Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por data para a consulta iggy pop. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta iggy pop. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de julho de 2019

"CBGB, O Berço do Punk Rock", de Randall Miller (2013)




"Tem algo aí!
Eu consigo ver que tem algo."
Hilly Kristall quando percebia
algum talento em uma banda



No embalo do Dia Internacional do Rock, o Claquete do ClyBlog aproveita para relembrar e recomendar um dos filmes mais legais sobre este tal de roquenrou, estilo, gênero, ritmo que transcende as barreiras e limites da música configurando-se para muitos de nós uma parte indispensável de nossas vidas. "CBGB, O berço do punk rock", é um delicioso filme que lança seus holofotes sobre a trajetória de existência do pequeno bar localizado num bairro sujo e barra pesada, administrado pelo fracassado empresário Hilly Kristal, brilhantemente interpretado pelo falecido Alan Rickmann, um sujeito atrapalhado nos negócios, mas de imensa generosidade e coração, grande sensibilidade musical e, de certa forma, alguma visão musical. O lendário bar CBGB & OMFUG (Country, Bluegrass, and Blues and Other Music For Uplifting Gormandizers), localizado no Bowery, no sul de Manhattan, que em princípio havia sido pensado por Hilly para tocar música country e assemelhados, acabou tomando outros rumos e veio abrir as portas para uma série de bandas, na época novas e sem muitas oportunidades, de se apresentarem e mostrarem seus trabalhos propiciando a elas aparecerem para o público, para imprensa e empresários, em meio à efervescência daquele cenário artístico que viria a se tornar o movimento punk.
Passando-se concomitantemente à criação da revista "Punk", um dos marcos do período que inspirou o nome do movimento cultural que se iniciava, o filme do diretor Randall Miller, imitando um formato fanzine, bem HQ, com quadrinhos, balões e onomatopeias, repassa com muita leveza e bom-humor as dificuldades e precariedade do lugar, os problemas familiares e financeiros de Hilly e, é claro, como não poderia deixar de ser, o surgimento de bandas que dali em diante viriam a ser grandes conhecidas nossas.
O pequeno palco iluminado apenas por uma lâmpada incandescente suspensa ali no meio, foi a primeira oportunidade de nomes como RamonesBlondieTelevisionTalking Heads e tantos outros.
Iggy Pop com o Blondie de Debbie Harry, no placo,
um dos momentos mais vibrantes de "CBGB".
Alguns capítulos pinçados pelo diretor para ilustrar apresentações destes artistas são dos mais significativos tanto na esfera musical quanto na percepção do que era, efetivamente, um lugar como aquele e acabam por serem hilários para o espectador. O choque elétrico de Tom Verlaine, do Television, por conta de um vazamento sobre o palco; Hilly dizendo para os Ramones que ninguém nunca iria gostar deles; o palco cedendo e o baterista do Blondie despencando dele; Patti Smith lendo seus poemas, xingando a galera e mandando o público calar a boca e ouvir; uma fã, à beira do palco, fazendo sexo oral com chantilly em Stiv Bators do Dead Boys, todas situações verídicas que só reforçam a aura mítica do CBGB e que foram retratadas de maneira muito bonita e quase reverencial pelo diretor.
Um filme indispensável para quem curte o punk e toda a cena que o moldou, mas acima de tudo para quem curte rock e gosta de música de um modo geral, pois o filme fala, acima de tudo, do poder da música e de como ela tem um poder transformador inigualável. É capaz de transformar um lugar, transformar ideias, conceitos, pessoas, vidas. "CBGB" mais do que um filme sobre um lugar, um empresário, sobre bandas, sobre anarquia, caos, rock, barulheira, é um filme sobre acreditar na música como força renovadora. Faça sua parte, sonhe, lance uma ideia, corra atrás e, como diz o próprio Hilly, no filme, "A música vai fazer todo o resto por nós". Não duvide disso.

trailer "CBGB, O Berço do Punk Rock"



Cly Reis




quarta-feira, 29 de maio de 2019

Música da Cabeça - Programa #112


Se em terras tupiniquins a cultura brasileira está na base do "juntos e shallow now", lá fora estamos muito bem, obrigado. Na semana em que Chico Buarque conquista o Camões de Literatura e o cinema nacional faz bonito no Festival de Cannes, nós, que sempre soubemos valorizar as “coisas nossas”, temos várias delas no programa de hoje. Além do próprio Chico em mais de uma dose, tem também a Velha Guarda da Portela, Baden Powell, Gilberto Gil e Jackson do Pandeiro. Mas tem lugar também pros estrangeiros Cocteau Twins, Ryuichi Sakamoto, Iggy Pop e mais. Isso e outras coisas culturais perfazem o Música da Cabeça de hoje, que vai ao ar às 21h, na culturíssima Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues – com muito samba, muito choro e rock ‘n’ roll.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

cotidianas #619 - Gardenia



Gardênia
Onde você está?
Deusa negra em uma capa de chuva gasta
Onde está você hoje à noite?
vestida num baby-doll púrpura barato
A gardênia em seu cabelo
Muito mais alta e mais forte do que eu
Um sonho proibido, um sonho, um sonho

Tudo que eu quero fazer é dizer a Gardênia
O que fazer hoje à noite

Gardênia
Onde está você, hoje à noite?
As ruas eram sua casa
Agora onde é que você vagueia?
Sua bunda em forma de ampulheta
E suas costas poderosas
Seus olhos de diabo oblíquos
E a vala em sua coluna
Profunda bunda, profunda bunda

Tudo que eu quero fazer é dizer Gardenia
O que fazer hoje à noite

Ficamos deitados na escuridão
Então ela acendeu as luzes
Eu vi um hábito perigoso
Quando ela acendeu as luzes
Há sempre uma captura
Na escuridão, quando você
Quando você liga as luzes
Há sempre uma captura
Oh bem, oh bem, oh bem, oh bem

Tudo que eu quero fazer é dizer a Gardênia
O que fazer hoje à noite

Sozinho em um motel barato
Na estrada para o inferno
Maior poeta vivo da América
Estava cobiçando você a noite toda
Você deve estar usando o melhor vestido
Mas aqui está você agora
Gás, alimentação, alojamento, pobreza, miséria e gardênia
Você poderia ser queimada na fogueira
Para todos os seus erros, erros, erros

Tudo que eu quero fazer é dizer Gardênia
O que fazer hoje à noite

***********
"Gardenia
(Iggy Pop)

sábado, 28 de julho de 2018

"The Velvet Underground and Nico", de Joe Harvard - Coleção O Livro do Disco - ed. Cobogó (2014)



"A primeira vez que ouvi o disco "The Velvet Underground and Nico
(...) simplesmente odiei o som. 
Pensei: 'Como alguém pode fazer um disco que soe como essa merda?
Isso é nojento!(...)
Esse som é um lixo!"
Então uns seis meses depois ele me pegou de jeito:
"Meu Deus! NOSSA!
Esse disco é bom pra cacete!' "
Iggy Pop


"Noventa por cento dos quadros que são vistos hoje
como algo extraordinários foram encarados como,
'Ei, isso não é arte!', 
na época em que foram exibidos pela primeira vez(...)
Bem, existiam pessoas que achavam que o Velvet Underground 
era um desperdício do óxido de ferro da fita de gravação."
Norman Dolph, 
co-produtor do álbum



Não sei se, realmente, cada livro que leio da coleção O Livro do Disco é melhor do que o anterior, ou se é apenas uma sensação por estar diante de uma leitura tão empolgante que faz com que a sensação se renove sempre com entusiasmo. "The Velvet Underground and Nico", de Jon Harvard, o último que li não foi diferente disso. Às primeiras páginas já exclamava para mim mesmo que aquele era o melhor livro da coleção. Talvez por não ser um jornalista e por não ter sido um fã imediato do Velvet Underground, tendo percebido aos poucos que a sonoridade da banda estava em tudo o que ouvia e gostava, o trabalho soe com uma sinceridade e uma admiração mais verdadeiras do que de costume em ensaios desta natureza. Joe Harvard, músico, produtor e um dos fundadores do famoso estúdio Forte Apache onde já gravaram nomes como Pixies, Radiohead e Hole, faz questão de em toda sua pesquisa, de dar a real dimensão do que o projeto do Velvet Underground com o artista multimídia Andy Warhol representou não somente para a música mas também para o comportamento e costumes a partir de seu lançamento. A sonoridade inovadora, o experimentalismo, as concepções musicais, as letras literárias e explícitas com suas temáticas incomuns e delicadas, todos são elementos que a banda, sob o estímulo de Warhol, um badalado artista em seu apogeu, que compartilhava de toda aquela profusão criativa, apresentava de forma inédita e ainda hoje, incrivelmente, permanecem impactantes. Quem iria imaginar que em 1967 um grupo de jovens patrocinados por um artista plástico pudesse falar de forma tão aberta (e lírica) sobre o uso de heroína, ou fosse descrever de maneira quase escandalosa sessões de sado-masoquismo? Pois eles o fizeram. E Harvard, o autor, faz questão de mostrar o tamanho disso, o quanto esses temas eram tabus, o quanto o grupo foi ousado na atitude e o quanto foi inovador na linguagem e na intenção artística ao propor estes temas. "Sim, o Velvet Underground escreveu canções sobre heroína, orgias, metanfetamina, servidão e punição, submissão física e emocional, violência, transgêneros, travestis, transexuais e marginais com violência nas ruas, envolvidos com um ou todos os ingredientes acima. Por que? Porque ninguém havia feito isso antes, e porque essa coisas são interessantes." afirma o autor. E continua, "Em 1966, quando ningué falava - e muito menos cantava - sobre tais assuntos proibidos, eles eram ainda mais interessantes, e inclui-los nas letras das músicas com o objetivo de serem consumidos não era mais um truque barato: era uma atitude corajosa e arriscada. E fácil escalar uma montanha depois que os verdadeiros pioneiros passaram 35 anos abrindo uma trilha até seu cume. Em 1966, era preciso ter colhões.". Pois é...  E tudo isso, como se não bastasse, embalado por uma proposta sonora altamente original, pensada artisticamente música a música e com conceitos nada aleatórios. Ou seja, um disco como poucos.
O livro desfaz o mito de que a participação de Warhol na produção do disco tenha sido tão irrisória quanto se afirma, revelando que embora não tivesse atuação efetiva na parte técnica, contribuía decisivamente de forma artística na concepção do trabalho. Lou Reed, vocalista e um dos principais compositores, declarou certa vez: "Andy fez questão de garantir que em nosso primeiro álbum a linguagem permanecesse intacta: 'Não Mude as palavras só porque é um disco". Acho que Andy estava interessado em chocar, em dar um solavanco nas pessoas..." e mais, "Ele apenas tornou possível que fôssemos nós mesmos e seguíssemos adiante, ois ele era Andy Wahrol.".
Numa trabalho bastante rico e bem embasado com relatos antigos dos integrantes da banda, matérias da época em jornais e revistas, e entrevistas com pessoas ligadas à banda, o autor destaca ainda a resistência, especialmente de Reed, em aceitar a modelo e cantora alemã Nico, sugerida por Warhol, no projeto, e "prova" que o cantor estava errado nesta relutância; revela que "Sunday Morning" fora escrita originalmente para Nico mas que, mesquinho, egoísta e vaidoso, Reed a reivindicou e não abriu mão de colocar seus vocais na canção; que a marcante caixa de música na mesma música fora uma sacada casual e genial de John Cale, a outra cabeça pensante do grupo; descreve a sintonia de Reed e Cale nas composições e em suas afinações inusitadas; traz à tona novamente a acusação, na época, de que "Heroin" estimulava o uso de drogas; e ajuda a entender por que "Venus In Furs" garantiu a eles a imagem de depravados.
Um disco que não recebeu o devido reconhecimento em sua época e, mesmo depois, demorou para que sua verdadeira dimensão fosse percebida, mas que mesmo assim chega aos dias de hoje (acredito que agora sim) entendido como um dos mais importantes e influentes de todos os tempos e ao qual um livro como este, muito bem escrito e organizado, faz plena justiça e a devida homenagem. Curiosamente, como o próprio autor salienta, "Uma coisa é certa: poucas bandas - se é que alguma - deixaram um legado tão duradouro com uma ajuda tão inexpressiva da indústria.". Talvez, no fim das contas, por linhas tortas, tenha sido melhor assim.



Cly Reis

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Música da Cabeça - Programa #56


As revoltas de maio de 68 em Paris, cujos ecos estão fazendo 50 anos, e o Dia do Trabalho, data símbolo da luta pela democracia no Brasil, não poderiam deixar de estar no Música da Cabeça desta semana. Além destes assuntos, os libelos mais palpáveis do sentimento de liberdade, ou seja: as músicas! Dentre elas, teremos Parliament, O Rappa, Cream e Gilberto Gil. Ainda, os quadros “Palavra, Lê”, “Música de Fato” e uma lista superinteressante sobre o recém aniversariado Iggy Pop. É muito grito revolucionário para você perder! Então, pega tua faixa e vem escutar o programa hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e voz de protesto: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:

terça-feira, 23 de maio de 2017

The Stooges – “Fun House” (1970)



"Em Fun House, tentamos fazer um som mais 
parecido com a banda original antes do primeiro 
álbum – uma coisa mais livre, improvisada.” 
Scott Asheton


“Os Stooges são originais. Eles têm espírito.” 
Miles Davis


O script da carreira de qualquer artista da música pop é o de, à medida que sua obra avança, a sonoridade e o estilo irem se aperfeiçoando. Embora depois possa fazer incorrer numa amenização ou até perda do viço inicial, isso acontece porque uma banda ou cantor do rock faz muitas vezes do jeito que dá o primeiro disco. O debut, por conta disso, acaba ou deixando a desejar em relação ao que ainda se virá a produzir ou, pela falta de recurso, não consegue expressar com completude as qualidades que já se tem – o que caberá, aí, aos discos seguintes mostrarem. Afinal de contas, todos querem melhorar com o tempo, certo? Errado em se tratando de The Stooges.

A avassaladora estreia no disco homônimo, de 1969, trazia a secura e a energia do punk, porém encapsulado pela minuciosa produção do craque John Cale. O ex-Velvet Underground conseguira tornar consideravelmente pop – mas sem perder o vigor – o baixo feroz de Dave Alexander, as guitarras barulhentas de Ron Asheton e a bateria alta de seu irmão Scott Asheton. Isso, claro, sem falar na intensidade irrefreável do vocalista e líder Iggy Pop, o mais alucinado front band do rock norte-americano à época. Uma banda normal chegaria à lógica conclusão: “Galera, deu certo a receita do nosso primeiro trabalho. Vamos melhorar no nosso próximo disco?”. Bem, como disse, não se trata de um grupo comum. Oriundos da cena underground de Detroit, os Stooges encarnavam uma massa de jovens deslocados, sem emprego e desvalorizados. Eram verdadeiros transgressores vindos de baixo para lutar contra o sistema. Então, por melhor que tenha sido a experiência com Cale, eles eram mais toscos que aquilo. Tanto que propositadamente deram um “passo atrás” em seu segundo e, para muitos, melhor álbum: “Fun House”, de 1970.

“Fun House” é daqueles acontecimentos em que se confundem vida e arte. A contestação típica do rock ‘n’ roll toma a forma mais punk que poderia: com niilismo e sarcasmo. Disponibilizando um orçamento mais modesto do que da primeira vez, a gravadora Elektra chamou para dar um jeito naquela gurizada outro tarimbado produtor Don Galucci (lendário, aos 14 anos tocara órgão na versão de "Louie, Louie", da garage band Kingsmen, sucesso em 1963). Afinal, o primeiro disco, mesmo cultuado, vendera mal e a turma só queria saber mesmo era de se chapar e de putaria. A genial resolução veio da cabeça de Galucci: por que não registrar, então, EXATAMENTE isso? “Se é de sexo, drogas e rock ‘n’ roll que os Stooges entendem, vamos colocá-los a fazer o que sabem”. 

Reproduzindo a atmosfera selvagem e performática dos shows da banda e da própria Fun House – a casa em que todos viviam entre picos de heroína, sexo, confusões e muita música –, eles entraram no estúdio em Los Angeles para tocar ao vivo. E de forma a se sentirem totalmente ambientados, com o aparato usado durante os shows. Iggy se pintando de tinta, trocando roupas, esfarrapando outras ou se lambuzando com cobertura de bolo, cujo branco se misturava ao vermelho do sangue que tirava de si mesmo cortando-se com cacos de vidro. Para completar, depois das sessões de gravação, a “Casa dos Prazeres” se transformava num motel onde orgias e drogas, em looping, geravam o conteúdo musical e conceitual que compõe o disco.

O resultado é uma sonoridade consideravelmente mais tosca do que a do primeiro disco, com a cara de som de garagem que queriam, onde prevalecem a guitarra em altíssimo volume; um baixo grave e permanentemente presente; uma bateria que parece uma lata sendo socada; e... Iggy. Ah! Iggy estava mais junkie e ensandecido do que nunca, o que se nota tanto nos vocais quanto nas letras. Perceptível isso na estupenda faixa de abertura, “Down on the Street”. Um cartão de visitas furioso, cru, liricamente violento. “Descendo a rua onde os rostos brilham/ Flutuando ao redor dela cabisbaixo/ Visualizando coisas bonitas/ Sem muros!/ Sem muros! Sem muros!...” Um dos melhores riffs de todo o cancioneiro punk-rock.

“Loose” segue no embalo “from hell”, mandando ver noutro riff matador da guitarra de Ron, enquanto ele mesmo executa noutra guitarra distorções que emporcalham o fundo. “Eu levei uma gravação de músicas lindas/ Agora as mostro pra você direto do inferno”, dizem os versos. O início da faixa, clássico, com a virada de Scott e os gritos de Iggy, virou sample da Chico Science & Nação Zumbi na faixa "Manguetown", de “Afrociberdelia” (1997).

Uma das músicas que melhor traduzem o clima de “Fun House” é a pogueda "T.V. Eye", gíria inventada pela irmã de Ron e Scott, Kathy, que significa algo como “Interesse sexual”. Um reflexo direto das noitadas da banda e do conhecido sex appeal de Iggy, àquelas alturas um símbolo sexual da cena. Scott parece que vai furar a caixa tamanha força das batidas, repetidas energicamente. O baixo de Dave está destacado sobre todo o resto, fazendo evoluções inteligentes sobre a base. A guitarra rasga o ar, mais rosnando do que outra coisa, haja vista que é do baixo que se percebe o riff. Iggy, por sua vez, é um caso à parte. Que performance! O número não começa: irrompe! O Iguana solta um grito literalmente animalesco, que chega a dar um susto em quem escuta. Sexo. Drogas. Rock ‘n’ roll. Na veia! “Vê aquela gata?/ Sim, eu a quero/ Você vê aquela gata?/ Sim eu quero você/ Ela está com um T.V. Eye sobre mim...” Importante não só para aqueles que viam nos Stooges uma referência, como Richard Hell, Ramones, Suicide, Dead Boys e outros, mas também dentro do repertório da banda, “T.V. Eye” inspiraria pelo menos duas canções de cunho altamente apimentado do disco seguinte da banda, “Raw Power”: “Penetration” e “Shake Appeal”.

“Dirt”, conforme o próprio Scott define, “é um exemplo perfeito de como era nossa atitude: ‘Foda-se toda essa merda! Somos lixo e não nos importamos.’” São 7 min lisérgicos sobre uma base 1x5 cuja batida cadenciada e a linha do baixo abrem campo para a guitarra literalmente sujar o ambiente com distorções de wah wah e muita viagem sonora. Isso sobre as frases soltas, gritadas, destroçadas de Iggy, que dizem a certa altura: “Ooh, eu estive sujo/ E eu não me importo/ Porque eu estou queimando por dentro/ Eu sou apenas um anseio interior/ E eu sou o fogo da vida”. 

Se o pessimismo de “Dirt” dizia que os sentimentos eram todos suplantados diante da realidade irremediavelmente imunda daquele início de década (Guerra do Vietnã, ditaduras nas Américas, reflexos de 1968, crise do petróleo, desemprego, inflação), o que salvava era extravasar por meio das emoções mais instintivas. “1970”, outro petardo punk – cuja métrica propositadamente lembra a de “1969”, do disco anterior –, fala que os loucos sábados à noite daquela época eram, afinal, a escapatória: o prazer carnal: “Linda gata/ Alimente o meu amor a noite toda/ Até eu explodir/ Toda a noite até que eu exploda/ Eu me sinto bem/ Baby, oh baby, queime meu coração”. Para completar a sonoridade de uma das grandes faixas do disco e de todo o repertório da banda, o sax de Steve Mackay, tão enlouquecido que, dissonante e estridente, lembra o dos “loucões” do free-jazz Ornette Coleman e Albert Ayler.

A faixa-título, um blues ruidoso e quebrado, tem uma bateria martelada e a guitarra solando desde o início junto com o sax – e claro, também dos gemidos e urros de Iggy. O baixo, que de início segura a base, passa a ter o acompanhamento de Ron e Mackay por um tempo, mas logo em seguida estes desvirtuam novamente e passam a solar cada um para um lado. O vocal de Iggy é extraordinário, capaz de impor seu belo timbre a serviço da mais assustadora insanidade. “Iggy era perigoso”, declarou certa vez o amigo e empresário da banda à época Danny Fields.

Fechando esse soco sonoro que é “Fun House”, "L.A. Blues", como não poderia deixar de ser, mais um soco. Quase 5 min de gritos lancinantes, improvisos, distorções, microfonias, dissonâncias. O blues mais sórdido que se pode ter notícia. É possível enxergar a performance de Iggy e Cia. somente ouvindo-os. Conforme conta Alan Vega, do Suicide, no livro “Mate-me, Por Favor – A História sem Censura do Punk”, Iggy Pop “não era teatral, era teatro. Alice Cooper era teatral, ele tinha todo o aparato, mas com Iggy não era encenação. Era a coisa real”. Neste sentido, “Fun House” soa tão honesto que não pode ser considerado um retrocesso, mas, sim, uma obra genuína. Ao contrário da maioria, os Stooges precisavam regressar para serem eles mesmos. Tamanha originalidade faz com que o disco, presente entre os primeiros em qualquer lista de melhores da história do rock e dos anos 70, seja cultuado por toda a geração desde que foi lançado – e não apenas de roqueiros, haja vista que o jazzista Miles Davis, pai do cool jazz, era fã declarado da banda.

Se “Fun House” já representava uma devolução, os Stooges conseguiram se superar em “Raw Power”, de 1973, em que as músicas eram ainda mais furiosas e a produção foi relegada a segundo plano, tornando-o (saudavelmente!) inaudível em alguns momentos. Mais um passo em direção ao depauperamento deliberado que Iggy Pop e Stooges promoviam na indústria fonográfica, provando aquilo que os punks entenderam muito bem: no rock, menos pode muito bem ser mais.

............................
FAIXAS
1. "Down on the Street" – 3:43
2. "Loose" – 3:34
3. "T.V. Eye" – 4:17
4. "Dirt" – 7:03
5. "1970" ("I Feel Alright") – 5:15
6. "Fun House" – 7:47
7. "L.A. Blues" – 4:57

............................
OUÇA O DISCO

por Daniel Rodrigues

sábado, 29 de abril de 2017

"Mate-me Por Favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain - ed. L&PM (2005)


"A primeira vez que eu vi Richard Hell,
ele entrou no CBGB's usando uma camiseta com um alvo
e as palavras "Mate-me Por Favor".
Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu já tinha visto."
Bob Gruen,
fotógrafo e cineasta

"Lendo 'Mate-me Por Favor' me senti como se estivesse lá...
Espere um pouco, eu estava lá.
Este livro conta como foi.
É o primeiro livro a fazê-lo."
William Burroughs,
escritor



Um dos meus livros preferidos mas que curiosamente nunca falei aqui no blog e que sempre achei que merecia deferência por ser um dos meus livros de cabeceira, é o excelente "Mate-me por favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain, um retrato do punk desde seus primórdios até seus últimos suspiros contado de forma magnífica pelos personagens que fizeram essa história. Montado a partir de inúmeras entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários, fãs, groupies, roadies ou seja lá quem tivesse participado ou presenciado todo aquele alvoroço, "Mate-me por favor" consegue graças a uma organização impecável, que deve ter dado um trabalho enorme, conferir um ritmo quase de romance à série de relatos, resultando num livro empolgante de tirar o fôlego.
O livro "narra" o processo de formação do punk rock partindo ainda lá do final dos anos 60 com o The Doors e seu comportamento transgressor, Velvet Underground e sua música revolucionária; passando pela sujeira dos Stooges, a crueza do MC5, a provocação dos New York Dolls e pela sofisticação do Television; encontrando a cena norte-americana do CBGB's da qual os Ramones podem ser possivelmente considerados os principais representantes; chegando à cena londrina com Sex Pistols, Clash; e ainda dando uma passada pelo que resultou dessa trajetória toda.
A frase inconsequente e niilista que deu título ao livro escrita na camiseta  Richard Hell, como tantas outras naquele momento, é apenas um exemplo da inconformidade dos jovens naquele final de anos 70, muitas vezes não compreendida com exatidão nem por eles mesmos, mas que acabaria resultando numa identidade visual e comportamental até hoje inevitavelmente associada ao punk e que curiosamente hoje vemos com frequência em todo lugar na forma de calças rasgadas, acessórios de couro, cabelos moicanos, etc. Malcolm McLaren que o diga! Um dos que tiveram visão e deram um jeito de faturar o seu com aquela rebeldia toda. E isso também é contado lá.
As páginas de "Mate-me Por Favor" trazem e alternam momentos emocionantes, empolgantes, tensos e hilários. Gravações, shows, brigas, noitadas, excessos, putarias estão presentes na brilhante compilação de entrevistas que compõe o livro. O episódio da briga dos Dead Boys em que o baterista Johnny Blitz fora esfaqueado é tenso e dramático. "...Então vejo a camiseta e percebo que é Johnny quem está n chão (...) Estava cortado desde a porra da virilha té o pescoço e com o peito aberto de um lado a outro. Estava aberto. Ele estava... aberto", conta Michael Sticca, ex-roadie da banda. O que Iggy Pop é solto da cadeia vestido de mulher é hilário. Ray Manzareck, dos Doors, foi lá pagar a fiança: "Jim, isto é um vestido de mulher!", "Não, Ray. Devo tomar a liberdade de discosrdar. Isto é um vestido de homem.". Bem como é hilário o episódio do show em que o vocalista dos Dead Boys ganha um boquete no palco, contado por Babe Buell, a mãe da atriz Liv Tyler: "Alguém me disse para ir no CBGB's ver a melhor banda do mundo, os Dead Boys. Então fui lá uma noite quando eles estavam tocando, entro e a primeira coisa que vejo é Stiv sendo chupado no palco.". Um dos mais emocionantes, no entanto, é o que Jerry Nolan, ex-baterista dos Dolls, nos últimos dias de vida relata o show em que viu a sola furada do sapato de Elvis Presley. "Este show, embora aos 10 anos de idade, realmente mudou minha vida. Fui dominado por Elvis. Pude sentir o que é tocar música. Mas acima de tudo lembro de duas coisas daquele show: minha irmã perdendo completamente o controle e o buraco no sapato de Elvis.". Uma espécie de síntese poética do que é ser rock'n roll.
Livro que é obrigatório para amantes de música e sobretudo para os que tem especial admiração, respeito, curiosidade por aquele período, por aquele "movimento" que com toda suas limitações, sua anarquia, suas loucuras foi definidor de atitudes, comportamento e tendências, deixando um inegável e valioso legado para as gerações posteriores. Foi relançado posteriormente em versão pocket em dois volumes, sendo ainda hoje facilmente encontrado até em bancas de jornal por conta do formato prático. Ou seja, não tem desculpa pra não ter e não ler.
Um dos meus livros preferidos e frequente fonte de pesquisa, "Mate-me Por Favor" é a história do punk contada por quem esteve lá, por quem quem a viveu, inclusive os próprios autores, o que confere autenticidade e credibilidade ainda maior ao livro. Ali estão os fatos apresentados sem frescura, sem panos quentes ou papas na língua. A verdade nua, crua, suja, chapada, barulhenta e furiosa.


Cly Reis

quinta-feira, 9 de março de 2017

Brian Eno - “Before and After Science” (1977)




“Eu não sou músico.
 Meu instrumento é o estúdio.” 
Brian Eno


“A biologia sonora de Eno
disseca e remonta células do rock
 contemporâneo, e nesse aspecto
a sua mão é de um virtuoso.”
Piero Scaruffi, crítico e historiador musical




Parece estranho, mas à medida que vai se conhecendo mais a música de artistas do mundo pop, mais se conhece não as obras deles, mas sim a de Brian Eno. Profundamente influente sobre uma importante parcela de nomes referenciais do pop-rock nas últimas quase cinco décadas, Eno tem traços visíveis do seu trabalho refletidos nos de ícones como David Bowie, U2, Robert Wyatt, David Byrne, Massive Attack, Björk, Beck, entre outros. Seja na Roxy Music, nos discos solo precursores do pop anos 80 (“Taking Tiger Mountain” e “Here Comes the Warm Jets”) ou nos de ambient music, sua linguagem, que une num só tempo música a artes visuais e cênicas, formando um espectro sonoro-sensorial único, está presente em quase tudo que se ouviu em termos de música pop dos anos 70 em diante por influência direta ou indireta. Eno, mais que um músico, um “cientista”, como se autoclassifica, ditou o que é moderno ou não até hoje. Pois a grande síntese de todas essas pontas – da vanguarda ao folk, passando pelo blues, rock, progressivo, jazz e eletrônica – está em “Before and After Science”, disco que completa 40 anos em 2017.

O álbum, produzido pelo próprio autor em conjunto com Rhett Davies, antecipa e/ou reafirma uma série de conceitos utilizados por ele em produções a outros artistas e trabalhos solo. A concepção dos dois “movimentos” da obra é uma delas. A exemplo do que fizera em “Low” e “Heroes”, de Bowie (naquele mesmo 1977) e, três anos depois, em “Remain in Light”, do Talking Heads, “Before...” tem uma narrativa muito clara: um “lado A” agitado, num tom acima, e um “B” onde desacelera o ritmo e vai gradativamente baixando a tonalidade. Como uma sinfonia iniciada em alegro, o disco começa com o embalo afro-pop da estupenda “No One Receiving”. Eno comanda tudo tocando piano e cantando, além de fazer os efeitos de guitarra e manipular os sintetizadores e a programação de ritmo – as batidas que reverberam de tempos em tempos. Junto com ele está nada mais nada menos que Phil Collins na bateria, marcando o ritmo com maestria, e Paul Rudolph, que se esmera no baixo e na rhythm guitar, ao estilo Nile Rodgers. Para fechar o time, Davies no agogô e o exótico stick. Com seu tradicional canto tribal no refrão, que inspirou diretamente muita gente, é muito parecida em conceito e sonoridade com o que Eno dirigiria pouco tempo depois junto aos Heads (“I Zimbra” e “Born Under Punches”, ambas também faixas de abertura em discos produzidos por ele para a banda). Um começo arrasador.

Como é de sua especialidade, a segunda, “Backwater”, é um rock estilo anos 50 tomado de texturas eletrônicas, o que lhe confere certo precursionismo da new wave. E mais interessante: feita só com sintetizadores da época, todos ainda muito por evoluir, a sonoridade de “Backwater” jamais datou mesmo com a evidente defasagem tecnológica em relação à hoje, em que se pode fazer isso com menor risco de soar artificial. Afora isso, Eno está cantando muito bem, com voz inteira e potente. O próprio repetiria essa fórmula de canção em seu disco duo com John Cale (“Wrong Way Up”, 1989) na faixa “Crime in the Desert” e daria o “caminho das pedras” para o U2 em "The Wanderer”, cantada por Johnny Cash em “Zooropa” (1993).

A veia africana aparece noutro formato agora, mais brasileiro e “sambístico”. Trata-se de "Kurt's Rejoinder", um proto-samba eletrônico que traz novamente a profusão de estilos como essência. O amigo Wyatt aparece para fazer soar o timbal, que se soma, na percussão, com a bateria de Dave Mattacks. Pois este é um dos detalhes de “Kurt’s...”: parece um samba muito percussivo, mas a maior parte de sua timbrística está nos teclados de Eno e no baixo com delay de Percy Jones. Outro fator interessante da faixa são suas incursões de gravações e interferências, as mesmas que Eno exploraria com os Heads em “Remain...” numa das canções precursoras do sample na música pop, “Once in a Lifetime” – expediente, aliás que Eno e David Byrne usariam bastante no álbum dos dois, “My Life in the Bush of Ghosts de 1981, servindo de exemplo para outros vários artistas, como Malcom McLaren em seu aclamado “Duck Rock”.

Quebrando o ritmo quase de carnaval, a linda e introspectiva instrumental "Energy Fools the Magician" traz uma atmosfera de jazz fusion, lembrando bastante Miles Davis de “In a Silent Way” e “Bitches Brew”. Phil Collins está mais uma vez muito bem na bateria, marcando o tempo no prato mas sem deixar de executar viradas inteligentes. "Energy…” funciona como uma breve passagem para outra seção agitada, a que fecha o “1º movimento” do disco. Mas desta vez o ritmo não é de batucada e nem de new wave, mas sim o pop-rock exemplar de "King's Lead Hat". Primorosa em produção e mixagem, é daqueles exemplos de rock escrito na guitarra, ao melhor estilo hard rock. Eno e o craque Phil Manzanera dividem a rhythm guitar, mas é outro mestre do instrumento, Robert Fripp, quem comanda o solo. Com efeitos de teclados e de mesa, “King’s...”, em sua união de eletrônico e pós-punk, afina-se com o que ele e Bowie faziam naquele mesmo fatídico ano em temas referenciais como “Heroes”, “Beauty and the Beast”, “Funtime” e “Be my Wife”, influenciado grupos como Joy Division, The Cure e Bauhaus (estes últimos, que gravariam em 1982 “Third Uncle”, de Eno). Além disso, antecipa outro estilo musical que ganharia o mainstream anos mais tarde com as bandas New Order, Depeche Mode, Eurythmics, Ultarvox e outros: o synthpop.

Se a vigorosa “King’s...” termina a primeira parte de “Before...” lá no alto, o segundo ato já inicia mais leve com a melodiosa "Here He Comes". Com a bela voz de Eno cantando em overdub desde que os acordes da guitarra de Manzanera anunciam a largada, embora a melodia guarde certo embalo, já dá mostras que a rotação foi alterada para menos. O moog e o sintetizador de Eno conferem-lhe o clima espacial que se adensará na sequência em "Julie With...", esta, sim, totalmente ambient. Enquanto canta os belos versos com suavidade (“Estou em mar aberto/ Apenas vagando à medida que as horas andam lentamente/ Julie com sua blusa aberta/ Está olhando para o céu vazio...”), os teclados e sintetizadores desenham uma melodia cristalina como o céu limpo a que se refere na letra. Afora do baixo de Rudolph, Eno toca todos os outros instrumentos, inclusive a guitarra do curto mas belo solo, fazendo lembrar Fripp.

Mais uma especial (e espacial) do disco é "By This River", parceria dele com os krautrocks Moebius e Rodelius, mais conhecidos como a banda Cluster. O trio, que naquele ano havia gravado um trabalho em conjunto, o clássico “Cluster & Eno”, deixou guardada essa outra joia. De riff espiral marcado no piano, é sem dúvida a mais clássica do repertório, remetendo às bagatelas românticas, mas também à síntese formal do minimalismo. Nova instrumental, a ambient "Through Hollow Lands" é uma homenagem ao amigo e parceiro Harold Budd, com quem Eno fez diversos trabalhos desde aquela época. Não à toa, a música traz o clima introspectivo e contemplativo de Budd que tanto confere com este lado da musicalidade de Eno, neoclássico e new age.

Se como numa obra clássica “Before...” inicia com o allegro de “No One...”, prossegue variando allegretto e presto e em "Julie With..."/"By This River"/"Through...”  encontra características de lento e de adagietto, "Spider and I", de ares litúrgicos e caráter emotivo, é o finale desta grande peça num andamento adagio. E se “No One...” começa arrasando, “ “Spider...” é um desfecho digno.

O crítico musical da Rolling Stone Joe Fernbacher diz que “Before...” é o álbum perfeito da carreira de Eno. Faz sentido, pois, ativamente participante do que estava sendo produzindo de inovador naquele momento, como “The Idiot”, de Iggy Pop, “Vernal Equinox”, de Jon Hassell, e os já citados “Low” e “Heroes”, de Bowie – todas obras de 1977 e responsáveis por alguma sonoridade que ditaria as mentes musicais nas décadas seguintes –, Eno resumiu a sua contribuição para uma nova cara da música pop em “Before...”. "Apesar do formato pop do álbum”, disse outro crítico, David Ross Smith, “o som deste álbum é único e distante do mainstream". Compreendendo todas as suas vertentes musicais e artísticas, Eno compõe um trabalho que alia o agradável e o denso, o popular e o complexo, a vanguarda e o pop. Ao ouvir o disco, pode-se dizer sem erro que a música pop divide-se, literalmente, em “antes e depois da ciência”, a ciência inventada por este alquimista dos sons chamado Brian Eno.

Brian Eno - "No One Receiving"



*******************
FAIXAS:
1. "No One Receiving" - 3:52
2. "Backwater" - 3:43
3. "Kurt's Rejoinder" - 2:55
4. "Energy Fools the Magician" - 2:04
5. "King's Lead Hat" - 3:56
6. "Here He Comes" - 5:38
2. "Julie With ..." - 6:19
3. "By This River" (Eno, Hans-Joachim Roedelius, Dieter Moebius) - 3:03
4. "Through Hollow Lands" - 3:56
5. "Spider and I" - 4:10
Todas composições de autoria de Brian Eno, exceto indicadas.

**********************
OUÇA O DISCO

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Grace Jones - Festival Back2Black - Grande Sala na Cidade das Artes - Rio de Janeiro /RJ (19/11/2016)


Grace Jones, uma entidade mística do pop.
Grace Jones é uma show-woman!
Ela é o show.
Essa, sim, é uma verdadeira artista pop.
Pega todas essas Gaga, Pink, Azalea, Cyrus, Aguilera, Beyoncé, junta tudo isso e não dá uma Grace Jones.
Sua apresentação na noite do último sábado na Cidade das Artes no Rio de Janeiro como atração principal do Festival Back2Black foi a comprovação de que se trata de uma das mais importantes figuras artísticas do nosso tempo. Ela é sensual, provocativa, pirada, picante, selvagem, meticulosa, espontânea e uma baita cantora.
A jamaicana, além de cantar muito e embalar o público, fez de tudo um pouco no palco. Caiu, rastejou, pediu sexo, fumou unzinho e distribui beijos na boca dos fãs sortudos que estavam na primeira fila. Surgindo detrás de uma pesada cortina de veludo num placo elevado, com uma máscara dourada de caveira e o corpo seminu pintado com motivos inspirados em Keith Haring, compondo visual meio vodu-pop, a rainha negra já saiu disparando a grande "Nightclubbing" de Bowie e Iggy para o primeiro delírio geral. Desceu as escadas do palco alto engatinhando como uma fera para seguir então com a intensa "This Is" de seu último trabalho, o ótimo "Hurricane", mas pareceu meio preguiçosa, cansada, desleixada ou sob efeito de alguma(s) substância(s) que prejudicavam seu desempenho em "Feel Up", cantando praticamente todo o tempo deitada, rolando no palco e exagerando na interação com o público a ponto de despertar um início de desconforto do público que se impacientava e resmungava pedindo para que ela retomasse o show. Mas, apesar de admitir que estava "muito louca", não se tratava de nenhuma das possibilidades por mim levantadas. Ela estava mesmo era muito à vontade, muito de boas, muito descontraída, talvez um pouco demais e, sim, sob efeito de substâncias, a ponto de exceder-se um pouco em determinados momentos. Mas todo excesso era perdoado assim que começava a canção seguinte pois com o microfone na mão e sua banda precisa e impecável, cada número era um êxtase.
Acrescentando constantemente ao figurino perucas exageradas e chapéus exuberantes, Miss Jones impressionava  a cada número pela voz, pela vitalidade, pela boa forma e pelo domínio de palco. Surgindo como uma espécie de orixá das matas, apresentou sua carmosérrima versão de "Libertango" de Astor Piazzola encantando a todos; com um visual tribal africano e dois dançarinos no palco, um deles fazendo pole dance, apresentou uma canção nova de característica bastante étnica que, segundo ela estará em seu próximo álbum a ser lançado em breve e pôs o publico para dançar com a embalada e sexy "My Jamaican Guy". Surpreendentemente por não ser das mais conhecidas, a recente "William's Blood" (também de "Hurricane") foi uma das que mais empolgou. Mas isso só até vir a maliciosa "Pull Up To The Bumper" que  tomou-lhe o posto de campeã de entusiasmo na noite num número absolutamente catártico.
Um nome de uma canção poucas vezes fez tanto sentido como quando a musa cantou "Amazing Grace" à capela, num dos grandes momentos do show. Uma interpretação fantástica simplesmente de arrepiar. Amazing, Grace! Amazing! E outro dos pontos altos aconteceu na rock-new wave "Love Is The Drug" do Roxy Music, quando a musa entrou com um chapéu coco espelhado tal como uma bola de discoteque, e posicionada abaixo de um feixe de lasers coloridos distribuiu os feixes de luz por toda a sala num espetáculo visual incrível. Ali, naquele momento, mais do que nunca, Grace era a música, o palco e a luz.
Fechou o show com "Slave To The Rythm" cantando ao mesmo tempo em que girava um bambolê dourado na cintura durante praticamente toda a performance, impressionando pela disposição, boa forma e pela capacidade de cantar daquele jeito mesmo durante toda aquela atividade física.
Um show de uma artista completa. Na ousadia, na qualidade, no comportamento, na música. Um ícone, uma cantora, uma mulher, uma criatura, um personagem, uma entidade, uma máquina, um animal, uma modelo, uma cantora, uma artista, tudo isso pode ser colocado no amplo rol de adjetivos daquela deusa negra imponente que nos maravilhou na noite do sábado, mas prefiro concordar e ficar apenas com a definição que era frequentemente gritada em algum ponto do teatro pelos fãs e pelas inúmeras "graces", transformistas e performers caracterizados homenagenado a cantora: "Diva". E isso resume tudo. Diva.


trecho de "Libertango" - Grace Jones (Festival Back2Black 2016)



Cly Reis

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

“BOULEZBOWIE”: Esse (esquizo)frênico mundo que une (ou separa) a vanguarda do pop

Tá sempre morrendo gente pública por aí, sei. Mas nem sempre tenho o que lamentar. Morre gente conhecida toda semana, o que não quer dizer, necessariamente, que embora conhecidas de um relativo número de pessoas (às vezes, milhares delas), sejam de fato importantes. Essa dialética é típica desses tempos descriterizados e esquizofrênicos que vivemos. Lágrimas demais ou de menos sem se saber o porquê. Mas não deixa de ser, no mínimo, questionável, ainda mais quando, em menos de uma semana, morrem duas pessoas de extrema importância e ocupantes cada um de uma dessas esferas: o quase ignoto e o altamente popular. O quase ignoto por conta do mesmo descritério e esquizofrenia que empurra as massas a rechaçarem qualquer profundidade; o outro, altamente popular e cuja comoção pela morte foi gigantesca, é às vezes reduzido a um percentual mínimo daquilo que ele mesmo representa.
De minha parte como jornalista, crítico e diletante, lamento de verdade ambas as perdas. Falo de Pierre Boulez e David Bowie.


O rocker de batuta
Boulez, o compositor, maestro, professor e ensaísta francês, desconhecido totalmente de um relativo número de pessoas, era o último representante dos compositores da vanguarda erudita da primeira metade do século XX. Junto com os contemporâneos John Cage, Kerlheinz StockhausenLuciano Berio, Edgard Varèse, Benjamim Britten e Luigi Nono, ele, seguindo a sina aberta pela tríade de Viena nos anos 10 (Schöenberg, Berg e Webern), pôs de ponta-cabeça toda a tradição musical, subvertendo todos os conceitos: tom, harmonia, métrica, instrumentalização, timbrística. Raivoso e aferrado, Boulez foi um roqueiro punk com 40 anos de antecedência ao movimento. De modos elegantes e clássicos, por dentro era um punk total, combativo até no seu meio. A mesma agressividade expressiva, a violência como método e estilo. À imbecilidade ele respondia com doses desmedidas de cerebralismo. Era sua adaga perfurante. “Acredito que a música deve ser uma histeria coletiva de palavras violentas sobre o tempo presente”, disse em 1948.
Anos atrás, quando de seu aniversário de 80 anos (morreu dia 5 de janeiro, aos 90), li um artigo que, pertinente e conscientemente, colocava “Pli selon Pli”, uma de suas mais concisas e importantes obras, ao lado de outras duas significativas revoluções na música do século XX: o nascimento da bossa-nova com “Chega de Saudade”, com João Gilberto (1958), e a não menos vanguardista “Gesang der Junglinge” (1956), obra referencial do alemão Stockhausen.
Dessa vez, Boulez foi notícia novamente, mas muita gente que passou por esta não deu bola, o que é normal. Um compositor e maestro ligado a antipopulares termos como dodecafonia, atonalismo, eletroacústica, serialismo ou música aleatória só pode mesmo não ser popular. Ser desconhecido de um grande número de pessoas era, certamente, um elogio para Boulez. O desconhecido, afinal, nunca o assustou. Pelo contrário: era-lhe combustível. De língua afiada e criatividade idem, o jovem que estudara com Messiaen, logo o mandou às favas e o confrontou ideologicamente. Fez o mesmo com outro professor, Leibowitz, sem resquício de culpa. Jamais lhe existiam mestres. Não são poucos seus manifestos ferinos e altamente intelectualizados escritos ao longo da vida onde expunha suas ideias, o que o colocaram como um importante ensaísta da arte do seu tempo.
Boulez é responsável, na longa carreira que teve, por promover pelo menos três revoluções na música mundial.  Afora as marcantes obras da juventude, as cantatas "Le visage nuptial" (revista por ele quase quatro décadas depois), "Le soleil des eaux", onde explorava os ensinamentos do dodecafonismo aprendidos com Messiaen, e da primeira obra totalmente serializada, “Polyphonie X”, para 18 instrumentos, é entre 1953 e 1957 que lança a que é considerada sua primeira obra-prima: “Le marteau sans maître” para conjunto e voz, de relativo sucesso e uma síntese surpreendente das várias correntes na música moderna, englobando os mundos sonoros do jazz be-bop, o gamelão balinês, músicas tradicionais africanas e melodias tradicionais japonesas. Até o por ele satanizado Igor Stravinsky deixou de fora as críticas que recebia e aplaudiu de pé.
Outra radical criação: a já mencionada “Pli selon Pli”, cuja “original” data do final dos anos 50. Trata-se de um concerto inspirado em poemas do poeta francês Mallarmé onde passa a explorar com veemência a ideia de “obra em movimento”. Revisto em sua estrutura e métodos nas décadas seguintes, foi ganhando novas versões à medida que o irrequieto compositor reavaliava sua linguagem, fazendo com que, por conceito, sua concepção final estivesse sempre por vir. Tal como o já mencionado João Gilberto, que reelabora incessantemente os clássicos sambas da música brasileira em seu filarmônico violão, cunhando ao longo do tempo sempre versões únicas da mesma melodia, “Pli selon Pli” “nunca” acaba. Entendimento que só poderia brotar de alguém que representou tão firmemente a geração pós-Guerra, cujas marcas ainda são sentidas mais de 100 anos de eclodida a primeira delas.
Na maturidade, quando poucos compositores eruditos de sua geração não mais se arriscavam depois de tanto inovarem nas décadas anteriores, Boulez manteve-se na ponta da vanguarda, propondo novas experimentações. Se a música eletrônica o havia decepcionado nos anos 50 por sentir-se insatisfeito com o resultado das fitas magnéticas e seu processo “inorgânico” de realização, nos 70 volta à carga para dar-lhe nova identidade. Os meticulosos resultados dessa “velha descoberta” seriam sentidos em 1980, quando compõe “Répons” (para dois pianos, harpa, vibrafone, sinos, címbalo, orquestra e eletrônica). Ali, dá luz a uma obra em que a ressonância e a espacialização dos sons criados pelo conjunto se processam todos em tempo real, inclusive os elementos eletrônicos, normalmente criada penosamente em situações controladas. Nova síntese, nova profusão de ideias.
O fato é que, como um punk, amoral e dono da sua razão, Boulez jogou-se no labirinto do desconhecido e dali tirou o magma que brotaria dos vulcões de sua criatividade pronto para queimar todas as concepções preestabelecidas. Da tensão secular, criou uma linguagem densa e lírica. Sua partida deixa uma lacuna insubstituível. Um pilar que cede. O planeta Terra não tem mais nenhum representante da original vanguarda do século XX, a geração pós-Wagner, que passa por Strauss, Mahler e Debussy. A geração que aprendeu com – ou aprendeu a contrariar – Stravinsky, Eric Satie, Bela Bártok e Maurice Ravel. O longevo Boulez ainda resistia, e agora leva consigo uma herança que, a ver por esses tempos de descritério e esquizofrenia (e desmemoriados, consequentemente), um dia possa se apagar da memória do homem. Quiçá, cheguemos ao triste dia em que serão desmentidas oficialmente as barbaridades do Holocausto que Boulez presenciou e da sua forma combateu. Quem sabe, foi bom mesmo ele não viver tanto mais para ter de presenciar isso.

vídeo "Pli Selon Pli", Pierre Boulez



A batuta do rocker
Assim como para Pierre Boulez, o desconhecido também sempre foi combustível a David Bowie. Se o maestro buscava esse estado incessantemente, de modo a não repetir-se e recriar sua obra ao longo dos tempos, Bowie, no meio do mainstream, não só fazia isso como transformava essa busca em produto “vendável”. Ninguém como ele se valeu do universo de referências estilísticas da sociedade moderna e os reelaborou como Bowie, forjando um trabalho próximo do público mas sem deixar de infundir-lhe “dificultações”. Boulez, inventor de muitas dessas complexidades formais quase sempre desconhecidas do grande público, até por isso era quase um completo desconhecido do próprio. Bowie, na outra ponta, era popular mas impunha-se uma tarefa provocativa e rara: a de propor essas “dificultações desconhecidas” e torná-las, se não conhecidas, pop e assimiláveis.
Poderia falar longamente sobre vários dos períodos que Bowie orquestrou. De Ziggy Stardust ao vilão mutante Nathan Adler de “Outside”, passando pelo “Pin Up” à fase “limpa” de artifícios de Berlim. Mas em meio à enxurrada de coisas a seu respeito escritas e ditas nos últimos dias creio que o melhor recorte para esse momento é essa contribuição da desacomodação que o artista britânico sempre trouxera. “Sou uma prateleira de frascos vazios”, disse o poeta Fernando Pessoa em seu “Livro do Desassossego”. Bowie foi esse frasco vazio, onde fazia caberem todas as possíveis referências e mitos.
Escrevi sobre Bowie em meu livro, "Anarquia na Passarela", algo que se baseia bastante na questão da moda e comportamento dos punks, mas que vale tranquilamente para tal argumentação. Reproduzo dois:
“Vindo da cultura mod londrina dos anos 60, logo foi formando um estilo próprio de dândi ultrasofisticado e exagerado que desembocaria no seu ‘cameleônico’ individualismo cênico. Bowie era uma estrela do rock que nunca é ele próprio como pessoa: ele ‘interpreta’ papéis num enorme ‘palco’ chamado show-business. Por causa deste distanciamento bretchniano que tem da cultura de massa logrou influências vitais à cena [punk].”
“Tudo em Bowie era estilo, o que se percebia na sua indumentária ultradandi, barroca e ‘camp’. Seu passado mod, os anos 50, o cinema expressionista, a Berlim ‘decadente’ e suburbana, os anos pré-nazismo, o dandismo de Brummell, a androginia, a estética dos cabarés. Tudo lhe era alimento para a formação de um estilo pessimistamente decadente, cerebral e imaginário. Criava uma mitologia na qual nada era em vão; em cada ‘máscara’ sua vinha um efeito estético e fantasioso.“
Por tudo isso, Bowie mostrou facilmente que fazer música pop simplesmente é simplório e vago. Há de se adicionar personalidade e conceito para que se produza algo significativo. Bowie entendeu isso cedo, catalisando música, estilo, comportamento e equilibrando “alta” e “baixa” cultura – ou melhor, quebrando as barreiras entre uma e outra. Entendeu que a vanguarda das artes não existe apenas para impor a “alta cultura” de modo estanque e autobajulador. É, sim, célula orgânica, viva, que, compreendida em seus símbolos e elementos, podem e devem ser assimiladas, reelaboradas e deglutidas em outros e diferentes níveis de cultura e conhecimento.
A carreira de Bowie, muito mais profunda do que apenas os (ótimos) sucessos, é sabiamente contaminada pela vanguarda. "V-2 Schneider" contém claros traços de Boulez, Stockhausen e Varèse; o solo atonal de piano de "Aladdin Sane" contém Cage e Ligeti; a trilogia berlinense (inclua-se "The Idiot", de Iggy Pop, da mesma leva), contém em sua sonoridade pós-industrial os experimentos eletroacústicos fruto de ceticismo racional do pós-Guerra; o recente “Blackstar” contém a sonoridade pós-jazz assimilada tanto por maestros quanto músicos sem formação teórica como DJ’s, roqueiros e rappers"Low" e “Heroes”, com Brian Eno, são tão estruturalmente minimalistas que o próprio “pai” do estilo, Philip Glass, homenageou a Bowie e Eno com o duo “Symphony” sobre ambos os álbuns. O jornalista e crítico musical norte-americano Alex Ross, para quem Bowie foi um roqueiro refinado, observa que, “em meados dos anos 70, Bowie abandonou a forma ternária da estrutura pop em favor de formas semiminimalistas, caracterizadas por ataques secos e pulsações rápidas”.
É por isso que se torna tão penosa e simbólica a perda de Bowie: quem mais fará isso? É alarmante, se não desolador, que este papel nunca mais seja cumprido. Quem assumirá (compreenderá ou dará a devida importância) ao papel de unir e mimetizar essa ponte vanguarda-pop? Numa época em que streamings e mp3 circulam descontextualizados de suas obras de origem (quando esta, de fato, existe, se é que já não fora criada sem contexto algum), é salutar que um artista de quase 70 anos e 50 de carreira assombre o universo do entretenimento com o lançamento de um disco, uma obra que se constitui em si própria. Uma obra.
Walter Benjamin provavelmente ficaria instigado com esse episódio emblemático da morte de Bowie, e mais possivelmente ainda o ligaria com a já historicamente simultânea perda do pilar oposto a ele, a de Pierre Boulez. A vanguarda e o pop perderam seus calços, deixando um questionamento de dupla interpretação: a obra-de-arte na música morreu também junto com os dois? Findaram-se duas eras basais para a história da música através dos tempos? Todas as releituras de “Pli selon Pli” e o obscuro “Blackstar” darão ainda muito a se desvelar se se quiser, a depender do grau de (des)critério dos tempos (esquizo)frênicos que vierem adiante neste século XXI recém iniciado. O que se sucedeu, com a morte dos dois, talvez tenha sido um lampejo de que a arte musical esteja mais viva do que nunca. Ou, se não, é porque se enterrou de vez junto com Bowie e Boulez. Aí, será quando o desconhecido se tornará definitivamente desimportante.

video de "Blackstar", David Bowie