Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta abraçaço. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta abraçaço. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

“Imprensa Cantada Segunda Edição: Tribunal do Feicebuqui” – Tom Zé (2013) e “Abraçaço” – Caetano Veloso (2012)



Se para todos os tropicalistas a bossa nova foi o motivo propulsor para que seguissem pelo viés da música, o tropicalismo exerceu este poder de forma ainda mais penetrante no universo pop. Jorge Mautner, o pré-tropicalista igualmente influenciado pelos acordes dissonantes de João Gilberto  pelas harmonias engenhosas de Tom Jobim e pela poesia lírica de Vinícius de Morais, um dia afirmou: “não há possibilidade de escapar do tropicalismo”. Esta frase exaltadora, ainda mais vinda de alguém tão ligado ao movimento, poderia soar exagerada. Mas não é. A Tropicália sempre se mostrou uma corrente musical que, inteligentemente, soube se construir aberta, conectada com a pós-modernidade e sem preconceitos, abarcando todas possíveis e imagináveis referências da arte (música, cinema, artes plásticas, literatura, poesia, teatro) e do contexto sociopolítico, fazendo com isso a mais bem elaborada “geleia geral”, o mais bem acabado “lixo lógico” jamais assemelhado no mundo. Um produto tão abrangente e conceitualmente elaborado que, desde o histórico “Tropicália”, de 1968, que une ópera e Luiz Gonzaga, samba-de-roda e poesia concreta, Beatles  banda marcial, tudo-junto-e-misturado, nunca mais a música brasileira deixou de andar conforme seus passos. No exterior, a ação vanguardista do tropicalismo para com o que é produzido por estrangeiros deu-se de forma diferente mas não menos elogiosa: quando não bebem diretamente na música brasileira (Brian EnoTalking HeadsBeck, Suzane Vega, Björk, Jamiroquai, Beastie Boys, a repetem e/ou a referenciam mesmo sem saber que o estão fazendo.


Ao longo dos anos seus três principais compositores, os baianos Gilberto GilCaetano Veloso e Tom Zé,vêm provando isso através de suas obras, sempre um passo à frente do resto de todas as tendências, sejam cults ou populares. Os dois últimos mostram isso novamente em seus mais recentes trabalhos: o CD “Abraçaço” (2012) e o EP “Tribunal do Feicebuqui” (2013), respectivamente. A começar pela semelhança conceitual das capas (adoração ou achincalhamento?), cada um a seu jeito e com pontos em comum, ambos os trabalhos trazem a inovação estilística e a liberdade criativa que não se nota em nenhum outro lugar do planeta com a mesma integridade de proposição. 

Começando pelo de Tom Zé: surgido por um incidente em que o artista, ao autorizar que uma música sua fosse usada para um comercial da Coca-Cola, sofreu, por conta disso, críticas severas pelo Facebook de ditos “fãs“ acusando-o de “vendido ao sistema”, “Tribunal do Feicebuqui”, além do evidente sarcasmo do título, já nasce impregnado com essa tensão. Tensão, porém, que parece ter feito bem a Tom Zé como autor, pois o motivou a se reencontrar com a agudez de sua obra popular, e não uma obra popular marcada pela agudez. Estudado em música erudita pela linha da vanguarda, Tom Zé é, antes de tudo, um filho dos sons populares, das cantigas de cortejo, do samba urbano de Adoniran Barbosa, do canto das lavadeiras, dos trovadores nordestinos e, principalmente, da bossa nova. Porém, como todo músico ligado a avant-garde, vinha, nos últimos tempos, progressivamente, evoluindo para uma música excessivamente hermética em que o percentual de erudito se sobrepunha ao de popular – basta ouvir os dificílimos e chatos “Estudando o Pagode” (2005) e “Danc-Êh-Sá” (2006), excessivamente rebuscados e distantes do ouvinte. Processo igual ao que invariavelmente acontece com músicos desta linhagem, basta ver a obra de Pierre Boulez (do dodecafonismo ao serialismo ao estrtuturalismo figurativo) ou Stockhausen (do atonalismo à eletroacústica à música de influência “esotérica”).

O trabalho atual de Tom Zé, entretanto, parece, por causa da provocação gerada, tê-lo movido a buscar uma resposta inteligível (ou seja, popular) para que sua mensagem fosse compreendida e, bingo: de volta o Tom Zé inovador e ferino da MPB. E, claro, valendo-se da carga erudita e de seu vasto intelecto, que sempre foram muito bem vindos quando não usados para que só meia dúzia de intelectuais entendessem. É o caso de “Zé a Zero”, parceria com Tim Bernardes (“Mas será revolução?/ Pocalipse se pá?/ Quando ligo na TV/ Caio duro no sofá/ Ô rapá, qualé que é?/ A copa aqui co qui calé?/ É coco colá/ Aqui copa coca acolá/ Fazendo propaganda do Tom Zé”), e a brilhante faixa-título, em que se vale das contribuições do rapper Emicida mais Marcelo Segreto, Gustavo Galo e Tatá Aeroplano para compor um arranjo bastante moderno que alia hip-hop, rock, samba, atonalismo e xote com recortes e ferramentas eletrônicas. Nela, a resposta aos críticos vem em forma de puro sarcasmo: “Não ouço mais, eu não gostei do papo/ Pra mim é o príncipe que virou sapo/ Onde já se viu? Refrigerante!/ E agora é a Madalena arrependida com conservantes”. E, então, completa: “Bruxo, descobrimos seu truque/ Defenda-se já/ No tribunal do Feicebuqui/ A súplica:/ Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?”

A briga com os internautas parece ter trazido de volta a Tom Zé, inclusive, a coerência com sua própria obra e não apenas uma reapropriação da mesma como um mero arremedo disfarçado de metalinguagem, caso dos últimos CD’s. Isso porque “Tribunal...” é a continuação de outro EP lançado pelo artista em 1999, o “Imprensa Cantada”. Na ocasião, Tom Zé sentiu-se na obrigação cívica de fazer um registro musical para outro incidente: o da inconcebível vaia proferida ao mestre João Gilberto durante um show em São Paulo em que este, indignado, discutiu com a plateia e encerrou a apresentação. A canção era "Vaia de Bêbado Não Vale", e nela está um dos pontos de ligação de todos os tropicalistas e que, inclusive, tem eco no novo CD de Caetano: a devoção à bossa nova: “no dia que a bossa nova inventou o Brasil/ No dia que a bossa nova pariu o Brasil/ Teve que fazer direito/ Teve que fazer Brasil...”. “Tribunal...” é coerente com este primeiro volume por colocar novamente em questão um assunto do momento em forma de crônica, ligeira e fugaz como a elaboração dada pela própria imprensa. Porém, desta vez, numa plataforma mais moderna da mídia, a internet, mais precisamente, o Facebook, este tribunal e palanque aberto e incontrolável, lembrando, até mesmo, uma outra antiga obra sua: a psicopatológica “Todos os Olhos”, de 1973.

Mas a melhor faixa do novo trabalho de Tom Zé é, justamente, a que melhor responde às descabidas críticas dos detratores, pois a pergunta a que a canção rebate indiretamente é: como Tom Zé teria se tornado “vendido” a uma multinacional se ele mesmo já a tinha, como bom tropicalista (ou seja, coerente com sua ideologia), se apropriado dela? Para além dos engajamentos xiitas, em 1979 (para esclarecimento daqueles que não têm memória ou não se preocupam em tê-la), quando trabalhava para a agência DPZ, de Washington Olivetto, como publicitário, Tom Zé criara para a marca de guaraná Taí, da “bendita” Coca-Cola, um jingle em que, muito “tropicalistamente”, reelabora o clássico cantado por Carmen Miranda (ela, a própria pré-história da Tropicália) para vender o produto. Se falta memória e conhecimento aos críticos, pelo menos pesquisem um pouco antes de achincalhar! Será que esses que criticam sempre acharam que a estocada de “Parque Industrial” era apenas para a direita? A ver por este caso, ingenuamente, talvez sim. A atual versão de "Taí" , além de resgatada com muita pertinência – dando uma resposta melhor do que a própria carta de justificativa publicada por Tom Zé no Facebook explicando que o cachê seria doado à banda de sua cidade-natal, Irará, num ato um tanto descabido de autoculpabilidade, uma vez que não há culpa a se admitir –, traz cores novas ao arranjo que ele mesmo, metalinguisticamente, elaborou em 1992 em “The Hips of Tradition”, mantendo a base da melodia original e os ares de cantiga-de-roda que lhe atribiuíra naquela ocasião, porém, agora, aglutinando outros elementos pop, como rap e rock. Um destes elementos é outro ponto de convergência com “Abraçaço”, de Caetano: a apropriação do funk carioca. Sob uma base vocal que repete o tradicional: “tchum tshack tchum tchum tchum tchum tshack” do ritmo popularesco, Tom Zé reinventa a própria música de forma crítica e tropicalista na melhor acepção do gênero. 

O mesmo funk carioca serve de tema para "Funk Melódico"  de Caetano em seu “Abraçaço”. A música, de abertura quase idêntica a “Taí”, se desenvolve não para uma reelaboração modernista de uma marchinha, como na de Tom Zé, mas, sim, para uma textura eletrificada e até pesada. O expediente, que já havia sido utilizado por Caetano em outra obra recente, a faixa “Miami Maculelê”, a qual escrevera para Gal Costa em seu CD "Recanto" (2011), novamente estreita fronteiras com os ritmos africanos, mas agora de uma forma mais áspera. Se antes eram as danças afro-brasileiras que se aproximavam do repique e da cadência do funk carioca, agora é outro estilo provindo dos negros que ele estabelece paralelo: o rock ‘n’ roll. Sob um riff de guitarra arábico, efeitos de sintetizador e bateria pulsante, “Funk Melódico” é das melhores do disco, terceiro do músico com o grupo Cê, formado por Marcelo Callado, na bateria, Pedro Sá, guitarra, e Ricardo Dias Gomes, baixo. Se não o melhor da trilogia (gosto muito do homônimo à banda, de 2006, e menos do apenas regular “Zii et Ziê”, 2009), é, certamente, o mais coeso para a roupagem roqueira que esta formação imprimiu a suas composições. A guitarra de Sá dá um show, pesada e, num solo técnico e bem sacado, faz as vezes de cuíca. Esta referência não é à toa, pois Caetano constitui na letra uma interessante analogia com o samba de Noel Rosa, “Mulher Indigesta” (“Mulher indigesta você só merece mesmo o céu/ Como está no samba de Noel”), aproximando de uma forma bem original os dois ritmos pop vindos do morro do Rio: o de outrora, o batuque, e o de hoje, o funk.

O CD traz ainda outras joias, como “Um Abraçaço”, reggae-rock de linda letra, ao modo lírico-modernista de Caetano, e onde Sá, exuberante mais uma vez, nos presenteia com um solo rasgado e ruidoso ao estilo de Neil Young ou Kurt Cobain. Outra de destaque é “O Império da Lei”, samba com toque nordestino, que lembra em sua letra a atmosfera dos contos sertanejos de Guimarães Rosa e as canções-estórias de João do Valle, e que também impressiona pela sonoridade forte dos instrumentos de rock executando uma música que, normalmente, seria arranjada para um grupo de pagode, principalmente na combinação do metal da guitarra com o som cheio do tambor da bateria. Ainda, o alegre samba-reggae “Parabéns”, de refrão delicioso e pegajoso (“Tudo mega bom, giga bom, tera bom...”) e a biográfica “Um Comunista”, que relata de forma sensível e épica, num andamento lento e marcial, a história do revolucionário brasileiro Carlos Marighella. Nela, novamente Caetano e Tom Zé se reaproximam. Caetano, ao dizer, com o verbo no passado, que os “os comunistas guardavam um sonho”, conversa com “Papa Francisco Perdoa Tom Zé”, canção em que este último usa sarcasticamente a figura icônica do Papa, novo dentro do circo capitalista da sociedade moderna, para clamar por aquele que pode ser a única salvação em um mundo em que “a diferença entre esquerda e direita/ Já foi muito clara, hoje não é mais”. Numa marchinha que se transforma em rock ao final, Tom Zé ainda punge inteligentemente: “Papa Francisco vem perdoar/ O tipo de pecado que acabaram de inventar/ O povo, querida, com pedras na mão/ voltadas contra o imperialismo pagão”. Ou seja, tanto Caetano quanto Tom Zé expressam em figuras de estilo diferentes (um, pela metáfora; o outro, pela ironia) a mesma percepção desacreditada da atuação ideológica das esquerdas. (Não é difícil remontar a figura de Caetano contra a plateia no festival de 1968 ao lado dos Mutantes bradando: “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”...)

Mas é quando o assunto volta a ser bossa nova que as parecenças conceituais entre os dois se tornam ainda mais visíveis. “A Bossa Nova é Foda”, disparado melhor música do álbum e talvez a melhor do ano no Brasil, é não um samba cadenciado, como fielmente Tom Zé o fez em “Vaia...”, mas, sim, um rock com riff minimalista e criativo em que o efeito do pedal wah-wah ressoa dois acordes em alturas diferentes, dando a sensação de movimento. Só mesmo um rock ‘n’ roll para dizer um elogio desta forma! A letra, além do costumeiro desbunde poético e filosófico típicos do Caetano inspirado de uma "O Estrangeiro", “Vaca Profana” ou “Uns”, traz a mesma ideia de Tom Zé de valorização da bossa nova e da pungência de sua assimilação no Brasil e no mundo, em que, como afirma, “lá fora o mundo ainda se torce para encarar a equação”, referindo-se à capacidade de unir diferentes referências musicais e socioantropológicas em um estilo tão sucinto e denso como o fez com maestria de alquimista “o bruxo de Juazeiro”, ou seja, João Gilberto. A semelhança com os versos da primeira “Imprensa Cantada” é direta: “E a Europa, assombrada:/ ‘Que povinho audacioso’/ ‘Que povo civilizado’”

Em “A Bossa Nova é Foda” Caetano ainda expõe outra ideia interessante em que é possível notar-se concordância com Tom Zé, que é o exemplo popular que a bossa nova legou. Quando diz que a velha bossa nova foi capaz de transformar o “mito das raças tristes” em “produtos” pop como os lutadores de MMA, os deuses olimpianos da era contemporânea, está apontando o mesmo que Tom Zé diz em “Vaia...”, de que, então apenas exportador de matéria-prima, “o grau mais baixo da capacidade humana”, “criando a bossa nova em 58/ O Brasil foi protagonista/ De coisa que jamais aconteceu/ Pra toda a humanidade/ Seja na moderna história/ Seja na história da antiguidade.” Tom Zé ratificava a importância social, histórica e antropológica da bossa nova para um país que passava, naquele ano, a exportar, como diz depois a letra, “o grau mais alto da capacidade humana”: a arte. O mesmo entendimento de Caetano.

Tanto “Tribunal...” quanto “Abraçaço” são dois grandes discos que valem a pena ao menos serem ouvidos com atenção e repetição, pois contêm muitas mensagens e percepções de dois artistas que nunca perderam a verve crítica e pensadora das coisas que os rodeiam. Concorde-se com eles ou não, goste-se deles ou não, o fato é que eles são, sim, muito coerentes com suas próprias obras e posturas, e isso é o que, visivelmente, mais indigna os críticos, pois não é por aí que eles podem ser criticados. Eu abertamente os admiro e não brigo com isso. Apenas discordo de Caetano em uma coisa: não é só a bossa nova: também ‘a Tropicália é foda’!


clipe oficial de “A BOSSA NOVA É FODA” - Caetano Veloso:




**************************************************************

FAIXAS “Tribunal do Feicebuqui":

1. Tribunal Do Feicebuqui (Marcelo Segreto/Gustavo Galo/Tatá Aeroplano/Emicida)
2. Zé A Zero(Tom Zé/Marcelo Segreto/Tim Bernardes)
3. Taí (Joubert De Carvalho/Tom Zé/Marcelo Segreto)
4. Papa Francisco Perdoa Tom Zé (Tim Bernardes/Tom Zé)
5. Irará Iralá (Tom Zé)

***************************************



FAIXAS “Abraçaco”:

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana

**********************************

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Caetano Veloso – Teatro do SESI – Porto Alegre/RS (19/07/2014)



Caetano abrindo o show em Porto Alegre
(foto: Leocádia Costa)
Um show de Caetano Veloso, para mim, é mais do que um show: é a confirmação de todo um paradigma de percepções e ideologias. Vê-lo no palco é deparar-me com uma série de conceitos e formas muito pessoais de enxergar a vida, que se confirmam e dialogam com sua obra grandiosa e impactante. Há exatos 22 anos, com 13 de idade, já havia tido essa experiência numa apresentação da turnê do disco “Circuladô”, um dos melhores da carreira de Caetano. À época, em parceria com Arto Lindsay e Peter Scherer (os Ambitious Lovers), Caê tinha em sua banda Jacques Morelenbaum, Luiz Brasil, Dadi, Marcelo Costa, Marcos Amma e Wellington Soares, que davam ao espetáculo, numa sonoridade cheia e moderna, uma roupagem proto-world music – ao estilo da forjada por Ruyichi Sakamoto e pelos próprios Ambitious Lovers nos anos 80.

Pois, desta vez, nada de sonoridade “rebuscada”, de banda numerosa, de complexidade timbrística, de pop étnico-modernista. No palco, para o show do CD "Abraçaço", apenas ele ao violão e a competentíssima banda Cê, formada por Pedro Sá (guitarras), Marcelo Callado (baixo e teclados/efeitos eletrônicos) e Ricardo Dias Gomes (bateria e percussão). Uma formação simples e com a secura e objetividade do rock, o suficiente para um show espetacular. E mais do que isso: tão conectado com a contemporaneidade como sempre esteve este baiano, um artista fundamental para a formação de tudo o que há de mais inovador e sintonizado há 50 anos. A maior prova disso já estava na abertura, com o petardo “A Bossa Nova é Foda”. Não me venham com o tributo retrô do Daft Punk ao Chic em “Get Lucky” ou muito menos “Reflektor”, da saudada “nenhuma novidade” Arcade Fire. A brasileira “A Bossa Nova...” é de longe a melhor música de 2013. (coisa que muito tupiniquim vira-latas, que nem no futebol mais vence, jamais se sentiria merecedor.)

Embora o público do teatro fosse bem heterogêneo em idade, a abertura rock ‘n’ roll os pegou, se não desavisados, ainda um tanto frios e aguardando, em sua maioria, os clássicos. Que não tardaram em aparecer. Num deslocamento temporal de 48 anos, Caetano vai de uma canção do último trabalho para retrazer uma de seu debut, a obra-prima “Coração Vagabundo” (de “Domingo”, gravado em parceria com Gal Costa, em 1966). Além da ligação temática entre ambas, visto que trazem a bossa nova de João/Tom/Vinícius em seu cerne (na rock, em palavra; na samba, em forma), estava evidente ali a versatilidade da banda. Dentro da concepção harmônica proposta por Caetano, o trio executa com perfeição tanto uma quanto a outra, visto que “Coração Vagabundo” não ficara agressiva nem perdera a expressividade melancólica original.

O show é uma aula de escolha de repertório, composto por obras novas e antigas e outras bem pescadas. Aliás, comento frequentemente que artistas como ele, donos de obras extensas, profícuas e multirreferenciadas como um Gilberto GilChico BuarquePaul McCartney ou Stevie Wonder, têm o privilégio de poderem exercitar infinitas variações de set list, valendo-se tanto de músicas de sua autoria de diversas épocas como também composições de outros que dialoguem com aquele projeto. Foi assim que Caetano seguiu o show, intercalando faixas do ótimo "Abraçaço" (sobre o qual já escrevi aqui no blog), como a excelente faixa-título, o empolgante samba-reggae “Parabéns” e a “graciliana” “O Império da Lei”, com aquelas preferidas da galera. Foi o caso da breve mas emocionante execução de “Alguém Cantando”, originalmente na voz de seu filho, Moreno Veloso, no álbum “Bicho”, de 1977, e que só a tinha escutado com Caetano numa cena do filme “O Mandarim”, do Júlio Bressane, quando o autor a canta à capella.

Exemplo perfeito desse encadeamento bem pensado entre os números foi a trinca iniciada com a épica “Um Comunista”, do novo disco, que ganha ao vivo ainda mais dramaticidade ao contar, em forma de “biografia emotiva”, a trajetória do revolucionário baiano Carlos Marighella pelo olhar de Caetano, conterrâneo e admirador. O tema e a carga emocional desta desembocam na ainda mais grandiosa “Triste Bahia”, clássica adaptação do poema de Gregório de Matos feita por Caetano para seu célebre álbum "Transa", de 1972. O público, claro, delira com essa, tocada com muita competência pela banda, que consegue repetir/adaptar todas as variações rítmicas e harmônicas que a complexa melodia suscita. Pra finalizar o conjunto de três temas, outra nova: “Estou triste”, a deprimida canção que transportou a tristeza da Bahia para o Rio de Janeiro (“O lugar mais frio do Rio é o meu quarto”).

A festa seguiu para todos os gostos. Num palco onde só se viam cavaletes com quadros de construtivistas-minimalistas, a bela iluminação ressaltava o que interessava: a música. A expressividade do gestual longilíneo de Caetano se adensa no seu canto absolutamente afinado e bem pronunciado. Vieram, assim, na sequência, também “Odeio” e “Homem”, ambas de pegada bem rock e do início da parceria com a banda Cê; a romântica “Quando o galo cantou”, cuja execução ao vivo pareceu trazer-lhe com mais vivacidade a beleza da poesia; e a “matadora” “Funk Melódico”, das melhores e mais conceituais de "Abraçaço", em que Pedro Sá dá um show na guitarra. Sá, aliás, é, como em todo bom show de rock, quem sustenta a banda. Isso fica evidente na feliz recuperação de “De Noite na Cama”, tal qual a versão original que Caetano compusera para Erasmo Carlos em 1971. Isso se nota ainda mais na regravação de outra clássica: “Eclipse Oculto”, um pop a la Blitz, de 1984, que, agora, ganha peso e distorção, dando quase para “pogueá-la”.

Caê e banda mandando
um Abraçaço para a galera
(foto: Tita Strapazzon)
As fantásticas “Reconvexo” (imortalizada na voz da irmã Maria Bethânia), com sua poesia forte e altamente pessoal, e a picante “Você não entende nada” aplacaram de vez o coração de fãs como eu. Esta última, de tão querida que é na versão do disco “Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo”, chegou a ser cantada pela plateia no momento do refrão com os versos de “Cotidiano”, de Chico, que se intermeia com a de Caetano naquela apresentação de 1972. No palco, Caetano cantava: “Eu quero que você venha comigo”, e o público replicava: “Todo dia, todo dia”. Demais.

No bis, um erro e um acerto. Acerto por que ele abriu com nada mais, nada menos que “Nine Out of Ten”, outra clássica do "Transa". O erro? Pegar uma música em inglês, que não são todos que acompanham, justo para essa volta ao palco, o que esfriou um pouquinho a animação da saída em alto estilo com “Eu quero...”. Mas nada demais para um repertório tão lindo e tão significativo, biográfico em muitos dos casos, pois a música de Caetano conta a história de muitos momentos da vida de várias gerações. É por se identificar com isso que digo ser seu show mais do que uma mera apresentação. Ouvir Caetano, e assim tão proximamente, é um encontro comigo mesmo através do milagre dos sons. Foi assim em 1992, e agora novamente em 2014. Ali naquele palco, naquela objetividade e clareza rocker que permeia a proposta desse show, estavam muito mais do que somente ele e a banda. Estavam vivos a Rádio Nacional, a herança ibérica, a influência árabe no Ocidente, o sincretismo, o jazz, a filosofia, a contracultura, o barroco, o morro. A bossa nova. Tudo numa total harmonia e simbiose – algo que reflete minha forma de enxergar o mundo.

Depois de tudo isso, bastava acabar com um número gostoso e pegajoso nos ouvidos. Foi o que fez Caê ao finalizar o show com “Luz de Tieta” (e nem aí ele diz SOMENTE isso, pois que tal música recupera Jorge Amado e o “lirismo documental” de sua geração: Caymmi, Verger, Caribé...). Show daqueles que se sai com a sensação de terem valido cada centavo, com Caetano mostrando porque, aos 72 anos, consegue ser um dos artistas mais inquietos da música mundial. Mesmo que muito tupiniquim nem ouse admitir isso.




fotos: Leocádia Costa e Tita Strapazzon


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2020

 


Corre pro abraçaço, Caetano!
Você tá na liderança.

Como de costume, todo início de ano, organizamos os dados, ordenamos as informações e conferimos como vai indo a contagem dos nossos  ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, quem tem mais discos indicados, que país se destaca e tudo mais. Se 2020 não foi lá um grande ano, nós do Clyblog não podemos reclamar no que diz repsito a grandes discos que apareceram por aqui, ótimos textos e colaborações importantes. O mês do nosso aniversário por exemplo, agosto, teve um convidado para cada semana, destacando um disco diferente, fechando as comemorações com a primeira participação internacional no nosso blog, da escritora angolana Marta Santos, que nos apresentou o excelente disco de Elias Dya Kymuezu, "Elia", de 1969
A propósito de país estreante nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, no ano que passou tivemos também a inclusão de belgas (Front 242) e russos (Sergei Prokofiev) na nossa seleta lista que, por sinal, continua com a inabalável liderança dos norte-americanos, seguidos por brasileiros e ingleses. 
Também não há mudanças nas décadas, em que os anos 70 continuam mandando no pedaço; nem no que diz respeito aos anos, onde o de 1986 continua na frente mesmo sem ter marcado nenhum disco nessa última temporada, embora haja alguma movimentação na segunda colocação.
A principal modificação que se dá é na ponta da lista de discos nacionais, onde, pela primeira vez em muito tempo, Jorge Ben é desbancado da primeira posição por Caetano Veloso. Jorge até tem o mesmo número de álbuns que o baiano, mas leva a desvantagem de um deles ser em parceria com Gil e todos os de Caetano, serem "solo". Sinto, muito, Babulina. São as regras.
Na lista internacional, a liderança continua nas mãos dos Beatles, mas temos novidade na vice-liderança onde Pink Floyd se junta a David Bowie, Kraftwerk e Rolling Stones no segundo degrau do pódio. Mas é bom a galera da frente começar a ficar esperta porque Wayne Shorter vem correndo por fora e se aproxima perigosamente.
Destaques, de um modo geral, para Milton Nascimento que, até este ano não tinha nenhum disco na nossa lista e que, de uma hora para outra já tem dois, embora ambos sejam de parcerias, e falando em parcerias, destaque também para John Cale, que com dois solos, uma parceria aqui, outra ali, também já chega a quatro discos indicados nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.

Dá uma olhada , então, na nossa atualização de discos pra fechar o ano de 2020:



PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)

  • The Beatles: 6 álbuns
  • David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones e Pink Floyd: 5 álbuns cada
  • Miles Davis, Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Wayne Shorter e John Cale*  **: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Bob Dylan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
  • Björk, The Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 5 álbuns
  • Jorge Ben: 5 álbuns *
  • Gilberto Gil*, Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
  • Gal Costa, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**,, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns 
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
*** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto" ****
contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 15
  • anos 60: 90
  • anos 70: 132
  • anos 80: 110
  • anos 90: 86
  • anos 2000: 13
  • anos 2010: 13
  • anos 2020: 1


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 21 álbuns
  • 1985, 1969 e 1977: 17 álbuns
  • 1967, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
  • 1968 e 1972: 15 álbuns cada
  • 1970, 1971, 1979 e 1991: 14 álbuns
  • 1975, e 1980: 13 álbuns
  • 1965 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1964, 1987,1989 e 1994: 11 álbuns cada
  • 1966, 1978 e 1990: 10 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 171 obras de artistas*
  • Brasil: 131 obras
  • Inglaterra: 114 obras
  • Alemanha: 9 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
  • País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Música da Cabeça - Programa #279

 

Tudo gigabom, megabom, terabom pro nosso Caetano Veloso! O mestre chega aos oito-ponto-zero e a gente comemora no MDC - que, aliás, tá quase chegando a 80 também, mas as 280 edições. Enquanto isso, no 279 a gente celebra com Caetano, claro, mas também com Jimi Hendrix, Luiz Melodia, Gabriel Yared, Secos & Molhados, Butthole Surfers e mais. Mas a gente também não esquece de falar sobre o já saudoso Jô Soares. Vamos comer Caetano? Então, enquanto os homens exercem seus podres poderes, a gente curte o MDC na tropicalista Rádio Elétrica. Produção, apresentação e abraçaço: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/ 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Os 20 melhores discos brasileiros da década de 2010

Macalé: um dos expoentes da geração dos 60
da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.

Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, JardsGil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.

Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração
por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.

****

1. “Recanto” Gal Costa (2011)

O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem, igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da MPB moderna.

1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda



2. “Chico” Chico Buarque (2011)

Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.


1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá


3. “Nó na Orelha” Criolo (2011)

O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico  e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.


1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente



4. “MetaL MetaL” Metá Metá (2012)

Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.


1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não



5. “Abraçaço” Caetano Veloso (2012)

Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana



6. “Não Tente Compreender” Mart’nália (2012)

Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.

1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber



7. “Aquário” Tono (2013)

Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.

1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo



8. “Sambadi” Lucas Arruda (2013)

Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.


1. Physis 
2. Tamba, Pt. 1 
3. Batuque 
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon 
6. Na Feira 
7. Sambadi 
8. Carnival 
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2



9. “Vira Lata na Via Láctea”Tom Zé (2014)

Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.

1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana



10. “Passado de Glória: Monarco 80 Anos” Monarco (2014)

Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.

1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6.  Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu



11. “Mulher do Fim do Mundo” - Elza Soares (2015)

A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.

1. Coração do Mar
2. A Mulher do Fim do Mundo
3. Maria da Vila Matilde
4. Luz Vermelha 
5. Pra Fuder
6. Benedita
7. Firmeza?!
8. Dança
9. O Canal
10. Solto
11. Comigo



12. “Sangue Negro” Amaro Freitas (2016)

Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.



1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro





13. “No Voo do Urubu” Arthur Verocai (2016)

Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.

1. No Voo do Urubu 
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras 
5. A Outra 
6. Cigana 
7. O Tambor
8. Snake Eyes 
9. Na Malandragem 
10. Desabrochando 



14. “Duas Cidades” BaianaSystem (2016)

A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2” abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.

1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul



15. “Tribalistas 2”Tribalistas (2017)

Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!

1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos




16. “Besta Fera”Jards Macalé (2018)

O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.

1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite



17. “Abaixo de Zero: Hello Hell”Black Alien (2018)

Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.


1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero





18. “Taurina”Anelis Assumpção (2018)

A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras. 

1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4.  Gosto Serena
5.  Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9.  Moela
10.  Escalafobética
11. Receita Rápida




19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)

Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.


1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King




20. “Gil” Gilberto Gil (2019)

Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra. 

1. Intro Choro nº 1
2. Choro nº 1
3. Improviso Choro nº 1
4. Intro Seraphimu
5. seraphimu
6. Improviso Seraphimu
7. Intro Fragmento Lírico
8. Fragmento Lírico
9. Improviso Fragmento Lírico
10. Círculo
11. Triângulo
12. Quadrado
13. Retângulo
14. Pentágono
15. Gil


Daniel Rodrigues