante a turnê e de suspeitas “sobras” do afamado disco anterior, “Zooropa” mostra porque a U2 chegava, enfim, à maturidade. Improvisos, experimentações, ousadias, ludicidade. É possível sentir um clima de liberdade criativa em suas faixas. Se a ida para Berlim anos antes foi, como fez Bowie, para se afastar do burburinho da mídia, enfim a intenção funcionava para a U2. 

Um rápido paralelo entre as faixas de um disco e outro provam que a turma estava mesmo interessada em fazer o que sempre soube: pop-rock forjado no pós-punk, somado aos elementos do tecno, como downtemto, synth pop e experimental. Na abertura, para uma pirotécnica ”Zoo Station”, mandam ver “Zooropa”, extensa, pouco vendável, sem pressa para começar e nem para terminar. Riff bem elaborado que, lá pelas tantas, ainda sofre uma virada que acelera seu compasso, gerando quase que uma outra música. Excelente cartão de visitas para deixar claro que a U2, definitivamente, havia deixado as máscaras de mosca em segundo plano.

A melódica “Babyface”, algo semelhante em atmosfera a “So Cruel”, de “Achtung...”, faz homenagem ao músico de R&B que influenciaria bastante o som da banda naquele momento. Esta antecipa a primeira obra-prima do álbum: “Numb”. Desviando os holofotes quase monopolizados por Bono, a banda realiza de vez o que prenunciavam na capa de “Rattle...” com The Edge fazendo as vezes de protagonista. E aqui Eno, novamente recrutado como um quinto integrante, faz valer sua arte de produção. E não para “salvar” a música, mas para potencializá-la. Construtiva, a partir de uma programação eletrônica e um riff estetizado, “Numb” vai agregando elementos como bateria, efeitos de teclados, frases de guitarras, sintetizadores e contracantos, como o belo falsete de Bono dizendo versos como: “I feel numb” e “Too much is not enough”. Tão original que é sem comparação com qualquer uma de “Achtung...”.

Outra pérola: “Lemon”. Mais uma cantada em falsete, agora com Bono retomando o centro do palco, lembra “Misterious Ways” por certa latinidade da percussão de Mullen Jr. Mas apenas de longe, pois é muito melhor e bem mais elaborada. A começar pelo riff, este sim minimalista como The Edge é craque, mas saborosamente criativo, forjado apenas no efeito de pedal, que se forma através de ressonâncias. O baixo de Clayton, idem: seguro como sempre, fazendo a base perfeita para esta world music moderna. Mas principalmente: o arranjo de Eno. Nesta faixa fica evidente o quanto o papel do eterno Roxy Music foi fundamental para a retomada da U2 à sua raiz de beleza estética com liberdade e ousadia. Os coros em tom menor, com contracantos acentuados, dão um exótico ar étnico à música. Impossível não lembrar das contribuições de arranjo e melodia de Eno para a Talking Heads em “Remai in Light” (“Born Under Punches”/“Crosseyed and Painless”/”The Great Curve”), de 1980, ou músicas de seus trabalhos solo como “No One Receiving” (de “Before and After Science”, 1977).

clipe de "Lemon", com direção de Mark Neale

Já “Stay (Faraway, So Close!)”, se não supera “One”, sua mais evidente correspondente em “Achtung...”, emparelha, ainda mais porque, balada sentimental tanto quanto, faz paralelo também com outra do álbum anterior, “Until...”, pois ambas são temas de trilhas sonoras de filmes do cineasta alemão Win Wenders – neste caso, a tocante continuação de “Asas do Desejo” homônima à canção. Virando a chave, “Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car” devolve energia a “Zooropa” – aliás, como até então não havia ocorrido. Tecno industrial com um riff bem sacado, bateria eletrizante e uma produção, meus amigos! Que habilidade numa mesa de som tem o sr. Brian Peter George St. John le Baptiste de la Salle Eno! Ele colore a música do início ao fim, ressaltando todas as texturas e detalhes que ela tem de melhor, mas sem tirar o brilho original, deixando os louros para a performance da U2. Distantes da espetacularização da turnê Zoo TV, a banda irlandesa realmente está espetacular.

Se “Daddy’s...” lembra em certa medida “The Fly” e “Zoo Station”, de “Achtung...”, “Some Days Are Better Than Others” equivale a "Tryin' To Throw Your Arms Around The World". Novamente, contudo, vencendo a disputa. E quão simbólica a letra para aquele momento de autorreconhecimento, quase um mea culpa: “Alguns dias você usa mais força do que o necessário/ Alguns dias simplesmente nos visitam/ Alguns dias são melhores do que outros”. Já a escondida “The First Time” é uma surpresa altamente positiva, que começa com uma leve base de baixo sob a linda voz de Bono para ir ganhando, aos poucos, outros instrumentos/elementos, que lhe aumentam a emotividade. Além disso, faz analogia com “Love Is Blindness”, última do trabalho antecessor. Mas como assim, se ela não encerra “Zooropa”? Aham! A estratégia narrativa usada para gerar estardalhaço anteriormente, agora era empregada a favor da feitura da obra. “The First...” prepara o terreno para a penúltima faixa, “Dirty Day”, outra que, assim como “Zooropa”, não se apressa em começar e a se desenrolar. Pop eficiente, tem o detalhe da voz de Bono sobre todos os outros sons, como que viva diante do microfone, expediente imortalizado por Eno e pelo produtor Tony Visconti em “Heroes”, de Bowie, em 1978, daquela mesma inspiradora fase alemã do Camaleão do Rock. 

Eno com Edge e Bono em estúdio
dando as coordenadas pra banda
Toda essa construção narrativa, quase como a de um filme ou de uma ópera-rock (seria a tragédia do famigerado personagem The Fly?), converge para um gran finale: “The Wanderer”. Pode ser que tenha sido coisa de Bono ou dos outros integrantes da U2, mas ninguém me tira da mente que a ideia de chamar o mitológico Johnny Cash para cantar triunfalmente a última faixa do disco foi de Eno. A base totalmente em teclados, contrastando com o estilo country-folk orgânico de Cash, dão uma clara pista de que a música surgiu desta ideia central pensada por ele. O estilo melódico, a reelaboração modernista do rock 50, os coros estilo Phil Spector, o refrão com melodia emotiva terminado em uma nota baixa e melancólica... Tal “The River”, de Eno e John Cale, tal “Golden Hours”, do seu solo “Another Green World”. Muita coincidência. Ou a U2 emulou Eno, ou essa música, meus amigos, é de Eno com participação da U2! O que, na verdade, é uma prova de grandiosidade da banda, que soube abrandar os egos e delegar a alguém um fator importante da obra, mas sem perder sua marca própria. Isso se chama maturidade.

E quanta beleza em “The Wanderer”! Escritos para o barítono embriagado Cash, os versos (de Bono, credite-se) largam dizendo: “I went out walking/ Through streets paved with gold/ Lifted some stones, saw the skin and bonés/ Of a city without a soul” (“Eu saí caminhando/ Pelas ruas pavimentadas com ouro/ Levantei algumas pedras, vi pele e ossos/ De uma cidade sem alma”). Uma clara referência ao clássico “Walked in Line”, imortalizada na voz do errante Homem de Preto, mas também à própria consciência da U2 pelas perigosas trilhas da fama. “The Wanderer” ainda serviu como uma homenagem em vida a Cash. Eterno outsider e já no ostracismo naqueles idos, ele viria a se revitalizar como artista e gravar seus últimos álbuns na série “American”, morrendo 10 anos depois daquela gravação (a versão definitiva de “One”, aliás, é de seu “American III”, de 2000). Um digno final de disco da U2, o mais tocante e melhor de sua discografia, mais bonito até do que “MLK” encerrando “The Unforgatable Fire” ou do que “All I Want Is You” fechando “Ratlle...”. Um final para desfazer mal-entendidos e enterrar qualquer piada de mal gosto que um dia tenham feito.

clipe de "The Wanderer", com participação de Johnny Cash

“Zooropa”, o melhor disco da banda em toda a década de 90 e seu último grande álbum, completa 30 anos de lançamento. Isso nos leva a deduzir que, há três décadas, a U2 desfazia um erro grotesco chamado “Achtung Baby” para, responsavelmente para com sua própria obra, dignidade e reputação, conceber “Zooropa”. O processo de concepção conduzido por Eno, livre das amarras do enterteinment e voltado às origens deles como músicos, foi tão rico, que rendeu, dois anos depois, o ótimo “Passengers: Original Soundtracks 1”, em que encarnam com humildade a inédita nomenclatura para compor trilhas sonoras para diversos filmes. Um pouco do que já era “Zooropa”: uma narrativa, uma história.

O certo seria Bono, Edge, Mullen Jr., Clayton e Eno, assim como fez a Milli Vanilli no passado, chamar a imprensa para uma coletiva e confessarem o engodo de "Achtung Baby" – de preferência, em Berlim, cidade acostumada a reconstruções e onde a farra foi cometida. Mas isso jamais acontecerá. Para mim, contento-me em ouvir “Zooropa” e saber que ele veio reestabelecer minha relação com a U2, o que vinha gradativamente perdendo força e sofrera considerável abalo quando do meu desmascaramento solitário. “Zooropa”, com sua força e identidade, zerou tudo. A U2 está para sempre desculpada.

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FAIXAS:
1. Zooropa - 6:30
2. Babyface - 4:00
3. Numb - 4:18
4. Lemon - 6:56
5. Stay (Faraway, So Close!) - 4:58
6. Daddy's Gonna Pay For Your Crashed Car - 5:19
7. Some Days Are Better Than Others - 4:15
8. The First Time - 3:45
9. Dirty Day - 5:24
10. The Wanderer - 5:42
Todas as composições de autoria de Bono Voz, The Edge, Larry Mullen Jr. e Adam Clayton

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OUÇA O DISCO


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Rock HQ

 




Ramones - arte inspirada na canção "Pet Sematary"

Nirvana - arte inspirada na canção
"Francis Farmer Will Take Her Revenge on Seattle"

Guns 'n Roses - arte inspirada na canção
"Welcome to the Jungle", com menção 
à canção "Paradise City"


Queen - arte inspirada na canção 
"Who Wants to Live Forever" com
menção à canção "Killer Queen"

U2 - arte inspirada na canção "The Fly"

Jimi Hendrix - arte inspirada na canção "Fire".
com menção à canção "Foxy Lady"

David Bowie - arte inspirada nas canções
"Starman", "Blackstar" e "The Man Who Fell on Earth",
com menção à canção "Five Years"




Rock HQ
ilustrações digitais de Cly Reis


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Simple Minds - "Sparkle in the Rain" (1984)




"["Sparkle in the Rain"] 
é um registro de arte
- arte sem lágrimas
e com massa muscular"
Jim Kerr,
vocalista do Simple Minds



O Simple Minds não é exatamente aquele tipo de banda de repertório fraco, limitado e que baseou sua carreira em um hit, mas, embora tenham feito relativo sucesso em sua época, não há  como negar que a banda inglesa é lembrada, especialmente, por duas músicas:
"Don't You (Forget About Me)", trilha sonora do filme "O Clube dos Cinco", um dos marcos culturais dos anos 80, e "Alive and Kicking", uma canção pop inspiradíssima de tom grandioso, integrante do álbum "Once Upon a Time" que, ainda que tivesse um dos grandes momentos do grupo, era um trabalho um tanto irregular e um tanto sem personalidade.
O grande trabalho da banda, no entanto, para mim, é seu antecessor, "Sparkle in the Rain", de 1984, um disco criativo e impetuoso no qual a banda parece ainda não comprometida com o modelo de banda de estádio, com aquela efígie evocativa que viria a acompanhá-la dali para diante.
"Sparkle..." traz um synth-pop vibrante, com linhas agressivas, vocais intensos,  e uma banda integrada, completa, afiada, onde tudo funciona perfeitamente.
A contagem inicial, com a marcação de baquetas, ao melhor estilo punk, em "Up on the Catwalk", seguida da tempestade sonora da introdução dos demais instrumentos, já acena para essa atitude arrojada. Sob o suporte de um piano marcante, uma bateria potente, Jim Kerr exibe um trabalho vocal preciso, dando a tônica do que seria o disco a partir dali.
Uma linha de teclados agressiva mas ao mesmo tempo encantadora introduz a ótima "Book of Billiant Things", uma das melhores do álbum; em "Speed Your Love to Me" o destaque é  para a potente bateria; e em "Waterfront" é um baixo insistente e repetido na mesma nota que faz iniciar mais uma das boas faixas do disco.
"East at Easter", crescente, vai ganhando instrumentos e força até atingir um clímax sonoro quando tudo se une num final belíssimo. "Street Hassle", cover de Lou Reed é, provavelmente, o melhor momento do álbum numa versão grandiosa (ainda que não tão grande quanto a original, com metade de sua duração), apoiada em um arranjo majestoso e uma interpretação emocionante de Kerr.
"White Hot Day" e "'C' Moon Cry Like a Baby" são duas belas canções pop elegantes e sofisticadas; "Kick Inside of Me", com sua introdução pesada de baixo, é um pós-punk intenso e vigoroso; e "Shake of Ghosts", uma instrumental leve e quase relaxante fecha o disco de maneira perfeita.
Os Simple Minds, ironicamente, por conta, de seus dois grandes sucessos, acabou, sendo subvalorizado em seu papel no pop dos anos 80. Como se só tivessem tido a capacidade de produzir aqueles hits e pronto. Sem falar na comparação com o U2 que, no peso da ascendência, da projeção, do apelo, foi prejudicial para o grupo de Jim Kerr, chegando ao ponto de ser considerada uma espécie de "U2 com teclados", maldosamente apelidado, até mesmo, de "U3". Injustiça! O Simple Minds passava longe de ser uma difusa sombra do grupo de Bono Vox, especialmente nos primeiros discos ainda com uma boa pegada pós-punk, com linhas melódicas criativas, pungência e originalidade, como fica bem demonstrado nesse grande álbum, "Sparkle in the Rain".
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FAIXAS:
1. "Up on the Catwalk" (4:45)
2. "Book of Brilliant Things" (4:21)
3. "Speed Your Love to Me" (4:24)
4. "Waterfront" (4:49)
5. "East at Easter" (3:32)
6. "Street Hassle" / Lou Reed (5:14)
7. "White Hot Day" (4:32)
8. "'C' Moon Cry Like a Baby" (4:19)
9. "The Kick Inside of Me" (4:48)
10. "Shake Off the Ghosts" (3:57)

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Ouça:






por Cly Reis

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

30 grandes músicas dos anos 80 (não necessariamente as melhores)

Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de
Anton Corbjin da época de "Bad"
Sabe aquela música de um artista pop que você escuta e se assombra? E o assombro ainda só aumenta a cada nova audição? “Caramba, que som é esse?!”, você se diz. Pois bem: todas as décadas do rock – principalmente a partir dos anos 60, quando as variações melódico-harmônicas se multiplicaram na reelaboração do rock seminal de Chuck Berry, Little Richard e contemporâneos – são repletas de músicas assim: clássicos imediatos. Mas por uma questão de autorreconhecimento, aquelas produzidas nos anos 80 me chamam bastante a atenção. É desta década que mais facilmente consigo enumerar obras desta característica, as que deixam o ouvinte boquiaberto ou, se não tanto, admirado.

Conseguiu entender de que tipo de música estou falando? Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes, que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo. Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”

Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica". 

Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas. 

E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”. 


1 – “Bad” - U2 ("The Unforgatable Fire", 1984) OUÇA
2 – “Alive and Kicking” - Simple Minds (Single "Alive and Kickin'", 1985) OUÇA
3 –
Capa do compacto de
"How...", dos Smiths
“How Soon is Now?”
- The Smiths 
("Hatful of Hollow", 1984) OUÇA








4 – “Nocturnal Me” - Echo & The Bunnymen ("Ocean Rain", 1984) OUÇA
5 – “A Forest” - The Cure ("Seventeen Seconds", 1980) OUÇA
6 – “World Leader Pretend” - R.E.M. ("Green", 1988) OUÇA
7 – “Ashes to Ashes” - David Bowie ("Scary Monsters (and Super Creeps)", 1980) OUÇA
8 – “Vienna” - Ultravox ("Vienna", 1980)

Videoclipe de "Vienna", da Ultarvox, tão 
clássico quanto a música


9 – “Road to Nowhere” - Talking Heads ("Little Creatures", 1985) OUÇA
10 – “All Day Long” - New Order ("Brotherhood", 1986) OUÇA
11  “Armageddon Days Are Here (Again)” - The The ("Mind Bomb", 1989) OUÇA
12 – “The Cross” - Prince ("Sign' O' the Times", 1986) OUÇA
13 – “Live to Tell” - Madonna ("True Blue", 1986) OUÇA

Madonna estilo diva, no clipe de "Live..."

14 – “Hunting High and Low” - A-Ha ("Hunting High and Low", 1985) OUÇA
15 – “Save a Prayer” - Duran Duran ("Rio", 1982) OUÇA
16 – “Hey!” - Pixies ("Doolitle", 1989) OUÇA
17 – “Libertango (I've Seen That Face Before) - Grace Jones ("Nightclubbing", 1981) OUÇA
18 – “Black Angel” - The Cult ("Love", 1985) OUÇA
19 – “Children of Revolution” - Violent Fammes ("The Blind Leading the Naked", 1986) OUÇA
Os pouco afamados
Alternative Radio
emplacam a fantástica
"Valley..."
20 – “Valley of Evergreen” - Alternative Radio 
("First Night", 1984) OUÇA









21  “USA” - The Pogues ("Peace and Love'", 1989) OUÇA
22  “Decades” - Joy Division ("Closer", 1980) OUÇA
23 – “Easy” - Public Image Ltd. ("Album", 1986) OUÇA
24  “Teen Age Riot” - Sonic Youth ("Daydream Nation", 1988) OUÇA
25 – “One” - Metallica ("...And Justice for All", 1988) OUÇA
26 – “Little 15” - Depeche Mode ("Music for the Masses", 1987) OUÇA
27 – "Never Tear Us Apart" - INXS ("Kick", 1987)

Hits também têm seu lugar: 
"Never Tear Us Apart", da INXS


28 – “Lands End” - Siouxsie & The Banshees ("Tinderbox", 1986) OUÇA
29 – “US 80's–90's” - The Fall ("Bend Sinister", 1986) OUÇA
30 – “Brothers in Arms” Dire Straits ("Brothers in Arms", 1985) OUÇA


Daniel Rodrigues

sábado, 31 de julho de 2021

Cantando de olhinhos puxados


 



Os alemães da Kraftwerk vestiram kimono e puxaram os olhinhos
para cantar no idioma japonês
Olimpíadas rolando em Tóquio e tá todo mundo se arriscando num "sayonara" ou num "arigatô", não é verdade? Mas falar japonês pra valer, convenhamos, é pra poucos. Dada a dificuldade de se entender a milenar língua nipônica, pode-se dizer que cantar em japonês é domínio estritamente de quem é natural de lá.

Mas será mesmo? Se depender de alguns ousados artistas, não é bem assim. Indo além do palavreado simplório, músicos de nacionalidades diferentes da japonesa também se aventuraram nessa difícil e rara empreitada. E fizeram mais do que simplesmente cantar temas originais do Japão ou versar standarts para o japonês: eles compuseram canções novas neste idioma. Seja norte-americano, brasileiro, inglês ou alemão, esses músicos, menor ou maiormente afeitos aos ideogramas hanzi, puseram a cara pra bater e fizeram obras diferentes daquilo que eles mesmos desenvolvem normalmente.

Aproveitando, então, esse clima olímpico de Jogos de Tóquio, selecionamos sete músicas de artistas não-japoneses que não só fugiram dos estereótipos como construíram bonitas obras em homenagem à cultura do país do Sol Nascente.

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“Ito Okashi” - The Passangers (1995)
Composta para a trilha da performance de mesmo nome da artista japonesa Rita Takashina, a canção, cantada por sua conterrânea Akiko Kobayashi, a Holi, é de autoria que ninguém menos que Bono Vox, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr. e Brian Eno, ou seja: a U2 em parceria com seu melhor e mais celebrado produtor. A The Passangers, projeto criado para abarcar as diversas trilhas que a turma compôs junto fora do repertório da renomada banda, lançou um único disco com esta formação e nomenclatura, “Original Soundtracks 1” repleto dessas coisas inusitadas assim como o próprio grupo. “Ito Okashi” é certamente das mais representativas do repertório.

Clipe de "Ito Okashi",da The Passangers



“Ai no Sono” - Stevie Wonder (1979)
Da capacidade de Stevie Wonder não se pode duvidar de nada, nem que ele fique com olhos puxados como um oriental pode debaixo daqueles óculos escuros. A bela “Ai no Sono”, assim como a música da The Passangers, também nasceu de um projeto diferente e ligado a cinema. No caso, a trilha sonora para o filme de animação “Journey Through the Secret Life of Plants”, que o Estevão Maravilhoso não apenas compôs, como tocou, arranjou e produziu de cabo a rabo. Quem pode duvidar, então, que o homem invente uma canção em japonês? Embora irregular e extenso, o disco duplo, guarda essa joia que só poderia ter saído de uma cabeça genial como a de Stevie.
OUÇA



“Made in Japan”
- Pato Fu (1999)

O lado extrovertido da Pato Fu faz com que a banda mineira liderada por John Ulhoa e Fernanda Takai (de origem oriental), diferente de outros grupos “sérios” do rock nacional dos anos 90, não levasse tão a sério a si mesmos. Entre os benefícios disso, está o de levar a sério as próprias brincadeiras, como a de criar uma música toda em japonês. Para quem como eles, que cresceu jogando Hatari e vendo na TV Spectreman e Ultraman (e admite isso), não foi uma tarefa tão difícil. Música do disco “Isopor”, de pouco antes de Fernanda começar a se achar uma grande cantora, ou seja, a se levar a sério.
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“Relax”
- The Glove (1983)

Tá certo que é só um refrão “sampleado” de uma voz masculina repetindo as mesmas frases durante a faixa inteira – provavelmente, chupada de algum filme japonês B muito esquisito. Junto a essa voz, outros recortes se entrecruzam com variações de velocidade e compressão, além de sons que fazem referência ao Oriente, como de um koto, de sinos e gongos. Mas, além do inusitado do idioma diferente do inglês em comparação com todos os outros temas cantados de “Blue Sunshine”, o maravilhoso e único disco do projeto de Robert Smith (The Cure) e Steven Severin (Siouxsie & The Banshees), a The Glove, fecha com esta tensa e lisérgica canção, digamos, nada “relax”
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“I Love You, Tokyo”
- Os Incríveis (1968)

Em 1968, a banda de rock da jovem guarda Os Incríveis excursionaram pelo Japão e aproveitaram para gravar no álbum “Os Incríveis Internacionais” e, depois em “Os Incríveis no Japão”, a faixa “I Love you Tokyo”. Embora o título em inglês, a letra é, sim, toda em japonês. A sacadinha da turma de Mingo, Risonho, Nenê, Neno e Netinho foi utilizar uma música original da era Meiji, composta por volta do ano de 1700, para inventar a letra. “Vale essa, Arnaldo?” Vale, sim.
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“Miki”
- Toninho Horta (2012)
Um dos vários músicos brasileiros admirados no Japão – às vezes, reconhecido mais ou antes lá do que aqui – é o mineiro Toninho Horta, violonista e compositor de mão cheia e um dos artífices do Clube da Esquina. No início dos anos 2010, em constante deslocamento entre o seu país natal e o outro lado do mundo, resolveu, então, solucionar esse problema lançando o disco “Minas Tokio”. Em parceria com a musicista japonesa Nubie, Horta, além de regravar clássicos como “Beijo Partido” e “Giant Steps” e de seus tradicionais e belos temas instrumentais, como a claramente oriental “Shinkansen”, ainda escreveu com ela músicas que fazem essa ponte entre Brasil e Japão não só pela música, mas pela letra também.
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“Dentaku” - Kraftwerk (1981)
Os geniais pais da música eletrônica, além de cantarem em inglês e alemão em várias ocasiões, têm como característica a universalidade da sua música. É o que se vê nas músicas “Numbers”, que mistura diversas línguas, as faixas de “Tour de France”, todas cantadas em francês, “Sex Object”, com trechos em espanhol, ou “Electric Café”, quando até o português eles arranham. Por que, não, então, cantar em japonês. É o que fizeram nessa faixa, que é uma corruptela da clássica “Pocket Calculator”, do álbum “Computer World”, que, no final das contas, diz mais ou menos a mesma coisa que seu tema original: um convite para fazer/ouvir música usando as teclas de uma calculadora de bolso. 

"Pocket Calculator/ Dentaku" ao vivo, da Kraftwerk



“Império dos Sentidos” - Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros (1989)
Não se enganem pelo título em português. Afinal, quem não liga este nome a de um dos mais famosos filmes rodados no Japão, o drama erótico de Nagisa Oshima que escandalizou o mundo nos anos 70? Pois foi com essa clara referência (e reverência), que os criativos Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Herbert Vianna escreveram a música que intitula o segundo disco da banda carioca. Para isso, fazem o mesmo expediente que a The Glove: recortam um trecho de voz, neste caso, feminina, que repete a mesma frase em japonês, algo provavelmente extraído do próprio filme. Um clima misterioso e, claro, com elementos orientais além da própria letra, que é dita levemente por uma voz feminina, quase uma “narcotic android nissei com a bateria no fim”, como diria o próprio Fawcett.
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cenas do filme "O Império dos Sentidos"


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 26 de maio de 2021

"Crônicas: volume 1", de Bob Dylan - ed. Planeta (2016)

 


"Eu realmente jamais fui mais do que era
- um cantor de folk que fitava a névoa cinzenta
com os olhos cegos pelas lágrimas
e fazia canções que flutuavam 
em uma neblina luminosa."
Bob Dylan em trecho do livro




Dylan é um deleite! Seja ouvindo, seja lendo, sendo que, no caso dele, em especial, o ouvir normalmente não tem como andar separado da leitura. Prêmio Nobel de literatura, suas letras são, desde sempre, não somente dotadas de um conteúdo relevante, significativo, reflexivo, politizado, como, para isso, escritas com uma qualidade ímpar e quase inigualável dentro do universo da música. Mas, efetivamente, toda essa qualidade fica ainda mais evidenciada quando o texto é escrito, dedicado objetivamente à leitura. "Crônicas: vol.1", parte da autobiografia do cantor norte-americano, é uma leitura absolutamente saborosa e envolvente, desenvolvida com sensibilidade, bom humor, fluidez, ritmo e, por incrível que possa parecer para muitos, com musicalidade. Em alguns momentos, parece que só falta o ritmo porque o que estamos lendo parece ser alguma de suas letras, e se o leitor imaginar alguma melodia na cabeça, pronto, estará lendo uma música de Bob Dylan
Em "Crônicas: vol.1", Dylan narra seus primeiros passos em Nova York, os contatos, como o executivo e caça-talentos John Hammond da Columbia, o empresário Lou Levy; as pessoas interessantes que conheceu, como o cantor folk Dave Van Ronk, a assistente de palco Suze Rotolo, de quem foi namorado; os livros que teve acesso na casa do amigo Ray Gooch, como "A Pele de Onagro", "A Deusa Branca", "As Tentações de Santo Antão"; os autores que passou a admirar por conta disso, como Burroughs, Balzac, Faulkner; os discos com os quais teve contato a partir dessas amizades e as influências musicais que adquiriu a partir dessas audições;  a admiração por Roy Orbison, Johnny Cash, a reverência a Robert Johnson, a devoção por Woody Guthrie; lugares onde começou a se apresentar; as sensações e sentimentos daquela época e daquele momento de sua vida; tudo isso descrito de maneira leve, poética e muito sincera. Dispostos em ordem aleatória cronologicamente, alguns capítulos dão um salto no tempo e tratam de dois álbuns não tão badalados do cantor, "New Morning", de 1970, e "No Mercy", de 1989, sendo que, deste último, chama atenção o tortuoso processo de construção e produção do álbum, ao lado do produtor Daniel Lanois, indicado por Bono Vox, do U2, com idas e vindas, altos e baixos, momentos de inspiração e desânimo, sessões de gravação cansativas, contrastando com outros tempos de sua carreira em que, a rigor, bastava que ele, Dylan, entrasse no estúdio com seu violão, seu suporte de harmônica, algumas páginas de anotações e tínhamos um disco pronto.
Se a música de Bob Dylan é capaz de nos proporcionar um prazer auditivo e sensorial, como um todo, único, seu texto não fica devendo e, inevitavelmente, se funde à sua atividade mais conhecida. Elas são tão gêmeas, tão ligadas que não seria nenhuma loucura dizer que a música de Dylan é luz para os ouvidos e sua escrita, música para os olhos.



Cly Reis
 

sábado, 18 de julho de 2020

Roy Orbison - "In Dreams" (1963)



"Roy era um cantor de ópera.
Ele tinha uma voz grandiosa."
Bob Dylan

"Vendo Roy Orbison,
eu aprendi como cantar uma
balada romântica."
Mick Jagger

"Quando estava quase adormecendo,
escrevi a introdução de "In Dreams",
 fui dormir, levantei-me na manhã seguinte
 e já tinha a letra. 
Todas as músicas são presentes,
 mas essa foi realmente um presente."
Roy Orbison



O primeiro contato que tive com a canção "In Dreams", curiosamente, não foi sonoro. O persoangem John Constantine ouvia a canção no rádio de um táxi num episódio da graphic novel, de Neil Gaiman, "Prelúdios e Noturnos", do personagem Sandman, o Mestre dos Sonhos. "A candy-colored clown they call the sandman/ Tiptoes to my room every night/ Just to sprinkle stardust and to whisper/ Go to sleep. Everything is all right...".  Embora o autor e seus desenhistas lidassem muito bem com a inserção de elementos músicas dentro do formato de quadrinhos, é óbvio que numa HQ não teria ali som para identificar de que música se tratava, contudo, na mesma edição, numa espécia de sumário para os trechos de músicas mencionadas naquela publicação, o autor era creditado: Roy Orbison.



Somente algum tempo depois é que fui ouvir aquela música em "Veludo Azul", de David Lynch, na interpretação célebre da dublagem do personagem Ben usando a luminária como microfone e foi só então que eu liguei os pontos: "quadrinhos-neilgaiman-sandman-mestredossonhos-indreams-royorbison-veludoazul...". Ah,era aquela! Aquela era "In Dreams" que eu havia lido nos quadrinhos. E ela era maravilhosa! Foi o que precisava para fazê-la cair definitivamente nas minhas graças.

"Veludo Azul" - Ben dublando "In Dreams"

"In Dreams", a belísima canção de interpretação emotiva e extasiante, e de arranjo de cordas grandioso, aparece pela primeira vez na discografia de Orbison no disco que leva o mesmo nome, de 1963, mas o álbum não se resume a esta canção que já se eternizou na galeria das grandes baladas da história da música. Roy Orbison é mestre em baladas românticas e "Lonely Wine" e "Dream", não deixam dúvidas sobre isso; "Shahdaroba" também romântica mas um pouco mais embalada é outra ótima canção; mais agitadinha ainda, o rock "Sunset", também merece destaque, bem como "Blue Bayou", outro dos grandes sucessos do cantor que conta com mais uma de suas inspiradas interpretações.
Um dos cantores mais influentes em todo o universo da música, Roy Orbison era admirado por Elvis, Johnny Cash e é frequentemente reverenciado por nomes como Bono, Tom Waits, Bruce Springesteen, entre outros. De minha parte, demorei para conhecer mas desde que tive contato me juntei ao coro dos ilustres fãs.  Sua voz inconfundível e suas interpretações singulares estão, definitivamente, marcadas na história da música.

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FAIXAS:
  1. "In Dreams" (Orbison)
  2. "Lonely Wine" (Roy Wells)
  3. "Shahdaroba" (Cindy Walker)
  4. "No One Will Ever Know" (Mel Foree, Fred Rose)
  5. "Sunset" (Orbison, Joe Melson)
  6. "House Without Windows" (Fred Tobias, Lee Pockriss)
  7. "Dream" (Johnny Mercer)
  8. "Blue Bayou" (Orbison, Joe Melson)
  9. "(They Call You) Gigolette" (Orbison, Joe Melson)
  10. "All I Have To Do Is Dream" (Boudleaux Bryant)
  11. "Beautiful Dreamer" (Stephen Foster)
  12. My Prayer (Jimmy Kennedy, Georges Boulanger)
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Ouça:


Cly Reis