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segunda-feira, 1 de abril de 2024

Debate filme "Bagdad Café", de Percy Adlon - Canal Cinema de Peso


Tem compromissos que são muito mais do que isso: são momentos de prazer. Imagina, então, eu, cinéfilo e apreciador de uma boa mesa, sentar pra bater um papo com amigos por quase 2 horas sobre o filme que eu mais gosto ever?! Os desejos se realizam, e foi isso que a galera do canal Cinema de Peso, comandada por meus colegas de Accirs Criba Aquino, Lauro Arreguy e Chico Izidro, me proporcionarem.

A saborosa e descontraída conversa, regada ao ótimo chop da Cervejaria Pohlmann, que nos recebeu, mais uns petiscos e uma deliciosa pizza da casa, teve como tema central o cult "Bagdad Café", do cineasta alemão Percy Adlon, meu filme preferido desde que o assisti pela primeira vez, em 1988, um ano depois de seu lançamento mundial. Como Criba bem observou, conseguimos destrinchar a obra, admirada por todos nós: direção, fotografia, trilha sonora, atuações, temática, motivações. E ainda ganhei uns mimos superlegais da galera.

Eu com os meninos: Chico, Criba e Lauro da esq. para a dir.

Uma coincidência melancólica motivou ainda mais o debate sobre "Bagdad Café" (ou "Out of Rosenheim", título alternativo dado em referência ao megasucessso da mesma época "Out of India", "Passagem para a Índia", de David Lean). Duas semanas antes da gravação - e após já ter escolhido este título para o episódio - Percy Adlon morreu. Claro que, desta forma, o encontro se tornou também uma homenagem a ele, autor de outros poucos mas belos filmes, como "Estação Doçura" e "Um Amor Diferente". Embora menos gabaritado que outros cineastas alemães (Wenders, Lang, Fassbinder, Murnau, Herzog), Adlon foi muito assertivo e dono de um belo estilo cinematográfico, que muitas vezes remete a estes conterrâneos.

Pessoalmente, o convite para participar do videocast me fez refletir sobre o porquê da prevalência justo deste pequeno conto filmado há tanto tempo em minha vida de cinefilia. O que justifica o amor a este filme mesmo tendo eu visto, conhecido e me apaixonado por tantos outros filmes ao longo destes quase 35 anos? Abismei-me com "Fahrenheit 451", "A Paixão de Joana D'Arc", "O Ano Passado em Marienbad", "A Marca da Maldade", "A Última Gargalhada", "Cabra Marcado para Morrer", "Parasita", "Sindicato de Ladrões". Pra citar apenas alguns dos que tive contato depois de "Bagdad Café", e nenhum o supera pra mim. A resposta é que não há uma explicação racional, pensada. "Bagdad Café" é aquele filme que me arrebata por todas as suas características juntas. Simples.

Mas o bate-papo foi muito mais do que isso que descrevo - ou mesmo diferente. Por isso, vale a pena assistirem. O Cinema de Peso e o filme, claro.

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Os presentinhos do Cinema de Peso, a começar por essas
lindas impressões dos cartazes originais

...bolach'e'nha...

...adesivos...

...e a caneca!


E o episódio do vídeocast do Cinema de Peso


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 28 de março de 2024

Exposição "Leopoldo Gotuzzo: de 1904 a 1971" - Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG) - Pelotas (RS)


Um dos maiores prazeres de revisitar Pelotas, além de andar por suas ruas “paradas no tempo”, como Leocádia diz (o que pode ter seu lado ruim, mas também é muito poético), é ir ao Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG). Sempre vale a pena, pois invariavelmente tem coisas legais a serem vistas. Desta vez, não foi diferente em termos das obras expostas. Mas antes disso outro atrativo também se impôs: o novo prédio do museu. Se antes era localizado na General Osório com a Sete de Setembro, bem perto do hotel em que já ficamos algumas vezes, agora o espaço, de responsabilidade da Universidade Federal de Pelotas, a UFPEL, foi parar no coração da cidade: na Praça 7 de Julho, em frente ao Mercado Público e ao largo, ao lado do prédio da Prefeitura Municipal e a metros da Praça General Osório. 

“Agora”, aliás, é um tanto defasado de minha parte, pois a mudança ocorreu em 2018, ou seja, desde quando – mesmo tendo ido a Satolep outras vezes neste meio tempo – não mais voltamos ao museu. E que prédio lindo! Como os belos construções históricas de Pelotas – várias delas muito mal preservadas, o que não era o caso do novo Leopoldo Gotuzzo, que certamente ganhou um bom restauro antes de tornar-se o novo espaço de arte. O antigo e imponente prédio do Lyceu Riograndense – diz-se, o primeiro do Brasil a oferecer curso de Agronomia nos idos do século XIX – guarda significativa relevância histórico-cultural, tanto para a comunidade pelotense como para a universitária.

Mas e a parte expositiva, ora essa!? Interessantíssima como sempre. Nada muito extenso, como as infindáveis exposições do MAR, no Rio de Janeiro, e nem diminuta a ponto de deixar vontade de querer mais, como as do Instituto Ling, em Porto Alegre. O tamanho das mostras manteve-se mesmo com a mudança de prédio. O que se viu foi, como de costume, um apanhado de quadros do autor que dá nome ao espaço, o pelotense Gotuzzo, a quem noutras ocasiões já foi motivo de Cly_art aqui no blog. Desta feita, algumas obras de 1904 a 1971, período que encerra toda a sua profícua produção.

Dono de um traço muito sensível e experimentado em diversas técnicas – como era comum aos adeptos das Belas Artes no passado –, Gotuzzo percorre desde carvão sobre papel impressionantes (que passam tranquilamente por retratos a um visitante mais distraído) até os tradicionais óleos sobre tela. As figuras femininas, as paisagens do campo (seja no Brasil ou em Portugal), e as características naturezas-mortas estavam lá também.

Posteriormente, para modo de dar o devido destaque, volto com a outra exposição em cartaz no Leopoldo Gotuzzo nesta recente visita ao museu pelotense. Por ora, fiquemos com alguns dos registros que fiz do anfitrião da casa. Nova casa.

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Paisagem de Porto, em Portugal, de 1929

Dois belos nus feitos no Rio...

... e este da "Espanhola", de 1942

A riqueza de detalhe do interior de uma igreja da cidade do Porto

Figuras humanas e paisagens, duas especialidades de Gotuzzo

"O Velho de Capa", óleo feito não no Rio Grande do Sul,
mas na Madri de 1916

Outra especialidade de Gotuzzo: as naturezas-mortas

Um dos incríveis carvão sobre papel, tão real que parece foto

Mais figuras femininas, estas de Bernardina Miranda, um óleo sobre tela e
um sanguines sobre papel, ambas do início dos anos 30

E o próprio Gotuzzo, em autorretrato de 1934



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 27 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #363

 

O que as câmeras do Times pegaram a Embaixada da Hungria não foi nenhuma atitude suspeita: é só o pessoal fujão querendo saber se lá dentro dá pra ouvir o MDC desta quarta. Sem se esconder de ninguém, o programa hoje terá Caetano Veloso, The Belovead, Bebel Gilberto, Lobão, Bauhaus, Gal Costa e mais. Quem também dá as caras é Michael Nyman, no Cabeção. Com asilo político da Rádio Elétrica, vamos ao ar hoje às 21h. Produção, apresentação e passaportes confiscados: Daniel Rodrigues.


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quinta-feira, 21 de março de 2024

Drops Debate "Conversando sobre o filme 'Nosso Lar 2" - Casa do Jardim - Porto Alegre/RS (23/03/24)

 

Este mês está sendo de muitas atividades, e envolvendo várias frentes com as quais transito, seja a literatura, a música ou, desta vez, o cinema. No caso, a crítica, a qual me deterei em um bate-papo promissor na Casa do Jardim no próximo dia 23, às 10h. Será uma oportunidade para comentar e ouvir comentários sobre o filme “Nosso Lar 2 – Os Mensageiros”, de Wagner de Assis e estrelado por Edson Celulari, recentemente estreado nos cinemas e que gerou uma grande mobilização, principalmente, por parte dos adeptos do Espiritismo kardecista, com a qual bem me identifico.

O convite para o debate veio do Departamento de Estudos e Pesquisas da CJ, na pessoa de Dinorá Fraga, que fará a mediação, e a qual terei o prazer de dividir com meu amigo de anos Lúcio Bragança, trabalhador da casa e pessoa de profundo conhecimento sobre a doutrina espírita. Enfim, eu, com aquilo que carrego em termos de crítica de cinema, e ele com essa carga de conhecimento, vamos buscar trazer aspectos relevantes para se assistir e refletir o filme. A intenção é esta.


Daniel Rodrigues


quarta-feira, 20 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #362

 

Vocês já sabem, mas não custa repetir: o MDC é a melhor vacina. Com a carteirinha em dia, o programa terá doses consideráveis de boa música com Ministry, Carolina Maria de Jesus, Zé Rodrix, The Troggs, Beth Carvalho e mais. Tem até Cabeça dos Outros, e tudo de graça como injeção na testa. Sem fraude no cartão vacinal, vamos ao ar às 21h na imunizada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e certificado autêntico: Daniel Rodrigues



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quinta-feira, 14 de março de 2024

"Olha pra Elas", de Tatiana Sager (2023)

 

Um pai com a filha ao colo grita palavras de consolo por detrás da cerca distante alguns metros do prédio onde a esposa, através de uma escura janela, tenta responder. Ela atende imediatamente ao chamado do marido, mas é como se seu grito – diferentemente do dele – não tivesse força suficiente para chegar-lhe de volta. Como se sua insuficiente e combalida voz, cansada de urrar para fora e para dentro de si mesma, já estivesse emudecida de antemão por força da sociedade e da história.

Essa breve descrição da cena inicial do novo documentário da cineasta e jornalista gaúcha Tatiana Sager, "Olha pra Elas", sobre a realidade de mulheres encarceradas, além de tocante como todo o restante da obra, faz-se bastante simbólica no que se refere à condição da mulher – e do homem – no sistema penitenciário brasileiro. Além disso, a cena simboliza também a real antítese daquilo que o filme propõe, de que se volte o olhar àquelas mulheres. Sua invisibilidade significa, na mesma medida, uma não escuta em diversos níveis, do familiar ao social, da Justiça ao Estado. Metaforicamente, até o marido, um ex-detento do Presídio Central, têm voz. Ela, mulher, não.

A estratégia narrativa de Tatiana é pungente e traça o caminho que a cineasta escolhe para, a partir daí, colocar o cinema a serviço da missão de dar voz a quem foi destituída dela. Autora de outros dois documentários fundamentais para a recente cinematografia nacional a respeito do sistema carcerário, "O Poder Entre as Grades", de 2015 (codirigido por Zeca Brito), e "Central – O Poder das Facções no Maior Presídio do Brasil", de 2017 (no qual divide a direção com Renato Dorneles), Tatiana dá continuidade à mesma questão em sua nova produção, porém a aprofunda com um olhar mais acurado e pautado pelo humanismo.

Em "Olha pra Elas", as lentes funcionam como olhos atentos aos sentimentos daquelas que, por ações pessoais ou alheias, cederam ao mundo do crime quase como uma decorrência. As histórias de Adelaide, Tatiana, Tatiane, Naiane e Roselaine, retratadas no filme, têm em comum, além de ser mães e viver longe dos filhos, o de estar aprisionadas por crimes menores, como roubo, furto e tráfico, realidade da maioria das milhares de detentas no país. Entregues a prisões precárias e inadequadas, elas sofrem, principalmente, pelo abandono e pela desestruturação do lar.

A triste realidade de mulheres encarceradas 

Embora a população carcerária feminina brasileira seja a terceira maior do mundo, com cerca de 49 mil mulheres nessa condição, na comparação com os homens o volume é 818 mil vezes menor, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. Raça, gênero e falta de acesso a condições dignas de cidadania juntam-se para, sobre a égide do machismo, condenar essas mulheres não só às grades, mas à brutal restrição a alternativas sadias quando libertas. Fora do presídio, elas já estão presas antes de serem presas. Assim, condenam-nas duas vezes, pois o afastamento dessa mulher do lar promove outras desestruturações tão graves (fome, abuso, prostituição, violência doméstica, drogadição), que impossíveis de serem estimadas.

O funcionamento machista de um país atrasado socialmente é tamanho que a simples associação da mulher a um homem criminoso é suficiente para puni-la, a se ver pela personagem Clair trazida no filme. Confundida com outra pessoa de mesmo nome, ela foi presa por engano por alarmantes 11 meses. O fato é que não há engano e, sim, um projeto de feminicídio não declarado, mas sorrateiro e perverso, que se deflagra na histórica invisibilidade dos corpos periféricos e marginalizados. Quanto mais femininos.

Inquietante, "Olha pra Elas" guarda semelhança com outro documentário, "O Cárcere e a Rua" (2004), de Liliana Sulzbach. Primeiramente, uma parecença geográfica, uma vez que também se trata de uma produção gaúcha sobre a vida de prisioneiras da penitenciária Madre Pelletier, em Porto Alegre – cenário onde "Olha pra Elas" basicamente se passa. Mas, sobretudo, por um aspecto que não está na tela, porém a tece: a visão feminina sobre uma questão feminina. Assim como fez Liliana em seu filme, Tatiana sensibiliza sua câmera através do exercício da empatia e da identificação. Realidade distante à da própria diretora, mas nem por isso incapaz de torná-la cúmplice e atenta. Numa abordagem mais do que jornalística, e, sim, humanista, "Olha pra Elas" prova que, pelo cinema, é possível enxergar essas sofridas mulheres não com só os olhos, mas com o coração.

texto originalmente publicado no caderno Doc do jornal Zero Hora em maio de 2023

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trailer de "Olha pra Elas", de Tatiana Sager



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 13 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #361

Não é inabilidade da Kate Middleton, não, gente! Ela só tava querendo chamar atenção pro MDC desta quarta, entenderam? Vê só como a estratégia deu certo: estão em destaque Elton Medeiros, Helmet, The Claypool Lennon Delirium, Marisa Monte, The Smiths e Ira!, todos devidamente destacados. Ainda, os 50 anos de discos clássicos da música internacional feitos por mulheres, que estão no seu mês. Acertando o jogo dos 7 erros, o programa vai ao ar hoje às 21h, na sabichona Rádio Elétrica. Produção, apresentação e aulinha de Photoshop: Daniel Rodrigues


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sábado, 9 de março de 2024

“Dias Perfeitos” , de Wim Wenders (2023)



INDICADO A
MELHOR FILME INTERNACIONAL


Teria muito para falar de Wim Wenders, de qualquer filme de sua extensa filmografia, de sua carreira, do namoro de seus filmes com a filosofia, das diversas fases e projetos diferentes, das obras-primas. Mas o que talvez dê mais prazer e uma alegria até ingênua é falar sobre a realização de um filme japonês de Wim Wenders. “Dias Perfeitos” é, acima de tudo, uma dessas delícias que cinéfilos admiram: um filme de um cineasta de um país realizado noutro e com total propriedade. Porque, sim, “Dias Perfeitos” é um filme japonês, produzido com verba japonesa, falado em japonês, com atores japoneses e cheio de referências ao cinema japonês. E um baita de um filme.

“Dias Perfeitos” acompanha com extrema delicadeza a história de Hirayama (Koji Yakusho, lindo e atorzaço), um homem de meia idade reflexivo que vive de forma modesta como zelador e limpando banheiros em Tóquio. Sua rotina é revelada ao espectador através da música que ouve, dos livros que lê e da apreciação das árvores, suas três paixões. À medida que os dias Hirayama avançam, encontros inesperados começam a surgir e passam a revelar um passado escondido, que jogam luz sobre os porquês da solidão, da fuga e da busca de sentido na vida moderna.

Wenders assumidamente faz uma homenagem e referencia seus mestres do Oriente: Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e, principalmente, Yasujiro Ozu, sua grande paixão talvez apenas equiparável a Michelangelo Antonioni. É do Ozu de “A Rotina Tem seu Encanto” e “Era uma Vez em Tóquio”, cineasta já perscrutado por Wenders no documentário poético “Tokyo-Ga”, de 1985, que ele extrai o senso contemplativo de “Dias...”. Seja na extensão sem pressa do transcorrer das cenas, seja na posição baixa da câmera em determinadas tomadas, quase ao chão, seja na apreciação natural da ação, aproveitando o som direto e sem “interferência” de trilha sonora.

Tomada quase no chão ao estilo Ozu

Por falar em música, aliás, são elas que ajudam a conduzir o filme. Ou melhor: pontuá-lo. A bela seleção de K7s do personagem, a qual ele ouve no carro pelas ruas e avenidas de Tóquio (Otis Redding, Lou Reed, Nina Simone, Patti Smith, só coisa boa) geralmente indo ou voltando do trabalho, demarcam não apenas a busca dele por “dias perfeitos” como, igualmente, o conduzem a praticamente encontrá-los ao final. Como uma trilha que acompanha momentos da vida e traduz emoções. 

Como em “Paris, Texas”, “O Estado das Coisas” e “Além das Nuvens“, Wenders dá ao “decurso do tempo” (para usar outro título de filme seu) a forma e a estética, que se fundem. Mais uma vez captando com muita pertinência o espírito da terra em que se apropriou, o cineasta atribui aos silêncios (o “ma” da cultura oriental) uma função primordial para transmitir sentimentos de culpa, sofrimento, medo, frustração, angústia e, porque não, também de alegria. Em compensação, os diálogos são extremamente bem aproveitados, precisos como um golpe samurai. Vários são realmente tocantes, como o breve reencontro com a irmã abastada e de vida triste, que vai à sua humilde casa resgatar a filha, fugida de casa e de sua realidade para ter alguns dias de harmonia com o tio que tanto gosta.

Hirayama com a sobrinha: momentos
de contemplação e harmonia
A dialética entre o arcaico e o moderno é, contudo, o centro da trama. Isso faz remeter, mais profundamente analisando, a uma forma de se colocar no mundo. O anacronismo do tipo de música e a mídia que Hirayama tanto apreciava é um símbolo de algo em extinção, mas capaz de gerar uma genuína conexão do ser humano com a arte, embora isso não faça mais tanto sentido num mundo cada vez mais digitalizado e fragmentado. A busca por si próprio no isolamento e na circunspecção faz lembrar filmes em que este foi o refúgio existencial de personagens na procura pelo sentido da vida, casos de “Nascido e Criado”, de Pablo Trapero, “O Turista Acidental”, de Lawrence Kasdan, e o próprio “Paris, Texas”. Porém, assim como nestes exemplo, “Dias...”, em suas propositais repetições de cenas e na progressão emocional do protagonista ao longo da história, vota numa solução humana para as dificuldades. Perfeição não existe.

Embora torça para isso, dificilmente Wenders levará o Oscar de Filme Internacional. Sem o gigante “Anatomia de uma Queda” na disputa, uma vez que a produção francesa ganhadora da Palma de Ouro em Cannes concorre somente ao de Melhor Filme ao lado de favoritos como “Oppenheimer” e “Vidas Passadas”, o caminho para o elogiado longa alemão (mas um tanto superestimado) “A Zona de Interesse” vencer está facilitado. Porém, só o fato de ver no páreo um “Junger Deutscher” como Wenders, um verdadeiro esteta e revolucionário do cinema moderno, é quase que um prêmio adiantado a ele e a toda uma geração. Herzog, Schlöndorff, Fassbinder, Von Trotta, Kluge: estão todos representados com esta indicação. E não só eles, mas também, no caso, Ozu, Kurosawa, Mizogushi, Imamura, Oshima. Porém, talvez nem Wenders dê tanta importância a uma conquista como esta. Afinal, mesmo com o reconhecimento a uma obra de meio século como a dele, a Academia está longe de ser perfeita. Assim como os dias.

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trailer de "Dias Perfeitos", de Wim Wenders



Daniel Rodrigues


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #359

Estão vendo este mapa aí? É o Calendário Juliano, que explica porque amanhã temos ano bissexto. Embora não tenha entendido bulhufas do que isso quer dizer, o importante mesmo é que se sabe que hoje tem o MDC 359. Nesta edição, vamos ouvir a reprise do programa 350, quando tivemos a entrevista do produtor musical de Cabo Verde Djô da Silva. Antecedendo o 29 de fevereiro, vamos ao ar às 21h na translacional Rádio Elétrica. Produção, apresentação e dia extra: Daniel Rodrigues


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sábado, 24 de fevereiro de 2024

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #358

 

Andam dizendo que o ciclone Akará não é nada perto do furacão que o Brasil tá enfrentando no campo diplomático... Preparado para chuvas e trovoadas está o MDC de hoje, que vai ter New Order, Portela, My Bloody Valentine, Karnak e mais. No Cabeça dos Outros, ainda, Caetano Veloso, e um Palavra, Lê pela memória do revolucionário nicaraguense Sandino. Sem declarações bombásticas, o programa hoje vai ao ar às 21h na bem grata Rádio ELétrica. Produção e apresentação no olho do furacão: Daniel Rodrigues


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Formigueiro

 



"Formigueiro", RODRIGUES, Daniel



"Formigueiro"
Foto com manipulação digital - nov/23
Daniel Rodrigues

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

"Propriedade", de Daniel Bandeira (2022)

 

Não é coincidência que, numa das sessões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Reforma Agrária e Urbana, a chamada CPMI “da Terra”, em 2023, tenha-se recorrido a Karl Marx para evidenciar a incongruência daquela comissão. Constituída “com o objetivo de realizar amplo diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores, assim como os movimentos de proprietários de terras”, a tal CPMI não apenas sucumbiu por falta de autossustentação como, no final do dia, não olhou para a prioridade: ser uma ferramenta para resolução da questão do campo no Brasil. Em depoimento, o presidente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, valeu-se dos conceitos do filósofo alemão para uma explicação bem didática sobre a estrutura sociopolítica contemporânea pautada pelos valores capitalistas. E isso por um simples, mas profundo fator: o de que o ideário marxista inclui, ineditamente na história da Sociologia, a classe trabalhadora no contexto desta reflexão. Depois de Marx, foi impossível dissociar o trabalhador das relações de poder e, consequentemente, relativizar o conceito de “propriedade”.

A própria investigação da CMPI em si, em pleno 2023, denota o quanto a questão fundiária no Brasil permanece mal resolvida. Está relacionada diretamente a chagas da sociedade provocadas pela histórica mentalidade escravista e potencializada pelas relações de poder capitalistas. Pois que a exploração de mão de obra, o monopólio da elite, as péssimas condições de trabalho e a alienação ao acesso à saúde e à educação, tudo isso está hibridizado num fundamental filme cujo título traz o cerne dessa questão: "Propriedade". A obra, do jovem cineasta pernambucano Daniel Bandeira, é, ao mesmo tempo, de uma enorme riqueza narrativa quanto, principalmente, de um realismo crível e tragicamente plausível. Em forma thriller à brasileira, o filme expõe situações prementes da sociedade brasileira atual, desde a escravidão moderna, a especulação imobiliária e o velho coronelismo, incrustado como uma doença secular na sociedade nordestina.

Na trama, a reclusa estilista Tereza (Malu Galli), esposa de um rico empresário e proprietário de terras (Tavinho Teixeira, como Roberto), deixa a cidade para refugiar-se com o marido em uma fazenda da família na tentativa de se recuperar. Mas, quando os explorados trabalhadores do local sabem da intenção do patrão de vender as terras e dispensá-los sem nenhum direito e indenização, um levante acontece. Para se proteger da violenta revolta dos trabalhadores, Tereza se enclausura em seu carro blindado. Mesmo separados por uma camada impenetrável de vidro, o conflito é inevitável e escalável, pois balizado por um elemento muito menos material e, sim, simbólico: a luta de classes.

Malu Galli como Tereza em cena tensa de "Propriedade": terror à brasileira

Segundo longa de Bandeira, "Propriedade" – provavelmente o melhor filme nacional de 2023 – tem o poder de consolidar uma época. Assim como outras escolas ou movimentos cinematográficos ao longo da história, o filme junta-se a obras irmãs, formando um panorama ideológico e produtivo robusto representativo do seu tempo/espaço. A exemplo do neorrealismo italiano, do novo cinema iraniano ou do Dogma 95 dinamarquês, cujos filmes dialogam entre si dentro de seus próprios círculos, "Propriedade" responde a temas muito caros a outros filmes da cinematografia contemporânea de Pernambuco, que se consolida como um dos mais frutíferos polos de produção de cinema no Brasil neste século. É fácil notar semelhanças com elementos da crítica social recorrentemente trazida pelos autores desta cena. "Piedade", de Cláudio Assis (especulação imobiliária), "Carro Rei", de Renata Pinheiro (repressão do Estado) e "Fim de Festa", de Hilton Lacerda (violência urbana), são alguns deles.

Porém, "Propriedade" traz ainda mais para próximo de si os filmes de Kleber Mendonça Filho, com quem Bandeira trabalhara desde 2002 no curta "A Menina do Algodão", o qual roteirizou e atuou. A referência temática e fotográfica a "Bacurau" (2019), de Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é notória, assim como soluções narrativas de desfecho, que interligam ainda mais ambos. Igualmente, "Aquarius" (2016), outro de Mendonça Filho, que também avança sobre a questão do oportunismo do setor imobiliário e da luta pela preservação cultural diante da modernização desenfreada do liberalismo. Contudo, "Propriedade" principalmente retraz a discussão basal de "O Som ao Redor" (2012), primeiro longa de Mendonça Filho, uma contundente crítica ao antagonismo entre público e privado, entre pobreza e riqueza, entre velho e novo, entre impotência e poder, entre humanidade e barbárie.

"Propriedade" e "Bacurau": semelhança temática, cenográfica e fotográfica
entre os filmes de Bandeira e Mendonça Filho

O que "Propriedade" expõe é o choque entre elite e proletariado, uma vez que o sistema vigorante favorece as desigualdades. Não apenas isso: baseia-se nelas. O capital supõe mediar um equilíbrio, mas só faz provocar revolta nos que o geram, mas não o detém, e medo nos que o detém, mas não o geram. A tensão é permanente e dos dois lados. Veja-se a frase que liga o automóvel de Roberto por meio de IA: o verso inicial da música "Dê um Rolê". Cantado por Gal Costa no clássico disco "Fa-Tal", de 1971, marco da resistência aos anos de chumbo no Brasil, o verso diz: “Não se assuste, pessoa”. Mostra da obviedade sem criatividade da elite, que se apropria do discurso dissonante da esquerda para vestir seus modos ideológicos distorcidos, a música é usada por ele como se esta condissesse com seu comportamento imperialista, distorcendo a essência da obra e, por consequência, transformando-a num mero produto de consumo.

Mas os vieses, claro, não são absorvidos por quem raciocina apenas a favor do (seu) capital. O fato de este pequeno enunciado servir como chave para acionar o veículo também funciona, noutro patamar, como uma chave muito mais simbólica, pois capaz de ativar de forma verbal o medo e a neura de uma fatia da sociedade hedonista, que se vitimiza, mas não questiona o quanto seu comportamento sustenta desigualdades que remontam à escravatura. Como Caetano Veloso escreveu certa vez para a voz da mesma Gal Costa: “Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo, mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo”.

Trabalhadores rurais e os
limites das relações de poder
Quando trata da base da pirâmide, o filme traz à discussão um tema essencial e controverso, que é o direito à terra. O principal motivo que faz os campesinos se manterem na fazenda a qual já se sabiam dispensados é a presunção de que, por terem dedicado suas forças de trabalho de maneira tão intensa e indigna há tantos anos e gerações, mereciam tornarem-se eles os donos dela. Uma reparação a si e a todo um povo massacrado há séculos pelos poderosos. Reivindicação justa ou não, legal ou não, mas que encontra na ação presente do MST um fundo de verdade, uma vez que o movimento, muitas vezes acusado de fora-da-lei, é, por exemplo, o grupo que mais produz arroz orgânico no Brasil, correspondendo a 70% do grão produzido nacionalmente, segundo dados do Instituto Riograndense do Arroz (Irga).

Renovando a discussão sobre a reforma agrária, tão presente no cinema brasileiro dos anos 1960 e 1970 em filmes como "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas Secas", "Maioria Absoluta" e "O País de São Saruê", Propriedade traz para o contexto do Brasil atual em que o liberalismo exerce forte influência no mercado e na sociedade. Não é de se estranhar que um filme tão agudo e necessário seja do mesmo ano em que se revelou, no Rio Grande do Sul, na rica e conceituada região da Serra, casos análogos à escravidão com trabalhadores rurais, mesmo quase 135 anos após a Abolição. E não para com conterrâneos gaúchos, mas justamente com imigrantes nordestinos sujeitos a condições desumanas longe de sua terra.

Em "Propriedade", o que se sugere é um momento de fratura. Rompidas as grades da “senzala” e da “casa grande”, ora representadas pela porteira da fazenda do interior e pelas torres residenciais da cidade, o que resta é a colisão entre estes dois opostos sociais, até que um enterre o outro. Nem vidros blindados ou camuflados são capazes de conter. A CPMI “da Terra”, por óbvio, inconclusiva, haja vista que originalmente mal sustentada, denota o quanto os ensinamentos de Marx prevalecem e que não cabe (como nunca coube ou deveria ter cabido) mais espaço para a iniquidade em tempos atuais. A feroz e coerente reação dos personagens revoltosos de "Propriedade", bem como a consequente escalada de violência da trama, serve como um aviso de que a questão da terra deve ser encarada de frente e sem filtros. Um “basta” para um problema basal da sociedade brasileira de difícil resolução, mas de necessária atenção. E a quem quiser prosseguir mantendo a desigualdade e o desrespeito aos direitos humanos, um alerta: assustem-se, pessoas. Não acreditem em Gal quando ela diz que a vida, assim, é boa.

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trailer de "Propriedade", de Daniel Bandeiras


Daniel Rodrigues

Artigo originalmente publicado no Blog Roger Lerina/ Matina Jornalismo

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #357

Cês acham que o espanto da Ivete é porque a Baby anunciou o apocalipse? Que nada! É porque ela ficou sabendo que tem MDC, sim, em plena quarta-feira de cinzas! Depois de tanto pular Carnaval, a folia segue com a boa música de Velvet Underground, Davi Moraes, Helmet, Gal Costa, Ary Barroso e mais. No Sete-List, claro, o fim dos festejos do Momo. Até quem já conhece as sandices da Baby vai se impressionar com a qualidade do programa às 21h, na apocalíptica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e macetada: Daniel Rodrigues.


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