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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

"Elvis", de Baz Luhrmann (2022)




“Elvis” é vibrante, é bem dirigido, tem boas atuações, direção de arte perfeita, é feito com o coração, é tecnicamente de alto nível mas... não emociona. Aprendi que, com cinema, não é certo nutrir expectativas em relação a um filme antes de vê-lo. No máximo, permito-me ler a sinopse previamente quando não tenho ideia do que se trata. Mas quando o assunto é a cinebiografia do maior astro da música pop de todos os tempos, essa relação é necessariamente diferente. Afinal, é impossível dissociar o fã do crítico em se tratando de Elvis Presley. Ambos são os espectadores capazes de entender o filme do australiano Baz Luhrmann, que assisti em uma sessão especial no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping.

Incluo-me nesta dupla avaliação por três motivos. Primeiro, porque soaria ilógico abordar um ícone tão popular a quem todos de alguma forma são tocados de maneira distanciada. Segundo, porque, neste caso, a admiração ao artista, dada a dimensão inigualável deste para a cultura moderna, colabora com a avaliação, visto que imagem pública e carisma se balizam. Ainda, em terceiro, mesmo que desprezasse essa abstenção, a avaliação final não muda, pois talvez só a reforce.

Afinal, “Elvis” é, sim, um bom filme. Além da caracterização e atuação digna de Oscar de Austin Butler no papel do protagonista, bem como a de Tom Hanks na pele do inescrupuloso empresário de Elvis, Tom Parker, há momentos bem bonitos e reveladores. Um deles é como se deu toda a concepção do histórico show “From Elvis in Memphis”, gravado pelo artista ao vivo em 1969, evidenciando os desafios e êxitos daquele projeto ambicioso. Igualmente, o momento do "batismo" do pequeno Elvis na igreja evangélica ainda no Tenessee, quando, em transe, conhece a música negra na voz de ninguém menos que Mahalia Jackson.

O pequeno Elvis sendo batizado pela música e a cultura negra 

No entanto, essa sensação é um dos sintomas de não inteireza do filme, percepção que passa necessariamente pela parcialidade crítica. Em qualquer obra artística, quando partes são destacadas, como retalhos melhores que outros, algum problema existe. É como um quadro com traços bonitos, mas de acabamento mal feito, ou um disco musical com obras-primas no repertório, mas desigual por conta de outras faixas medíocres. Luhrmann é bom de estética, mas cinema não é somente isso. A estética precisa funcionar a favor da narrativa e não se desprender dela. Se fosse somente isso, seria exposição de arte ou desfile de moda. Aí reside uma das questões do filme: a sobrecarga de estetização – inclusive narrativa. Além de prejudicar a continuidade, resulta nestes espasmos catárticos ajuntados e não integrados.

Por isso, a narrativa, na primeira voz de Parker, parece, ao invés de solucionar um roteiro biográfico não-linear (o que é lícito, mas perigoso), prejudicar o todo, desmembrando em demasia os fatos uns dos outros. O ritmo começa bastante fragmentado, tenta se alinhar no decorrer da fita, mas a impressão que dá é que em nenhum momento estabiliza, como se, para justificar uma narrativa criativa e "jovem", lançasse de tempo em tempo dissonâncias que tentam surpreender, mas que, no fundo, atrapalham. O cineasta, aliás, tem histórico de resvalo nesta relação forma/roteiro. Havemos de nos lembrar de “Romeu + Julieta”, de 1997, seu primeiro longa, totalmente hype visualmente mas em que o diretor preguiçosamente delega o texto para o original de Shakespeare, resultando num filme desequilibrado do primeiro ao último minuto.

Butler ótimo como Elvis: digno de Oscar

O positivo em casos assim é que a probabilidade de agradar pelo menos em lances esporádicos é grande. A mim, por exemplo, não foi o clímax (a meu ver, um tanto apelativo e simplório) que tocou, mas, sim, cenas talvez nem tão notadas. Uma delas, é a escapada de Elvis para a noite no bairro negro à mítica Beale Street, em Memphis. O que me encheu os olhos d'água não foi nem o Rei do Rock trocando ideia com B.B. King (ao que se sabe, licença poética do roteirista) ou assistindo tête-à-tête Sister Rosetta Tharpe e Little Richard se apresentarem, mas a chegada do já ídolo Elvis ao local. Ele é respeitosa e admiravelmente recebido pelos negros e não com histeria como já o era em qualquer outro lugar que fosse. É como se os verdadeiros criadores do rock 'n' roll, gênero musical a que muitos ainda hoje atribuem roubo cultural por parte de Elvis, lhe admitissem, dizendo: "Tudo bem de você circular entre nós. Você é um dos nossos".

Outra cena que me emocionou foi a do show na reacionária Jacksonville, na Florida, em 1955, quando Elvis, indignado com as imposições da sociedade moralista, resolve não obedecer que o censurem de cantar e dançar do seu jeito julgado tão transgressor para a época. Claro, que deu tumulto. Aquilo é o início do rock. O gênero musical, misto de country e rhythm and blues, os artistas negros já haviam inventado. Mas a atitude, tão essencial quanto para o que passaria a ser classificado como movimento comportamental de uma geração, nascia naquele ato. Ali, naquele palco, estão todos os ídolos do rock: Lennon, RottenJim, JaggerNeil, Jello, PJ, Hendrix, Kurt, Ian, Rita, Iggy e outros. Todos são representados por Elvis. Impossível para um fã ficar impassível. Além disso, a sequência é filmada com requintes técnicos (troca de ISO, edição ágil, uso de foto P&B, etc.) que lhe dão um ar documental ideal. Aqui, Luhrmann acerta em cheio: estética a serviço do roteiro.

O polêmico show Jacksonville recriado por Luhrmann: o início do rock

Por outro lado, há desperdícios flagrantes. As primeiras gravações do artista, feitas para a gravadora Sam Records, entre 1954 e 55, um momento tão mágico e gerador de um dos registros sonoros mais sublimes da cultura moderna, são abordadas somente en passant. Algo que seria bastante explorável em uma cinebiografia que intenta fantasia.

Todos esses motivos justificam o olhar não só do crítico como também o do fã, uma vez que um embasa o outro. Se o filme é bom, mas não decola, é justamente porque o primeiro condiciona-se a avaliar tecnicamente, mas quem tem propriedade - e direito - de esperar ser encantado pela obra é quem curte de verdade Elvis e rock 'n' roll. Pode ser que tenha obtido sucesso com muita gente, mas a mim não arrebatou. Uma pena. A se ver que as cinebiografias de Freddie Mercury e Elton John, artistas que nem gosto tanto quanto Elvis, me arrebataram e esta, não. Não saí com uma sensação negativa, mas com a de que se perdeu uma oportunidade de ouro. “It’s now or never”? "Now", pelo menos, não foi.

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trailer do filme "Elvis", de Baz Luhrmann



Daniel Rodrigues


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

“Summer Of Soul (...ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de Ahmir "Questlove" Thompson (2021)

 

Não parece aceitável que seja apenas o aperfeiçoamento dos recursos técnicos, capazes de recuperar com tecnologia digital filmes antigos, o motivo que explique porque estejam vindo somente agora a público certos registros do passado cujos espinhosos temas são necessários e urgentes para se entender a sociedade do hoje. O racismo, seja estrutural, velado ou institucionalizado, de alguma forma colabora para essa justificativa. Por que, então, não fosse por isso, somente após 60 anos de carreira, Tina Turner sentira-se à vontade para divulgar questões até então sujeitas à crítica de sua vida pessoal no documentário “Tina”? Igualmente, por que apenas dos últimos anos para cá tenham fervilhado docs  abordando abertamente este tema como "Os Panteras Negras: Vanguardas da Revolução" (2015), "What Happened, Miss Simone?" (2015), "Eu Não Sou Seu Negro" (2016), "A 13ª Emenda" (2016) e "Libertem Angela Davis" (2012)?

Esse esquecimento perverso quase fez o mundo perder de conhecer uma história praticamente apagada das mentes, mas que, salva pelas mãos do cineasta Ahmir "Questlove" Thompson, foi resgatada para a eternidade. “Summer Of Soul (...ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, o magnífico e arrebatador documentário que concorre, com todo merecimento, ao Oscar nesta categoria, explora o Harlem Cultural Festival de 1969, evento que reuniu multidões de pessoas negras pela primeira vez em um acontecimento público e ao ar livre nos Estados Unidos e grandes nomes da música negra para celebrar a cultura afro-americana. Apesar da magnitude do festival, as imagens recuperadas pelo filme ficaram guardadas por décadas – acredite-se – numa cave. A referência no título à música de Gil Scott-Heron, escrita originalmente naquele mesmo explosivo ano de 1969, deixa claro o tom de denúncia que choca e encanta ao mesmo tempo. Como essa história tão rica nunca havia sido contada?

Wonder dando adeus ao sufixo "Little"
e ganhando maturidade
no Harlem Cultural Festival


Montado com sensibilidade e perspicácia, “Summer...” une em sua narrativa didática jornalística com arqueologia urbana. Focado nos vários números musicais que se apresentaram no palco montado em pleno Mount Morris Park, as apresentações são entrecortadas por breves mas extremamente precisas informações documentais sobre aspectos sociais, políticos e biográficos que sustentam o objeto do filme, fazendo com que não seja apenas um amontoado de músicas seguidas umas das outras (o que, neste caso, já seria interessante). Minitelejornais sobre determinado artista, imagens de fatos sociais recentes como manifestações contra o racismo, ou contextualizações históricas necessárias, como a coincidência do festival com o dia da chegada do homem à Lua, 20 de julho, dão ainda mais peso àquelas performances que se veem no palco, agigantando-as de significado e importância.

Afora isso, a variedade de estilos (R&B, funk, gospel, blues, jazz) e o nível de qualidade do cast é de encantar qualquer admirador da música feita nos últimos 60 anos. B.B. King, Nina Simone, Mahalia Jackson, Stevie Wonder, Sly & Family Stone, Gladys Knight & the Pips, The 5th Dimension, Max Roach e outros desfilam à frente dos olhos dos espectadores, dando a impressão de quase não se acreditar que aquilo um dia aconteceu. Mas está ali, vivo novamente. Afortunados que estavam na plateia e alguns daqueles artistas, como Marilyn McCoo e Ronald Townson, da The 5th Dimension, juntam-se aos espectadores comuns nesse assombro. Noutro grande mérito do filme de Thompson, pessoas que presenciaram o festival, seja assistindo ou se apresentando, são convidadas a reverem as imagens até então perdidas. Profundamente tocados, pois a revivência lhes retraz alegrias e dores, é impressionante perceber o quanto todos demonstram surpresa com o que veem, não só por somente agora terem a oportunidade disso, mas porque, não fosse a força intrínseca da imagem, do mistério divino que o cinema guarda, as memórias tendem a irem se apagando até, um dia, desaparecerem por completo. É o cinema documental exercendo suas duas primordiais funções: revelar e eternizar.

trailer de "Summer of Soul"

Além de um retrato do momento sociocultural de final dos conturbados anos 60, o filme serve também para se entender o próprio estágio em que se encontravam àquela época os artistas participantes, visto que, para alguns, o festival foi crucial para a carreira. Wonder, então com 19 anos, por exemplo, sobe ao palco do Harlem Cultural Festival exatamente no ínterim entre sua tutela artística pela Motown, iniciada quando ainda era uma criança, e o começo da maturidade criativa, que o levaria a se tornar um dos mais consagrados artistas de todos os tempos a partir de então. A Sly & Family Stone, igualmente. É impressionante perceber que “Stand!”, revolucionário disco de estreia da banda que mesclava o funk negro ao psicodelismo do rock com o grito contra as desigualdades, havia sido lançado apenas um mês antes da realização do festival e, mesmo assim, já era uma febre junto ao público. E o que dizer da apresentação explosiva de Nina?! Ou da homenagem a Martin Luther King, protagonizada por Mavis Staples e Mahalia!? De arrepiar. Se o assassinato do pastor e líder político ainda hoje não é totalmente assimilado pela comunidade negra, imagine-se à época, pouco mais de um ano anos após o trágico ocorrido e em que as feridas estavam abertas.

Mavis e Mahalia protagonizando
um dos momentos mais
emocionantes do filme
O paralelismo com fatos históricos daquele efervescente período está presente a cada minuto do longa, como a onipresença dos Black Panthers (responsáveis pela segurança do evento), a presença de figuras emblemáticas para a causa negra como o ativista Jesse Jackson e o protagonismo de Tony Lawrence, agitador cultural e organizador do festival. Somente assistindo-se o filme se entende com mais clareza, por exemplo, o porquê das críticas que sempre pairaram em relação à política de financiamento da corrida especial, intensificada pelos Estudos Unidos naquela década de 60 de Guerra Fria e disputa de poder com a União Soviética. Num dos momentos do filme, mostram-se reportagens da época com pessoas sendo entrevistadas durante o festival dizendo ser um absurdo o governo gastar bilhões de dólares para ir à Lua enquanto a população, ali, pobre e em sua maioria negra, passa por tanta dificuldade. Noutro ponto, mais um aspecto elucidativo de “Summer...”: o festival foi realizado, curiosamente, durante o mesmo verão que outro megaevento, o de Woodstock, o qual levantava não a perigosa bandeira da luta contra o racismo e dos direitos civis, mas a utópica máxima hippie de “paz e amor”. Não é difícil de saber qual festival entrou para a história e qual foi esquecido num porão...

“Summer...” não é só provavelmente o melhor documentário deste ano e forte candidato à estatueta da Academia, como um dos mais brilhantes sobre música da história do cinema, tranquilamente equiparável a clássicos do gênero como “O Último Concerto de Rock”, “Gimme Shelter” e “Amazing Grace”. Sua narrativa, que casa metalinguística e documentação histórica, é tão eficiente que lhe potencializa o caráter de espetáculo e de denúncia social num só tempo. A realização milagrosa de “Summer...” é, por si, reveladora, visto que funciona como uma metáfora da vida da América escravagista: preso num calabouço, o negro, até então fadado ao apagamento social, sai da condição subumana para forjar, com talento ímpar e força interior ainda mais admirável, toda a arte musical moderna como se conhece hoje.


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Os 20 melhores discos brasileiros da década de 2010

Macalé: um dos expoentes da geração dos 60
da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.

Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, JardsGil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.

Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração
por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.

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1. “Recanto” Gal Costa (2011)

O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem, igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da MPB moderna.

1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda



2. “Chico” Chico Buarque (2011)

Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.


1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá


3. “Nó na Orelha” Criolo (2011)

O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico  e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.


1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente



4. “MetaL MetaL” Metá Metá (2012)

Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.


1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não



5. “Abraçaço” Caetano Veloso (2012)

Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana



6. “Não Tente Compreender” Mart’nália (2012)

Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.

1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber



7. “Aquário” Tono (2013)

Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.

1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo



8. “Sambadi” Lucas Arruda (2013)

Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.


1. Physis 
2. Tamba, Pt. 1 
3. Batuque 
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon 
6. Na Feira 
7. Sambadi 
8. Carnival 
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2



9. “Vira Lata na Via Láctea”Tom Zé (2014)

Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.

1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana



10. “Passado de Glória: Monarco 80 Anos” Monarco (2014)

Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.

1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6.  Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu



11. “Mulher do Fim do Mundo” - Elza Soares (2015)

A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.

1. Coração do Mar
2. A Mulher do Fim do Mundo
3. Maria da Vila Matilde
4. Luz Vermelha 
5. Pra Fuder
6. Benedita
7. Firmeza?!
8. Dança
9. O Canal
10. Solto
11. Comigo



12. “Sangue Negro” Amaro Freitas (2016)

Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.



1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro





13. “No Voo do Urubu” Arthur Verocai (2016)

Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.

1. No Voo do Urubu 
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras 
5. A Outra 
6. Cigana 
7. O Tambor
8. Snake Eyes 
9. Na Malandragem 
10. Desabrochando 



14. “Duas Cidades” BaianaSystem (2016)

A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2” abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.

1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul



15. “Tribalistas 2”Tribalistas (2017)

Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!

1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos




16. “Besta Fera”Jards Macalé (2018)

O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.

1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite



17. “Abaixo de Zero: Hello Hell”Black Alien (2018)

Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.


1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero





18. “Taurina”Anelis Assumpção (2018)

A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras. 

1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4.  Gosto Serena
5.  Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9.  Moela
10.  Escalafobética
11. Receita Rápida




19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)

Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.


1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King




20. “Gil” Gilberto Gil (2019)

Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra. 

1. Intro Choro nº 1
2. Choro nº 1
3. Improviso Choro nº 1
4. Intro Seraphimu
5. seraphimu
6. Improviso Seraphimu
7. Intro Fragmento Lírico
8. Fragmento Lírico
9. Improviso Fragmento Lírico
10. Círculo
11. Triângulo
12. Quadrado
13. Retângulo
14. Pentágono
15. Gil


Daniel Rodrigues