"É melhor queimar do que desaparecer aos poucos"
trecho da carta de suicídio
deixada por Kurt Cobain,
citando trecho da música
“Hey, Hey, My, My” de Neil
Young
Um verdadeiro réquiem montado por aquele próprio que viria a
morrer. Um funeral em vida cuidadosamente preparado com castiçais, velas,
flores, lustres e palavras finais. Assim foi o acústico do Nirvana
para a MTV americana, o melhor dos especiais neste formato realizado pela emissora.
Os acústicos como ficaram conhecidas estas apresentações
exclusivas para o canal Music Television, começaram num formato bem intimista,
meio luau, com as bandas ou artistas num banquinho, com instrumentos simples,
de uso corriqueiro, algum complemento percussivo mais original ou elaborado,
mas na maioria das vezes, num clima bem aconchegante e descontraído. Com o
sucesso dos eventos, que passaram a render discos e DVD’s das apresentações, a
coisa foi mudando e ficando mais chata e pomposa: artistas levavam orquestras
inteiras, criavam versões com instrumentos rebuscadíssimos, levavam os shows
para teatros grandes, deturpavam as próprias canções, contavam com a
participação de inúmeros convidados e o acústico, aquela coisa, voz, violão,
viola, chocalhos, baterias discretas e tudo mais que fizesse soar simpático,
foi ficando pra trás.
O Nirvana, convidado a fazer o seu especial, além da
‘decoração’ já mencionada, que se por um lado poderia parecer mórbida,
inegavelmente era aconchegante e convidativa, recuperava também essa idéia de
tocar com os amigos e sentados em almofadas no chão, em banquinhos baixos,
empunhando nada mais que violões, com o baterista David Grohl na retaguarda,
trazendo uma bateria tradicional, mas sem abusar da intensidade; fazia o
acústico definitivo e o imortalizava transformando-o no álbum “MTV Unplugged in New York”, que
viria a ser o último registro oficial da banda, numa espécie de testamento
musical de Kurt Cobain, que viria a suicidar-se dali há alguns meses.
Provavelmente já de caso pensado sobre o que faria, Kurt
Cobain, tratou de dar seus últimos recados e desfilar toda a angústia que
perturbava seu coração em interpretações sentidas como em “About a Girl”, “Pennyroyal
Tea” e “Dumb”.
Canções como “Polly”, “Something in the Way” e “All
Apologies” que por sua característica original, mostravam-se propícias para uma
versão acústica, ficaram perfeitas, tendo estas duas última recebido acréscimo
de violoncelo como nas versões originais. A simpática "Jesus Doesn't
Want Me for a Sunbeam", dos Vaselines por sua vez tem um adorável
acordeão e na cover de David
Bowie, “The Man Who Sold the World”, Kurt dribla o formato acústico e põe
um pequeno amplificador para reinterpretar o clássico, numa versão talvez melhor que a original.
A propósito de covers, o trio de Seattle mandou ver em três versões de
canções dos Meat Puppets em sequência, acompanhados pelos próprios intergrantes
da banda que serviram de apoio para o Nirvana
no acústico: a ótima “Plateau” de acorde minimalista; a boa “Oh Me”; e a forte “Lake
of Fire” com grande interpretação de Kurt Cobain.
Encerrariam então com outra cover e outra grande performance
de seu vocalista, “Where Did You Sleep Last Night”, blues tradicional de
autoria de Leadbelly, que exprimia muito do que Kurt provavelmente sentia a
respeito de sua relação com Courtney Love naquele momento e por isso mesmo, a cantaria
de uma maneira absolutamente intensa, envolvida, sentida, num momento tão
emocionante que não podia deixar de ser o final do especial acústico. Um final
monumental.
A canção final.
O final de tudo...
Infelizmente poucos meses depois da gravação do especial
Kurt Cobain se suicidaria e deixaria esta lacuna no cenário do rock, tendo sido
dele seu último grande nome.
Mas se neste acústico sua intenção havia sido mostrar o
quanto seu coração e sua alma estavam consumidos com seu repertório
cuidadosamente escolhido e suas interpretações sofridas, ele pode ter certeza
que os fãs perceberam isso em cada verso, em cada expressão, em cada grito de
dor; e se mais do que isso, foi sua idéia planejar as próprias exéquias públicas,
ficaremos para sempre com a imagem do acústico como sua despedida.
Assim sendo, tudo o que resta a dizer é descanse em paz, Kurt. Descanse em paz.
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FAIXAS:
- "About a Girl" - 3:37
- "Come As You Are" - 4:13
- "Jesus Doesn't Want Me for a Sunbeam" (Kelly/McKee; cover dos Vaselines) - 4:37
- "The Man Who Sold The World" (cover de David Bowie) - 4:20
- "Pennyroyal Tea" - 3:40
- "Dumb" - 2:52
- "Polly" - 3:16
- "On a Plain" - 3:44
- "Something In The Way" - 4:01
- "Plateau" (Kirkwood; cover dos Meat Puppets) - 3:38
- "Oh, Me" (Kirkwood; cover dos Meat Puppets) - 3:26
- "Lake of Fire" (Kirkwood; cover dos Meat Puppets) - 2:55
- "All Apologies" - 4:23
- "Where Did You Sleep Last Night" (cover de Leadbelly) - 5:08
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Ouça:
Cly Reis
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