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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" (1985)

 


"Só quem não amar os filhos/ Vai querer dinamitar os trilhos da estrada/ Onde passou passarada/ Passa agora a garotada, destino ao futuro".
Da letra de "Roque Santeiro, O Rock"

Os anos 80 foram de instabilidade na carreira de Gilberto Gil. Assim como com seus companheiros de Tropicalismo Caetano Veloso e, ainda mais, Tom Zé – este, relegado a um ostracismo graças a Deus interrompido tempo depois – a década com a pecha de "perdida" parece ter influenciado com seu mau agouro os consagrados músicos da MPB. O BRock de Legião Urbana, Barão Vermelho, Blitz, Titãs, Lobão, RPM e outras bandas da época ocupavam as rádios, o que, somado com o que vinha de fora, quase não deixava espaço para o "produto nacional". 

Gil, exímio compositor que é, até emplacou sucessos no começo da década de 80. "Andar com Fé" e "Vamos Fugir" tocaram bastante, é bem verdade. Em compensação, seus álbuns passavam longe de terem a mesma regularidade e reconhecimento de crítica e público frente a seus clássicos dos anos 60 e 70, como o disco de 1968, "Expresso 2222", de 1972, ou a revolucionária trilogia "Re" ("Refazenda"/"Refavela"/"Realce", 1975, 1977 e 1979 respectivamente). Também, o baiano tentara, por duas vezes quase sequentes, entrar no mercado norte-americano. Ao contrário de alguns de seus pares, como Djavan, Ivan Lins, Tânia Maria e Milton Nascimento, ele não obteve o êxito esperado e se recolheu ao nicho já conquistado: o Brasil. O destino, no entanto, reservaria mais um abalo ainda maior a Gil naquele final de década de 80: o filho Pedro, baterista de sua banda desde 1984, se acidentaria de carro no Rio de Janeiro e morreria em janeiro de 1990. Aos 19 anos.

Mas os tropicalistas têm uma vantagem sobre outros artistas da música brasileira, mesmo para com os da mesma estirpe: eles ditam tendência. E se nos anos 80 a tendência estava posta pela indústria, então o negócio era passar a ratificá-la. Como já vinha ocorrendo desde os Mutantes, Gil e Caetano tornaram-se totens de certificação a toda a geração mais jovem, de A Cor do Som a Chico Science & Nação Zumbi. "Dia Dorim Noite Neon", lançado por Gil em 1985 para comemorar os 20 anos de carreira e que completa 40 em 2025, além de trazer excelentes composições, estabelece essa consciência quase benta do velho artista para com os súditos. Porque, sim: o rock brasileiro deve muito a MPB, ao contrário do que já se tentou negar ou esconder. Um privilégio que só o Brasil tem, mas algo desqualificado pela imprensa por muito tempo.

A bela vinheta de abertura e encerramento, "Minha Ideologia, Minha Religião", traz o violão dedilhado de Gil e seu vocal acompanhando as vozes infantis em coro, que cantam uma prece universal de pureza aos deuses para iniciar a jornada – e, lá na última faixa, agradecer pela mesma. Logo na sequência, vem o hit do disco, o reggae "Nos Barracos da Cidade", um canto de contestação social de um Brasil recém saído da ditadura. “Barracos”, seu subtítulo, abriria também portas a outra música com características parecidas e de ainda maior sucesso, que é "Alagados", marco do pop rock brasileiro, gravada pelos Paralamas do Sucesso com Gil um ano depois no mesmo estúdio, Nas Nuvens.

Sem muito respiro, Gil emenda o rockasso "Roque Santeiro, o Rock", um hard rock enfezado de dar inveja a muita bandinha poser que esteve no Rock in Rio naquele ano. Gil que, aliás, havia feito uma apresentação histórica no festival meses antes com a mesma banda mas ainda com o repertório do disco anterior, "Raça Humana". Na música em questão, a excelente produção do mutante Liminha dá protagonismo à bateria potente de Pedro Gil e à guitarra de outro e original mutante, Sérgio Dias, sintonizado com a sonoridade que o vanguardista produtor norte-americano Bill Laswell estava se apropriando e que cristalizaria no referencial "Album", da Public Image Ltd., de um ano depois. Ou seja: era o auge do rock'n’roll na mídia dos anos 80.

Gil e o filhão Pedro, falecido anos depois, mas 
fundamental para a atmosfera rocker de "Dia Dorim..."
Captando todas essas pulsões, inclusive o sucesso popular da novela de Dias Gomes de mesmo nome que rodava à época na Globo, Gil se vale de sua experiência e visão tropicalista para escrever uma música altamente simbólica para aquele período. Ele sintoniza, com olhar sábio, generoso e até paternal aquilo que a juventude ansiava, do esporte radical a uma nova compreensão da religiosidade. ”Deixa ele tocar o rock/ Deixa o choque da guitarra tocar o santeiro/ Do barro do motocross/ Quem sabe ele molde um novo santo padroeiro", diz a letra. Tudo isso, claro, simbolizado na potência do rock. O filho Pedro, aliás, é fundamental neste processo. Rapaz cheio de vitalidade, foi ele quem motivou o pai a entrar na onda roqueira. Gil identificava nele um representante daquela geração a qual faz referência na música, como os Paralamas, Ultraje a Rigor, Titãs e Lobão. Era como se dissesse: "Meus filhos musicais, eu abri caminho pra vocês lá atrás. Agora, é com vocês, mas eu estarei aqui, sempre perto".

Atentando também à cena pop do momento de nomes como Marina, Zizi Possi e Vinícius Cantuária, Gil diminui a rotação e traz a bela 'Seu Olhar", que conta com a guitarra do "Paralama" Herbert Vianna antes deste se tornar seu parceiro em "A Novidade", o que ocorreria meses depois no celebrado "Selvagem?", terceiro disco da banda. A faixa antecede a bossa-nova introspectiva "Febril", das melhores e mais desconhecidas canções do repertório gilbertiano. Espécie de reverso de 'Palco", que exorciza os males do mundo no instante sagrado do encontro do músico com o público, "Febril", ao contrário, revela o lado solitário da existência do artista, a qual pode imperar mesmo diante de uma vasta plateia. "Tanta gente, e estava tudo vazio/Tanta gente, e o meu cantar tão sozinho". Gil e sua profundidade capaz de revelar o avesso das coisas.

A próxima faixa vem noutra sintonia, mas sem perder coerência com a atmosfera pop do álbum: o french-afoxé "Touches Pas A Mon Pote". Noutra excelente produção de Liminha, Gil, dono de um francês impecável, ressignifica, nos ritmos essencialmente afro-brasileiros, a África francófona, ou seja, Senegal, Benin, Costa do Marfim, de onde parte dos escravos vieram para o Brasil e a sua Bahia séculos antes. Esta primeira aproximação simbólico-sonora Brasil-França de Gil, vista em uma série de canções dele a partir de então, o próprio redimensionaria 23 anos depois em outra música igualmente cantada na língua de Hugo (mas também de Mbougar Sarr): "La Renaissance Africaine", originalmente do disco “Banda Larga Cordel”.

O lado B do vinil começa com mais uma agitada, mas desta vez sob a batida do funk: "Logos Versus Logo". Sob inspiração da sonoridade típica do pop soul da época de Prince, Marcus Miller, Patti LaBelle e outros artistas – bateria eletrônica, baixo em slaps, guitarra suingada e ritmo soul –, Gil aborda o papel de resistência do poeta no mundo capitalista, problematizando a questão com poesia e lucidez. Outra música que, assim como “Febril”, é de suas melhores mas também das mais esquecidas. E que bela letra: "E o bom poeta, sólido afinal/ Apossa-se da foice ou do martelo/ Para investir do aqui e agora o capital/ No produzir real de um mundo justo e belo". Só que Gil não se presta a simplesmente copiar o som da moda tocado nos Estados Unidos: ele o enriquece. Como poucos ousavam fazer naqueles idos de embate "rock x MPB", o baiano, do meio para o fim da faixa, adiciona-lhe percussões de samba, fundindo de forma empolgante o ritmo mais brasileiro de todos ao groove do funk. Pouco tempo depois, Lobão, Os Engenheiros do Hawaii e The Ambitious Lovers fariam semelhante. 

Com a autoridade de um dos pioneiros do reggae no Brasil, Gil traz um outro ainda mais raiz do que “Barracos”: “Oração Pela Libertação da África Do Sul”. Mais uma de teor espiritualista mas que, desta vez, clama por outro problema social que o mundo vivia naquele então, que era o Apartheid na África do Sul, o regime de segregação que retirou os direitos da população negra do país. Valendo-se da força de resistência e denúncia que o ritmo do ídolo Bob Marley carrega, Gil torna a atuar politicamente através da música, unindo-se, neste caso, ao movimento global de solidariedade com a luta anti-Apartheid, que aumentou a conscientização sobre a injustiça dessa política e ajudou a impulsionar a mudança 5 anos depois com a queda do regime.

Voltando ao pop, na sofisticada “Clichê Do Clichê” Gil conta com a parceria do já mencionado amazonense Vinícius Cantuária, à época estourado nas rádios com o hit “Só Você”. Ligações com “Touches...” nas diversas referências à cultura francesa, como Brigitte Bardot, Jean-Paul Belmondo e o cinema francês. Quase fechando o disco, a música que justifica a referência à personagem Diadorim do título: “Casinha Feliz”. Esse doce xote sertanejo (visivelmente uma inspiração para “Madalena”, gravada com sucesso por Gil em “Parabolicamará”, de 1992) contém os versos motivados pelo universo de Guimarães Rosa: “Onde resiste o sertão/ Toda casinha feliz/ Ainda é vizinha de um riacho/ Ainda tem seu pé de caramanchão”. E completa: “De dia, Diadorim/ De noite, estrela sem fim”.

Encerrando, outra belíssima composição, esta, do amigo Jorge Mautner. “Duas Luas” fecha com a poesia lírica e estelar própria do “maldito” num ijexá moderno, a se ver pelo elegante sax solo de Zé Luis. ”Estou adorando andar pelas ruas/ Como quem não quer nada/ Debaixo do sol/ Debaixo das luas/ Que são mais de duas”, numa referência às luzes de neon que também compõe o título deste disco precioso.

Num período em que vinha um tanto inconstante, “Dia Dorim Noite Neon” ajustou a rota e elevou novamente a régua de Gil diante da própria obra. E muito se deve ao vigor contagiante de Pedro Gil, que deixou este plano bem cedo, mas não antes de reenergizar seu próprio pai com o espírito do rock. Vieram, na sequência, “O Eterno Deus Mu Dança”, de 1989, álbum de estúdio em que aproveita algumas receitas do antecessor, a trilha do filme “Um Trem para as Estrelas”, em inédita parceria com Cazuza, e dois ótimos discos ao vivo: “Live in Tokyo” e “Gilberto Gil em Concerto”, todos os três de 1987. Mas “Dia Dorim...” pode tranquilamente ser considerado seu melhor trabalho em toda aquela década. Antenado com seu momento histórico em letras, melodias, atmosfera e sonoridade, mas sem soar datado como muita coisa dos anos 80 – a começar pelo próprio álbum anterior, “Raça Humana” –, o disco serviu, inclusive, para ajudar a quebrar preconceitos entre música popular e o então fortalecido rock, como se o primeiro fosse coisa de velho e o segundo de jovens. Sem divisar. O Rappa, Planet Hemp e Skank são fruto dessa mentalidade arejada nos anos 90. 

Gil provou que, como diz na vinheta do disco, sua forma de pensar/ser é aceitar a impermanência das coisas e conectar-se à espiritualidade. No caso, a igreja do rock. "Outrora, o reino do Pai/ Agora, o tempo do Filho com seu novo canto." Esse tal de rock'n'roll pode até ser coisa do diabo, mas também sabe muito bem ser divino.

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FAIXAS:
1. “Abertura: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:26
2. “Nos Barracos Da Cidade (Barracos)” (Gilberto Gil, Liminha) - 4:11
3. “Roque Santeiro, O Rock” - 4:25
4. “Seu Olhar” - 4:02
5. “Febril” - 3:41
6. “Touches Pas A Mon Pote” - 3:45
7. “Logos Versus Logo” - 3:05
8. “Oração Pela Libertação Da África Do Sul” - 3:28
9. “Clichê Do Clichê” (Gil, Vinicius Cantuária) - 4:20
10. “Casinha Feliz” - 3:14
11. “Duas Luas” (Jorge Mautner) - 3:32
12. “Final: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:25
Todas as composições de autoria de Gilberto Gil, exceto indicadas


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OUÇA O DISCO:
Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" 


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Meu Babaca Favorito


Em tempos de idolatrias tão efêmeras, edificadas sobre méritos mínimos, e cancelamentos quase automáticos motivados pelo primeiro deslize, posicionamento ou frase mal colocada de um ídolo que, não muito tempo atrás, era elevado à condição de semideus, pessoas com um pouco mais de critério, de apego a suas influências e referências, têm uma certa resistência em, simplesmente, adotar o tão usual procedimento vigente de CANCELAR uma personalidade que, de alguma forma sempre admirou e que fora seu referencial, por mais que este faça por merecer um belo "block" por conta de procedimentos, atitudes, declarações, que revelam uma pessoa diferente daquela que se imaginava ou que demonstrava ser.
Os caras se esforçam pra fazer merda, cagar pela boca, demonstrar o quanto são desprezíveis, pessoas que a gente não aceitaria no nosso meio social, mas aí a gente pensa no que já fizeram de fantástico na sua arte, o quanto foram (e são) importantes pr'a gente, o quanto os admiramos, e não conseguimos, meramente, virar as costas e dizer que não os admiramos mais. E aí que com muito esforço, colocamos seu trabalho, sua figura, suas músicas, suas letras, acima de tudo e, separamos o ser-humano de sua obra. Só assim mesmo pra aguentar uns, ó, que, vou te contar...
Muitos desses, os mais recentes, já tinham seu espaço para dizer o que pensavam, tiveram microfone, seus próprios álbuns, palco, livros, espaço na imprensa, mas com a ascensão das mídias sociais, uma verdadeira terra-de-ninguém, onde todo mundo tem opinião formada sobre tudo mesmo, muitas vezes, sem qualquer embasamento ou informação, pareceram encorajados a assumir posições, que não são decepcionantes por serem divergentes da minha ou de determinado segmento, mas sim por serem lamentáveis do ponto de vista humano.
Listamos, aqui, alguns dessas criaturas que a gente só não "cancela" porque não dá pra deixar de lado o que já fizeram e, cá entre nós, porque a gente adora esses caras mesmo. Mas que estão pedindo, estão...
Uns são de hoje, outros tem histórias que vem de muito tempo, uns se revelaram por conta da pandemia, outros revelaram preferências políticas bem preocupantes, enfim, tem um monte nessa barca, mas aqui vamos pegar apenas alguns desses "caraterzinhos" duvidosos, que a gente sabe que são uns idiotas, uns babacas, mas que odiamos amar.


Tá certo é esse cachorro!
Eric Clapton - "Clapton é Deus". A inscrição frequentemente vista em muros de Londres nos anos 60, quando o guitarrista inglês hipnotizava os fãs com sua técnica e habilidade, está longe de ser verdade. Ao contrário, hoje, muitos fãs preferem ver o diabo do que o gênio da guitarra.
Recentes declarações de Eric Clapton, acerca da situação da Covid-19 e do isolamento, comparando os protocolos de segurança à escravidão, reforçadas pela gravação de uma canção anti-lockdown, "Stand and Deliver", de Van Morrison, por sinal, outro que tem se revelado um grandíssimo feladaputa, provocaram indignação entre seus admiradores e de quebra ainda tiraram alguns velhos esqueletos do armário. Os atuais posicionamentos de Clapton fizeram com que pessoas lembrassem de um episódio em 1976 em que ele, durante um show em Birmingham, "convocou" os estrangeiros e imigrantes a se retirarem do país. Na ocasião, Clapton disse, se dirigindo ao público, “Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui (...) “Precisamos deixar claro que eles não são bem-vindos. A Inglaterra é um país para brancos, o que está acontecendo conosco?” . Pois é... Clapton pode até ser um deus na guitarra, mas passa longe de ser um santo.
Ao que parece, até seus amigos músicos perderam a paciência e não aguentam mais tanta baboseira, uma vez que o lendário guitarrista tem reclamado de se sentir abandonado pelos colegas do meio musical.
Toma!
Mas não adianta: tem como odiar o cara que fez "Layla", "Cocaine", "Crossroads" e outras tantas maravilhas? Não, né?


Roberto sendo homenageado
pelos militares, nos anos 70
.
Roberto Carlos - Sabe aquele cara que sempre que se fala dele tem aquele asterisco ao lado do nome? Sim, esse cara é ele. As coisas que depõe contra o Rei não são de hoje e não são relacionadas com pandemia, isolamento, redes sociais nem nada tão atual, mas acompanham sua figura pública já de bastante tempo e, de certa forma, embora seja inegável sua contribuição para a música brasileira e seu talento para composições, nunca conseguimos perdoá-lo totalmente.
O problema de Roberto Carlos, na verdade, foi mais seu silêncio do que o que teria dito. Enquanto seus colegas do meio cultural, musical, das artes bradavam contra a ditadura militar no Brasil, sofrendo suas consequências de censura, prisões e exílios, Roberto, confortável e convenientemente não só não se manifestava em relação ao regime e as reprimendas sofridas pelos colegas e continuava, simplesmente, gravando suas canções alienadas com temas românticos ou de "curtição", como ainda não se esforçava em esconder uma proximidade com os generais e até mesmo era agraciado com comendas e homenagens pelos tiranos governantes brasileiros daquele nefasto período da nossa história.
Como se não bastasse, Roberto é conhecido no meio artístico por seu comportamento egoísta, mesquinho e antiético, sabotando outros artistas, reivindicando vantagens e benefícios junto a produtoras, gravadores, emissoras, etc., e, como se diz popularmente, "puxando o tapete" de colegas de profissão. Tim Maia foi um exemplo de um que, depois de ter sido parceiro de banda, ter convivido junto, foi ignorado e menosprezado por Roberto, assim que o Rei começou a estourar nas paradas de sucesso e tornar-se o fenômeno que veio a ser. O anglo-brasileiro Ritchie, sucesso nos anos 80, é outro que teria sofrido pelas mãos de Roberto que, segundo se sabe, e é confirmado por outros artistas, teria "mandado" a gravadora boicotar o sucesso de Ritchie, dificultando a distribuição do material do músico, sua participação em eventos e programas e negligenciando a divulgação em rádios do material do próprio contratado.
Mas não dá pra ignorar o tamanho desse cara na música brasileira, a qualidade de suas composições e a quantidade de grandes e inesquecíveis canções com que ele nos brindou. Se sua atividade no microfone, no estúdio, nos palcos é incontestável e proporcionou a todos nós momentos mágicos em músicas como "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Emoções", os DETALHES das suas atuações nos bastidores, de alguma forma sempre mancharão um pouco seu nome, pois, como diz aquela canção, são coisas muito grandes pra esquecer.


Não se orgulhar mais de ter usado
camiseta do MST, tudo bem, mas Bolsonaro?
Lobão - O cara foi, simplesmente, uma espécie de símbolo da democracia da geração rock dos anos 80. Tinha a Plebe Rude que era contundente, tinha a Legião que se posicionava com ênfase e inteligência, o Capital Inicial correndo por fora mas ainda assim engajado, mas o Lobão era o cara que gritava. Ele participava de comício, ele fazia música que avacalhava o Sarney, chamava a galera pra votar consciente, tocava o hino nacional na guitarra, ao melhor estilo Hendrix, em pleno Globo de Ouro, na maior emissora de TV do país... e tudo isso pra quê? Pra acabar apoiando o Bolsonaro. Putaquiuparil
Ele alega ter se decepcionado com a esquerda, se arrependido de ter votado no PT, ter perdido a confiança em quem governou o país e acabou em tribunais respondendo por corrupção... Ok, Lobão. Mas daí a apoiar a eleição de uma criatura, visivelmente, incapaz, limitada e mal-intencionada como o atual presidente brasileiro, é muita ignorância, ingenuidade ou burrice. Um cara que tinha tudo pra dar errado, não apresentou nenhuma proposta durante a campanha se apoiando somente em um montão de bravatas e, por isso mesmo fugiu dos debates como o diabo da cruz; baseou sua campanha em notícias falsas; destilou ódio e preconceitos contra negros, indígenas, homossexuais, além de manifestar contumaz desprezo pela classe artística, da qual, exatamente o senhor João Luiz Woerdenbag, mais conhecido como Lobão, faz parte, não podia dar outra coisa senão o que deu.
Faz parte do meio artístico mas, a bem da verdade, por outro lado, também faz parte de uma classe-média alta elitista, mimada que, nos anos 80, recém saída da ditadura, via seus filhos, rebeldes sem causa, lutarem sem saber bem pelo quê, por causas como diretas, igualdade social, contra a fome, muito mais pelo embalo e pela modinha, do que por qualquer convicção. Tudo uns filhinho de papai que, na hora que perceberam que estavam perdendo privilégios, deixaram cair a máscara.
Lobão até se arrependeu - pelo menos é o que ele diz. Mas agora, depois de ajudar a eleger aquele ser ignóbil que ocupa a cadeira da presidência, aí já é tarde e já condenou o país a um retrocesso vai ser duro de reverter. Quando criaturas como Lobão, Roger, do Ultraje, Paula Toller, Rodolpho do Raimundos, mostram esse tipo de atitude, de posicionamento de caráter, eu tenho que dar razão para a aquela música que um cara muito legal do rock nacional dos anos '80 compôs: O rock errou.


O cara que bradava contra o sistema...  
John Lydon - O Rei dos Punks, o cara que gritava por anarquia, que bradava contra o poder, contra a caquética monarquia britânica, quem diria..., apoia Donald Trump. Pois é. Preferências políticas à parte, de direita, esquerda, democratas, republicanos, liberais, socialistas, já estar cansado das "bobagens intelectuais" da esquerda, como o próprio Lydon afirma, tudo bem, a gente entende, mas, agora, um cara que já simbolizou a atitude contra o poder, contra o opressor, daí a se manifestar, veementemente, a favor de uma pessoa elitista, odiosa, arrogante, egoísta, megalomaníaca, racista, xenófoba, um negacionista que, por conta de sua ignorância, falta de humanismo e empatia, ignorou a presente pandemia e, por conta de seu discurso, sua falta de ações efetivas, condenou milhares de seus compatriotas (e, por tabela, outros tantos milhões, indiretamente, pelo mundo afora) à morte, é inaceitável.
Como se não bastasse apoiar abertamente um maluco egocêntrico e considerá-lo a "última esperança e o verdadeiro representante da classe operária (???), o ex-líder dos Sex Pistols, vêm dando indesculpáveis demonstrações de intolerância e racismo. Além de "passar pano" no episódio de George Floyd, dizendo que existem policiais brancos ruins mas que aquilo teria sido apenas um episódio isolado, e ter ofendido com injúrias racistas o integrante da banda Block Party, Kele Okereke, durante um festival, diante de pessoas que confirmam o incidente, Joãozinho Podre ainda vem afirmando e reafirmando que os jovens ingleses que participam de manifestações contra o racismo são uns "mimadinhos" que, segundo ele, "têm merda na cabeça". Tá certo que a simpatia nunca foi mesmo uma marca forte na vida de John Lydon, mas agora com essas ele não se ajuda a que continuemos tendo algum respeito por ele ou pelo que já representou.
"Eu posso estar certo, eu posso estar errado", era o que ele mesmo cantava, já nos tempos de PIL, e creio que, diante das últimas atitudes não é muito difícil constatar qual das alternativas prevaleceu.


Morrissey exibindo, sem pudor,
 seu apoio à direita britânica.
Morrissey - O que mais me dói ver o lixo humano que se tornou. Morrissey era uma espécie de amigo, o cara que a gente ouvia porque parecia que sentia como a gente e exprimia suas dores, seus problemas, suas angústias, da maneira como gostaríamos de manifestar, com sinceridade, sem medo de se expôr, como um ser humano que só quer ser amado. Pois bem..., como é que essa pessoa se tornou esse ser deplorável que temos acompanhado ultimamente é algo misterioso para mim. Talvez nem tanto. Se formos prestar atenção alguns sinais já vinham sendo dados mas, nós fãs, nem levávamos em consideração, tipo, "Morrissey não é assim", ou passávamos um pano, bem bonito, justificando por alguma descontextualização ou má interpretação. Achávamos graça das declarações mal-educadas do ídolo, classificando como uma acidez típica dos gênios, quando efetivamente, deveríamos estar preocupados com o que aquilo representava.
Na verdade, aquele "England is mine...", de "Still Ill", ainda da época do The Smiths, já era um indicativo e eu é que não entendia totalmente... As coisas começaram a ficar mais claras em "National Front of Disco", canção de 1998, uma evidente alusão à Frente Nacional, partido de extrema direita inglês, contestada por alguns mas que, naquele momento, muita gente (inclusive eu) preferiu interpretar como uma "figura" compositiva dentro do contexto poético da música. Só que de uns tempos pra cá, Moz resolveu confirmar publicamente o que insistíamos em negar: tornara-se (se é que em algum momento não fora) um fascista de direita, racista, xenófobo e desprezível. Depois de usar, durante a turnê de seu álbum "Low in the High School", um broche do partido For Britain (foto), de perfil excludente e xenófobo, o cantor reafirmou em um programa de TV norte americano seu apoio às plataformas do partido e ainda, durante a entrevista, minimizou, e até ridicularizou o racismo, afirmando que, atualmente, a expressão é sem sentido e que uma pessoa será acusada de racista, nos dias de hoje, simplesmente, por discordar da opinião dos outros. No balaio de disparates, Morrissey ainda comparou a suposta perseguição que a imprensa impõe a ele, e o boicote que alega sofrer de gravadoras e da mídia ao nazismo e, a propósito de Terceiro Reich, de quebra, afirmou que Hitler seria de esquerda. 
Ah, e tem a que chineses são uma "subespécie", que fronteiras são coisas maravilhosas e foram feitas para serem respeitadas" (sobre imigrantes), que Obama, na verdade, era "branco por dentro", tem a de expulsar fãs do próprio show acusando-os de terem sido mandados pela imprensa, a de sugerir que a criança assediada por Kevin Spacey sabia o que estava fazendo ao ir para o quarto com um homem adulto... Olha..., eu não sei como eu ainda ouço as músicas dê-se cara! Pra falar a verdade, hoje, sempre que eu tenho vontade de ouvir alguma coisa dos Smiths ou de sua carreira solo, eu penso, "Eu vou ouvir esse merda?". Aí eu, a muito custo, separo o homem do artista e lembro do que ele mesmo falou em uma de suas letras: "Não se esqueça das canções que lhe fizeram chorar/ e das canções que salvaram sua vida"
Aí ele me convence e eu o ouço mais uma vez.
(Por enquanto...).


Cly Reis

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ultraje a Rigor - "Nós Vamos Invadir Sua Praia" (1985)

“...'Inútil' foi nossa melhor sacada, quando conseguimos sintetizar tudo que queríamos falar.
Na época todos tínhamos um inimigo comum
que era a ditadura.
Muitas vezes me perguntavam se eu
considerava todo mundo inútil.
Eu dizia que não, que estavam fazendo
o brasileiro de inútil,
mas que também muitas vezes “somos inútil” porque nós temos até hoje uma mentalidade complicada e
muitas vezes penso que nem queremos mudar. "
Roger




Frequentemente ouço questionarem porquê Roger Rocha Moreira, vocalista, guitarrista e letrista do Ultraje a Rigor, não ultiliza melhor seu Q.I. superior a 140 , um dos maiores entre famosos no Brasil... Olha, acho que, a seu modo, ele faz bom uso dele. E tenho certeza que o utilizou bastante bem, pelo menos, para conceber um dos grandes discos da história do rock nacional, o ótimo "Nós Vamos Invadir Sua Praia" de 1985.
"Nós Vamos Invadir sua Praia" é um discaço de rock'n roll apoiado em letras inteligentíssimas que abordam temas como comportamento, adolescência, diferenças
sociais, relacionamentos, mainstream, política, com malícia e bom-humor sem precedentes no rock nacional.
"Ciúme" e Zoraide" representam o melhor do rock ultrajeano em duas canções que vão direto nas relações entre casais e todas as suas chatices e particularidades; a maliciosa "Marylou" é um country-rock estilizado e exagerado com menções um tanto picantes a certos bichinhos 'safados' da fazenda. "Jesse Go", que o guitarrista Maurício certa vez disse que serviria para o Paulo Ricardo do RPM, ataca com ironia os ídolos fabricados da indústria musical e o estrelismo que os acomete depois da fama; e a ótima "Eu Me Amo" é um genial exercício psicanalítico sobre descoberta de si próprio e autovalorização, na que deve ser provavelmente a única auto-canção de amor da história da música.
"Inútil", com sua concordância propositalmente errada e provavelmente com o riff mais bacana já feito no rock brasileiro, ao contrário do que sempre se disse por aí, não desvaloriza o brasileiro, mas sim, pelo contrário, reafirma a capacidade deste país de fazer tudo tão bem ou melhor que qualquer outro, e à sua maneira, irônicos e escrachados, questionam os motivos pelos quais, mesmo com tanto potencial, tudo o que via-se, naquele Brasil bem menos desenvolvido e promissor do que hoje dos anos 80, eram constantes insucessos e impedimentos nos mais diversos segmentos. "Mim Quer Tocar", outra genial e uma exceção no que diz respeito à ênfase rock'n roll do disco, é um reggae 'preguiçoso' que brinca com a visão estrangeira em relação ao Brasil que supunha muitas vezes ser um país ainda habitado por um bando de índios e selvagens, mas alfineta também a própria auto-depreciação que o povo acabou assumindo em relação ao próprio país.
"Rebelde Sem Causa" talvez a melhor composição do disco, é um surf rock com cores new-wave, com um excente trabalho de guitarra de Roger e uma letra genial na qual um jovem relata o quanto sua vida  é 'chata' pelo excesso de atenção, carinho, bens materiais e tudo o que poderia desejar, numa sutil crítica comportamental (que se estende ao social) a todo mundo que se queixa da vida de barriga cheia. Extremamente atual se formos pensar em bad-boys que queimam índios, chutam negros, agridem prostitutas e homossexuais; filhinhos-de-papai que saem atropelando todo mundo com seus carrões e ficam impunes; babacas que provocam brigas em festas, etc., e cuja grande alegação muitas vezes é que têm problemas psicológicos, não tiveram atenção dos pais, ou que são 'traumatizadinhos'. Ora, veja!
A faixa que dá nome ao disco por sua vez não tem maiores ambições intelectuais e se contém algum recado implícito é apenas o de "Cuidado, nós estamos chegando e não tem como escapar". E não teve mesmo: "Nós Vamos Invadir Sua Praia" não demorou a invadir nas rádios e conquistar o público com seu ritmo contagiante, seu astral muito pra cima, e provavelmentee também, pela identificação das situações bem farofeiras de praia colocadas na letra. A faixa é uma verdadeira festa com participações de Lobão, Ritchie, Selvagem Big Abreu e Léo Jaime se revezando na ordem dos versos do refrão ou soltando pequenos improvisos como o famosa pergunta do Lobão, "cadê a minha farofinha, Roger?" dita lá pelas tantas durante a música como várias outras gracinhas dos outros convidados e integrantes da banda. Provavelmente devia estar uma grande bagunça no estúdio.
A mais fraca do disco é com certeza a faixa "Se Você Sabia" um rockzinho interessante musicalmente e que até tem um solo legal no refrão do baterista Leospa, mas que no fim das contas se revela excessivamente pueril com sua letrinha primária e juvenil sobre o 'drama' de um rapaz que descobre que a namoradinha está grávida.
Para fechar, uma faixa gravada ao vivo extamente para contar com a participação do público que nos shows respondia ao refrão de "Independente Futebol Clube" com uma efusiva saudação. Aquilo tinha que ser registrado em disco. E foi. E ficou um barato. Um rock'n roll gostoso com uma letra aparentemente tola, mas que na verdade não era nada mais nada menos do que uma manifestação de respeito à individualidade. Roger lançava aquele "Nós somos livres, Independente Futebol Clube" e a galera respondia com um entusiasmado "Êêêêêêê!!!
A propósito de show, recentemente a banda voltou a ser comentada depois de ter sido impedida de continuar seu show no Festival SWU pelo pessoal da produção do Peter Gabriel. A galera ficou do lado do Ultraje no incidente e provou que ainda tem a turma do Roger em alta conta e que a banda ainda é uma das mais queridas do país mesmo passados 26 anos desde seu clássico álbum de estreia. Muita dessa solidariedade deve-se também, em parte, à visibilidade que voltaram a ter por conta participação num talk-show na TV. Aí até quem nunca sequer ouviu o "Nós Vamos Invadir Sua Praia" ou alguma coisa da banda na vida, mas que curte o programa acabou apoiando os caras e lembrando que existe (ou existiu) um 'rock nacional'.
Roger com certeza não é o maior gênio da história da música, não é um Dylan escrevendo, não é um McCarteney compondo. Longe disso! Aliás muitas vezes passa por paspalhão. Mas se de alguma coisa lhe serviu ter um Q.I. tão alto como se comenta, ele aplicou a inteligência que o tal índice possa ter-lhe proporcionado para produzir um dos melhores da música nacional de todos os tempos. Álbum que com "Cabeça Dinossauro" dos Titãs, "Selvagem?" dos Paralamas,  "Revoluções por Minuto" do RPM, e o "Dois" da Legião Urbana, completa o quinteto fundamental de grandes álbuns brasileiros dos anos 80.
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A reedição em CD saiu ainda com uns extras, como a censurada "Ricota", a hilária "Hino dos Cafajestes", uma versão marchinha para "Marylou" e versões originais de "Mim quer Tocar", com a letra um pouco diferente, e de"Inútil", bem mais crua e um pouco mais arrastada.
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FAIXAS:
01. Nós Vamos Invadir Sua Praia
02. Rebelde Sem Causa
03. Mim Quer Tocar
04. Zoraide
05. Ciúme
06. Inútil
07. Marylou
08. Jesse Go
09. Eu Me Amo
10. Se Você Sabia
11. Independente Futebol Clube


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Ouça:
Ultraje a Rigor Nós Vamos Invadir Sua Praia




Cly Reis