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Houve indignação, aqueles que me exigiram explicação por "tamanho absurdo" e quem argumentasse que os verdadeiros reis do pop foram e são os Beatles. Tudo correto, gente. Concordo que me excedi. Mas além do motivo estritamente emocional - o que já se justificaria como licença poética - há no fundo da provocação certa verdade. Aliás, como acontece com todo exagero: uma verdade aumentada. Afinal, a EBTG, se não a maior banda pop da história como lancei, é a que melhor representa a história do gênero atualmente. O novo single prova isso: mesmo tantos anos depois do último material inédito, a dupla Tracey Thorn e Ben Watt tem a capacidade de evoluir em si mesma, sintetizando em seu som tudo que já produziram em mais de 40 anos de carreira. Assim, captam todas as tendências da música pop de antes de seu tempo associando-as a new wave, o indie, ao collage rock e ao pós-punk, que lhes formou, mais os gêneros que vão surgindo pelo caminho.
"Amplified Heart", de 1994, é uma destas saborosas sínteses. Com influências desde sempre do jazz e da MPB, carregam na sua sacola musical tudo o que arrecadaram até aqueles idos da metade dos anos 90, produzindo um daqueles discos de equilíbrio perfeito entre o melodioso e o dançável, entre o melancólico e o alegre, entre o sentimentalismo e o deleite. E sempre com muita classe, o tal sophisti-pop o qual lhes é atribuído. O hit do álbum, uma das músicas mais executadas da década, "Missing", confirma tudo isso. Sentimental e dançante ao mesmo tempo, é daqueles mistérios da indústria musical. Virou febre nas rádios e MTV, ganhando uma remix estilo club do DJ Todd Terry, que a popularizou ainda mais. A canção se tornou a primeira e única da dupla no Top 40 dos Estados Unidos da Billboard Hot 100 e foi a 11ª a passar mais tempo nas paradas da história do US Hot 100.
Porém, nem tão misterioso assim. Acostumados com a fórmula do perfect pop, que produziram às pencas desde sua estreia em "Eden", em 1985, um dia emplacaram. Houve sucessos anteriores, como "I Don't Want to Talk About It", de “Idlewild” (1988), e "Driving", de “Language of Love” (1990). Mas "Missing" invadiu os nighclubs e, ao mesmo tempo, agradou os ouvidos exigentes, sendo a mais tocada nas estações de rádio de jazz contemporâneo dos Estados Unidos em 1996.
Porém, "Amplified...", obviamente, não se resume ao seu maior êxito comercial. Sem exceção, todas as faixas são dignas de um álbum irretocável. "Rollercoaster", a inicial, é outro perfect pop de alta sofisticação, cadenciado pela percussão nos bongôs, uma batida de violão bossa-novista e lânguidas frases de teclado. Já "Troubled Mind", das preferidas, é romântica sem ser balada. Com uma linda levada de violão, tem uma leve cadência funkeada na programação de ritmo, que acompanha a voz sempre hipnotizante de Tracey, uma das melhores cantoras que a música pop já viu - e isso, sim, posso afirmar sem receio de polemizar. Na letra, ela conta sobre uma garota que vê a relação ruir por causa da "mente conturbada" do parceiro, mas que mesmo assim lhe declara: "You know, I love you, love you, love you".
Semelhante performance sensível e de exímia afinação da front girl acariciam a melodiosa "I Don't Understand Anything", a cantarolável "We Walk the Same Line", ambas de autoria de Tracey, e outro destaque do cancioneiro da banda: "Get Me". Ouvi-la cantando o refrão com aquela voz sensual e apaixonada: "do you have get me" é de cortar o coração de qualquer um.
Watt, principal compositor e instrumentista do grupo, assina e canta ele próprio as bonitas "Walking To You" e "25th December". Mas o diferencial da EBTG é indiscutivelmente a sua cantora. É ela quem comanda os microfones de mais uma excelente: "Two Star". Esta, sim, uma balada, inteligentemente bem conjugada com os outros números na narrativa do disco. O riff de piano pronuncia dois pares de notas que, dissonantes, simbolizam o desencontro de dois amantes em um triste fim de relacionamento. A letra reforça esta ideia: "Então vá, e pare de me escutar/Pare de me escutar/ E não me peça o que falar, ou para julgar a vida dessa forma/ Quando a minha está em desordem". Com uma sutil bateria e direito a arranjo de cordas do maestro Harry Robinson, tem no vocal de Tracey seu maior trunfo. E quando sentimento sai deste canto! Igual sensação deixa "Disenchanted", que encerra o disco. Somente ao violão e acompanhamento de um sensual saxofone, nela Tracey fica livre para dar um show de interpretação, fazendo lembrar grandes cantoras de baladas da história - olha aí de novo minhas hipérboles! - como Sarah Vaughan, Barbra Streisand e Elis Regina.
Radares da música pop de seu tempo, a dupla Tracey e Watt não parou em "Amplified..." e seguiu cumprindo se papel simbólico. Durante a gravação de “Amplified Heart”, Thorn e Watt escreveram letras e músicas para duas faixas do segundo álbum dos conterrâneos Massive Attack, que representam o que há de mais hype na música dos anos 90. Thorn faz os vocais em ambas as faixas, sendo uma delas o single "Protection", uma obra-prima que alcançou a posição 14 no top 40 e colocou o disco entre os 4 mais vendidos do Reino Unido. Pela EBTG, vieram na sequência ótimos discos: o assumidamente clubber “Walking Wounded”, de 1998, e o experimental “Temperamental”, de 1999, onde efetivam a incorporação de estilos como o trip hop, o drum'n'bass e a dance music. Sempre assumindo a função de totens das referências e tendências estético-sonoras, a banda pode por este aspecto ser considerada, sim, a grande banda pop em atividade, seja por sua atuação protagonista como pela de resguardo do legado do que Beatles, Bowie, Grace, Prince, Nile e diversos outros deixaram. A EBTG atingiu o ápice da música pop? Claro, que não. Exagero meu. Mas enquanto os estou ouvindo meu coração se amplifica e tem a clara certeza disso.
Atento, bebê?
O ano é 1988. A U2 ostentava a posição de grande banda do rock internacional. Com o término da The Smiths e os às vezes errante caminhos da The Cure, a U2 somava todos os elementos para ocupar tal posição, rompendo a linha que divide o underground do início da carreira para o status de lotadores de estádio. Musicalmente, um fenômeno gerador de hits, vendas de discos e canções clássicas. Tinha um vocalista de admiráveis qualidades vocais e letrísticas, um guitar hero sofisticado e criativo e a "cozinha" mais competente do rock 80. Politicamente, foi o grupo mais engajado da sua geração. A coroação veio com “The Joshua Tree”, de 1987, que deu aos irlandeses discos de ouro, platina e diamante em vários países e um Grammy de Álbum do Ano, consolidando-os no mercado mundial com sucessos como "With ir Without You" e "I Still Haven't Found What I'm Looking For".
Arte do famigerado "Achtung...", de 1991 |
Surgidos como revelação da música pop, Fab Morvan e Rob Pilatus foram acusados de não interpretarem as próprias músicas. Desmascarados, foram demitidos da gravadora que os fez vender milhões e tiveram que devolver o Grammy que venceram. Morvan e Pilatus precisaram convocar uma vexatória coletiva para confessarem que, de fato, apenas faziam playback em cima do palco e que ghostsingers cantavam por eles em estúdio. Justificaram que haviam sido recrutados pelo visual, como uma estratégia de publicidade. Bono, então, ouviu e ligou os pontos: “Fraude, Grammy, publicidade, paradas de sucesso, personagens...”. Deu-lhe um estalo: ali estava a chave para os problemas da U2.
Não é possível medir o quanto Bono ficou impactado com tal ocorrido, embora a polêmica da Milli Vanilli tenha ganhado tamanha proporção que, provavelmente, deu um sinal de alerta para qualquer um que pertencesse à indústria cultural. Bono, ao que tudo indica, perspicaz como é, captou a essência da discussão, mas injetou-lhe doses de ironia. Numa fase de “crise de identidade”, o negócio era assumir uma “não identidade”. Genial! Já distante da figura politizada que os consagrou e diante da incerteza que o estrelato provocou, a escolha da U2 foi criar uma nova imagem pública: dar vida a personagens fictícios e produzir músicas de fácil assimilação.
Os riffs de “Achtung...”, basta notar, são bastante simples, até simplórios em alguns casos em se tratado da alta técnica de The Edge. "Who's Gonna Ride Your Wild Horses", "The Fly", "Mysterious Ways", "Tryin' To Throw Your Arms Around The World" são assim: quase sem graça. O minimalismo característico de The Edge transformou-se em preguiça. Praticamente todas as faixas têm o mesmo embalo. Mas, claro, com a caprichada produção de Brian Eno, que mascarava tudo. Além disso, fotos e clipes de Anton Corbijn, mixagem de Daniel Lanois e Robbie Adams e engenharia de som de Flood. Invólucro perfeito, como todo produto premium de supermercado. Para arrematar a traquinagem, o disco é gravado na mesma Alemanha em que David Bowie e o mesmo Eno conceberam a nova música pop no final dos anos 70. Mas também a mesma Alemanha da Milli Vanilli...
Agora, valendo!
Jamais a U2 tinha feito algo tão raso como “Achtung Baby”, e isso queria dizer alguma coisa. O circo foi tão bem montado que, com absoluta unanimidade, todos caíram na deles. Público e crítica elevaram o disco a obra-prima mesmo sem ter um riff à altura de “Bad”, “Red Hill Minning Town”, “God Part 2”, “Like a Song...” e por aí vai. Quando um artista chega a determinado estágio, o que se espera é que, no mínimo, supere o que já fez. Mas diante da incapacidade crítica da pós-modernidade, a U2 percebeu que isso não se aplicaria a ídolos acima de qualquer suspeita como eles. Na verdade, fizeram o contrário: ao invés de evoluir, deram passos para trás, mas com muita inteligência e marketing. E ego. Bono encarnava personagens como The Fly e The Macphisto com visível falta de habilidade cênica, mas suficiente para encantar os fãs. A piada foi tão bem contada que, somado ao respeito e a credibilidade de que jamais uma banda “séria” como a U2 faria algo assim, ninguém desconfiou de nada.
Por sorte, a enganação deliberada de “Achtung...” foi, em trocadilho com o próprio título, apenas para ver se a galera estava “atenta”. Como ninguém estava, no fundo o tiro saiu pela culatra. O negócio era desistir da palhaçada e fazer algo bom novamente. Fruto de canções surgidas durante a turnê e de suspeitas “sobras” do afamado disco anterior, “Zooropa” mostra porque a U2 chegava, enfim, à maturidade. Improvisos, experimentações, ousadias, ludicidade. É possível sentir um clima de liberdade criativa em suas faixas. Se a ida para Berlim anos antes foi, como fez Bowie, para se afastar do burburinho da mídia, enfim a intenção funcionava para a U2.
Um rápido paralelo entre as faixas de um disco e outro provam que a turma estava mesmo interessada em fazer o que sempre soube: pop-rock forjado no pós-punk, somado aos elementos do tecno, como downtemto, synth pop e experimental. Na abertura, para uma pirotécnica ”Zoo Station”, mandam ver “Zooropa”, extensa, pouco vendável, sem pressa para começar e nem para terminar. Riff bem elaborado que, lá pelas tantas, ainda sofre uma virada que acelera seu compasso, gerando quase que uma outra música. Excelente cartão de visitas para deixar claro que a U2, definitivamente, havia deixado as máscaras de mosca em segundo plano.
A melódica “Babyface”, algo semelhante em atmosfera a “So Cruel”, de “Achtung...”, faz homenagem ao músico de R&B que influenciaria bastante o som da banda naquele momento. Esta antecipa a primeira obra-prima do álbum: “Numb”. Desviando os holofotes quase monopolizados por Bono, a banda realiza de vez o que prenunciavam na capa de “Rattle...” com The Edge fazendo as vezes de protagonista. E aqui Eno, novamente recrutado como um quinto integrante, faz valer sua arte de produção. E não para “salvar” a música, mas para potencializá-la. Construtiva, a partir de uma programação eletrônica e um riff estetizado, “Numb” vai agregando elementos como bateria, efeitos de teclados, frases de guitarras, sintetizadores e contracantos, como o belo falsete de Bono dizendo versos como: “I feel numb” e “Too much is not enough”. Tão original que é sem comparação com qualquer uma de “Achtung...”.
Outra pérola: “Lemon”. Mais uma cantada em falsete, agora com Bono retomando o centro do palco, lembra “Misterious Ways” por certa latinidade da percussão de Mullen Jr. Mas apenas de longe, pois é muito melhor e bem mais elaborada. A começar pelo riff, este sim minimalista como The Edge é craque, mas saborosamente criativo, forjado apenas no efeito de pedal, que se forma através de ressonâncias. O baixo de Clayton, idem: seguro como sempre, fazendo a base perfeita para esta world music moderna. Mas principalmente: o arranjo de Eno. Nesta faixa fica evidente o quanto o papel do eterno Roxy Music foi fundamental para a retomada da U2 à sua raiz de beleza estética com liberdade e ousadia. Os coros em tom menor, com contracantos acentuados, dão um exótico ar étnico à música. Impossível não lembrar das contribuições de arranjo e melodia de Eno para a Talking Heads em “Remai in Light” (“Born Under Punches”/“Crosseyed and Painless”/”The Great Curve”), de 1980, ou músicas de seus trabalhos solo como “No One Receiving” (de “Before and After Science”, 1977).
Se “Daddy’s...” lembra em certa medida “The Fly” e “Zoo Station”, de “Achtung...”, “Some Days Are Better Than Others” equivale a "Tryin' To Throw Your Arms Around The World". Novamente, contudo, vencendo a disputa. E quão simbólica a letra para aquele momento de autorreconhecimento, quase um mea culpa: “Alguns dias você usa mais força do que o necessário/ Alguns dias simplesmente nos visitam/ Alguns dias são melhores do que outros”. Já a escondida “The First Time” é uma surpresa altamente positiva, que começa com uma leve base de baixo sob a linda voz de Bono para ir ganhando, aos poucos, outros instrumentos/elementos, que lhe aumentam a emotividade. Além disso, faz analogia com “Love Is Blindness”, última do trabalho antecessor. Mas como assim, se ela não encerra “Zooropa”? Aham! A estratégia narrativa usada para gerar estardalhaço anteriormente, agora era empregada a favor da feitura da obra. “The First...” prepara o terreno para a penúltima faixa, “Dirty Day”, outra que, assim como “Zooropa”, não se apressa em começar e a se desenrolar. Pop eficiente, tem o detalhe da voz de Bono sobre todos os outros sons, como que viva diante do microfone, expediente imortalizado por Eno e pelo produtor Tony Visconti em “Heroes”, de Bowie, em 1978, daquela mesma inspiradora fase alemã do Camaleão do Rock.
Eno com Edge e Bono em estúdio dando as coordenadas pra banda |
E quanta beleza em “The Wanderer”! Escritos para o barítono embriagado Cash, os versos (de Bono, credite-se) largam dizendo: “I went out walking/ Through streets paved with gold/ Lifted some stones, saw the skin and bonés/ Of a city without a soul” (“Eu saí caminhando/ Pelas ruas pavimentadas com ouro/ Levantei algumas pedras, vi pele e ossos/ De uma cidade sem alma”). Uma clara referência ao clássico “Walked in Line”, imortalizada na voz do errante Homem de Preto, mas também à própria consciência da U2 pelas perigosas trilhas da fama. “The Wanderer” ainda serviu como uma homenagem em vida a Cash. Eterno outsider e já no ostracismo naqueles idos, ele viria a se revitalizar como artista e gravar seus últimos álbuns na série “American”, morrendo 10 anos depois daquela gravação (a versão definitiva de “One”, aliás, é de seu “American III”, de 2000). Um digno final de disco da U2, o mais tocante e melhor de sua discografia, mais bonito até do que “MLK” encerrando “The Unforgatable Fire” ou do que “All I Want Is You” fechando “Ratlle...”. Um final para desfazer mal-entendidos e enterrar qualquer piada de mal gosto que um dia tenham feito.
“Zooropa”, o melhor disco da banda em toda a década de 90 e seu último grande álbum, completa 30 anos de lançamento. Isso nos leva a deduzir que, há três décadas, a U2 desfazia um erro grotesco chamado “Achtung Baby” para, responsavelmente para com sua própria obra, dignidade e reputação, conceber “Zooropa”. O processo de concepção conduzido por Eno, livre das amarras do enterteinment e voltado às origens deles como músicos, foi tão rico, que rendeu, dois anos depois, o ótimo “Passengers: Original Soundtracks 1”, em que encarnam com humildade a inédita nomenclatura para compor trilhas sonoras para diversos filmes. Um pouco do que já era “Zooropa”: uma narrativa, uma história.
O certo seria Bono, Edge, Mullen Jr., Clayton e Eno, assim como fez a Milli Vanilli no passado, chamar a imprensa para uma coletiva e confessarem o engodo de "Achtung Baby" – de preferência, em Berlim, cidade acostumada a reconstruções e onde a farra foi cometida. Mas isso jamais acontecerá. Para mim, contento-me em ouvir “Zooropa” e saber que ele veio reestabelecer minha relação com a U2, o que vinha gradativamente perdendo força e sofrera considerável abalo quando do meu desmascaramento solitário. “Zooropa”, com sua força e identidade, zerou tudo. A U2 está para sempre desculpada.
Muito já compartilhamos André e eu impressões em relação a ela e sua encantadora música. Parte delas, pois, está nesta listagem. A melodista incrivelmente criativa. A poeta e songwritter folk. A feminista consciente e existencialista. A cantora da voz de cristal e da dicção perfeita. A conhecedora de todos os caminhos para uma composição pop e cantarolável. A exímia violonista. Enfim, características que vão aparecendo no decorrer das selecionadas e que denotam, todas a seu modo, uma arte pop altamente elegante.
Porém - e isso é uma das premissas que levou André a me convidar a colaborar tanto quanto o gosto que comungamos - o óbvio foi evitado. Ou seja, o megahit "Luka" e até "Tom's Diner", que tocou bastante no início dos anos 90 com o remix dance feita pela dupla inglesa D.N.A., não estão contemplados. Adoro ambas as músicas, aliás, mas Suzanne é muito mais do que elas. Está aqui, sim, uma playlist de 16 canções na ordem cronológica de suas feituras que, para além de transmitirem essas características as quais mencionei anteriormente (bem como outras possíveis de serem percebidas), o que se dá naturalmente, refletem a versatilidade da autora ao longo dos quase 40 anos de carreira e dão, assim, a dimensão de seu talento e de sua rica obra.
Ah! E deram 16 faixas no final, pois convenci André de socar mais duas além das que tinha pedido. Coisa de fã, consentimento de outro fã. Mesmo assim fiquei me coçando pra incluir outras amadas, como "Book of Dreams", "Night Vision", In Liverpool", "Unbound", "Pornographer's Dream"... Paciência. Mas a quem estiver lendo esta seleção, além das escolhidas, recomendo fortemente a audição destas aqui também, quando não de seus discos completos.
Seja folk, bossa nova, ethnic, blues, jazz, punk, rap, tecno ou clássica. Tudo está na voz e no violão de e uma das artistas mais completas da música pop. Uma pequena deusa, que nem todos acham ou sabem. Mas André e eu concordamos com isso, isso que importa.
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O emblemático primeiro disco |
O ótimo "Days...", com 3 na lista |
Filme brasileiro "Jenipapo" |
Arte do Blue Note "B&C" |
Daniel Rodrigues
Vamos pegar carona nos acordes de Jeff Beck no programa para uma viagem musical, que tem ele e muitos outros passageiros. Acompanham Caetano Veloso, The Crusaders, Red Hot Chili Peppers, Arthur Verocai, The Breeders e outros. Além de homenagear o guitarrista, que nos deixou dias atrás, também há os quadros fixos e móvel e um Palavra Lê para os 60 anos de Nando Reis. Que passeio bonito o deste MDC de hoje, que sai da estação às 21h, na britânica Rádio Elétrica . Produção, apresentação e guia turístico: Daniel Rodrigues
A Rússia invadiu a Ucrânia, a rainha Elizabeth morreu, a Anitta foi indicada ao Grammy, o Brasil perdeu a Copa, o Lula derrotou o Bozo... Ufa, quanta coisa nesse 2022! Ainda bem que junto disso sempre teve o MDC pra fazer a trilha, inclusive deste último programa do ano, o de nº 299. Na playlist, Smashing Pumpkins, Arthur Verocai, Milton Nascimento, The Cure, Dom Salvador e mais. Ainda um Cabeção trazendo o Ethio-jazz do etíope Mulatu Astatke. Tudo isso vai ao ar às 21h, na retrospectiva Rádio Elétrica. Produção, apresentação e Feliz Ano Novo: Daniel Rodrigues.
Fica até difícil achar o MDC nessa multidão toda de argentinos. Mas a gente facilita a coisa pra vocês, até porque hoje tá bem fácil escutar com tanta coisa boa que tem: Al Di Meola, Tom Zé, O Rappa, Neneh Cherry, Toni Tornado, New Order e mais. Ainda, no quadro especial, uma lista sobre mulheres inspiradoras. Invadindo o obelisco, o programa levanta a taça hoje às 21h na tricampeã Rádio Elétrica. Produção, apresentação e reverências a Messi: Daniel Rodrigues.
Pela vontade do povo brasileiro, expressa pelas audições radiofônicas da maioria, em testemunho desse fato viemos anunciar a excelentíssima edição de n° 297 do Música da Cabeça. Habilitados como testemunhas desta nomeação temos My Bloody Valentine, Chico Buarque, Sapo Boi, Snap!, João Donato e outros cidadãos de impoluta credibilidade. Nos termos da Constituição Federal, o MDC entrará no ar a 14 dias de dezembro do ano de 2022, à vigésima primeira hora na diplomada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e democracia devolvida: Daniel Rodrigues.
Semana de começo de Copa do Mundo, mas como a bola ainda não rolou, a gente repercute o que tá acontecendo na terrinha. Por isso, louvamos os 80 anos de Paulinho da Viola e relembramos a perda de Gal Costa numa devida homenagem à Divina Maravilhosa. Mas também tem The Cranberries, Velvet Underground, Bjork, Adriana Partimpim e mais. Confere, que o MDC é às 21h na aquecida Rádio Elétrica. Produção, apresentação e bola no centro do gramado: Daniel Rodrigues.
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Alguém aí com a sensação de alívio depois de acordar de um pesadelo? Pois, então: voltamos à vida! Para embalar esse momento de reconciliação com a democracia, nada melhor do que música! E tem de tudo um pouco: Fatboy Slim, Racionais, Mart'nália, Beethoven, Milton Nascimento, talking heads e mais. Não adianta bloquear a estrada, que o MDC pede passagem às 21h na esperançosa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e amor: Daniel Rodrigues (vão tarde, fascistas)
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Mania essa de dizer que esse tipo de coisa é obra de alienígena! Isso é porque ainda não conhecem o poder revelador do MDC. Deixam seus sinais marcados no programa de hoje Seals & Crofts, Os Paralamas do Sucesso, Cartola, Big Star, Camisa de Vênus e outros, além de um Cabeção em comemoração aos 100 anos de nascimento do pioneiro da música de vanguarda no Brasil Gilberto Mendes. Desenhos musicais surgem nas plantações misteriosas da Rádio Elétrica hoje, às 21h. Produção, apresentação e agroglifos: Daniel Rodrigues.
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Dizem que a música é das melhores formas de manter a criança que tem dentro da gente. E quanta criança tem esses nossos participantes do MDC de hoje! V.S.O.P., David Bowie, Camisa de Vênus, Tom Zé, Big Star e mais. Tem ainda Cabeça dos Outros com o jazz bop de Donald Byrd. Neste programa de Dia das Crianças, muitos presentes para aquelas de todas as idades às 21h, na brincalhona Rádio Elétrica. Produção, apresentação e infância intacta: Daniel Rodrigues.
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Não adianta dizer mentira na ONU ou onde quer que seja. Com o MDC é assim: a gente desmascara e põe pra todo mundo ver! Iluminando o Empire State, o programa de hoje vem com Itamar Assumpção, Zizi Possi, Morphine, Nei Lisboa, John Cale e mais. No Cabeção, o som etéreo e ruidoso da My Bloody Valentine e um Palavra, Lê também especial. Projetando aquilo que deve ser dito, a edição de hoje vai ao ar às 21h na protestadora Rádio Elétrica. Produção, apresentação e #forabroxonaro: Daniel Rodrigues (Ah, sem esquecer também de #tchutchucadocentrão)
"Je vous salue, Jean-Luc"! Na despedida do gênio da nouvelle vague, a gente não podia deixar de trazer Godard para o programa desta semana. E fazemos isso com muita música também, como Nine Inch Nails, Guns n Roses, Mutantes, Corinne Bailey Rea, João Donato e mais. Ainda, no quadro especial, um Cabeça dos Outros. Com um instrumento na mão e muitas ideias na cabeça, o MDC começa a rodar às 21h, na acossada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e "ação!": Daniel Rodrigues
Tudo pronto para o desfile do 7 de setembro? Bom que, com o MDC, não precisa nem sair de casa pra celebrar os 200 anos da Independência. No nossa edição nº 283, vão desfilar por aqui em carro aberto Tim Maia, Everything But the Girl, KC & The Sunshine Band, Fagner, Brian Eno e outros. 7 também é o número de coisas que a gente destaca do Rock in Rio 2022 no nosso quadro Sete-List. De verde-amarelo ou não, a celebração será hoje às 21h na cívica Rádio Elétrica. Produção, apresentação, independência ou morte: Daniel Rodrigues.
Como em qualquer mitologia, porém, nem tudo é perfeito. Pode soar pouco festivo, mas a chegada de Caetano Veloso aos 80 anos simboliza um Brasil que nunca se realizou. Menos pessimista, que seja: uma promessa de Brasil. Caetano, tanto quanto alguns de sua dourada geração – Gil, Chico, Nara, Hermeto, Elis, Edu, Jards – mas mais do que todos eles em alguns aspectos, estetizou o Brasil assim como fizeram alguns dos ícones da nossa cultura: Villa-Lobos, Portinari, Machado de Assis e Mário de Andrade. E o fez, em grande parte, pela discordância. Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, num movimento constante de imersão e submersão, de identificação e distanciamento. Isso faz com que ponha no mesmo pentagrama axé music e microtonalismo, pop e vanguarda, e nos ensine a não só ouvir, como pensar essas diferenças/semelhanças para chegar a um fim maior: o âmago da própria mitologia. A dissonância aprendida na bossa nova de João Gilberto aplica em tudo sem nunca, sobretudo, fugir do embate. Ele, que discutiu com universitários esnobes e alienados no FIC de 1968; que se exilou por causa da Ditadura; que sempre disse o que pensava e não admite desaforo.
“Estrangeiro”, um dos melhores discos da extensa obra do baiano, materializa em sons, letras e forma essa utopia tropicalista quase policarpiana de ser mito e mitologia ao mesmo tempo. A começar pela capa, reprodução da maquete concebida pelo Hélio Eichbauer para a peça "O Rei da Vela", do Oswald de Andrade, montada em São Paulo pelo Zé Celso Martinez Corrêa nos anos 60, pensada por Caetano quando este estava fora do Brasil.
A faixa de abertura, igualmente, é uma daquelas grandes composições de Caetano em letra e música, e traduz a ideia dual do álbum, em que diversos ritmos se cruzam e se hibridizam em tonalismo e atonalismo, assonância e dissonância. O reggae conversa com eletrônico, que conversa com o batuque, que conversa com world music, que conversa com a art rock e o jazz contemporâneo. Naná Vasconcelos, no esplendor da maturidade, e Carlinhos Brown, já um grande entre os grandes, são dois dos principais contribuintes da sonoridade do disco, visto que integram, através de suas percussões universais, aquilo que há de mais visceral e de mais moderno em arte musical. Sem refrão, numa verborragia típica do seu autor, “O Estrangeiro” (“Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?/ Uma arara?/ Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara” ou “À áspera luz laranja contra a quase não luz, quase não púrpura/ Do branco das areias e das espumas/ Que era tudo quanto havia então de aurora”), reflexiona o ser brasileiro se colocando numa posição quase brechtiana de distanciamento e proximidade com o objeto. Até o videoclipe, dirigido pelo próprio Caetano, é um exercício de cinema de arte, extensão do experimental “O Cinema Falado”, único filme dirigido por ele três anos antes. E convicto de sua posição, ainda arremata: “E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento/ Sigo mais sozinho caminhando contar o vento”. A música, aliás, inaugura algo que se poderia chamar de brazilian-post-jazz, o que o próprio Caetano, que atribui a Gilberto Gil a criação não reclamada do “samba-jazz-fusion”, mostra-se ainda mais modesto ao também desdenhar tamanho feito.
Videoclipe de "O Estrangeiro", de e com Caetano Veloso
Não à toa, “Estrangeiro” é produzido por dois músicos além-fronteiras: os Ambitious Lovers Peter Scherer e Arto Lindsay – este último o qual, assim como Caetano, faz uma permanente ponte entre o nordeste brasileiro e cosmopolitismo, visto que norte-americano de nascimento, mas criado em Pernambuco. Ligados a cena do jazz M-Base de Nova York e a nomes ultramodernos como Ryuichi Sakamoto, Laurie Anderson, John Zorn e Brian Eno, Arto e Peter edificam a melhor e mais bem acabada produção da discografia de Caetano até então, algo que o músico não só repetiria a dose (“Circuladô”, de 1991) como serviria de base para revolucionar a música brasileira do início dos anos 90 inaugurando-lhe um novo padrão produtivo, a se ver por trabalhos marcantes como “Mais” e “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão" (1992 e 1994), ambos de Marisa Monte, “The Hips of Tradition”, de Tom Zé (1992), e “Alfagamabetizado”, de Carlinhos Brown (1996).
Na sequência de “O Estrangeiro” vem o lindo pop afoxé “Rai das Cores”, que evoca as colorações sonoras tanto da canção-irmã “Trem das Cores”, composta por Caetano em 1982 para “Cores Nomes”, quanto outra ainda mais antiga: “Beira-Mar”, em parceria com Gil e gravada por este em seu primeiro disco, de 1966. A reiteração do “azul” como símbolo de beleza e pureza (“Para o fogo: azul/ Para o fumo: azul/ Para a pedra: azul/ Para tudo: azul”) dialoga com os belos versos finais da balada cantada em ritmo de bossa-nova pelo parceiro: “É por isso que é o azul/ Cor de minha devoção/ Não qualquer azul, azul/ De qualquer céu, qualquer dia/ O azul de qualquer poesia/ De samba tirado em vão/ É o azul que a gente fita/ No azul do mar da Bahia/ É a cor que lá principia/ E que habita em meu coração”. Já “Branquinha”, esta, aí sim, deixa de lado modos mais modernos para voltar à bossa-nova a qual Caetano nunca se desligou homenageando com graciosidade a então recente esposa Paula Lavigne, ainda hoje companheira e com quem ele teria dois filhos, Zeca e Tom, ambos músicos como o pai. Quão lindos, sensuais e apaixonados estes versos: “Branquinha/ Carioca de luz própria, luz/ Só minha/ Quando todos os seus rosas nus/ Todinha/ Carnação da canção que compus/ Quem conduz/ Vem, seduz”. E, mais uma vez ciente do deslocamento no mundo, ele diz: “Vou contra a via, canto contra a melodia/ Nado contra a maré”.
Mais um grande momento de “O Estrangeiro”: “Os Outros Românticos”. Samba-reggae potente, a música discute os conceitos de modernidade e racionalidade propostos no livro “O Mundo Desde o Fim” do não apenas compositor, poeta e parceiro Antonio Cícero, mas também filósofo. Além disso, traz os teclados firmes de Peter, as guitarras abrasivas de Arto e a sonoridade dos tambores afro de Salvador, que tanto começavam a fazer sucesso àquele final de anos 80 com a Olodum e a qual o próprio Caetano se valeria bastantemente dali para adiante, como em “Haiti” (“Tropicália 2”, 1993), “Luz de Tieta” (trilha sonora de “Tieta do Agreste”, 1997), “Alexandre” (“Livro”, 1997) e “Ó Paí Ó” (trilha do filme, 2007). Afora isso, a letra, análise sociopolítica contundente com referência ao olhar “universal” do cineasta alemão Win Wenders em “Asas do Desejo” (“Anjo sobre Berlim”), é daquelas altamente poéticas de Caetano: “Eram os outros românticos, no escuro/ Cultuavam outra idade média, situada no futuro/ Não no passado/ Sendo incapazes de acompanhar/ A baba Babel de economias/ As mil teorias da economia”. Para emendar com “Os Outros...”, a ainda mais internacional “Jasper”, parceria de Caetano com seus produtores. Outro ponto alto do disco, afora a brilhante melodia de ares eletro-funk e afro-brasileiros, traz por trás do inglês do cantor belos versos como: “Tempo é tão leve como a água”.
Ainda mais autorreferente, a segunda parte do álbum começa com a tocante “Este Amor”, que se pode classificar como a “Drão” de Caetano. Assim como a clássica canção de Gil dedicada à antiga esposa quando da separação dos dois, em “Este Amor” Caê versa para Dedé Gadelha, com quem vivera quase 20 anos e tivera Moreno, outro talentoso músico, espelhando-a dentro do disco com a anterior “Branquinha”, feita para a atual mulher. Ao contrário da balada melancólica de Gil, no entanto, a de Caetano é um afoxé suavemente ritmado e um canto sereno de um homem maduro, entrando nos 50 anos, capaz de olhar para trás e enxergar sem mágoa a beleza do que se viveu. “Se alguém pudesse erguer/ O seu Gilgal em Bethania... Que anjo exterminador tem como guia o deste amor?”.
Assim, espelhando-se mais uma vez na família de sangue e de vida, o disco prossegue com “Outro Retrato”. Se fez presentes Gal Costa, a irmã Maria Bethânia e Gil – também oitentão como ele em 2022 –, Caetano agora retraz a sua maior devoção: João Gilberto. Em ritmo caribenho, a música diz: “Minha música vem da música da poesia/ De um poeta João que não gosta de música/ Minha poesia vem da poesia da música/ De um João músico que não gosta de poesia”. Traços do arranjo de “Outro...” inspirariam canções futuras, como “Neide Candolina” e “"How Beautiful a Being Could Be", como os contracantos e a pegada pop sobre o ritmo latino. É o mesmo João que evoca, mas aqui junto de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em “Etc.”, melancólica e romântica como os primeiros sambas da parceria clássica da bossa nova.
Caetano acompanhado de Brown e Moreno na turnê de "Estrangeiro", em 1989 |
Para desfechar, Caetano vai buscar, enfim, a própria mitologia. O poeta retorna ao seu âmago, à sua origem, às suas reminiscências da infância em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, onde nasceu, com a brejeira “Genipapo Absoluto”. No livro “Sobre as Letras” (2003), Caetano diz que um dado da letra que lhe emociona é que essa canção fala de sua identificação com o pai (“Onde e quando é jenipapo absoluto?/ Meu pai, seu tanino, seu mel”). Mas declara, em seguida: “minha mãe é minha voz”. Quando canta os versos “Que hoje sim, gera sóis, dói em dós”, inclusive, ele o faz imitando a de Dona Canô. E outro tocante refrão: “Cantar é mais do que lembrar/ É mais do que ter tido aquilo então/ Mais do que viver, do que sonhar/ É ter o coração daquilo”. Ao citar a irmã Mabel em certo momento, também é possível fazer ligação com outra antiga melodia sua: “Alguém Cantando”, do disco “Bicho”, de 1977, igualmente uma faixa de encerramento e cuja voz, literalmente, não é a sua, mas da outra irmã do compositor, Nicinha.