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segunda-feira, 16 de maio de 2011

My Bloody Valentine - "Loveless" (1991)


O Disco Que Eu Levaria Para Uma Ilha Deserta

"Muitos dos samples eram de feedbacks. Nós aprendemos que do feedback da guitarra, com muita distorção, que você pode fazer qualquer instrumento, qualquer um que você possa imaginar."
Kevin Shields



- Não interessa, só pode escolher um.
- Só um? Uns dez que seja. Pra ter mais variedade, mais opções...
- Só um.
- Então...então..., vai o "Loveless" do My Bloody Valentine.
Este hipotético diálogo não seria muito diferente do real se, algum dia por alguma circunstância qualquer, um incêndio, uma enchente, um terremoto, um roubo, uma divisão de bens, um exílio, fosse obrigado ter que apenas escolher UM álbum na minha discoteca para levar comigo para qualquer lugar, para uma ilha deserta, por exemplo. Não que seja o melhor CD que tenho, se fosse por isso o por exemplo "Let It Bleed" estaria à frente; não que seja a banda que mais gosto, se prevalecesse este critério provavelmente Cure e Smiths teriam prioridade, mas o "Loveless" é um daqueles discos que poderia-se chamar um xodó. Mas não um xodó injustificável, daqueles que a gente sabe que é ruim, não contraria o fato, mas morre abraçado com ele, por qualquer motivo que... só Deus sabe. Não, é um álbum absolutamente prazeroso de se ouvir, com seu harmonioso e cativante ruído que constrói a todo tempo inusitadas sinfonias. Além do mais, este disco do My Bloody Valentine é um dos melhores, mais significativos e influentes das últimas décadas e a banda é uma das mais cultuadas e respeitadas no universo underground mesmo com uma discografia rigorosamente pequena.
Com inegáveis influências do noise-rock, caracteristico de bandas como Sonic Youth, por exemplo, do gótico dos '80 e de bandas como Jesus and Mary Chain , o MBV conseguiu em apenas dois álbuns incorporar novas características a estes estilos, praticamente reinventando-os, conferindo-lhe então uma assinatura própria de tal forma original que tornam o som da banda absolutamente peculiar e inconfundível.
"Loveless" o segundo álbum da banda é avanço em relação ao bom "Isn't Anything", seu trabalho de estreia, agregando às distorções, aos efeitos, aos ruídos e à criatividade do cérebro da banda, Kevin Shields, mais vocais femininos de Belinda Butcher, arranjos mais melodiosos e muito mais ousadia nas experimentações.
"Only Shalow", a primeira do disco, é daquelas coisas que a gente mal acredita que esteja ouvindo algo daquele tipo: depois de uma introdução com uma tempestade de guitarras e distorções, que poderia fazer supor algo enérgico, violento, inaudível; tudo desemboca numa canção cantada suave e melodiosamente por uma doce voz feminina, até voltar, a cada 'refrão', a maravilhosas e improváveis explosões sonoras .
"Loomer", que a segue é cheia, concentrada e suavemente barulhenta; "Touched", a terceira, é uma pequena sinfonia 'desafinada' com a rotação alterada que provoca algum descons(c)erto de sentidos no ouvinte. Uma mistura de sensações de belo e bizarro, de harmônico e desrítmico, de clássico e contemporâneo.
A segue a fantástica "To Here Knows When", lindíssima a seu modo; uma cortina sonora que vai se dissipando aos poucos até ficar praticamente dissolvida, restando ao final apenas uma tênue conexão que ainda possa identificá-la em meio à névoa sonora que se transforma.
"When You Sleep" é outra grandiosa, com outro inusitado e indefinível riff conseguido por Kevin Shields em suas muitas experimentações de estúdio.
 A lindíssima "I Only Said" já introduz com uma emocionante 'explosão estrelar' que conduz a uma base fantástica que de certa forma, cheia de guitarras, efeitos, samples e tudo mais, lembra uma orquestra de violinos, e os violinos de Kevin Shields são suas guitarras, suas distorções, seus efeitos.
"Come in Alone" é forte, completa e funciona como um catalisador de elementos; "Sometimes" é doce e agradável; "Blown a Wish" apenas compõe bem; "What You Want" é acelerada, empolgante e numa passagem mágica, quase que vacilante, introduz às baterias sampleadas da fantástica "Soon", uma joia cheia de efeitos de marcação, ruídos de fundo e incríveis guitarras que sobrevoam uma base ritmada e carregada de peso e beleza, tudo isso sob a maviosa voz de Belinda Butcher que quase desaparece em meio ao barulho. Num final absolutamente emocionante e épico, "Soon" atinge um clímax sonoro, um êxtase instrumental até praticamente se apagar, se desvanecer, com uma guitarra ao fundo ainda tentando sobreviver  ao final inevitável. Um encerramento digno de um disco como este!
Um dos meus preferidos da discoteca, um dos meus xodós da coleção, um dos discos mais cultuados, um dos melhores discos dos anos 90 e um dos grandes da história do rock. Por todas estas razões, pelas sensações que causa, por toda essa estranha beleza, "Loveless" passaria à frente de discos mais completos, mais perfeitos, mais clássicos, mais geniais talvez e seria o disco que eu, se por uma inevitável e cruel escolha tivesse que optar, levaria para uma ilha deserta.
Mas aí penso no meu "Trans-Europe Express", no meu "Gil e Jorge", no meu "Aftermath" e lembro que felizmente, trata-se apenas de um exemplo, de uma hipótese absurda e totalmente improvável, e posso ir curtindo todos os outros também.
Ufa!

FAIXAS:
1."Only Shallow" (Butcher, Shields) - 4:17
2."Loomer" (Butcher, Shields) - 2:38
3."Touched" ( Colm Ó Cíosóig ) – 0:56
4."To Here Knows When" (Butcher, Shields) - 5:31
5."When You Sleep" - 4:11
6."I Only Said" – 5:34
7."Come in Alone" – 3:58
8."Sometimes" – 5:19
9."Blown a Wish" (Butcher, Shields) - 3:36
10."What You Want" - 5:33
11."Soon" – 6:58



********************
Baixe e ouça:
My Bloody Valentine Loveless

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

"Dia dos Namorados Macabro", de George Mihalka (1981) vs. "Dia dos Namorados Macabro", de Patrick Lussier (2009)


Essa coisa de dia dos namorados em junho é só aqui no Brasil, mesmo. Em grande parte dos outros países do mundo, a data dos apaixonados é comemorada em 14 de fevereiro, dia de São Valentin, padroeiro do amor. Como foi tendência no final dos anos 70 e início dos 80, os norte-americanos resolveram fazer filmes de terror para diversas datas comemorativas, "Halloween" (1978), "Réveillon Macabro" (1980), 'Aniversário Macabro" (1981), "Natal Sangrento" (1984), entre outros. O dia dos apaixonados não poderia ficar de fora e para 'celebrar' a data, em 1981, o slasher "Dia dos Namorados Macabro" foi lançado. Extremamente sangrento e com mortes cruéis e chocantes, o longa canadense sofreu com os departamentos de controle chegando ao público mais retalhado que as vítimas do próprio filme. Muito mais 'leve' e palatável na versão que foi aos cinemas, acabou, então, por não agradar os verdadeiros fãs do gênero e, desta forma, não gozando do mesmo respeito que alguns de seus similares, como um "Sexta-feira 13", por exemplo. Mas mesmo assim, "Dia dos Namorados Macabro" ou "My  Bloody Valentine" mantém um certo status de cult do gênero.

Levando em consideração todas as restrições sofridas pela produção em sua época, e diante de um cenário atual mais livre, com muito mais recursos tecnológicos e tantas produções que não aliviam na violência gráfica, era mais que justo que "My Bloody Valentine" ganhasse um remake com tudo o que tinha direito e que lhe fora negado lá atrás. O remake aconteceu e não decepcionou! Nos deu sangue, crueldade, grafismo, criatividade nas execuções. 

Parece que teremos então no confronto original versus remake uma vitória fácil da nova versão...

 Engano! 

Como aquele time que está  desfalcado, que parece que não terá seus melhores jogadores, mas, momentos antes do jogo, anuncia que terá todo mundo à disposição, o time de 1982, com sua versão uncut, com todas as mortes, sem filtro, sem tarjas, sem desfoque, liberada há pouco tempo atrás, foi pro jogo em igualdade de condições. E aí, ó... tem jogo.

No filme original, depois de uma acidente, quando trabalhadores foram esquecidos numa mina por irresponsabilidade de seus supervisores, mais interessados em ir ao baile do Dia dos Namorados do que em conferir se todos já haviam deixado o local, o único sobrevivente resgatado dos escombros, Harry Warden, fugido de um hospital, um a o depois na mesma data, comete uma série de assassinatos como vingança por o terem deixado para morrer na mina, e por, mesmo em fã e ao acontecido com ele e seus colegas, no ano anterior, ousarem voltar a realizar o baile. Harry é apanhado, preso, mas, aí, sim, com as as novas mortes, todo o trauma da primeira tragédia, a 'sombra' de Harry e tudo mais, o baile passa a não ser mais celebrado na cidadezinha. As coisas ficam assim por 20 anos quando, sentindo que as coisas foram superadas, o prefeito e os habitantes da pequena Hanniger decidem voltar a fazer a festa do dia dos namorados.

Só que às voltas com o surgimento de novos cadáveres e corações humanos em caixas de bombom, acompanhados de macabros bilhetinhos ameaçadores exigindo a não realização dos festejos, o que sugeriria que Harry poderia estar de volta, o prefeito cancela o baile. Sem, no entanto revelar os verdadeiros motivos da decisão, de modo a não causar pânico generalizado, a garotada não totalmente convencida das razões do cancelamento e com tudo pronto para a festa, decide seguir com o plano do baile assim mesmo, por conta própria. E onde seria bom, uma vez que o prefeito fechou o salão da cidade? Na mina, é claro! Ah! Era tudo que o assassino queria! Lá o matador faz a sua festa, enquanto, na área urbana da cidade, o xerife recebe novas pistas e esclarecimentos sobre o paradeiro de Harry em relação ao hospital  psiquiátrico onde se encontrava.

Embora basicamente na mesma tônica, a nova versão tem algumas diferenças: depois de sermos brevemente informados, ainda nos créditos iniciais, com manchetes de jornais, sobre os acontecimentos e desdobramentos sobre uma tragédia ocorrida numa mina na cidade de Harmony, na qual vários operários morreram numa explosão provocada por negligência, o único sobrevivente, Harry Warden, desperta do coma com uma fúria incontrolável e, ainda no hospital, nos oferece um banho de sangue brutal, tomando rumo em seguida à mina para se vingar dos que causaram a tragédia., pois a rapaziada da cidade está toda por lá curtindo e tomando umas cervejas.

Na mina, Harry encontra a rapaziada da cidade que está por lá curtindo e tomando umas cervejas e então continua sua jornada de selvageria vingativa. Trucida vários jovens com sua picareta, mas é contido por um dos rapazes e é baleado pela polícia que chegara ao local, fugindo seriamente ferido.

10 anos depois, a cidade tenta voltar ao normal. O xerife da época do massacre se aposentou, Axel, um dos jovens sobreviventes de Harry, virou xerife, o antigo dono da mineradora faleceu, seu herdeiro, Tom, voltou à cidade para se desfazer do negócio, e Sarah, sua ex-namorada, outra que escapou do maníaco, casou exatamente com o novo xerife. Mas o retorno de Tom coincide exatamente com novos assassinatos e deste modo, o herdeiro ausente da cidade por tanto tempo, passa a ser um dos principais suspeitos dos crimes. No entanto, os novos crimes têm a assinatura de Harry: caixas de bombom com um coração humano em seu interior, o que volta a levantar a dúvida se o psicopata teria realmente morrido no tiroteio na mina, dez anos antes.

Se por um lado, o remake tem a vantagem de nos apresentar mais suspeitos em potencial, principalmente, Tom, o filho pródigo da cidade, Axel, o xerife enciumado da esposa, a hipótese da possível sobrevivência de Harry, ou ainda, mais remotamente, de seu retorno sobrenatural, desperdiça toda uma boa trama com um desfecho um tanto... desapontador, cheio de clichês dispensáveis. Mas, mesmo assim, com alguns defeitos, conseguiu o mais importante que era encarar o original de igual para igual. Mas será que foi suficiente para desbancar um clássico?

Saberemos...

"Dia dos Namorados Macabro" (1981) - trailer


"Dia dos Namorados Macabro" (2009) - trailer


Os dois times começam o jogo a mil por hora: se no original temos a cena inicial pré-créditos, dentro da mina, com uma garota sendo pendurada numa picareta cravada na parede, na refilmagem, com alguns minutos a mais, temos o cenário de açougue do hospital na fuga de Harry, com tripas, mutilações e um banho de sangue. 1x1 rapidinho, em menos de cinco minutos.

O original tem o componente do baile que, na minha opinião colabora para o roteiro como um elemento simbólico marcante da recuperação emocional da cidade, item que o segundo filme praticamente ignora. Gol do filme de 1981! Em compensação a trama da nova versão é levemente mais complexa, tem mais subdesdobramentos, apresenta mais alternativas, sugere mais suspeitos e isso lhe dá uma certa vantagem sobre seu antecessor. Gol do time de 2009! 2x2, no placar.

Embora ambos tenham cenas importantes na mina, o primeiro explora melhor o ambiente: o subterrâneo, a escuridão, corredores estreitos, a sensação labiríntica, claustrofóbica, carrinhos de carga em trilhos como um trem fantasma... E tem as ferramentas (picareta, martelo, pá), assassino com máscara (de minerador), muitos jovens, nudez... Tudo muito slasher oitentista. Ah, isso é gol do time dos '80's. 3x2!

A garota pendurada no chuveiro, no vestiário da mina.
Uma das boas mortes do filme de 1981

O remake até é mais gráfico, tem uma parte técnica melhor, tem mais sangue jorrando, mas ambos os filmes têm mortes excelentes e o original, cujas cenas mais fortes só foram vistas na íntegra agora na versão integral, não fica devendo em nada ao novo no que diz respeito à maquiagem e efeitos visuais. O primeiro tem a morte da senhorinha organizadora do baile torrada na lavanderia, a do dono do bar com a picareta atravessada na cabeça arrancando um dos olhos, a do garoto com a cabeça mergulhada na panela fervente com salsichas, a do mineiro alvejado com a pistola de pregos na cabeça, e especialmente a da garota pendurada pela cabeça no chuveiro com água jorrando pela boca. Muita qualidade de execução, tranquilidade na cara do gol, frieza. 4x2 para MBV original. 

Uma pá pra alargar o sorriso da menina.
Provavelmente, a melhor morte do remake e uma das grandes
dos filmes slasher

A favor do time de 2009, além de refazer com competência, respeito e reverência (e mais sangue) algumas das mortes, como a da máquina de lavar e a da picareta no olho, nos brinda com a espetacular cena da pá na boca da garota, partindo a cabeça em duas e fazendo a parte superior deslizar pela superfície da ferramenta. Gol de quem conhece do ofício. Gol de matador! E o time de 2009 diminui: 4x3.

Um charme do filme de 1981, que até está presente na nova versão mas que não tem a mesma ênfase são os bilhetinhos do nosso assassino dentro das caixas de coração (com coração), característica típica da festa de São Valentin, explorado aqui como advertências do matador para que não se leve adiante a ideia do baile, em versinhos nada carinhosos. Gol do filme original e o nosso matador sai fazendo coraçãozinho com as mãos para torcida. 5x3

O time do século XXI tenta um recurso típico de sua época para empatar o jogo mas não surte o efeito esperado. Concebido para 3D nos cinemas, o novo MBV tem muita coisa "jogada" na tela como a picareta voando em direção ao espectador, a bala saindo do revólver, o olho saltando da cabeça, o que a meu ver ao invés de se caracterizar em algo positivo, conferiu uma certa artificialidade e uma forçação em algumas cenas que só são filmadas de determinada maneira, de determinada posição, para favorecer o efeito e, no fim das contas, não jogam muito a favor. 

E o placar fica assim. O time de 2009 faz bonito, enfrenta o original de cabeça erguida mas com o time de1981 completo, é difícil competir. Lamento,... aqui é mata-mata e só um pode sobreviver na competição.

No alto, os dois assassinos da mina, praticamente iguais,
à esquerda o original e à direita o da refilmagem.
Abaixo, seu tradicional 'presentinho' de Dia dos Namorados.
Vai um docinho aí?

"Dia dos Namorados Macabro 3D" bem que tentou, botou o coração na ponta da chuteira, mas não contava com a escalação do "Dia dos Namorados Macabro" '81, que jogando completo, conhece o mapa da mina.

E a torcida grita, "Uh, eô, o Harry é matador!"
(Mas será que é ele mesmo?)
 




por Cly Reis

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Th’ Faith Healers - "Lido" (1992)

 

"Eu estava dirigindo para o meu trabalho estúpido e me vi preso em um engarrafamento gigantesco na estrada. De repente, algo novo flutuou sobre as ondas do rádio... um vocal feminino rosnado e sensual serpenteando em uma batida thumpa-thumpa... furtivo, legal... De repente a coisa toda se tornou selvagem. A cantora sibilou entre os dentes, as guitarras (soavam como 50 delas) gaguejavam e cuspiam, e a maldita coisa toda entrou em hiperdrive. A tempestade se estabeleceu em um ritmo pesado, hipnótico e caótico ao mesmo tempo, a música se agitou e se agitou e só terminou quando caiu no chão com um estrondo. Meu trabalho (e o resto do dia), desnecessário dizer, empalideceu em comparação com esse ataque auditivo. Totalmente perfeito... Eu estava apaixonado."
Dave Ehrlich, músico e produtor


A música é das poucas coisas nesse mundo capazes de me provocar paixões arrebatadoras. E que podem acontecer a qualquer momento. Se ainda é assim comigo hoje com todos os recursos e facilidades que a internet traz, imagine-se antigamente, antes da era digital, quando muita coisa era de difícil acesso, se não, impossível. Tudo era mais complicado e mágico. Podia estar a qualquer lance no rádio, na tevê, nas revistas, nos sebos, na discoteca de amigos e familiares. Pois houve um tempo, nos anos 90, em que um desses locais de pesquisa e reconhecimento eram as locadoras de CD’s. A pouca grana que dispunha de mesada ou estágios mal remunerados era boa parte reservada a gravar em K7 as coisas que vasculhava nas prateleiras das locadoras reforçando antigas paixões e descobrindo novas. Numa dessas ocasiões, lá pelos idos de 1994, uma se revelou para mim. 

Logo que entrei na loja, num início de tarde de um sábado, notei que estava rodando, como sempre faziam, algo interessante, mas que não conhecia. Aliás, não conhecia, mas reconhecia ali elementos que me agradavam muito. Rock alternativo forjado nas guitarras distorcidas, base de baixo bem pronunciada, vozes masculina e feminina se intercalando, bateria forte marcando um ritmo pulsante. Algo entre o indie, o shoegaze, o dream pop, o college, o experimental e o noise rock. Era atmosférico, ruidoso, visceral, melodioso... Lembrava muito Sonic Youth, mas não era, isso eu tinha certeza. Havia algo de Lush, de My Bloody Valentine, de Pixies, mas também dava para ver que não era nenhum deles. De boas, o rapaz da loja me sanou a dúvida: “é este CD aqui”. A capa em si me chamou atenção: uma foto vintage de um camping e as letras em fonte de máquina de escrever, tipo Courier New, escrito apenas o nome do disco e da banda cujo artigo “Os” (“The”), vinha sem a letra “e”: apenas “Th". Era um detalhe, mas muito esquisito e interessante. Tudo aquilo, som, estilo, atmosfera, me cativaram imediatamente. Pronto: paixão. Deu tempo de escolher algum outro disco para levar, mas, claro, não poderia deixar de adicionar à minha sacola também “Lido”, aquele álbum do grupo de rock alternativo londrino ao qual acabava de conhecer Th’ Faith Healers, formado por Roxanne Stephen e Tom Cullinan, nos vocais e guitarras; Ben Hopkin, baixo, e Joe Dilworth, bateria.

Como grandes bandas do underground dos anos 90, a Th’ Faith Healers, tal a Whale, a The La’s e a brasileira 3 Hombres, tem uma carreira curtíssima, mas totalmente assertiva. Tanto que talvez goste até mais do segundo e último disco de estúdio deles, “Imaginary Friend”, de 1994, o qual me motivou, inclusive, a concepção de um conto literário, “Heart Fog”, baseada na música homônima, presente na antologia “Conte uma Canção – Vol. 2”, publicada em 2016 pela Multifoco. Mas “Lido”, além de estar completando 30 anos de seu obscuro lançamento, lá nos idos de 1992, guarda consigo a primazia de ser o trabalho inaugural da banda e o que me fez descobri-la. Além de, claro, merecer estar nesta lista de fundamentais, inclusive já tendo sido responsável pelo primeiro nome do Clyblog, que se chamou por um breve espaço de tempo, em 2008, pelo nome da sua última faixa, a apoteótica “Spin ½”, uma minissinfonia de guitarras altamente distorcidas de quase 10 minutos com samples que sobrevoam, batida cadenciada e loopada a e voz de Roxanne cantarolando um único verso: “Into the sea you must be in the water”. Hipnótica, sensual, inebriante, caótica, tempestuosa, onírica, algo hinduísta. Uma oração ruidosa e barulhenta de um dos melhores finais de discos do rock de todos os tempos, sem exagero.

Mas voltemos ao começo com a música que me fez vidrar na Faith Healers logo que os escutei: “This Time”. Exemplar no que se refere ao estilo da banda, tem letra curta, geralmente repetida várias vezes (“Let's do it, whereby/ this time, you die/ if not, quite soon/ maybe by this afternoon”), como um mantra nas vozes em uníssono de Roxanne e Cullinan, sobre uma massa de ruídos eletrificados. O minimalismo abre espaço para o experimentalismo e, principalmente, as melodias muito bem criadas pela banda. Pode ser um riff simples, repetido, dissonante, mas invariavelmente muito inspirado, de quem sabe o que está fazendo e explora suas bagagens musicais.

Bem produzidos por eles próprios, os Faith Healers exploram ao máximo na faixa "A Word of Advice" os detalhes do som metalizado das guitarras, enquanto as vozes, despretensiosas, cantam sem muito alarde. Isso, até a música explodir no refrão em barulho. A mixagem orgânica da gravação, sensível a qualquer ruído, dá a sensação de uma banda tocando ao vivo, inclusive na captação dos "defeitos", como o do som de um nariz aspirando o ar, o que lembra o conceito de produção de Flood para PJ Harvey em “To Bring you my Love”, de três anos mais tarde. Parecido com este trabalho de PJ também é “Hippie Hole”. Pós-punk com umas quebradas funkeadas, traz essa fórmula sintética infalível da Faith encapsulada por uma timbrística cirurgicamente suja. Nela, aliás, Roxanne canta com fúria, com o microfone rascante, longe da sutileza desafetada do começo.

Com subidas e descidas (ao paraíso da melodia e ao inferno do barulho), “Don’t Jones Me” retraz a letra sucinta que mais serve de cama para o rock livre da Faith, espécie de Can dos anos 80. Aliás, o clima é bastante parecido com esta e outras bandas da kratrock alemã, como a Neu! e a Harmonia. Não à toa eles versam a clássica alternativa “Mother Sky” da Can, a qual ouvi com os ingleses primeiro. Embora a original seja incomparável, até pela ousadia visionária dos alemães, a leitura da Faith Healers é daquelas que não deixam a desejar. Coisa de banda realmente identificada com seus ídolos, como a Living Colour fez para com “Memories Can’t Wait”, da Talking Heads, ou a Nirvana com “The Man Who Sold the World”, de David Bowie.

“Repetile Smile” e “Moona-Ina-Joona”, na sequência uma da outra, têm riffs tão consistentes quanto improváveis. Ninguém, não fosse uma banda forjada na sonoridade atípica do shoegaze e com referências muito próprias, ousaria criar. Que sonzeira! Se em “Moona...” valem-se do uníssono infalível de “This Time” e "A Word...”, em “Repetile...” é a voz sensual e cativante de Roxanne que prevalece. Ela sabe que não é uma grande cantora. Mas quem disse que é esta a intenção? Aliás, é justamente esta postura insolente roqueira que faz com que ela passeie naturalmente por diferentes formas de cantar com um lirismo espontâneo e encantador. É isso que se vê na balada "It's Easy Being You", a mais “calma” do disco (embora também não se contenham em adicionar guitarras pesadas bem ao final): um timbre jovem e solar. Porém, já na rascante “Love Song”, que de balada romântica só tem o nome, ela vai do doce à sujidade. Principalmente no refrão, quando sua garganta faz soltar gritos carregados de tesão e lamento.

Quando conheci a Th’ Faith Healers, Sonic Youth, Pixies, My Bloody Valentine, Lush, The Breeders e muitas outras bandas já eram realidade para os meus ouvidos. Tanto que ouvi-los não foi uma novidade e, sim, um reconhecimento. Neles eu ouvia todas essas bandas e conseguia entender com mais acuidade aquilo que a Velvet Underground propunha 30 anos antes – inclusive, nas dobradinhas das vozes de Cale e Reed com a de Moe Tucker. Com a Th’ Faith Healers eu descortinaria a Can, tão fundamental para o rock moderno. E descobri depois, que não fui apenas eu que me surpreendi com a Th’ Faith Healers na primeira vez que os escutei, bem como que havia uma legião de fãs escondida nos subterrâneos da internet com relatos muito parecidos com o meu. Mas o mais importante foi a descoberta de que, para mim, a Th’ Faith Healers era a banda que eu sempre gostei, mas não sabia ainda. Era como se eles já estivessem na minha vida desde sempre: bastava apenas que eu me deparasse com aquele CD rodando na locadora para que este laço nunca mais se desfizesse.

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FAIXAS:
1. "This Time" (Tom Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:09
2. "A Word of Advice" - 06:22
3. "Hippy Hole" - 03:20
4. "Don't Jones Me" - 06:18
5. "Reptile Smile" (Th' Faith Healers) - 04:57
6. "Moona-Ina-Joona" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 03:14
7. "Love Song" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:38
8. "Mother Sky" (Holger Czukay/ Michael Karoli/ Jaki Liebezeit/ Irmin Schmidt/ Damo Suzuki) - 04:17
9. "It's Easy Being You" - 02:12
10. "Spin 1/2" - 09:34
Todas as composições de autoria de Tom Cullinan, exceto indicadas


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Daniel Rodrigues

quinta-feira, 25 de julho de 2013

As 20 Melhores Músicas de Rock dos Anos 90

Terá sido "Smells Like Teen Spirit"
a melhor música dos anos 90?
Reouvindo uma das músicas que mais gosto do Nirvana, ocorreu-me: que outras canções de rock da década de 90 competiriam com ela? Já havia me batido essa curiosidade ao escutar outras obras da mesma época, mas desta vez a proposição veio com maior clareza de resolução. A música referida é “Serve the Servants”, que Cobain e cia. gravaram no último disco de estúdio da banda antes da morte do compositor e vocalista, o memorável “In Utero”, de 1993. Aí, interessou-me ainda mais quando percebi que o mesmo grupo, referência do período, encabeçaria a seleção. Pus-me, então, à gostosa prática de inventar uma lista: quais os 20 maiores sons de rock ‘n’ roll dos anos 90? Como critério, estabeleci que valem só composições escritas na década mesmo e sem produções contemporâneas de roqueiros veteranos, como Iggy Pop (“To Belong” podia tranquilamente vigorar aqui), The Cure (“Fascination Street”, que desbancaria várias) ou Jesus and Mary Chain (“Reverance”, como diz a própria letra, matadora). Quanto menos competir com versões definitivas para músicas mais antigas, como a de Johnny Cash para “Personal Jesus”, do Depeche Mode, ou a brilhante “The Man Who Sold the World” de David Bowie pelo Nirvana, em seu "MTV Unplugged in New York" .
Esta lista vem se juntar com outras que o clyblog  já propôs aqui (inclusive, a uma não de músicas, mas de álbuns dos anos 90) e que, como qualquer listagem que lida com gostos e preferências, é apenas uma janela (aberta!) para que outras elencagens sejam propostas. Querem saber, então, o meu ‘top twenty’ do rock noventista? Aí vai – e com muita guitarrada e em volume alto, como sempre será um bom e velho rock ‘n’ roll:

1 – “Smells Like Teen Spirit” – Nirvana (1991)


2 – “Lithium” – Nirvana (1991)
3 – “Unsung” – Helmet (1992)
4 – “Only Shallow” – My Bloody Valentine (1991)
5 – “Paranoid Android” – Radiohead (1992)
6 – “Gratitude” – Beastie Boys (1992)



7 – “All Over the World” – Pixies (1990)
8 – “Enter Sandman” – Metallica (1991)
9 – “Eu Quero Ver o Oco” – Raimundos (1996)
10 – “Wish” – Nine Inch Nails (1991)
11 – “Kinky Afro” – Happy Mondays (1990)
12 – "There Goes the Neighborhood" – Body Count (1992)
13 – “N.W.O.” – Ministry (1992)
14 - "Suck My Kiss" – Red Hot Chilli Peppers (1991)
15 - “Serve the Servants” – Nirvana (1996)
16 – "Jeremy" – Perl Jam (1991)
17 - “Army of Me” – Björk (1995)
18 - “Govinda” – Kula Shaker (1995)
19 - “Da Lama ao Caos” – Chico Scince e Nação Zumbi (1994)
20 - "Dirge" – Death in Vegas (1999)




terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

The Velvet Underground & Nico - "The Velvet Underground & Nico" (1967)

"Andy Warhol me disse que estávamos fazendo na música o mesmo que ele na pintura, no cinema e na literatura."
Lou Reed


"Todos nós sabíamos que algo revolucionário estava acontecendo. A gente sentiu isso. As coisas não pareceriam estranhas e novas se alguma barreira não estivesse sendo quebrada."
Andy Warhol


No embalo da exposicão de Andy Warhol aqui no Rio, aproveito pra destacar aqui nos FUNDAMENTAIS um dos discos mais influentes de todos os tempos, "The Velvet Underground and Nico" de 1967. Como uma espécie de 'tentáculo' musical do projeto multimídia de Warhol, que também incluía artes plásticas, cinema, moda e literatura, o Velvet Underground apadrinhado pelo gênio da pop-art, era composto por músicos extremamente inventivos, ainda que nem todos brilhantes, como eram os casos da limitada percussionista Maureen Tucker e do esforçado Sterling Morrisson, por outro lado destacavam-se especialmente o guitarrista e vocalista Lou Reed com suas influências folk, suas levadas pesadas e letras cáusticas; e o multi-instrumentista criativíssimo John Cale, cara técnico, metódico mas aberto a todas as possibilidades e experimentações musicais. No entanto o projeto musical de Warhol ficaria completo mesmo com o acréscimo da modelo alemã Nico, agregando aos vocais da banda sua voz singela e aveludada, cheia de sotaque e sex-appeal apesar de toda a relutância inicial de Lou Reed. O resultado de tudo isso, Warhol+Velvet+Nico, foi um álbum brilhante, notável, uma referência musical e artística, um dos discos mais influentes da hstória do rock.
O produtor (na verdade, financiador)
Andy Wahol
"The Velvet Underground and Nico" é marcante antes mesmo de ser ouvido, já por sua capa concebida pelo mentor e produtor Andy Warhol, com a clássica e conhecidíssima banana; mas é inegavelmente na parte musical que as coisas foram verdadeiramente impressionantes: "Sunday Morning" que abre a obra lembra uma canção de ninar embalada ao som de uma caixinha de música. Em "I'm Waiting for My Man" a guitarra ganha peso acompanhada por um piano insistente e barulhento com o vocal  de Lou Reed soando escrachado enquanto versa sobre as drogas nas ruas de Nova Iorque.
"Venus in Furs", a melhor do álbum e uma das maiores da história do rock, é um épico arrastado com uma batida marcial, pontuada pela viola elétrica de Cale e com Reed, desta vez, cantando de maneira quase hipnótica.
"Heroin" outra das grandiosas do disco vai serpenteando como uma montanha-russa sonora com variações de aceleração, intensidade, ênfases e ruídos como fundo para que Reed conte detalhadamente o uso e as sensações causadas pela droga, com a bateria de Mo Tucker chegando a parecer desordenada em determinados momentos e com tudo culminando numa loucura instrumental total e o violino alucinado de Cale 'bagunce' tudo de vez num final caótico-apoteótico. Aliás, bagunça mesmo (num bom sentido), é o que não falta em "European Son" que chega a ficar praticamente inaudível tal a aceleração, a mistura de sons, as microfonias, a distorção que alcança; mas afinal o que seria do Sonic Youth, do Jesus and Mary Chain, do My Bloody Valentine sem isso?
Nico, a vocalista que Warhol praticamente impôs
mas que deu grande contribuição
Nico aparece apenas como vocal de apoio em "Sunday Morning" mas faz as vezes de principal na lenta "I'll Be Your Mirror", na intensa "All Tomorrow's Parties" e na luxuriante "Femme Fatale" com um vocal sensualíssimo e uma interpretação de 'melar a cueca'.
De resto tem também a galopante e elétrica "Run Run Run", tem outra interpretação bárbara de Reed em "There She Goes Again" falando sobre prostituição, tem outra vez o violino esquizofrênico de Cale em "The Black Angel's Death Song", cara... todas demais, porra!
O disco na época não foi lá muito apreciado; vendeu mal e não obteve grande sucesso. Sua importância foi sendo notada aos poucos e já na década seguinte se sentiria sua influência com a explosão do punk rock. Mas foi só um pouco depois ainda, com o passar do tempo, que se reconheceu definitivamente seu justo status de obra-prima.
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FAIXAS:
  1. "Sunday Morning" (Reed, Cale) - 2:56
  2. "I'm Waiting for the Man" - 4:39
  3. "Femme Fatale" - 2:38
  4. "Venus in Furs" - 5:12
  5. "Run Run Run" - 4:22
  6. "All Tomorrow's Parties" - 6:00
  7. "Heroin" - 7:12
  8. "There She Goes Again" - 2:41
  9. "I'll Be Your Mirror" - 2:14
  10. "The Black Angel's Death Song" (Reed, Cale) - 3:11
  11. "European Son" (Reed, Cale, Morrison, Tucker) - 7:46
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Ouça:
The Velvet Underground & Nico 1967



Cly Reis

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Public Enemy - "It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back" (1988)



"Vocês esqueceram que fomos trazidos para cá,
fomos roubados do nosso nome,
roubados de nossa língua.
Perdemos nossa religião,
nossa cultura, nosso Deus
...e muitos de nós, pelo modo de agir,
temos também perdido nossas mentes."
Khalid Abdul Muhamed
(introdução de "Night of Living Baseheads")




O Public Enemy poderia ser considerado apenas mais um grupo de rap/hip-hop não fossem alguns pequenos diferenciais: o primeiro deles é um vocal poderoso, quase troante do imponente Chuck D, um rapper com recursos vocais, inteligência e consciência política e social como poucas vezes se viu até então no meio; o segundo, um MC carismático, Flavor Flav, altamente original, dono de interpretações singulares e um bordão  extremamente marcante, aquele seu "yeeeaaaaahhh, boy!!!", cheio de veneno e malicia; o terceiro, um time de produção, o Bomb Squad, extremamente criativo a antenado, sempre em busca dos samples e colagens mais criativos e improváveis, complementados é claro, por outra das grandes razões, a quarta delas, que é a mão de um DJ altamente técnico e criativo, diferenciado no seu âmbito, o lendário Terminator X. Tem ainda o impacto, as letras, a politização, a contundência, as sonoridades, e aliado a isso ainda, um certo gosto pelo peso e pelo barulho, que particularmente muito me agrada. Junte tudo isso e temos o Public Enemy. Provavelmente o melhor grupo do gênero que já visitou este planeta.
Todas essas características, marcas e virtudes podem ser encontrados no seu excelente segundo álbum "It Takes a Nation of Million to Hold Us Back", de 1988, que fez definitivamente o mundo da música cair de joelhos por eles ali pelo finalzinho dos anos 80. Artistas dos mais diversas, dos mais variados gêneros como Sepultura, Slayer, declaravam sua admiração pela banda, sua música era tema de abertura de filme ("Fight the Power" em "Faça a Coisa Certa"), até o garoto do "Exterminador do Futuro 2" exibia durante todo o filme uma a camiseta com o logo da banda. O mundo enfim se derretia pelos "Inimigos" e a influência deles foi igualmente arrebatadora, quase imediata, estabelecendo uma linha para grupos como Beastie Boys, House of Pain e Cypress Hill e revolucionando a maneira de se fazer hip-hop.
A sirene de "Countdwon to Armaggedon", vinheta ao vivo que abre o disco, anuncia que algo de realmente sério está para acontecer e efetivamente isso se confirma já a partir da primeira música, a porrada "Bring the Noise" que se não é barulhenta em si, é tão potencialmente pesada que veio a inspirar uma nova versão posterior com a participação da banda Anthrax, aí sim, mais suja e guitarrada. Mas a versão do disco não fica devendo nada, sendo também extremamente pesada à sua maneira, com batida marcante, vocal agressivo e letra contundente como de costume.
A embalada "Don't Believe the Hype", apesar do tom descontraído, vem na sequência destilando veneno contra aqueles que, segundoa banda, se esforçam em criar uma imagem negativa dos negros; "Mind Terrorist", de base repetida sem ser chata, soando como uma guitarra swingada, é um show à parte do excepcional Flavor; e a arrebatadora "Louder than a Bomb" é, verdadeiramente, tão poderosa quanto uma bomba, tanto sonoramente quanto em conteúdo.
"Show'Em Watcha Got" vem com um sample de sax, muito jazz-funk, da Lafayette Afro Rock Band, num outra performance vocal espetacular dos dois com a ajudinha sagrada do mestre Terminator X nas picapes; a alucinante "She Watch Channel Zero?!" que a segue é uma pancada sonora, evidenciando bem o tal gosto pelo peso que eu referi anteriormente, com uma guitarra enfurecida, sampleada da banda Slayer, sobre uma programação de bateria perfeita e que garante o peso, e um vocal destruidor de Chuck D. Abrindo com uma gravação de um discurso do ativista negro, americano covertido ao islamismo, Abdul Muhammad, e apoiada basicamente num recorte  repetido de um sample de sax, "Night of the Living Baseheads", traz um vocal agressivo e uma posição firme sobre os usuários de drogas, especialmente o crack. "Black Steel in the Hour of Chaos" tem uma notável base construída sobre um recorte de piano; "Security of the First World" foi um achado da banda, numa mixagem feita a partir de uma música de James Brown ("Funky Drummer"), que de tal forma foi feliz e perfeita a ponto de inspirar os mais variados artistas, como Lenny Kravitz em "Justify my Love" (gravada por Madonna), My Bloody Valentine em sua "Instrumental nº 2", e tantos outros, a reproduzi-la.
"Rebel Without a Pause", traz a justa e merecida reverência e invocação do nome do DJ no refrão, quando ele responde à altura com scratches matadores; a impetuosa "Prophets of the Rage" traz outra daquelas espetaculaes dobradinhas entre Flavor e Chuck, numa integração vocal impressionante; e "Party for Your Right to Fight", outro clássico do grupo, uma variação do título "(You Gotta) Fight for Your Right (to Party!)" dos Beastie Boys, fecha o disco com embalo, ritmo, atitude e grande estilo.
Não fosse por alguns 'pequenos detalhezinhos' podia ser mais um álbum de rap, podia ser só mais um grupo de hip-hop qualquer, só mais um trecho de outra música emprestado, mais uma mixagem, mais um DJ, mais um vocalista... Podia ser. A não ser pelo fato de que todos esses detalhes fazem toda a diferença.
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FAIXAS:
1. "Countdown to Armageddon" 1:42
2. "Bring the Noise" 3:45
3. "Don't Believe the Hype" 5:19
4. "Cold Lampin' with Flavor" 4:17
5. "Terminator X to the Edge of Panic" 4:31
6. "Mind Terrorist" 1:21
7. "Louder Than a Bomb" 3:38
8. "Caught, Can We Get a Witness?" 4:53
9. "Show 'Em Whatcha Got" 1:56
10. "She Watch Channel Zero?!"  3:49
11. "Night of the Living Baseheads" 3:14
12. "Black Steel in the Hour of Chaos" 6:23
13. "Security of the First World" 1:20
14. "Rebel Without a Pause" 5:02
15. "Prophets of Rage" 3:18
16. "Party for Your Right to Fight"
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Ouvir:
Public Enemy - "It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back"


Cly Reis

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Sean Lennon - "Into the Sun" (1998)


“Sean Lennon inteligentemente se posicionou entre o pop e o experimental, propondo uma ideia caleidoscópica como fizeram os multiculturais dos anos ‘90 Beastie Boys, Beck e Cibo Matto.” 
 Stephen Thomas

A estas alturas, segunda década dos anos 2000, já é possível identificar com clareza quais foram os grandes discos da última década do século passado, os anos 90. Depois dos anos 50, marco do nascimento do rock, dos explosivos e extrapolados ’60, dos psicodélicos e revoltados ’70 e dos criativos e inteligentes ’80, o que restaria à música pop nos ’90? Repetir-se? Não! Alguns artistas souberam recriar e até trazer coisas bem novas. "Broken" , do 9 Inch Nails, "Nevermind" , do Nirvana, ou "Loveless", do My Bloody Valentine, já elencados como Álbuns Fundamentais neste blog, são bons exemplos. “Moon Safari”, do Air, “Odelay”, do Beck, e “Big Calm”, do Morcheeba, provavelmente darão as caras por aqui ainda. Mas mesmo gostando mais de alguns destes, um que a mim marcou muito os anos 90 e com o qual me delicio a cada audição é “Into the Sun”, do cantor, compositor e multi-instrumentista Sean Lennon, o “filho do homem”.
“Into the Sun” é, simplesmente, apaixonante. De sonoridade sofisticada, experimental e com um toque artesanal, o CD de estreia deste abençoado ser – resultado da cruza de John Lennon com Yoko Ono – emenda uma pérola atrás da outra, numa explosão de criatividade e técnica. O referido ar “caseiro” não é à toa: exceto algumas participações, Sean compõe, produz, canta e toca todos os instrumentos. A delicada faixa-título – uma bossa-nova de rara beleza com direito à batida de violão a la João Gilberto – é a única em que divide o microfone, acompanhado de Miho Hatori, vocalista da banda Cibo Matto. A outra integrante deste grupo, a então namorada Yuka Honda, co-produtora e “musa inspiradora” da obra, dá sua contribuição com samples, programações e no vocal de “Two Fine Lovers”, um jazz-lounge funkeado ao mesmo tempo romântico e dançante, e de “Spaceship”, outra das melhores.
Uma peculiaridade que impressiona na música de Sean é a sua capacidade de inventar melodias de voz absolutamente belas. É o caso de “Home”, single do CD que rodava direto na MTV com o ótimo clipe de Spike Jonze. Por trás das guitarradas estilo Sonic Youth e da bateria possante do refrão, a melodia de voz é doce, linda, daquelas de cantar de olhos fechados pra saborear cada frase. Outra assim é “Bathtub”, um mescla de MPB com Beatles em que, novamente, Sean destila sua destreza com a palavra cantada, principalmente na parte final, onde se cruzam três melodias de voz apresentadas durante a faixa.
Eu sei, eu sei! É óbvio que a dúvida surgiria: afinal, a música Sean se parece com a de John? Como TUDO em música pop depois dos  The Beatles, sim; mas, surpreendentemente, menos do que seria normal pela consanguinidade. A voz, claro, lembra o timbre levemente infantil do beatle. Das músicas, “Wasted”, só ao piano e voz, e, principalmente, “Part One of the Cowboy Trilogy”, um country como os que John tinha incrível habilidade ao compor, remetem bastante. Mas fica por aí. No máximo, a parecença conceitual com álbuns do pai como “Plastic Ono Band” ou “Imagine” por conta da diversidade estilística – o que, convenhamos, não era uma característica só de sir. Lennon.
Outra marca de Sean é a composição no violão. Da ótima faixa de abertura, “Mystery Juice”, à balada “One Night”, passando pelas bossas – a já citada “Into the Sun” e “Breeze”, outra belíssima –, ele brande as cordas de nylon para extrair melodias muito pessoais e profundas. A mais intensa destas é, certamente, “Spaceship”, que começa só ao violão sobre ruídos eletrônicos e na qual vão se adicionando outros instrumentos e sons, até estourar em emoção no refrão, com guitarras distorcidas, bateria alta e a voz de Honda no backing. Ótima.
Mas a variedade musical de Sean não pára por aí. Depois de MPB, indie, country e balada, ele apresentaria ainda, se não melhor, a mais bem trabalhada música do álbum: “Photosynthesis”, um jazz-rock instrumental no melhor estilo Art Ensemble of Chicago. Puxado pelo baixo acústico, que mantém a base o tempo inteiro, tem samples, solos de flauta e de piano, até que, depois de um breve breque, a música volta com um impressionante solo de percussão latina e, emendando, um outro de trompete. Incrível! “Sean’s Theme”, mais um jazz, este mais piano-bar, fecha bem “Into the Sun”, que traz ainda “Queue”, um gostoso rock embaladinho que termina sob uma camada densa de guitarras, revelando, mais uma vez, a engenhosidade no trato com a melodia de voz.
Um “disco de cabeceira” para mim, que não canso de reouvir. Um baita disco de rock com a distinção de quem herdou o que de melhor seu pai tinha como gênio da música que foi: a sensibilidade artística.

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vídeo de "Home", Sean Lennon



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FAIXAS:
1. "Mystery Juice"
2. "Into the Sun"
3. "Home"
4. "Bathtub" (S. Lennon/Yuka Honda)
5. "One Night"
6. "Spaceship" (S. Lennon/Timo Ellis)
7. "Photosynthesis"
8. "Queue" (S. Lennon/Y. Honda)
9. "Two Fine Lovers"
10. "Part One of the Cowboy Trilogy"
11. "Wasted"
12. "Breeze"
13. "Sean's Theme"

Todas as músicas de autoria de Sean Lennon, exceto indicadas.
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Ouça:

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Música da Cabeça - Programa #326

 

Evoé, MDC! Na roda viva da vida, a arte perde ZÉ CELSO, mas ganha a afirmação de sua eternidade. Celebrando este sempre, o programa traz ele e muitas outras peças, que vão de MY BLOODY VALENTINE a TIM MAIA, de CAN a GERALDO AZEVEDO, de ZÉ MIGUEL WISNIK a ANDRÉ ABUJAMRA. Desafiando a plateia, subimos ao palco hoje às 21h na inquieta RÁDIO ELÉTRICA. Produção, apresentação e "merda!": DANIEL RODRIGUES.



quarta-feira, 20 de junho de 2018

Música da Cabeça - Programa #63


Inverno é sinônimo de frio, ok? Ok, mas a gente não se mixa para qualquer temperaturinha baixa! Aqui, a gente só faz aumentar a temperatura! No Música da Cabeça de hoje virão para esquentar nossas almas diletantes Os Mulheres Negras, My Bloody Valentine, The Cure e Red Hot Chili Peppers (afinal, quer coisa mais picante que um Chilli Peppers?!). Também, “Música de Fato”, “Palavra, Lê”, ainda repercutindo a Copa do Mundo, e um “Cabeça dos Outros” pra lá de especial. Isso e muito mais no nosso aquecedor sonoro desta noite aqui na Rádio Elétrica, às 21h. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Música da Cabeça - Programa #37



Convenhamos: não é em qualquer lugar que você escuta juntos Tribalistas, U2, Dorival Caymmi, My Bloody Valentine e Erasmo CarlosLegião Urbana e outras diversidades música afora. Isso é coisa do Música da Cabeça. Aqui é assim: tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Vai ter isso no programa de hoje e muito mais, como os quadros “Música de Fato”, “Palavra, Lê” e um novo “Cabeça dos Outros”, trazendo aquilo que está na mente dos ouvintes em termos sonoros. Quer brincar de montanha-russa musical com a gente? Então, escuta o programa hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.


quarta-feira, 25 de março de 2015

"Discoteca Básica : 100 Personalidades e seus 10 Discos Favoritos", de Zé Antônio Algodoal - Ed. Ideal (2014)



“Em um tempo em que
 as pessoas “baixam” músicas
e não tem noção
do que é um álbum,
nada mais bacana que
poder falar dos álbuns
 e de suas influências em nossas vidas.”
Marcelo Rossi
(fotógrafo, diretor de videoclipes e compositor)





Topei, dia desses, com o livro “Discoteca Básica: 100 personalidades e seus 10 discos favoritos” e, blogueiro como sou, com seção dedicada a álbuns importantes, além de apaixonado por música e colecionador de CD's e LP's, fiquei extremamente interessado. Trata-se de uma série de listas elaboradas por 100 personalidades, em sua maioria ligadas ao mundo da música, que destacam, cada um, 10 álbuns musicais importantes de alguma forma em suas vidas. Por mais que tivesse me dado coceira pra comprar, até hesitei um pouco em comprar imaginando que as indicações dos convidados pudessem meramente cair naqueles clichês tipo “progressivo é mais técnico e o resto é pobre”, ou “sou do metal e escolhi 5 AC/DC e 5 Iron Maiden" ou Beatles é melhor que tudo” e simplesmente saírem nomeando 5 entre os 10, 7 de 10 ou mesmo 100% da lista só de Beatles. Mas não. Um que outro até manifestou a intenção de relacionar Beatles nas 10 posições mas felizmente meus temores não se confirmaram. No caso do Fab Four, em especial, tiveram, por óbvio, um número de indicações proporcional à sua importância de maior banda de todos os tempos, mas felizmente as listas mostraram-se bem diversificadas, curiosas e contendo dicas bem interessantes. Os convidados em sua maioria são de alguma maneira ligadas ao mundo da música, como os músicos Arnaldo Baptista, Péricles Cavalcanti, Dinho e Andreas Kisser, por exemplo, mas também encontramos artistas visuais, produtores, executivos de gravadoras, e ex-VJ's da MTV como Didi, Gastão, Edgar e Thunderbird.
O que torna o livro mais interessante é que a proposta do organizador, Zé Antônio Algodoal, não foi a de necessariamente listar 10 discos qualitativamente ou em ordem de preferência. Seus entrevistados podiam utilizar o critério que quisessem e essa liberdade de escolha resultou em listas muito bacanas. Questões afetivas, cronológicas, de formação, profissionais, primeiras aquisições, parcerias, influências, os critérios adotados são os mais diversos, alguns convidados preferindo comentários mais genéricos, abrangentes, outros mais detalhados, pontuais, disco a disco. Alguns relatos como o da francesa Laetitia Sadier da banda Stereolab são muito amplos, bonitos e completos, por outro lado, pessoas de quem gostaríamos de ter alguma consideração a mais sobre suas escolhas, como no caso do apresentador Jô Soares, foram extremamente econômicos, deixando uma breve observação ou às vezes nenhuma.
A paixão demonstrada pelo músico Hélio Flanders em suas descrições; o envolvimento do diretor de cinema e teatro Felipe Hirsh; as metamorfoses da ex-diretora da MTV Brasil, Ana Buttler; o caso dos primeiros dez discos que o Gordo Miranda ganhou do pai; o texto criativo e bem escrito de Xico Sá; e a emoção de Airto Moreira ao ser apresentado ao álbum “Miles Ahead” pela cantora Flora Purim, no relato de Rodrigo Carneiro, são alguns dos pontos mais legais do livro e que não podem deixar de serem lidos. Como curiosidades, me chamou a atenção o fato do álbum “Boys Don't Cry” do The Cure, que eu, fã, nem considero dos melhores, aparecer bastante entre os votantes; a surpreendente 'disputa' acirrada entre o "Força Bruta", muito votado, e o "Tábua de Esmeralda", que no fim das contas prevaleceu; e o fato de que alguns dos meus xodózinhos como o "Psychocandy" do Jesus and Mary Chain, que eu considero a melhor coisa que eu já ouvi, e o "Loveless" do My Bloody Valentine, que eu costumo dizer que seria o disco que eu levaria para uma ilha deserta, aparecem com bastante frequência no livro em diversas listas, inclusive na do próprio organizador. No mais, muitos dos meus favoritos aparecem com grande destaque entre os mais escolhidos como, por exemplo, o "Nevermind" do Nirvana, o "Transa" do Caetano e o "Tábua de Esmeralda" de Jorge Ben.
Elogios também para a parte gráfica do livro muito caprichada, cuja arte, meio retrô e saudosista, faz referência, desde a capa, a vinis, toca-discos e equipamentos de som antigos.
Para quem gosta de listas, como eu, especialmente aqs de música, é um livro que desperta a vontade de montar as suas próprias, com critérios diferentes, de modo que se consiga contemplar todos aqueles discos que, de certa forma quase como filhos, e tem um lugar reservado no coração.




Cly Reis

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Música da Cabeça - Programa #285

 

Não adianta dizer mentira na ONU ou onde quer que seja. Com o MDC é assim: a gente desmascara e põe pra todo mundo ver! Iluminando o Empire State, o programa de hoje vem com Itamar Assumpção, Zizi Possi, Morphine, Nei Lisboa, John Cale e mais. No Cabeção, o som etéreo e ruidoso da My Bloody Valentine e um Palavra, Lê também especial. Projetando aquilo que deve ser dito, a edição de hoje vai ao ar às 21h na protestadora Rádio Elétrica. Produção, apresentação e #forabroxonaro: Daniel Rodrigues (Ah, sem esquecer também de #tchutchucadocentrão)



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/