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sexta-feira, 10 de maio de 2024

Niterói - Praia de Jurujuba - RJ (21/04/2024)



Pode-se dizer que foi uma viagem dentro de uma viagem. Afinal, pra quem mora em Porto Alegre é mais distante ir até o Rio de Janeiro do que do Rio até Niterói. Mas valeu, sim, mais do que como um passeio. Ciceroneados pela nossa querida amiga Luciana Danielli, moradora de Niterói e a quem conhecemos anos atrás noutra viagem, à mineira Ouro Preto, pudemos Leocádia e eu passar uma agradabilíssima tarde na cidade e conhecer um pouco mais do que apenas Boa Viagem, por conta do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, ou o Caminho Niemeyer, no Centro, os quais obviamente nos motivamos a procurar anteriormente por conta da obra de Oscar Niemeyer a quem tanto admiramos. Luciana, no entanto, nos levou à simpática praia de Jurujuba, uma vila de pescadores com um clima bucólico e pacato, que até parece estar muito longe da muvuca do Rio e até mesmo da Niterói urbana.

Um dos maiores cartões postais da cidade, a histórica Jurujuba guarda delícias desde suas paisagens e gentes até sua comida, típica de recantos de pescadores – com aqueles frutos do mar fresquinhos. Com cerca de 300m de extensão e situada a aproximadamente 12 Km de distância do centro de Niterói, sua orla inclui uma estreita calçada, bastante arborizada, principalmente com amendoeiras e ipês. São Pedro dos Pescadores, padroeiro, se faz presente amenizando o mar. Abençoou-nos e nos amenizou também, com certeza.

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Daniel Rodrigues


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Jards Macalé - Show "Jards Macalé 72" - Espaço Cultural BNDES - Rio de Janeiro/RJ (25/04/24)

 

Quase encerrando uma temporada de alguns dias no Rio de Janeiro, Leocádia e eu, que já havíamos tido a mágica experiência de uma roda de samba na Portela, em Madureira (que, aliás, é mais do que uma experiência apenas musical, pois antropológica), pudemos fechá-la com chave de ouro assistindo a um show (gratuito!) do mestre Jards Macalé. Comemorando os mais de 50 (52 precisamente) anos de lançamento do seu primeiro LP, Macau e sua excelente banda entregaram um show como só um dos maiores da música brasileira (e latina, e mundial) pode entregar.

A juventude de Gulherme Heldt (guitarra) e Pedro Dantas (baixo) se unem à experiência do próprio Jards e de ninguém menos que Tutty, Moreno, lendário baterista da MPB integrante da banda original que gravou com Jards seu marcante álbum de estreia. A química é visível, com Jards comandando as ações com seu violão desconcertante e sua voz/canto rasgado e eles se integrando à atmosfera do genial maldito numa sonoridade híbrido de jazz fusion, samba e rock. Aliás, Jards é muito rock 'n roll! Absolutamente claro isso nas execuções de "Farinha do Desprezo", "Revendo Amigos", "Mal Secreto", "Pacto de Morte" e "78 Rotações", todas clássicas. Muito interessante de se notar o quanto se acertou na sonoridade jazzistica prevalecente naquele período na música brasileira do início dos anos 70 (a qual, inclusive, Jards é o principal artífice ao captar essa atmosfera cosmopolita no exílio em Londres) na arquitetura dessa nova banda, que soube renovar esse estilo e, principalmente, não fazê-lo datar.

Em homenagem à amiga Gal Costa, de quem tanto gostava, dedicou "Hotel das Estrelas", mas indiretamente também celebrou a memória de "Gracinha", como carinhosamente a chama, com "Vapor Barato" acompanhado só da guitarra, para trazer sua mais conhecida parceria com o poeta e agitador Wally Salomão. Ainda, tocou ao violão uma sentida "Movimento dos Barcos", num dos melhores momentos do show, e, recuperou as ainda mais antigas "Soluções" e "Só Morto", que compõem seu EP de 1970.

Além das faixas do repertório do disco, houve espaço também para as recentes "Trevas" e "Meu Amor é Meu Cansaço", parceria com a rapaziada Kiko Dinucci, Rômulo Fróes e Thomas Harres, do seu excelente "Besta Fera", de 2019. Teve também a linda e inédita bossa-nova "Um Abraço do João", motivada por uma inspiração "espiritual" no amigo e ídolo João Gilberto. A música, embora tenha ganhado letra da magnífica Joyce, foi tocada de forma instrumental, uma vez que, gracejador e simpático, Jards admitiu para o público e para a própria artista, que também prestigiava o show, não ter adicionado a letra à melodia ainda. Se no violão já ficou perfeita, imagine-se com letra de Joyce!

"Let's Play That", com Torquato Neto, foi mais uma de arrepiar com sua anarquia sonora implacável. Pra fechar, outra deferência a outro saudoso craque da MPB assim como João, Wally, Torquato e Gal: Luiz Melodia, na blueseira "Farrapo Humano". Para quem nunca o havia visto ao vivo como Leocádia e a mim, que o vira nos idos dos anos 90 num show especial em Porto Alegre dedicado a Noel Rosa, a oportunidade de assisti-lo no excelente palco do Teatro BNDES foi um presente. Presenciamos uma das obras mais grandiosas e sui generis da música brasileira, capaz de fazer pontes sem distinção entre o samba do morro, a vanguarda, o tropicalismo, a bossa-nova, o jazz e o rock. E ainda tivemos tudo isso sem precisar de muito dinheiro. Graças a Deus.

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Ao centro, Jards comanda sua banda tocando o repertorio de 1972


Trecho de "Farinha do Desprezo", número que abriu o show 


Sob o olhar do craque Tutty Moreno, remanescente do disco
de estreia de Jards, há 52 anos


Com a banda ao final e sob aplausos


fotos e vídeo: Leocádia Costa, Camila Santos e Gustavo Moita
texto: Daniel Rodrigues



segunda-feira, 15 de abril de 2024

Ian Ramil - Show "Tetein" - Teatro Sicredi - Pelotas/RS (15/03/24)

 

A deriva de uma viagem talvez seja a melhor parte dela. Essa coisa de andar pelas ruas com os olhos atentos. Quando encarada com ânimo e receptividade, a deriva é capaz de trazer gratas surpresas. Foi assim quando, numa viagem a Curitiba, em 2014, durante um passeio de ônibus pela manhã, nos deparamos Leocádia e eu com o anúncio de um ótimo show na noite daquele mesmo dia. Em pleno Teatro Guairinha, assistirmos a uma homenagem a“O Grande Circo Místico”, a inesquecível obra de Edu Lobo e Chico Buarque. Foi quase sem querer que soubemos da programação. Só que não.

Desta feita, a quase coincidência foi em Pelotas, que por si só já traz sentimentos bons a nós dois visto a ligação que temos com a cidade. Numa despretensiosa visita ao Mercado Público, observamos colado em uma pilastra o cartaz de um show. Olhando com atenção, vimos que se tratava de um show de Ian Ramil, músico consagrado e que carrega nas veias o sangue de um dos clãs mais talentosos da música do Rio Grande do Sul. Seria a apresentação de lançamento de seu novo álbum, “Tetein”, e ainda por cima contaria com a participação de seu pai, o célebre Vitor Ramil. E vendo com ainda mais atenção: o show era na noite daquele mesmo dia – igual aconteceu conosco em Curitiba anos atrás.

Providenciamos os ingressos no Sesc de Pelotas, promotor do show, ali mesmo no Centro, e fomos. Além de conhecer o belo e moderno Teatro Sicredi, novo na cidade, o que mais nos interessava era, de fato, a música. Há aí um porém: mesmo com todas as coincidências boas da fluidez das coisas, não era necessariamente uma certeza para nós que fôssemos gostar. Explico, mas para isso preciso voltar a 2018, quando, em Porto Alegre, assistimos a uma breve – e desastrosa – apresentação do mesmo Ian. Fosse por inexperiência, má fase ou vaidade, o fato é que aquilo que vimos foi um artista desleixado, tocando mal e sem sintonia nenhuma com o público. Parecia que, pressionado com o peso do sobrenome, ele se revoltava com a condição e jogava esse desconforto de volta na plateia. Saímos com a pior das impressões.

Mas ainda bem que, como disse Claudinho para Buchecha, “todo mundo merece uma segunda chance, ‘fassa’”. Haviam se passado 6 anos, Ian vencera um Grammy Latino de melhor álbum de rock em português em 2016, esteve diretamente envolvido no projeto do supergrupo Casa Ramil e, no mais, a tendência era que aquele jovem de mal com a vida pudesse ter amadurecido. E valeu a pena reconsiderarmos, pois presenciamos um belo show. Com a sala praticamente lotada de conterrâneos, familiares e amigos, estávamos lá, Leocádia e eu, tornando-se mais pelotenses do que nunca. Às minhas costas, na fileira de trás, por exemplo, o padrinho de Ian, a quem Vitor, na sessão de autógrafos do seu “A Primavera da Pontuação”, na Feira do Livro de 2014, me disse ao me observar com aquele seu olhar penetrante: “Tu te parece com o meu compadre, padrinho do meu filho Ian”. Vejam só a especialidade e a simbologia desta ocasião.

Ian: revertendo qualquer
impressão negativa
A música de Ian tornou-se uma certeza para nós desde o primeiro número, com a linda faixa-título da turnê. A sonoridade de Ian, bastante influenciada pelo cancioneiro infantil desta feita – visto que sua pequena filha, Nina, foi a inspiração para o trabalho –, carrega elementos do rock, do jazz, do gauchesco, do pop, da música eletrônica e, claro, da Estética do Frio, cunhada pela genialidade de seu pai. Exemplo ele tem em casa, e soube aproveitar. Igualmente destaques a intensa “Macho-Rey”, a jazzística “Palavras-Vão”, a versão de “Pra Viajar no Cosmos não Precisa Gasolina”, de Nei Lisboa, e “Cantiga de Nina”, o samba-canção-de-nina(r) feito, óbvia e especialmente, para a filha.

Dono de uma musicalidade muito requintada, Ian e sua pequena banda (Bruno Vargas, no baixo, e Lauro Maia, programação e teclados) trouxeram ainda as excelentes “Lego Efeito Manada”, um chamamé moderno (e com lances de canto gregoriano), que faz remeter à música de Milton Nascimento, Tiganá Santana e, claro, Vitor Ramil. O timbre de voz, aliás, não deixa mentir que se trata de um Ramil, visto que, em vários lances, é possível ouvir a voz de seu pai e seus tios, Kleiton e Kledir. O artista trouxe ainda coisas mais antigas de sua carreira, como músicas do primeiro disco, de 2014, “Nescafé” e “Seis Patinhos” (visivelmente as mais fracas do set-list), e a potente “Artigo 5º”, um dos hinos da era “Fora Temer”, do seu premiado e combativo disco "Derivacivilização", a qual convidou seu pai para dividir os microfones num dos momentos altos do show.

Mas não cessou por aí. Ian realmente amadureceu como artista, como performer e, a que se vê, como pessoa, visto que se mostrou genuinamente simpático e acolhedor. Ainda tiveram a magnífica “O Mundo é Meu País”, a questionadora “Quiproquó” e, principalmente, “Mil Pares”, um manifesto distópico-utópico em que Ian imagina um cenário apocalíptico para o fim do capitalismo. Nesta, além de sopros e percussões adicionadas, ainda houve a repentina aparição de Davi Batuka com um atabaque africano, que fez o público vir abaixo. Na Pelotas das charqueadas, que tanto sangue negro viu escorrer pelas águas do Rio Pelotas há séculos, nada mais apropriado que, na mistura consciente e resistente de Ian, invocar essa ancestralidade para o palco.

Mais do que admirar o espetáculo, o mesmo nos serviu para revermos e revertermos a imagem de um artista que provou valer a pena ser escutado. Mas ainda mais significativo foi ver Ian e Vitor cantando a clássica “Joquin”, a versão de 1987 de Vitor para a música de Bob Dylan (“Joey”, de 1976), em que transpõe para a nem tão fictícia Satolep a história do genial, incompreendido e perseguido gênio inventor. Dadas as devidas proporções, a música de Vitor se tornou maior que a original, visto que, em terras gaúchas e brasileiras é um clássico e, no vasto e importante cancioneiro dylanesco, não passa de uma canção menor. Fato é que os versos iniciais do tema:“Satolep, noite”, ainda sem o acompanhamento dos instrumentos e ditos na voz de Vitor, traduziram a beleza daquele acontecimento. Estávamos ali, em nossa Satolep, dita assim mesmo, ao contrário, provocando essa inversão de percepções que Pelotas nos proporciona e numa noite muito especial. Tudo soube fazer sentido. Um acontecimento tão inesperado para nós, mas ao mesmo tempo tão significativo, que parecia estar previsto, como um presente da própria Pelotas para quando aqueles dois filhos desagarrados voltassem à deriva por suas ruas de pedras antigas.

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o clássico de Vitor Ramil "Joquin" cantado por ele 
e o filho-anfitrião Ian

Ian ao centro em trio com Bruno Vargas e Lauro Maia

Novamente com a excelente e versátil banda

"Ares de Milonga": canto e musicalidade de Ian típica dos Ramil

Número final, no bis, com a banda e convidados, entre eles o pai Vitor


fotos e vídeos: Leocádia Costa e Daniel Rodrigues
texto: Daniel Rodrigues

quinta-feira, 11 de abril de 2024

"Hamlet", de Zeca Brito (2023)



Ser ou Não Ser Político? Eis a Questão


"A loucura às vezes atinge quando o julgamento e a sanidade não dão frutos."
Da Peça "Hamlet", ato 2

Levar Shakespeare para a tela sempre foi uma tarefa complexa. A tentação de se valer do texto clássico pela sua inequívoca qualidade, no entanto, nem sempre é garantia de um bom resultado. Justamente pela alta qualidade literária, a adaptação pode facilmente resvalar. Se há acertos esplêndidos, como “Othelo” de Orson Welles, há também pasteurizações enfadonhas, tipo “Romeu + Julieta” de Baz Luhrmann. Fato é que o cinema ainda explora formas de elaborar a dramaturgia do autor inglês. Entende-se, contudo, tamanha tentação. O teatro shakespeariano sintetiza tão bem a alma humana, que é capaz de refletir situações aparentemente distantes de si, rompendo épocas e renovando linguagens ao longo do tempo. O provocativo “Hamlet”, do cineasta gaúcho Zeca Brito, prova isto. Quando se poderia imaginar, afinal, que uma peça de 425 anos suportaria com a devida potência a ação do movimento Ocupa Escola do Brasil do século 21?

Ganhador de diversos prêmios em festivais, como Gramado e o FIDBA, em Buenos Aires, “Hamlet” é livremente inspirado na peça trágica. Encarnado por Fredericco Restori, o jovem protagonista se encontra em pleno ano de 2016 vivenciado a ocupação do movimento estudantil no Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto Alegre. Em meio ao traumático processo de impeachment de Dilma Rousseff, é o registro de um período de convulsão social, quando estudantes secundaristas amotinam-se e interrompem as aulas para protestar contra o desgastado sistema vigente. 

Restori no papel de "Hamlet" entre os alunos em protesto

Com a equipe de filmagem inserida no colégio, Brito capta ao mesmo tempo a realidade daqueles jovens e a participação ativa do ator, que divide-se entre a ficção e a vida real. O cineasta retoma o teor político de realizações anteriores, como “A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro” (2016) e “Legalidade” (2019), porém usando a tragédia renascentista como impulso a uma obra pulsante e singular.

A força do filme está no proveito de um dos recursos elementares do texto original: a duplicidade. A dureza da fotografia em p&b expõe constantemente a dicotomia “realidade versus ficção”. O “ser ou não ser” hamletiano se transfigura em embates simbólicos entre bem e mal, loucura e lucidez, democracia e totalitarismo, violência e doçura, espírito e matéria. Ao unir documentário e drama, “Hamlet” joga seu personagem principal num palco vivo, que o faz questionar a vida como um teatro de incertezas e angústias. A exposição na tela daquele Brasil rachado redimensiona, assim, o significado da palavra “cenário”. Não é mais apenas uma explicação para “conjuntura política”, mas para a cena, o plano de ação, aquilo que a câmera enquadra. 

É emblemática a cena em que Hamlet é abordado por uma equipe de televisão, que transmitia ao vivo o ato no colégio. A repórter (de abordagem parcial e sem saber que se tratava de um ator), questiona Hamlet sobre a ocupação. Porém, incomodada com uma pessoa que a filma just in time (o próprio Zeca Brito), grosseiramente a condena. A multiplicidade de camadas e espelhamentos que a sequência consegue revelar – o olhar do cineasta, do tevente, do espectador do filme, da repórter, do apresentador, do cinegrafista – atingem um nível de metalinguagem e de complexidade discursiva admiráveis.

Diálogo entre pai e filho: espelho
A atuação de Restori, igualmente, é alimentada por esta riqueza de intenções. A tênue fronteira entre sanidade e insanidade que conduz Hamlet durante toda a peça expõe-se no personagem do filme através do conflito existencial entre outros dois extremos: o rompimento com a infância e a assunção da vida adulta. Mais do que isso: a tomada de consciência do seu “ser político”. Os diálogos dele com o pai, o também ator Marcelo Restori, como que pondo-se diante de um fantasma no espelho, retrazem o elemento da figura paterna do livro, mas não pelo trauma da morte física como no caso do príncipe dinamarquês, mas a morte da inocência em detrimento da razão. 

Ao reelaborar elementos distintivos do clássico, o filme renova o olhar sobre o ser humano em suas relações sociopolíticas na atualidade. O jovem Hamlet, amálgama de incertezas e desafios, veste, agora, seu manto preto pelas ruas de Porto Alegre como um estudante em busca de respostas àquilo que lhe faça sentido. O filme, assim, faz suscitar profundos questionamentos a respeito da sociedade brasileira dos últimos anos, uma sociedade contraditória e marcada pela pior das dicotomias a qual pode condenar-se: a polarização política. No espelho, não é mais o fantasma do pai que Hamlet vê: é o seu país.

texto originalmente publicado no caderno Doc do jornal Zero Hora em 8 de março de 2024

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trailer de "Hamlet", de Zeca Brito



Daniel Rodrigues


quinta-feira, 28 de março de 2024

Exposição "Leopoldo Gotuzzo: de 1904 a 1971" - Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG) - Pelotas (RS)


Um dos maiores prazeres de revisitar Pelotas, além de andar por suas ruas “paradas no tempo”, como Leocádia diz (o que pode ter seu lado ruim, mas também é muito poético), é ir ao Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG). Sempre vale a pena, pois invariavelmente tem coisas legais a serem vistas. Desta vez, não foi diferente em termos das obras expostas. Mas antes disso outro atrativo também se impôs: o novo prédio do museu. Se antes era localizado na General Osório com a Sete de Setembro, bem perto do hotel em que já ficamos algumas vezes, agora o espaço, de responsabilidade da Universidade Federal de Pelotas, a UFPEL, foi parar no coração da cidade: na Praça 7 de Julho, em frente ao Mercado Público e ao largo, ao lado do prédio da Prefeitura Municipal e a metros da Praça General Osório. 

“Agora”, aliás, é um tanto defasado de minha parte, pois a mudança ocorreu em 2018, ou seja, desde quando – mesmo tendo ido a Satolep outras vezes neste meio tempo – não mais voltamos ao museu. E que prédio lindo! Como os belos construções históricas de Pelotas – várias delas muito mal preservadas, o que não era o caso do novo Leopoldo Gotuzzo, que certamente ganhou um bom restauro antes de tornar-se o novo espaço de arte. O antigo e imponente prédio do Lyceu Riograndense – diz-se, o primeiro do Brasil a oferecer curso de Agronomia nos idos do século XIX – guarda significativa relevância histórico-cultural, tanto para a comunidade pelotense como para a universitária.

Mas e a parte expositiva, ora essa!? Interessantíssima como sempre. Nada muito extenso, como as infindáveis exposições do MAR, no Rio de Janeiro, e nem diminuta a ponto de deixar vontade de querer mais, como as do Instituto Ling, em Porto Alegre. O tamanho das mostras manteve-se mesmo com a mudança de prédio. O que se viu foi, como de costume, um apanhado de quadros do autor que dá nome ao espaço, o pelotense Gotuzzo, a quem noutras ocasiões já foi motivo de Cly_art aqui no blog. Desta feita, algumas obras de 1904 a 1971, período que encerra toda a sua profícua produção.

Dono de um traço muito sensível e experimentado em diversas técnicas – como era comum aos adeptos das Belas Artes no passado –, Gotuzzo percorre desde carvão sobre papel impressionantes (que passam tranquilamente por retratos a um visitante mais distraído) até os tradicionais óleos sobre tela. As figuras femininas, as paisagens do campo (seja no Brasil ou em Portugal), e as características naturezas-mortas estavam lá também.

Posteriormente, para modo de dar o devido destaque, volto com a outra exposição em cartaz no Leopoldo Gotuzzo nesta recente visita ao museu pelotense. Por ora, fiquemos com alguns dos registros que fiz do anfitrião da casa. Nova casa.

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Paisagem de Porto, em Portugal, de 1929

Dois belos nus feitos no Rio...

... e este da "Espanhola", de 1942

A riqueza de detalhe do interior de uma igreja da cidade do Porto

Figuras humanas e paisagens, duas especialidades de Gotuzzo

"O Velho de Capa", óleo feito não no Rio Grande do Sul,
mas na Madri de 1916

Outra especialidade de Gotuzzo: as naturezas-mortas

Um dos incríveis carvão sobre papel, tão real que parece foto

Mais figuras femininas, estas de Bernardina Miranda, um óleo sobre tela e
um sanguines sobre papel, ambas do início dos anos 30

E o próprio Gotuzzo, em autorretrato de 1934



Daniel Rodrigues

quinta-feira, 21 de março de 2024

Drops Debate "Conversando sobre o filme 'Nosso Lar 2" - Casa do Jardim - Porto Alegre/RS (23/03/24)

 

Este mês está sendo de muitas atividades, e envolvendo várias frentes com as quais transito, seja a literatura, a música ou, desta vez, o cinema. No caso, a crítica, a qual me deterei em um bate-papo promissor na Casa do Jardim no próximo dia 23, às 10h. Será uma oportunidade para comentar e ouvir comentários sobre o filme “Nosso Lar 2 – Os Mensageiros”, de Wagner de Assis e estrelado por Edson Celulari, recentemente estreado nos cinemas e que gerou uma grande mobilização, principalmente, por parte dos adeptos do Espiritismo kardecista, com a qual bem me identifico.

O convite para o debate veio do Departamento de Estudos e Pesquisas da CJ, na pessoa de Dinorá Fraga, que fará a mediação, e a qual terei o prazer de dividir com meu amigo de anos Lúcio Bragança, trabalhador da casa e pessoa de profundo conhecimento sobre a doutrina espírita. Enfim, eu, com aquilo que carrego em termos de crítica de cinema, e ele com essa carga de conhecimento, vamos buscar trazer aspectos relevantes para se assistir e refletir o filme. A intenção é esta.


Daniel Rodrigues


quinta-feira, 14 de março de 2024

"Olha pra Elas", de Tatiana Sager (2023)

 

Um pai com a filha ao colo grita palavras de consolo por detrás da cerca distante alguns metros do prédio onde a esposa, através de uma escura janela, tenta responder. Ela atende imediatamente ao chamado do marido, mas é como se seu grito – diferentemente do dele – não tivesse força suficiente para chegar-lhe de volta. Como se sua insuficiente e combalida voz, cansada de urrar para fora e para dentro de si mesma, já estivesse emudecida de antemão por força da sociedade e da história.

Essa breve descrição da cena inicial do novo documentário da cineasta e jornalista gaúcha Tatiana Sager, "Olha pra Elas", sobre a realidade de mulheres encarceradas, além de tocante como todo o restante da obra, faz-se bastante simbólica no que se refere à condição da mulher – e do homem – no sistema penitenciário brasileiro. Além disso, a cena simboliza também a real antítese daquilo que o filme propõe, de que se volte o olhar àquelas mulheres. Sua invisibilidade significa, na mesma medida, uma não escuta em diversos níveis, do familiar ao social, da Justiça ao Estado. Metaforicamente, até o marido, um ex-detento do Presídio Central, têm voz. Ela, mulher, não.

A estratégia narrativa de Tatiana é pungente e traça o caminho que a cineasta escolhe para, a partir daí, colocar o cinema a serviço da missão de dar voz a quem foi destituída dela. Autora de outros dois documentários fundamentais para a recente cinematografia nacional a respeito do sistema carcerário, "O Poder Entre as Grades", de 2015 (codirigido por Zeca Brito), e "Central – O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil", de 2017 (no qual divide a direção com Renato Dorneles), Tatiana dá continuidade à mesma questão em sua nova produção, porém a aprofunda com um olhar mais acurado e pautado pelo humanismo.

Em "Olha pra Elas", as lentes funcionam como olhos atentos aos sentimentos daquelas que, por ações pessoais ou alheias, cederam ao mundo do crime quase como uma decorrência. As histórias de Adelaide, Tatiana, Tatiane, Naiane e Roselaine, retratadas no filme, têm em comum, além de ser mães e viver longe dos filhos, o de estar aprisionadas por crimes menores, como roubo, furto e tráfico, realidade da maioria das milhares de detentas no país. Entregues a prisões precárias e inadequadas, elas sofrem, principalmente, pelo abandono e pela desestruturação do lar.

A triste realidade de mulheres encarceradas 

Embora a população carcerária feminina brasileira seja a terceira maior do mundo, com cerca de 49 mil mulheres nessa condição, na comparação com os homens o volume é 818 mil vezes menor, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. Raça, gênero e falta de acesso a condições dignas de cidadania juntam-se para, sobre a égide do machismo, condenar essas mulheres não só às grades, mas à brutal restrição a alternativas sadias quando libertas. Fora do presídio, elas já estão presas antes de serem presas. Assim, condenam-nas duas vezes, pois o afastamento dessa mulher do lar promove outras desestruturações tão graves (fome, abuso, prostituição, violência doméstica, drogadição), que impossíveis de serem estimadas.

O funcionamento machista de um país atrasado socialmente é tamanho que a simples associação da mulher a um homem criminoso é suficiente para puni-la, a se ver pela personagem Clair trazida no filme. Confundida com outra pessoa de mesmo nome, ela foi presa por engano por alarmantes 11 meses. O fato é que não há engano e, sim, um projeto de feminicídio não declarado, mas sorrateiro e perverso, que se deflagra na histórica invisibilidade dos corpos periféricos e marginalizados. Quanto mais femininos.

Inquietante, "Olha pra Elas" guarda semelhança com outro documentário, "O Cárcere e a Rua" (2004), de Liliana Sulzbach. Primeiramente, uma parecença geográfica, uma vez que também se trata de uma produção gaúcha sobre a vida de prisioneiras da penitenciária Madre Pelletier, em Porto Alegre – cenário onde "Olha pra Elas" basicamente se passa. Mas, sobretudo, por um aspecto que não está na tela, porém a tece: a visão feminina sobre uma questão feminina. Assim como fez Liliana em seu filme, Tatiana sensibiliza sua câmera através do exercício da empatia e da identificação. Realidade distante à da própria diretora, mas nem por isso incapaz de torná-la cúmplice e atenta. Numa abordagem mais do que jornalística, e, sim, humanista, "Olha pra Elas" prova que, pelo cinema, é possível enxergar essas sofridas mulheres não com só os olhos, mas com o coração.

texto originalmente publicado no caderno Doc do jornal Zero Hora em maio de 2023

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trailer de "Olha pra Elas", de Tatiana Sager



Daniel Rodrigues

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Drops Ratos de Porão e Código Penal - Bar Opinião - Porto Alegre (RS) - 31/08/24


Esse show está previsto lá para agosto, mas entra já como drops do Cly_live por um bom motivo. E não é somente a próprio Ratos de Porão, a quem já assisti em mais de uma ocasião, inclusive, no mesmo Bar Opinião, em 2013 e 2015. Mas, sim, por que a banda Código Penal, do meu primo-brother Lucio Agacê, vai fazer o show de abertura!

A excelente apresentação que a banda fez no Preto no Metal Festival, em dezembro do ano passado, que registramos aqui, não haveria de passar – com o perdão da aparente contradição – em branco. Como, de fato, não passou. A produtora, na busca por uma banda local legal que pudesse introduzir os veteranos do hardcore brasileiro, chegou na Código em virtude daquela participação também ocorrida no Opinião. Não deu outra.

Felicíssimo com essa conquista da Código e de Lucio, há tento tempo na estrada e cavando oportunidades neste meio. Parabéns, CP! Vocês merecem, e tenho certeza de que irão fazer um show ainda mais matador que aquele primeiro em que pisaram o palco sagrado do Opinião. Estarei lá, certamente – e, com todo respeito, menos pela Ratos do que pela Código.


Daniel Rodrigues


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Código Penal - Preto no Metal Festival - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (17/12/2023)

 

Fazia tempo que queria ver a Código Penal, uma das bandas do meu primo-irmão-parceiro Lucio Agace. Digo uma das bandas, porque Lucio enfileira, desde os anos 80, algumas das bandas mais legais da cena alternativa gaúcha. A começar pela HímenElástico, projeto que tínhamos em conjunto com meu outro irmão e coeditor deste blog, Cly Reis, e meu outro primo e irmão do Lúcio, , com o adicional de nosso baterista oficial César “Pereba”. Mas a Hímen, há de se dizer, por mais legal que fosse nosso som (considero-a a grande banda gaúcha dos anos 90 que não aconteceu), foi talvez o projeto mais incipiente de Lucio. Vômitos & Náuseas, Causa Mortis e Câmbio Negro, pelo contrário, são alguns desses seus projetos mais consistentes. Mas também há de se dizer: a Código Penal é especial. O som, misto de hardcore, hip hop, funk e uma veia social e urbana muito evidente (em vários aspectos, parecida com a da Hímen) fazem da Código uma banda muito foda de se ouvir. Faltava vê-los no palco.

Pois o Festival Preto no Metal, ocorrido no célebre bar Opinião, trouxe esta oportunidade. A Código se apresentou na sequência de outras bandas muito legais com essa mesma vertente e ativismo, mas confesso que fomos mesmo lá para vê-los. E a expectativa foi totalmente atendida, numa apresentação enérgica, potente, dançante e... foda. A “arquitetura” da banda é apreciável, desde a visual até a sonora, com Lucio e Black to Face dividindo-se nos vocais como verdadeiros vocalistas MCs, dois guitarristas, Marcio Zuza e Eduardo Jack, um fazendo base e outro complementando o arranjo com efeitos e solos, o baixo poderoso de Luciano Tatu, a bateria pegada de Pereba e uma mesa eletrônica comandada pelo próprio Lucio. 

O tempo de show de festival, como de costume, curto. Então, o negócio é subir no palco e mostrar serviço, como a Código fez. Aí, foi só paulada, uma atrás da outra. “Terra de Ninguém” pra começar. “Os Dois Lados do Imoral”, na sequência, fez o ambiente pra ótima parceria da banda com Tonho Crocco em “Apologia”, que levantou a galera. “Marginalizado”,  “Justiça Injusta” e “Chove Bala”, idem. Pra finalizar, “Sexo nas Ruas” e a ótima “Gangs”, que já rodei no meu programa, o Música da Cabeça, mas que ao vivo ganha uma potência maior, tanto pela reação da galera quanto pela sonoridade própria, com seus samples da trilha de “Sexta-Feira 13”. Aliás, por falar no filme, mais uma das coisas legais da performance da banda e de Lucio, em especial, que é quando ele se ausenta um tempo do palco para voltar travestido de Jason Voorhees, com a máscara característica do personagem, um casaco com capuz preto e um temível taco de beisebol. Fez lembrar outro punk performático chamado John Cale.

Enfim, showzasso da Código, que Leocádia e eu vencemos os 48 graus de sensação de Porto Alegre àquele dia para estar no Opinião, mas que valeu totalmente a pena. Confere aí um pouco de como foi:

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A Código sobe ao palco do Opinião 

Lucio, performático, com a máscara do Jason junto com Black to Face

Black to Face mandando ver nas rimas

Um pedacinho de como foi o show 
da Código Penal no Opinião

Visão da mesa de som

Código in da house, motherfucker!

Mais rimas

Lucio ao centro do palco com a baita banda na "cozinha"

Preto no Metal olhando o Preto no Metal

A galera comemorando o baita show ao final:
Jamal, Val, Lucio, Leo e eu
 


Site da Código Penal: www.bandacodigopenal.com.br  


texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Leocádia Costa e Daniel Rodrigues