Então fazia algum tempo que eu não trazia algo para o AF, mas aí estava eu em casa a cozinhar quando resolvi pôr algo no YouTube para ouvir/assistir. Entre tantas opções modernas, entre tantos lançamentos, resolvi assistir a uma entrevista que há alguns dias eu vinha namorado na telinha. Nada mais nada menos que João Carlos Molina Esteves, o Jão, guitarrista fundador de uma das bandas que na minha opinião foi uma das precursores do movimento punk brasuca: os Ratos de Porão. Esta foi a banda que me inspirou e me fez querer fazer hardcore. Os caras tinham uma energia, uma verdade que eu sentia em poucas bandas. Mas até aí é a história que todo mundo conhece: o pioneirismo, a força, a fúria, as letras a influência... O que quero chamar atenção aqui, no entanto, talvez só quem tenha vivido aquele punk brasileiro dos anos 80 entenda o sentido. Eu curto RDP desde 1987 quando os ouvi na coletânea "Ataque Sonoro" e depois fui conhecer o "Sub", outra coletânea clássica do punk nacional dos oitenta, que é justamente o tiro inicial dessa resenha. Quando ouvi o "Ataque Sonoro", fiquei um tanto confuso quanto àquela banda. Eu havia gostado mas havia algo ali que voltimeia me fazia pular as músicas. Porém, depois, quando ouvi no "Sub" aquele baixo marcante da faixa “Vida Ruim” tive vontade de pegar imediatamente meu skate e descer a maior ladeira que eu pudesse entoando o “NÃO VAI DAAARR DESSE JEITO O MUNDO VAI ACABAARR”!!!! Aquilo me fez me fez sentir o motivo de ser punk naquele momento.
Mas os Ratos de repente deram, meio que do nada, um salto pra um crossover. Seguiram naquele rip e eu, fã, mesmo não tendo compreendido bem aquela mudança, aprendi a amar e me mantive fiel durante todo esse tempo. Só após trinta anos, finalmente compreendi aquele salto, aquela passagem brusca daquele punk pro crossover. Estava tudo guardado na cabeça de um cara: o Jão. Um cara que com toda sua humildade e generosidade soube guardar e esperar o exato momento para, quem sabe, explicar a transição após todo esse tempo.
No meu ponto de vista, a retomada daquele ponto foi inconsciente. Uma coisa que aconteceu. Tipo, aquela namorada de adolescente que você resolve fazer um recibo mas que de repente explica o motivo de muitos erros e acertos na vida. Me refiro à Periferia S/A, banda formada por Jão na guita e vocal, Jabá no baixo e Dru na batera. A banda traz um som punk enérgico com letras de protesto que vão desde revolta contra o sistema, até o tiozinho bebaço que põe a vida fora na cachaça. E porquê eu falo deles no AF??? Porque eles me fizeram entender tal transição e também me fizeram acreditar que mesmo que o Ratos não fosse o Ratos que tanto curto e acompanho, eu teria o que acompanhar caso eles não existissem. Ouvindo o disco, o ótimo "Fé+Fé=Fezes" de 2014, segundo trabalho dos caras, vejo que seria ducaralho ouvir esse álbum de 2014 lá em 1989, por exemplo, e se por acaso o RDP não tivesse lançado o "Cada Dia Mais Sujo e Agressivo", este, o "Fé+Fé=Fezes", seria tão contemporâneo (não que pareça antigo, é que Ratos sempre esteve a frente do seu tempo), que teríamos discos para três ou quatro gerações futuras.
Mas situando-o devidamente em sua época e seu contexto, o álbum do Periferia S/A, se formos analisar de uma maneira mais ampla, pode ser visto como um acontecimento importante no cenário cultural e social brasileiro da atualidade. Numa época em que há tanto pelo que se gritar e pouca gente no mundo artístico parecendo disposta ou com capacidade para fazê-lo, trabalhos como este do Periferia configuram-se como obras necessárias e fundamentais. Sabemos que esse grito atinge poucos, e àqueles a quem chega estes já tem a consciência da necessidade de um insurgimento popular, mas já que a cena nacional de rock praticamente inexiste e ao contrário dos anos 80 quando pelo menos havia um rol de bandas, ainda que comerciais, com poder de discurso e mobilização, que a voz da periferia seja a representante de nossa legítima insatisfação. Mais do que o alcance, o importante neste momento é a indignação, o sangue nos olhos e isso o Periferia S/A tem de sobra. Como diz o título de uma das músicas do álbum, "devemos protestar" e nenhum gênero, estilo, movimento é mais legítimo do que o punk para fazer um convocação como essa. Sim, o bom e velho punk está de volta e com toda a fúria e energia. Longa vida a ele.
FAIXAS:
1. Pindorama Pindaíba (01:59)
2. Urbanóia (01:46)
3. Fé + Fé = Fezes (01:09)
4. Problema de Ninguém (02:31)
5. Fé + Fé = Fezes (01:27)
6. 12XU )01:33)
7. Pindorama Pindaíba (01:48)*
8. Recomeçar (03:06)*
9. Eles (01:59)*
10. A Farsa do Entretenimento (02:31)*
11. Segunda Feira (01:40)*
12. Oprimido (01:48)*
13. Carestia (01:11)*
14. Parasita (01:22)*
15. Padre Multimídia (03:31)*
16. Devemos Protestar (02:18)*