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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Meu Babaca Favorito


Em tempos de idolatrias tão efêmeras, edificadas sobre méritos mínimos, e cancelamentos quase automáticos motivados pelo primeiro deslize, posicionamento ou frase mal colocada de um ídolo que, não muito tempo atrás, era elevado à condição de semideus, pessoas com um pouco mais de critério, de apego a suas influências e referências, têm uma certa resistência em, simplesmente, adotar o tão usual procedimento vigente de CANCELAR uma personalidade que, de alguma forma sempre admirou e que fora seu referencial, por mais que este faça por merecer um belo "block" por conta de procedimentos, atitudes, declarações, que revelam uma pessoa diferente daquela que se imaginava ou que demonstrava ser.
Os caras se esforçam pra fazer merda, cagar pela boca, demonstrar o quanto são desprezíveis, pessoas que a gente não aceitaria no nosso meio social, mas aí a gente pensa no que já fizeram de fantástico na sua arte, o quanto foram (e são) importantes pr'a gente, o quanto os admiramos, e não conseguimos, meramente, virar as costas e dizer que não os admiramos mais. E aí que com muito esforço, colocamos seu trabalho, sua figura, suas músicas, suas letras, acima de tudo e, separamos o ser-humano de sua obra. Só assim mesmo pra aguentar uns, ó, que, vou te contar...
Muitos desses, os mais recentes, já tinham seu espaço para dizer o que pensavam, tiveram microfone, seus próprios álbuns, palco, livros, espaço na imprensa, mas com a ascensão das mídias sociais, uma verdadeira terra-de-ninguém, onde todo mundo tem opinião formada sobre tudo mesmo, muitas vezes, sem qualquer embasamento ou informação, pareceram encorajados a assumir posições, que não são decepcionantes por serem divergentes da minha ou de determinado segmento, mas sim por serem lamentáveis do ponto de vista humano.
Listamos, aqui, alguns dessas criaturas que a gente só não "cancela" porque não dá pra deixar de lado o que já fizeram e, cá entre nós, porque a gente adora esses caras mesmo. Mas que estão pedindo, estão...
Uns são de hoje, outros tem histórias que vem de muito tempo, uns se revelaram por conta da pandemia, outros revelaram preferências políticas bem preocupantes, enfim, tem um monte nessa barca, mas aqui vamos pegar apenas alguns desses "caraterzinhos" duvidosos, que a gente sabe que são uns idiotas, uns babacas, mas que odiamos amar.


Tá certo é esse cachorro!
Eric Clapton - "Clapton é Deus". A inscrição frequentemente vista em muros de Londres nos anos 60, quando o guitarrista inglês hipnotizava os fãs com sua técnica e habilidade, está longe de ser verdade. Ao contrário, hoje, muitos fãs preferem ver o diabo do que o gênio da guitarra.
Recentes declarações de Eric Clapton, acerca da situação da Covid-19 e do isolamento, comparando os protocolos de segurança à escravidão, reforçadas pela gravação de uma canção anti-lockdown, "Stand and Deliver", de Van Morrison, por sinal, outro que tem se revelado um grandíssimo feladaputa, provocaram indignação entre seus admiradores e de quebra ainda tiraram alguns velhos esqueletos do armário. Os atuais posicionamentos de Clapton fizeram com que pessoas lembrassem de um episódio em 1976 em que ele, durante um show em Birmingham, "convocou" os estrangeiros e imigrantes a se retirarem do país. Na ocasião, Clapton disse, se dirigindo ao público, “Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui (...) “Precisamos deixar claro que eles não são bem-vindos. A Inglaterra é um país para brancos, o que está acontecendo conosco?” . Pois é... Clapton pode até ser um deus na guitarra, mas passa longe de ser um santo.
Ao que parece, até seus amigos músicos perderam a paciência e não aguentam mais tanta baboseira, uma vez que o lendário guitarrista tem reclamado de se sentir abandonado pelos colegas do meio musical.
Toma!
Mas não adianta: tem como odiar o cara que fez "Layla", "Cocaine", "Crossroads" e outras tantas maravilhas? Não, né?


Roberto sendo homenageado
pelos militares, nos anos 70
.
Roberto Carlos - Sabe aquele cara que sempre que se fala dele tem aquele asterisco ao lado do nome? Sim, esse cara é ele. As coisas que depõe contra o Rei não são de hoje e não são relacionadas com pandemia, isolamento, redes sociais nem nada tão atual, mas acompanham sua figura pública já de bastante tempo e, de certa forma, embora seja inegável sua contribuição para a música brasileira e seu talento para composições, nunca conseguimos perdoá-lo totalmente.
O problema de Roberto Carlos, na verdade, foi mais seu silêncio do que o que teria dito. Enquanto seus colegas do meio cultural, musical, das artes bradavam contra a ditadura militar no Brasil, sofrendo suas consequências de censura, prisões e exílios, Roberto, confortável e convenientemente não só não se manifestava em relação ao regime e as reprimendas sofridas pelos colegas e continuava, simplesmente, gravando suas canções alienadas com temas românticos ou de "curtição", como ainda não se esforçava em esconder uma proximidade com os generais e até mesmo era agraciado com comendas e homenagens pelos tiranos governantes brasileiros daquele nefasto período da nossa história.
Como se não bastasse, Roberto é conhecido no meio artístico por seu comportamento egoísta, mesquinho e antiético, sabotando outros artistas, reivindicando vantagens e benefícios junto a produtoras, gravadores, emissoras, etc., e, como se diz popularmente, "puxando o tapete" de colegas de profissão. Tim Maia foi um exemplo de um que, depois de ter sido parceiro de banda, ter convivido junto, foi ignorado e menosprezado por Roberto, assim que o Rei começou a estourar nas paradas de sucesso e tornar-se o fenômeno que veio a ser. O anglo-brasileiro Ritchie, sucesso nos anos 80, é outro que teria sofrido pelas mãos de Roberto que, segundo se sabe, e é confirmado por outros artistas, teria "mandado" a gravadora boicotar o sucesso de Ritchie, dificultando a distribuição do material do músico, sua participação em eventos e programas e negligenciando a divulgação em rádios do material do próprio contratado.
Mas não dá pra ignorar o tamanho desse cara na música brasileira, a qualidade de suas composições e a quantidade de grandes e inesquecíveis canções com que ele nos brindou. Se sua atividade no microfone, no estúdio, nos palcos é incontestável e proporcionou a todos nós momentos mágicos em músicas como "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Emoções", os DETALHES das suas atuações nos bastidores, de alguma forma sempre mancharão um pouco seu nome, pois, como diz aquela canção, são coisas muito grandes pra esquecer.


Não se orgulhar mais de ter usado
camiseta do MST, tudo bem, mas Bolsonaro?
Lobão - O cara foi, simplesmente, uma espécie de símbolo da democracia da geração rock dos anos 80. Tinha a Plebe Rude que era contundente, tinha a Legião que se posicionava com ênfase e inteligência, o Capital Inicial correndo por fora mas ainda assim engajado, mas o Lobão era o cara que gritava. Ele participava de comício, ele fazia música que avacalhava o Sarney, chamava a galera pra votar consciente, tocava o hino nacional na guitarra, ao melhor estilo Hendrix, em pleno Globo de Ouro, na maior emissora de TV do país... e tudo isso pra quê? Pra acabar apoiando o Bolsonaro. Putaquiuparil
Ele alega ter se decepcionado com a esquerda, se arrependido de ter votado no PT, ter perdido a confiança em quem governou o país e acabou em tribunais respondendo por corrupção... Ok, Lobão. Mas daí a apoiar a eleição de uma criatura, visivelmente, incapaz, limitada e mal-intencionada como o atual presidente brasileiro, é muita ignorância, ingenuidade ou burrice. Um cara que tinha tudo pra dar errado, não apresentou nenhuma proposta durante a campanha se apoiando somente em um montão de bravatas e, por isso mesmo fugiu dos debates como o diabo da cruz; baseou sua campanha em notícias falsas; destilou ódio e preconceitos contra negros, indígenas, homossexuais, além de manifestar contumaz desprezo pela classe artística, da qual, exatamente o senhor João Luiz Woerdenbag, mais conhecido como Lobão, faz parte, não podia dar outra coisa senão o que deu.
Faz parte do meio artístico mas, a bem da verdade, por outro lado, também faz parte de uma classe-média alta elitista, mimada que, nos anos 80, recém saída da ditadura, via seus filhos, rebeldes sem causa, lutarem sem saber bem pelo quê, por causas como diretas, igualdade social, contra a fome, muito mais pelo embalo e pela modinha, do que por qualquer convicção. Tudo uns filhinho de papai que, na hora que perceberam que estavam perdendo privilégios, deixaram cair a máscara.
Lobão até se arrependeu - pelo menos é o que ele diz. Mas agora, depois de ajudar a eleger aquele ser ignóbil que ocupa a cadeira da presidência, aí já é tarde e já condenou o país a um retrocesso vai ser duro de reverter. Quando criaturas como Lobão, Roger, do Ultraje, Paula Toller, Rodolpho do Raimundos, mostram esse tipo de atitude, de posicionamento de caráter, eu tenho que dar razão para a aquela música que um cara muito legal do rock nacional dos anos '80 compôs: O rock errou.


O cara que bradava contra o sistema...  
John Lydon - O Rei dos Punks, o cara que gritava por anarquia, que bradava contra o poder, contra a caquética monarquia britânica, quem diria..., apoia Donald Trump. Pois é. Preferências políticas à parte, de direita, esquerda, democratas, republicanos, liberais, socialistas, já estar cansado das "bobagens intelectuais" da esquerda, como o próprio Lydon afirma, tudo bem, a gente entende, mas, agora, um cara que já simbolizou a atitude contra o poder, contra o opressor, daí a se manifestar, veementemente, a favor de uma pessoa elitista, odiosa, arrogante, egoísta, megalomaníaca, racista, xenófoba, um negacionista que, por conta de sua ignorância, falta de humanismo e empatia, ignorou a presente pandemia e, por conta de seu discurso, sua falta de ações efetivas, condenou milhares de seus compatriotas (e, por tabela, outros tantos milhões, indiretamente, pelo mundo afora) à morte, é inaceitável.
Como se não bastasse apoiar abertamente um maluco egocêntrico e considerá-lo a "última esperança e o verdadeiro representante da classe operária (???), o ex-líder dos Sex Pistols, vêm dando indesculpáveis demonstrações de intolerância e racismo. Além de "passar pano" no episódio de George Floyd, dizendo que existem policiais brancos ruins mas que aquilo teria sido apenas um episódio isolado, e ter ofendido com injúrias racistas o integrante da banda Block Party, Kele Okereke, durante um festival, diante de pessoas que confirmam o incidente, Joãozinho Podre ainda vem afirmando e reafirmando que os jovens ingleses que participam de manifestações contra o racismo são uns "mimadinhos" que, segundo ele, "têm merda na cabeça". Tá certo que a simpatia nunca foi mesmo uma marca forte na vida de John Lydon, mas agora com essas ele não se ajuda a que continuemos tendo algum respeito por ele ou pelo que já representou.
"Eu posso estar certo, eu posso estar errado", era o que ele mesmo cantava, já nos tempos de PIL, e creio que, diante das últimas atitudes não é muito difícil constatar qual das alternativas prevaleceu.


Morrissey exibindo, sem pudor,
 seu apoio à direita britânica.
Morrissey - O que mais me dói ver o lixo humano que se tornou. Morrissey era uma espécie de amigo, o cara que a gente ouvia porque parecia que sentia como a gente e exprimia suas dores, seus problemas, suas angústias, da maneira como gostaríamos de manifestar, com sinceridade, sem medo de se expôr, como um ser humano que só quer ser amado. Pois bem..., como é que essa pessoa se tornou esse ser deplorável que temos acompanhado ultimamente é algo misterioso para mim. Talvez nem tanto. Se formos prestar atenção alguns sinais já vinham sendo dados mas, nós fãs, nem levávamos em consideração, tipo, "Morrissey não é assim", ou passávamos um pano, bem bonito, justificando por alguma descontextualização ou má interpretação. Achávamos graça das declarações mal-educadas do ídolo, classificando como uma acidez típica dos gênios, quando efetivamente, deveríamos estar preocupados com o que aquilo representava.
Na verdade, aquele "England is mine...", de "Still Ill", ainda da época do The Smiths, já era um indicativo e eu é que não entendia totalmente... As coisas começaram a ficar mais claras em "National Front of Disco", canção de 1998, uma evidente alusão à Frente Nacional, partido de extrema direita inglês, contestada por alguns mas que, naquele momento, muita gente (inclusive eu) preferiu interpretar como uma "figura" compositiva dentro do contexto poético da música. Só que de uns tempos pra cá, Moz resolveu confirmar publicamente o que insistíamos em negar: tornara-se (se é que em algum momento não fora) um fascista de direita, racista, xenófobo e desprezível. Depois de usar, durante a turnê de seu álbum "Low in the High School", um broche do partido For Britain (foto), de perfil excludente e xenófobo, o cantor reafirmou em um programa de TV norte americano seu apoio às plataformas do partido e ainda, durante a entrevista, minimizou, e até ridicularizou o racismo, afirmando que, atualmente, a expressão é sem sentido e que uma pessoa será acusada de racista, nos dias de hoje, simplesmente, por discordar da opinião dos outros. No balaio de disparates, Morrissey ainda comparou a suposta perseguição que a imprensa impõe a ele, e o boicote que alega sofrer de gravadoras e da mídia ao nazismo e, a propósito de Terceiro Reich, de quebra, afirmou que Hitler seria de esquerda. 
Ah, e tem a que chineses são uma "subespécie", que fronteiras são coisas maravilhosas e foram feitas para serem respeitadas" (sobre imigrantes), que Obama, na verdade, era "branco por dentro", tem a de expulsar fãs do próprio show acusando-os de terem sido mandados pela imprensa, a de sugerir que a criança assediada por Kevin Spacey sabia o que estava fazendo ao ir para o quarto com um homem adulto... Olha..., eu não sei como eu ainda ouço as músicas dê-se cara! Pra falar a verdade, hoje, sempre que eu tenho vontade de ouvir alguma coisa dos Smiths ou de sua carreira solo, eu penso, "Eu vou ouvir esse merda?". Aí eu, a muito custo, separo o homem do artista e lembro do que ele mesmo falou em uma de suas letras: "Não se esqueça das canções que lhe fizeram chorar/ e das canções que salvaram sua vida"
Aí ele me convence e eu o ouço mais uma vez.
(Por enquanto...).


Cly Reis

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Morrissey - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (Março /2000)



Morrissey chicoteando o ar
com o fio de seu microfone em uma apresentação
da Oye Esteban Tour.
Ele entrou no palco fazendo pose de esnobe, empinando o nariz e, logo ele que em hipótese alguma serviria à Coroa Britânica, surgia à nossa frente, transbordando ironia, ao som de "For Her Majesty's Secret Service", dos filmes de James Bond. Um sonho começava a se realizar. Se eu não podia mais ver The Smiths, uma das minhas bandas do coração, ao menos poderia ver seu ex-vocalista, não menos idolatrado por mim. Apesar de tão marcante na minha vida, muitos detalhes e até músicas me escapam da memória mais imediata, e acho que, de certa forma esse é um charme de uma época em que não ficava-se mais preocupado em fotografar e filmar, com os celulares pra cima, do que em ver e curtir o espetáculo.
O que lembro é que Morrissey vinha com uma banda jovem de uns garotos topetudos que pareciam saídos de "Juventude Transviada" ou de algum outro filme de James Dean. Não lembro de todas as músicas, é claro, mas me marcou bastante o fato de terem executado "The teachers are afraid about the pupils", música de um disco que, embora interessante, bem pegado no rock, "Sowthpaw Grammar", de 1995, tinha uma estrutura "difícil", iniciado e finalizado com duas canções quilométricas, ambas de letras curtas e de longa duração instrumental e "The Teachers...", por sinal, era uma delas, exatamente a qua abria o disco. Uma canção bastante boa, intensa, mas cuja execução, ali, ao vivo, não ficou das melhores, com uma base pré-gravada que não funcionou bem, rodando levemente descompassada em relação à original do disco, o que compromeu um pouco não somente o trabalho dos músicos, como até mesmo a própria performance vocal do cantor. Do mesmo disco lembro também de terem tocado a vibrante "Boy Racer" e ainda guardo vivo na retina Morrissey serpenteando o fio do microfone, como um chicote, acompanhando os primeiros acordes da música. Lembro com emoção de "Alma Matters" com o público entoando seu refrão como um hino, em coro com Moz, num dos momentos grandiosos do show. Dos Smiths, Morrissey e sua banda tocaram poucas, o que já era esperado pelo que se sabia de shows anteriores daquela turnê, até porque naquele momento profissional, o artista se empenhava com mais ênfase para que fosse reconhecido mais pelas virtudes de sua carreira solo do que pela trajetória exitosa de sua antiga banda. Mas com uma discografia de qualidade bem satisfatória e uma produção bastante prolífica e interessante, o repertório smithiano, embora superior ao da carreira solo do cantor, acabou não fazendo tanta falta e o show atendeu a todas as expectativas.
Lembro também que Moz usava naquele show camisetas com estampas vintage que ficava trocando o tempo inteiro e jogando a usada para a galera que disputava o pedaço de pano suado acirradamente. Embora bem posicionado para assistir à apresentação, não estava perto o suficiente para poder concorrer ao souvenir. Mas aquilo era dispensável. Minha maior recompensa eu já havia ganhado e era extamente estar ali. E isso ninguém podia tirar de mim.
Depois disso até já vi Morrissey, aqui no Rio de Janeiro, mais uma vez e quase vi uma terceira vez quando ele teve que cancelar por problemas de saúde, mas aquele show no Bar Opinião, em Porto Alegre, guarda o encanto de ser ainda o momento mágico de ter à minha frente pela primeira vez um dos meus maiores idolos e um dos grandes nomes da história do rock. Preferia que fosse com Johnny Marr mas... já que não tinha jeito mesmo, parte do desejo estava cumprido e, diga-se de passagem, a parte mais significativa. Sim, eu tinha visto Morrissey.

Morrissey - Oye Esteban Tour 1999/2000
O vídeo, a seguir, mostra trechos da turnê Oye Esteban, em várias localidades, sendo que a partir do minuto 5, pode-se ver boa parte da apresentação de São Paulo, ocorrida poucos dias depois da de Porto Alegre e bastante parecida com a que relatei aqui.





Cly Reis

segunda-feira, 24 de junho de 2019

The Smiths - "Hatful of Hollow" (1984)



"Eu me arrependo da produção dela agora."
Morrissey,
sobre "What Difference does it Make?"
no disco de estreia.

"Decidimos incluir as faixas extra
de nossos singles de 12 polegadas
para pessoas que não tinham todos eles
e para tornar completamente acessível."
Morrissey,
quando do lançamento de "Hatful of Hollow"

""How Soon Is Now?" foi
imediatamente reconhecida
como algo diferente,
algo que ia muito além do que
os Smiths já haviam tentado ou lançado;
algo completamente original,
uma música totalmente diferente de qualquer outra,
ela os impulsionou a uma categoria
inteiramente nova."
Tony Fletcher,
autor da biografia "The Smiths: A Light That Never Goes Out"



Tinha uma música, que eu sabia que era da banda The Smiths, que eu acabara de conhecer, que eu havia ouvido algumas vezes, curtia de montão, mas não sabia o nome. O refrão, que encerrava a canção, era bem marcante e repetia algo infinitamente até o final, misturando a voz do vocalista a uma espécie de coro infantil até desaparecer de todo em fade-out.  No meu limitadíssimo inglês entendia que ele cantava algo como "The teacher", "I'm the preacher" e, às cegas, adotando como prováveis títulos aquelas possibilidades que meu entendimento da língua inglesa sugeria, persegui a tal da música tentando descobrir de que disco ela seria. Pesquisei na revista Bizz, perguntei a amigos, fiquei atento às rádios e nada... Obviamente, não batendo os nomes existentes de canções com aqueles possíveis que eu supusera, percebi que nem eles, nem algo parecido, se constituíam efetivamente no título da canção. Deveria descobri-la ouvindo nos álbuns, faixa a faixa, tentando identificar o tal refrão que me seduzira. Um amigo tinha o "Hatful of Hollow" e consegui que ele me emprestasse. Não encontrei a que procurava mas fui surpreendido ao reconhecer outras que também já ouvira de passagem, mas não sabia que era da banda. "Please, please, please let me get what I want", por exemplo, eu conhecia de algum filme adolescente dos anos 80, que depois vim a lembrar que era do "Curtindo a vida adoidado". Outra delas era "Girl Afraid", uma impagável surpresa, uma vez que eu costumava escutá-la na abertura de um programa local sobre surf lá em Porto Alegre, o Realce, e sempre achava o máximo aquela guitarra e ficava me perguntando de quem seria uma coisa maravilhosa como aquela.
Mas havia outras maravilhas ali e naquele disco eu conheci a beleza encantadora de "William, it was realy nothing", a doçura charmosa de "This charming man", a intensidade sonora da sensual "Handsome Devil", a elegância da pessimista "Heaven knows I'm miserable now", e possivelmente, a melhor música dos Smiths, que me impressionou desde o primeiro instante, "How soon is now?", uma peça musical de feitura complexa que combinava camadas de guitarra sobrepostas, criando uma atmosfera tensa e quase sombria, com uma letra da mais exposta vulnerabilidade, interpretada de forma tão envolvente e dramática que era impossível que o ouvinte ficasse indiferente a seu comovente apelo por amor e atenção.
Enfim, o "Hatful of Hollow" me deu muito mais do que a, até então, misteriosa música que eu procurava. Com aquele disco eu passei definitivamente a apreciar e conhecer The Smiths.  As interpretações intensas daquele vocalista, a versatilidade, a inventividade e a técnica daquele guitarrista de poucas distorções e quase nenhum solo, aquele time azeitado com "coadjuvantes" que brilhavam nos momentos certos e aquelas letras que eu, em contato com o encarte pela primeira vez, começava a descobrir e me identificar faziam com que aquela minha estada com o álbum fosse algo especial e criasse uma relação de carinho com ele a partir de então. 
Na época achava que "Hatful of Hollow" fosse um álbum. Um álbum de carreira. Tempos depois foi que com a saber que se tratava de mais uma das tantas coletâneas, compilações, compensações, correções, contrapartidas que os Smiths costumavam fazer. No caso foi uma combinação da vontade de fazer justiça a alguns singles que não haviam recebido a devida importância quando do lançamento como "William, is was really nothing"; de exibir com a devida grandiosidade sua nova pérola, que a banda sabia ser um material diferenciado, "How soon is now?"; e de redimir uma certa insatisfação com a produção e mixagem do primeiro álbum e o resultado final de algumas músicas como "What difference does it make?", por exemplo, que Morrissey considerava que havia ficara melhor nas seções da BBC e que foi incluída em "Hatful of Hollow", do que na que entrara no disco de estreia da banda. Mesmo com essa estrutura de Frankenstein, um single aqui, uma demo ali, uma inédita acolá, "Hatful of Hollow", era tão bem montado e coeso que soava como um álbum e, mesmo com o conhecimento de sua natureza seletiva, permaneceria com um pouco desta aura de álbum concebido e, para nós fãs, com a reverência que este status costuma merecer.
E a música que eu procurava?
A tal da canção era "Panic" e o tal do verso que eu não identificava, ordenava, com o sarcasmo ácido e sádico de Morrissey, enforcar um DJ que tocava constantemente músicas que não diziam nada sobre a sua vida. "Hang the DJ, hang the DJ...", entoavam insistentemente o vocalista e o coro até o final da faixa. Fui encontrá-la mais tarde, no "The World Won't Listen", outra dessas coletâneas de motivações peculiares que os Smiths costumavam organizar. Mas aí, quando encontrei "Panic" ela já não era mais a única que me interessava. Eu havia tido contato com canções que falavam a mim muito sobre minha vida. A minha busca já havia chegado ao fim.
**************

FAIXAS:
  1. "William, It Was Really Nothing" - versão original do single (2:09) 
  2. "What Difference Does It Make?" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da lançada no álbum "The Smiths" (3:11)
  3. "These Things Take Time" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC (2:32)
  4. "This Charming Man" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da versão do single e do álbum "The Smiths" (2:42)
  5. "How Soon Is Now?" - versão original do single posteriormente incluída na versão CD do álbum "Meat Is Murder" (6:44) 
  6. "Handsome Devil" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, não tendo sido lançada nenhuma versão oficial de estúdio além desta (2:47)
  7. "Hand in Glove"  - versão original do single, diferente da lançada no primeiro álbum "The Smiths" (3:13)
  8. "Still Ill" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da versão do álbum "The Smiths" (3:32)
  9. "Heaven Knows I'm Miserable Now"  versão original do single (3:33)
  10. "This Night Has Opened My Eyes" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, não tendo sido lançada nenhuma versão oficial de estúdio além desta (3:39) 
  11. "You've Got Everything Now" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC, diferente da versão do single e do álbum "The Smiths" (4:18)
  12. "Accept Yourself" - versão do programa de David Jensen na Radio 1 da BBC, diferente da versão do lado B do single "This Charming Man" (4:01)
  13. "Girl Afraid" - versão original, lado B do single "Heaven Knows I'm Miserable Now" (2:48)
  14. "Back to the Old House" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC (3:02)
  15. "Reel Around the Fountain" - versão do programa de John Peel na Radio 1 da BBC, diferente da lançada no álbum "The Smiths"  (5:51)
  16. "Please, Please, Please, Let Me Get What I Want" - versão original, lado B do single "William, It Was Really Nothing" (1:50)

**************
Ouça:



Cly Reis

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Lana Del Rey - "Born To Die" (2012)




Acima a capa original e,
abaixo a da edição especial dupla.
"Escolha suas últimas palavras,
 esta é a última vez
Porque você e eu,
nascemos para morrer."
da letra de
"Born to Die"



Ela é uma espécie de versão feminina de Morrissey. Muita gente vai achar que não tem nada a ver mas sempre que a escuto pessimista, trágica, dramática, exageraaada... e com uma certa quedinha pelo retrô, não consigo deixar de associar os dois. Ela não escreve como ele, é verdade, ainda que também tenha a língua afiada e tenha lá seus momentos com tiradas precisas e venenosas. Talvez até tenha mais talento vocal, mas, cá entre nós, mesmo já tendo conquistado uma boa legião de seguidores, precisa percorrer uma longa estrada para chegar no nível quase lendário do ex-vocalista dos Smiths. Meio diva anos 60, meio Madonna, meio dark, meio bad girl, o interessante é que, embora seja muito contestada por conta de seu alavancamento profissional, via internet, essa garota de preferências vintage, de certa forma se encaixa num espaço deixado pela geração pós-punk que oferecia, assim como ela, um pop carregado de melancolia. Não é a mesma geração, é verdade, mas o fato de sempre existirem corações sombrios e almas torturadas faz com que tanto um Morrissey, há trinta e tantos anos, quanto uma Lana Del Rey, agora, sejam ouvidos e compreendidos da mesma maneira. "Born To Die" até não é o melhor trabalho da norte-americana, posteriores como "Ultraviolence" e "Lust for Life" trazem progressos em vários aspectos em relação ao primeiro, mas este disco em especial parece representar essa identificação destes espíritos melancólicos com uma nova "representante", mas também por parte de "viúvas" do gótico, com alguém que, de certa forma, depois de algum bom tempo, fazia algo que ia mais ou menos no mesmo caminho que seus ídolos dos anos 80.
Com batidas eletrônicas e samples, num trip-hop que por vezes lembra o Portishead (menos bem acabado e menos fantasmagórico), linhas de teclado normalmente dramáticas e solenes, letras sombrias e sarcásticas sobre rompimentos, drogas, álcool, bad boys e tragédias, com vocais chorosos e líricos, Lana Del Rey oferecia com "Born to Die" um cartão de visitas altamente revelador de suas intenções artísticas e que justificava sua aceitação tanto pelo grande público quanto por alternativos. O disco em determinados momentos acaba soando meio uniforme e perde força na segunda metade mas mesmo assim muita coisa vale ser destacada. A faixa-título, por exemplo, com sua entrada grandiosa de cordas, lembrando aberturas de filmes antigos carrega todo o componente dramático que o trabalho de Lana pretende conter. A balada "Video Games", densa com sua parede de teclados, sua batida militar e vocal arrastado é outra que merece destaque. "Dark Paradise" que mescla toda uma morbidez com elementos pop mais leves que aliviam seu clima pesado; "National Anthem", bem hip-hop com vocal multiplicado como se cantado em coro; a dramática "Carmem" de excelente performance da cantora; e a ótima "Million Dollar Man", uma das minhas preferidas, uma balada de clima meio western, meio cabaré (ou as duas coisas juntas) são alguns dos grandes momentos do álbum. Num disco predominantemente lento, pesado, para não dizer que não tem nada "animado", "Diet Mountain Dew" cuja melodia vocal e combinação da letra lembram "Paradise City" do Guns'n Roses, "Summertime Sadness", de refrão grudento e o hit "Off The Races" são momentos um pouco mais embalados. A versão deluxe do álbum traz ainda mais três faixas, entre elas a ótima e sensual "Lolita", um pop mais agressivo com uma batida eletrônica bem intensa, ecos e um sample alucinante; e um relançamento do disco em versão dupla, chamado "The Paradise Edition", traz mais oito faixas, bastante boas, diga-se de passagem, sendo um delas uma versão de "Blue Velvet", que fez parte da trilha e deu nome ao filme de David Lynch.
Um dos bons discos da segunda década do século XXI, ao que parece, ao contrário do que vaticinaram muitos críticos que na época de seu lançamento, "Born To Die" não cumprirá a profecia de seu título e, se depender da já grande legião de fãs e admiradores, o álbum, um dos novos clássicos da música pop, está sim, fadado à eternidade.

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FAIXAS:
1. Born To Die
2. Off To The Races
3. Blue Jeans
4. Video Games
5. Diet Mountain Dew
6. National Anthem
7. Dark Paradise
8. Radio
9. Carmen
10. Million Dollar Man
11. Summertime Sadness
12. This Is What Makes Us Girls


Deluxe Edition
13. Without You
14. Lolita
15. Lucky Ones


The Paradise Edition
disco 2
1. Ride
2. American
3. Cola
4. Body Electric
5. Blue Velvet
6. Gods & Monsters
7. Yayo
8. Bel Air

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Ouça:
Lana Del Rey - Born To Die + The Paradise Edition


Cly Reis

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

The Smiths Cover Brasil - Food Park Carioca - Rio de Janeiro/RJ (02/12/2018)



Aproveitando que era pertinho de casa, numa estrutura gastronômico-musical no estacionamento de um supermercado na Tijuca, o Food Park Carioca, e num horário bastante favorável, fui, no último domingo, ver novamente, depois de um bom tempo, a The Smiths Cover Brasil, sem dúvida a melhor banda cover do cultuado quarteto de Manchester que foi um dos grandes nomes dos anos 80 e que ainda carrega uma legião de fãs até hoje mesmo tanto tempo depois de sua extinção. Admirador que sou do trabalho do grupo há bastante tempo, especialmente de seu vocalista, meu amigo Roberto Freitas, fui conferir sua apresentação sem qualquer dúvida de que presenciaria, mais uma vez, uma performance competente e empolgante. E não teve erro! Uma banda encaixada, azeitada, dominadora do repertório e de suas particularidades arrebatou o público do Food Park, diversificado mas, de um modo geral, conhecedor do que ouvia, com algumas das melhores canções que os Smiths já produziram, muitas delas sucessos dos anos 80.
Roberto, o Morrissey da The Smiths Cover Brasil,
à frente de seu bom time.
Roberto Freitas, que, muito convenientemente, guarda uma certa semelhança física com Morrissey, está ainda melhor do que das vezes anteriores em que o vi interpretar o cantor. Seguro e solto nos vocais e completamente à vontade, mas sem exageros, na caracterização e nos trejeitos. A banda, devo admitir que não é a mesma que vi das vezes anteriores, mas pelo que se viu é de excelentes músicos e está muito bem ensaiada garantindo, independente da escalação, a qualidade já renomada da Smiths Cover Brasil que, só para confirmar isso, percorre o Brasil inteiro com shows desfilando o repertório da banda de Manchester.
"What Difference Does It Make?" intensa, "Girl Afraid" competentíssima, "Barbarism Begins At Home" barbarizando, uma "This Charming Man" de arrepiar, "Some Girls Are Bigger Than Others " dedicado às mulheres, "The Boy With The Thorn In His Side" dedicada a mim, "Suedehead" com o seu já habitual refrão entoado em uníssono exclusivamente pelo público, uma emocionante "Please, Please, Please Let Me Get What I Want", e um "There's A Light That Never Goes Out" no meio da galera são apenas alguns dos grandes momentos que destaco do show da The Smiths Cover Brasil que, para nossa felicidade continua, com sua homenagem a esta que foi uma das maiores bandas de todos os tempos, nos brindando com a possibilidade de ter um pouco daqueles nossos ídolos pertinho da gente. Como eu disse para o próprio Roberto ao final da apresentação, "Não é o The Smiths, é claro. Mas às vezes emociona como se fosse". 

The Smiths Cover Brasil - trecho de "There's A Light That Never Goes Out"



Cly Reis

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

T-Rex - "The Slider" (1972)




A capa e seu verso,
concebidas por Ringo Starr
"Aí veio “The Slider”
e nele tinha "Metal Guru".
Foi uma música
que mudou a minha vida.
Eu nunca tinha ouvido
nada tão bonito e tão estranho,
e ainda assim tão cativante.“
Johnny Marr,
Ex-guitarrista do The Smiths




Marco do glam-rock, “The Slider”, álbum da banda britânica T-Rex confirmava uma recente idolatria em torno de seu líder, o carismático e sagaz Marc Bolan. O Tyrannossaur Rex,  nome original da banda que ficou mesmo conhecida por sua simplificação abreviada, contava, entre tantos fãs com a admiração de ninguém menos que David Bowie, fã declarado, que, de certa forma, se inspiraria em toda a proposta estético-sonora de Bolan e sua turma para construir seu ícone Ziggy Stardust.  Enquanto a produção ficava a cargo de Tony Visconti, parceiro de Bowie no álbum "Space Oddity", a arte do álbum, marcante, com Bolan usando uma cartola, foi concebida por ninguém menos que o Beatle Ringo Starr, também admirador confesso do trabalho do T-Rex. Estava mal de fãs o T-Rex? Bowie e Ringo?
A gostosa “Metal Guru” e a envolvente “Telegram Sam”, que posteriormente viria a ganhar uma versão bem interessante pela banda Bauhaus, foram os grandes sucessos do disco mas o ótimo “The Slider” não se limitava a estas duas. A faixa título é contidamente pesada, “Rock On” e “ Buick Mackane” são rocks venenosos e contagiantes, enquanto a adorável “Mystic Lady” e a balada acústica “Ballroom of Mars” são momentos mais suaves nos quais Bolan desfilava todo o potencial de seu vocal ácido e elegante.
“The Slider” é um dos discos mais importantes e um dos mais influentes da história do rock, tendo inspirado um grande número de artistas a partir de seu lançamento, tanto estética quanto musicalmente.  Que o digam Morrissey, Green Day, Bauhaus, Siouxsie, My Chemical Romance, R.E.M., só para ficar em alguns.
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FAIXAS:
1. "Metal Guru" (2:25)
2. "Mystic Lady" (3:09)
3. "Rock On" (3:26)
4. "The Slider" (3:22)
5. "Baby Boomerang" (2:17)
6. "Spaceball Ricochet" (3:37)
7. "Buick Mackane" (3:31)
8. "Telegram Sam" (3:42)
9. "Rabbit Fighter" (3:55)
10. "Baby Strange" (3:03)
11. "Ballrooms of Mars" (4:09)
12. "Chariot Choogle" (2:45)
13. "Main Man" (4:14)

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Ouça:



por Cly Reis

domingo, 29 de outubro de 2017

O último disco dos Smiths ou o primeiro disco de Morrissey?


Aproveitando o ensejo pelo aniversário de 30 anos do lançamento de “Strangeways, Here We Come”, último álbum da banda inglesa The Smiths, e o recente anúncio do novo trabalho de seu ex-vocalista, Morrissey, depois de um intervalo de 12 anos, cutuco numa velha discussão muito recorrente entre fãs da banda de Manchester e seu vocalista, qual disco é melhor: o último dos Smiths ou o primeiro de Morrissey?
Concluído em meio a um ambiente pesado, conturbado no qual os problemas de relacionamento e divergências artísticas predominavam, “Strangeways, Here We Come” que apresentava evidentes sinais de desgaste e de uma certa crise criativa, ficava claramente aquém do restante da brilhante discografia dos Smiths. Por outro lado, Morrissey, já insatisfeito com uma série de situações internas, com grande quantidade de material escrito e com ideias próprias florescendo abundantemente, chamava num canto o próprio engenheiro de som da banda da qual ainda fazia parte, Stephen Street, e ainda durante as gravações do disco que encaminhava-se para ser o derradeiro daquele grupo, preparava seu material solo.
O resultado de ambas as empreitadas, uma desgastante e agônica e a outra fresca e vivaz fica evidente em seus produtos finais. “Strangeways...” embora seja o trabalho mais fraco do The Smiths consegue mesmo assim ser um bom disco pop-rock e se não consegue manter a regularidade, a uniformidade de outros momentos que fizeram dos discos anteriores praticamente obras-primas, tem o poder ainda de produzir clássicos e proporcionar alguns grandes momentos musicais. “Girlfriend In a Coma” e “I Won’t Share You” poderiam estar em qualquer dos maiores discos da banda, talvez sem roubar o brilho de uma "Bigmouth Strikes Again", “Girl Afraid” ou “How Soon Is Now?” mas com valor o suficiente para integrar seu repertório; “Stop Me If You Think That Yo’ve Heard This One Before”, sim, tem algum protagonismo; “Death of a Disco Dancer” é intensa, angustiante e tem um solo de piano de arrepiar pelas mãos do próprio Moz;  mas é “Last Night I Dreamt That Somebody Love Me”, uma balda irresistível e emocionada, que entrava imediatamente para o rol de grandes canções da banda.


Mas "Viva Hate", de Morrissey parecia carregar tudo aquilo que se esperava de um álbum dos Smiths e por isso caía nas graças dos fãs e da crítica logo de cara, inclusiva algo que “Strangeways, Here We Come” não conseguira:  dois hits de peso, a belíssima “Everyday Is Like Sunday” e, em especial, “Suedehead”, um clássico instantâneo que muitos consideram com ironia “a última grande música dos Smiths”. Stephen Street compensava o fato de não ter um Johnny Marr, com criatividade, um bom time de músicos  e uma ótima leitura musical, de modo a, sem parecer uma cópia, não se distanciar da linguagem que consagrara o cantor até então.  Assim, Morrissey ressurgia tão ácido, mordaz, romântico e impetuoso quanto nos melhores momentos do passado e entregava-nos um disco impecável, irretocável da primeira à última. Desde a ordem das faixas, abrindo com a agressividade de “Alsatian Cousin”,  fazendo uma transição sem deixar tempo pra respirar, para a batida insistente de “Little Man, What Now?”, até culminar gloriosamente numa guilhotina descendo sobre o pescoço de Margareth Tatcher; passando pelas letras inspiradas; por arranjos precisos e interpretações emocionantes;  “Viva Hate” acertava em cheio e deixava até nos fãs mais ferrenhos, nos mais religiosos a incômoda sensação que lhes perturbava como se fosse uma traição mas que era forçoso admitir, de que, sim, o primeiro álbum de Morrissey era verdadeiramente melhor do que o último do The Smiths.




Cly Reis
(texto publicado originalmente
no blog Zine Musical )

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Morrissey - "Your Arsenal" (1992)





"['I Know It's Gonna Happen Someday' é]
Morrissey imitando Bowie."
David Bowie



Não, aquele topete não é por acaso. Fã de nomes como Elvis e James Dean, e apreciador da cultura dos anos 50 e 60, Morrissey sempre deixou transparecer essa predileção, desde a época dos Smiths com capas de discos como a de "The World Won't Listen" na qual um grupo de jovens ao estilo rockabilly aparece meio de costas na capa, nas de singles como o de "Bigmouth Strikes Again" na qual James Dean aparece montado em uma lambreta, ou do single "Shoplifters of the World Unite"  com Elvis Presley, e em músicas  como "Rusholme Ruffians", pra citar um bom exemplo, uma vez que esta , diretamente inspirada no Rei do Rock, ganhou inclusive na versão ao vivo do disco "Rank", um medley de introdução com "(Marie's the Name) His Latest Fame", tal a semelhança entre as duas. 
Embora seus discos solo tivessem trabalhos de produção bem variados, de certa forma o espírito rock'roll sessentista sempre esteve intrínsecamente presente nos trabalhos, fosse em seus astros decadentes, nas brigas de gangues ou nos garotos rebeldes. Era o universo, os personagens, "o mundo de Morrissey".
E essa veia rock'roll aparece com força mesmo é no terceiro disco do cantor. Em "Your Arsenal", Moz convocava uma gangue de jovens topetudos e carregando no rockabilly revitalizava seu som e reoxigenava sua trajetória naquele momento.
Pra não deixar dúvida das intenções, já sai chamando de cara com a espetacular  "You're Gonna Need Someone on Your Side" um rockabilly invocado, distorcido e acelerado de riff minimalista que destila todo o habitual rancor de Morrissey, "Day or night/ There's no diference/ You're gonna need  someone on your side" ("Dia ou noite, não faz diferença/ Você vai precisar de alguém a seu lado").
"Glamorous Glue" é  um típico glam-rock em uma das tantas referências, diretas ou indiretas a David Bowie no disco. Não  por acaso, uma vez que "Your Arsenal" fora produzido por Mick Ronson, guitarrista do Camaleão na época  do clássico ht"Ziggy Stardust". "We Let You Know" surge como uma balada acústica e, entre ruídos  de multidão, vai crescendo até explodir num final grandioso, numa das grandes interpretações  de Morrissey no disco.
A polêmica "The National Front of Disco", salvo sua, talvez, infeliz referência à Frente Nacional, que custou a Morrissey acusações  de racismo e xenofobia, é  uma baita duma música! Um pop rock tão delicioso e empolgante que faz perdoar qualquer equívoco involuntário deste grande letrista.
Não  menos deliciosa é  "Certain People I Know", outro rock com cara de anos 60, desta vez com uma pegada um pouco mais country.
"We Hate When Our Friends Become Successfull", o grande hit do disco e um dos maiores da carreira do cantor, talvez tenha um dos melhores refrões que eu já  tenha escutado na vida, apenas com a risada de Morrissey soando mais sarcástica  do que nunca, no que muitos dizem ser um deboche ao, até então, fracasso da carreira solo do ex-parceiro de Smiths, Johnny Marr.
Moz banca um Roberto Carlos e homenageia os gordinhos na adorável "You're The One For Me, Fatty", que, brincadeiras à  parte só  faz repetir a atenção que o artista sempre  dedicou aos menos lembrados.
As duas baladas que se seguem, "Seasick, Yet Still  Docked" e "I Know It's Gonna Happen Someday" são bastante parecidas embora esta última seja bastante superior com uma carga emotiva impressionante numa interpretação extremamente intensa de Morrissey, assumidamente  muito inspirada nas baladas de David Bowie, terminando inclusive aos acordes de "Rock'n Roll Suicide".
Mais uma peça  carregada de rock, "Tomorrow", se encarrega de botar ponto final em tudo com destaque para o baixo de Boz Boorer, de certa forma, grande impulsionador da tendência roqueira daquele momento da carreira de Morrissey.
Morrissey com "Your Arsenal" honrava o topete e fazia a alegria dos fãs mais afeitos ao seu lado rock. Com uma discografia  idolatrada, embora nem sempre muito inspirada, "Your Arsenal" era e continua sendo um dos trabalhos  mais coesos de sua carreia e para muitos, o melhor disco de sua história sem o parceiro Johnny Marr. Morrissey abria seu arsenal e mostrava armas que não vinham sendo usadas com a devida ênfase. O resultado foi um balaço.

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FAIXAS:
  1. "You're Gonna Need Someone on Your Side"
  2. "Glamorous Glue"
  3. "We'll Let You Know"
  4. "The National Front Disco"
  5. "Certain People I Know"
  6. "We Hate It When Our Friends Become Successful"
  7. "You're the One for Me, Fatty"
  8. "Seasick, Yet Still Docked"
  9. "I Know It's Gonna Happen Someday"
  10. "Tomorrow"

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Ouça:
Morrissey - Your Arsenal



Cly Reis

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

The Smiths - "The Queen Is Dead" (1986)


O Mais Ilustre dos Trintões



"Então eu invadi o Palácio
com uma esponja e uma ferramenta enferrujada
Ela disse: ' Eu conheço você, 
Você não pode cantar.'
Eu disse: 'Isso não é nada,
devia me ouvir tocando piano.' "
trecho da letra de
"The Queen is Dead"




O ano de 2016, que está acabando, viu grandes álbuns completarem 30 anos de seu lançamento. Não à toa, 1986 foi generoso em grandes discos e não por acaso é um dos anos com maior número de obras destacadas na nossa seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. "Brotherhood" do New Order, "True Blue" da Madonna, "So" de Peter Gabriel", "True Stories" dos Talking Heads, "Album" do PIL, aqui no Brasil o idolatrado "Dois" da Legião Urbana e o aclamado "Cabeça Dinossauro" dos Titãs são apenas alguns dos grandes registros fonográficos lançados naquele afortunado ano para a música.
Mas de todos estes grandes álbuns que completaramm trinta anos neste ano que está se despedindo talvez o mais importante e significativo seja "The Queen Is Dead" do The Smiths, disco frequentemente apontado como o melhor da década de '80 e não raro em listas de melhores de todos os tempos, até mesmo ocupando o topo contra obras respeitadíssimas como "Revolver" dos Beatles e o disco da banana do Velvet Underground, por exemplo.
Depois de um disco de estreia elogiadíssimo, reconhecido também com frequência como melhor debut em álbum de uma banda; de um segundo trabalho que confirmava todas as virtudes e dava alguns passos adiante do que fora apresentado inicialmente, o quarteto de Manchester chegava ao terceiro álbum de estúdio com completo domínio de suas habilidades, possibilidades e pretensões obtendo por conta disso um resultado maduro e coeso.
Em "the Queen Is Dead" aparecem pelo menos três dos maiores sucessos da banda e que se tornariam quase hinos da banda. "Bigmouth Strikes Again" canção na qual Morrissey, no auge de sua habilidade como letrista, cinicamente "se defende" das sugestões que "teria feito" para que se quebrasse a cara da então primeira-ministra britânica Margareth Tatcher. Nesta canção encontra-se alguns dos versos mais geniais e bem sacados de Morrissey, criando uma imagem martirizante de inquisição e aproximando-a temporalmente de sua geração, fazendo-a assim identificar-se com o com suposta injustiça do julgamento ao qual estaria sendo submetido: "And now I know how Joan Of Arc felt/ As the flames rose to heir roman nose and her walkman started to melt" ("E agora eu sei como Joana d'Arc se sentiu/ Enquanto as chamas subiam até seu nariz romano e seu walkman começava a derreter") . Outro dos hinos smithianos que o álbum traz é a suplicante "There's a Light That Never Goes Out", canção pop perfeita dotada de um desespero apaixonado comovente possuidora de outro daqueles versos definitivos de Morrissey: "And if a double-decker bus crashes into us/ To die by your side/ Is such a heavenly way to die" ("E se um ônibus de dois andares colidisse contra nós/ Morrer ao teu lado/ Que maneira divina de morrer"). De arrepiar! O outro grande hit do álbum e da carreira da banda é "The Boy With The Thorn In His Side", possivelmente, em termos gerais, a combinação mais perfeita da parceria Morrissey/Marr, numa das melodias mais sedutoramente inspiradas do guitarrista combinada com uma interpretação vocal irretocável do cantor tornando-se  tão emblemática que poderia ser considerada praticamente uma identidade auditiva doa banda.
Mas ao contrário do que pode-se pensar "The Queen Is Dead " não é um clássico apenas pelo fato de ter gerado grandes sucessos. Cada uma das outras sete faixas, embora não tenham atingido paradas, grandes execuções e vendas, tem seu valor que, diga-se de passagem, não é nada pequeno.
A canção que abre o disco e com ele compartilha o nome, "The Queen Is Dead", é uma das mais pungentes e viscerais da banda em um dos poucos exemplos de guitarradas rascantes e violentas de Johnny Marr servindo como uma inquieta esteira de fogo para a letra fulminante de Morrissey num ataque ridicularizador à família real britânica.
"Frankly Mr. Shanky" é graciosa e doce sonoramente mas ácida em sua letra; "Cemetery Gates", com seu violão de melodia envolvente é extremamente bem humorada; "Never Had No One Ever", possivelmente a menos boa do disco, o que não significa que seja ruim, é intensa e carrega aquela típica melancolia e pessimismo de Morrissey; "Vicar In a Tutu", é um gostoso rackabilly novamente repleto do humor mórbido característico de seu letrista. Particularmente destaco também "I Know It's Over", uma das minha preferidas da banda. Uma balada carente, angustiada, desesperada, de interpretação comovente e intensidade crescente que, desde que ouvi pela primeira vez até hoje, me leva às lágrimas. O pedido de "colinho" "Oh, mother I Can feel the soil falling over my head" (Oh, mãe, eu posso sentir o chão caindo sobre minha cabeça") é pra derreter qualquer um.
Depois de tudo isso, a despretensiosa "Some Girls Are Bigger Than Others" tem o charme de surgir em um fade-in, começar, parecer sumir, desvanecer-se num fade-out e voltar para, numa letra aparentemente banal fechar em grande estilo o disco.
"The Queen Is Dead" foi o disco que colocou o The Smiths definitivamente num patamar superior. Se no início a banda chamou atenção por fazer um rock limpo e honesto em meio à selva de sintetizadores que habitavam o mundo pop, se depois se afirmaram enquanto banda e consolidaram um linha, a partir daquele disco eram, sim, definitivamente reconhecidos como uma das grandes bandas dos últimos tempos. Se o disco frequenta listas de melhores de todos os tempos, o nome da banda não faz menos e volta e meia é colocado à frente de peixes grandes do rock em respeitáveis listas de todo tipo de publicação. Sim, os anos 80 nos deram grandes obras, o ano de 1986, em especial, alguns dos mais marcantes e especiais, mas por toda essa reverência que lhe é atribuida, por sua qualidade, por toda a idolatria e aura mítica que envolve esta obra, "The Queen Is Dead" pode ser considerado, entre os discos "nascidos" em 86, entre os que apagam trinta velinhas este ano, o mais ilustre aniversariante.
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FAIXAS:

  1. "The Queen is Dead"
  2. "Frankly, Mr. Shankly" 
  3. "I Know It's Over" 
  4. "Never Had No One Ever"
  5. "Cemetry Gates" 
  6. "Bigmouth Strikes Again" 
  7. "The Boy with the Thorn in His Side" 
  8. "Vicar in a Tutu"
  9. "There Is a Light That Never Goes Out" 
  10. "Some Girls Are Bigger Than Others"


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Ouça:


Cly Reis