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segunda-feira, 9 de março de 2020

A eternidade lhe pertence


"Junto com Bill Evans, Tyner foi o pianista mais influente do jazz nos últimos 50 anos, com suas voicings de acordes sendo adotadas e utilizadas por praticamente todos os pianistas mais jovens."
Scott Yanow, crítico e historiador de jazz norte-americano

Certa vez, Leocádia Costa e eu, conversando com um amante de música como nós na saudosa livraria Arlequim, no Centro do Rio, falei de minha preferência por McCoy Tyner entre os pianistas do jazz. Idolatro Hancock e Corea. Louvo Thelonious, Donato, Red, Bruback, Silver, Evans, Hermeto. Admiro Toshiko, Jarrett, Tristano, Sonny. São muitos os mestres do instrumento, mas Tyner, morto no último dia 6 de março, me é tudo. Todos eles. Coração e técnica, simplicidade e complexidade, intensidade e leveza.

Afora isso, tem o fator subjetivo. Gosto de seu toque, de suas ambiências, de seus improvisos com mais passionalidade do que os de outros. Simplesmente. As quartas justas ou aumentadas na mão esquerda, as quintas, o cromatismo, os voicings, o pentatonismo. É como se seus dedos se comunicassem diretamente com meus ouvidos. E assim é.

E ainda, como se não bastasse, ele é o piano de, entre inúmeras gravações e discos históricos do jazz moderno, do quarteto mágico de John Coltrane ao lado de Elvin e Garrison/Davis. Até este último dia 6 de março, o único sobrevivente daquele time eternizado. Agora, a eternidade é que lhes pertence.

Talvez devesse ser regra, assim como em alguns esportes, quando um grande ídolo morre e se aposenta a sua camiseta. Para um pianista que se vai deveriam, em sua homenagem, arrancar uma tecla do piano que o represente e nunca mais usá-la. A tecla de Tyner podia ser um Fá ou um Dó como os que ele usava quando tocava intervalos de quinta na mão esquerda, uma de suas assinaturas. Ficaria decretado, por consentimento e aclamação: ninguém mais estaria autorizado a tocá-la, a tecla eternizada por e para McCoy Tyner.

MCCOY TYNER
(1938-2020)



Daniel Rodrigues

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Os 20 melhores discos brasileiros da década de 2010

Macalé: um dos expoentes da geração dos 60
da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.

Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, JardsGil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.

Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração
por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.

****

1. “Recanto” Gal Costa (2011)

O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem, igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da MPB moderna.

1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda



2. “Chico” Chico Buarque (2011)

Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.


1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá


3. “Nó na Orelha” Criolo (2011)

O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico  e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.


1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente



4. “MetaL MetaL” Metá Metá (2012)

Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.


1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não



5. “Abraçaço” Caetano Veloso (2012)

Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana



6. “Não Tente Compreender” Mart’nália (2012)

Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.

1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber



7. “Aquário” Tono (2013)

Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.

1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo



8. “Sambadi” Lucas Arruda (2013)

Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.


1. Physis 
2. Tamba, Pt. 1 
3. Batuque 
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon 
6. Na Feira 
7. Sambadi 
8. Carnival 
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2



9. “Vira Lata na Via Láctea”Tom Zé (2014)

Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.

1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana



10. “Passado de Glória: Monarco 80 Anos” Monarco (2014)

Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.

1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6.  Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu



11. “Mulher do Fim do Mundo” - Elza Soares (2015)

A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.

1. Coração do Mar
2. A Mulher do Fim do Mundo
3. Maria da Vila Matilde
4. Luz Vermelha 
5. Pra Fuder
6. Benedita
7. Firmeza?!
8. Dança
9. O Canal
10. Solto
11. Comigo



12. “Sangue Negro” Amaro Freitas (2016)

Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.



1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro





13. “No Voo do Urubu” Arthur Verocai (2016)

Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.

1. No Voo do Urubu 
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras 
5. A Outra 
6. Cigana 
7. O Tambor
8. Snake Eyes 
9. Na Malandragem 
10. Desabrochando 



14. “Duas Cidades” BaianaSystem (2016)

A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2” abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.

1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul



15. “Tribalistas 2”Tribalistas (2017)

Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!

1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos




16. “Besta Fera”Jards Macalé (2018)

O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.

1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite



17. “Abaixo de Zero: Hello Hell”Black Alien (2018)

Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.


1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero





18. “Taurina”Anelis Assumpção (2018)

A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras. 

1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4.  Gosto Serena
5.  Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9.  Moela
10.  Escalafobética
11. Receita Rápida




19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)

Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.


1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King




20. “Gil” Gilberto Gil (2019)

Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra. 

1. Intro Choro nº 1
2. Choro nº 1
3. Improviso Choro nº 1
4. Intro Seraphimu
5. seraphimu
6. Improviso Seraphimu
7. Intro Fragmento Lírico
8. Fragmento Lírico
9. Improviso Fragmento Lírico
10. Círculo
11. Triângulo
12. Quadrado
13. Retângulo
14. Pentágono
15. Gil


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Airto Moreira - "Seeds of the Ground" ou "The Natural Sounds of Airto" (1971)



Capa original, de 1971, e a da reedição
em CD, de 1994
“Airto tem um curto período de tempo [nos Estados Unidos] e já tem um impacto importante aqui. Sua influência, expressões criativas e sons inovadores têm sido fortemente sentidos por muitos de nossos principais músicos. O som único de Airto beneficia-se fortemente da compreensão da necessidade de melhores métodos de comunicação – uma necessidade que ele sente que pode ser respondida através da música”. 
Bob Small, produtor musical

A virada dos anos 60 para os 70 foi um momento especialmente frutífero para músicos brasileiros no mercado internacional. Após uma primeira leva de compositores, cantores, instrumentistas e arranjadores descobertos pelos gringos por conta da bossa-nova, vários outros aproveitaram o prestígio já estabelecido da musica brasileira no exterior para abrir novas frentes. O principal destino: Estados Unidos. É quando talentos como Hermeto Pascoal, Dom Um Romão, João Donato e Eumir Deodato, entre outros, partem de mala e cuia para residir naquele que é maior mercado da música no mundo.

Caso de Airto Moreira. O já experiente percussionista catarinense, que, no Brasil, havia integrado os célebres trios Sambalanço (com César Camargo Mariano e Humberto Cláiber) e Sambrasa – ao lado de Hermeto e Cláiber –, além do igualmente icônico Quarteto Novo – novamente ao lado do “Bruxo”, mas também contando com Theo de Barros e Heraldo do Monte. Em 1967, participa do III Festival de Música Popular Brasileira, acompanhando Edu Lobo e Marília Medalha na interpretação da vencedora "Ponteio", a qual coassina com Edu o arranjo. Êxitos obtidos, o negócio era, agora, alçar outros voos.

Dono de um tempo rítmico que abarcava a sutiliza harmônica da bossa nova ao arrojo do jazz moderno, Airto, já em terras yankees, foi impulsionado definitivamente no disputado meio do jazz com a participação no referencial “Bitches Brew”, de Miles Davis, em 1969. Foi em apenas uma faixa (“Feio”), mas o suficiente para pô-lo no rol dos músicos da primeira linha. Tanto é que, um ano depois, veio o primeiro disco solo: “Natural Feelings”, pela Buddah Records, uma joia do jazz fusion com a cara daquilo que só um artista brasileiro é capaz de conceber mesmo longe de casa. Tão melhor que o álbum de estreia, no entanto, é “Seeds of the Ground”, de 1971, onde Airto, acompanhado do inseparável Hermeto (piano, teclados, violão e flauta), responsável pelas composições e arranjos, da magnífica Flora Purim aos vocais, do mago do baixo acústico Ron Carter e a maestria de Sivuca (violão e acordeom), deságua toda a sua inventividade enraizada na cultura brasileira mas conectada com a vanguarda internacional. E ali eram o lugar e a hora perfeitas para deixar fluir esta nova música.

“Andei”, que abre “Seeds...” (também intitulado como "The Natural Sounds of Airto"), deixa bem clara a proposta. Trata-se de um baião nordestino, que inicia com o som característico do Brasil: o de um berimbau. Em seguida, a potente bateria de Airto entra, carregando consigo toda a banda e os próprios vocalizes, formando uma sonoridade cheia e quase funkeada. O baixo de Ron, brasileiríssimo, dialoga com o berimbau. Ainda, a flauta de Hermeto completa a intensa atmosfera com aqueles solos que somente ele sabe extrair. Um “cartão de visitas” irrepreensível. Além disso, como classificar uma peça ímpar como esta? Um baião-fusion? Um brazilian-groove? Ou um ethnic-funk? É o talento do músico brasileiro dando um nó no sempre tão inovador jazz.

A incrível “O Sonho” traz pela primeira vez no disco a voz de Flora, esposa de Airto. A abertura onírica e dissonante, que remete ao abstratismo de Gil Melle e Don Cherry, logo se resolve em um jazz modal em que Airto e Hermeto estão especialmente afinados, um na bateria e o outro no piano elétrico – este último que, aliás, manda ver num longo e inspirado improviso. E Flora, então?! Que performance! Sua voz desenha com naturalidade a complexa e variante linha melódica, mudando de escalas e tons e, principalmente, dando unidade a este devaneio sonoro. Além de tudo isso, Flora ainda inventa de soltar gritos e sussurros pra lá de sensuais ao final da faixa. Caramba! De arrepiar.

Airto como a esposa e cantora Flora Purim e o parceiro
Hermeto: união de craques da música brasileira nos EUA
Na sequência, vem a bucólica e soturna “Uri”, que, pela atmosfera sertaneja e idílica, bem poderia compor a trilha de algum filme ou peça teatral baseada em uma obra da Guimarães Rosa. O violão sustenta a base, enquanto Airto intercala diversos instrumentos de percussão (chocalhos, tímpano, temple block e outros). A voz do coautor Googie e a de Flora, especialmente, que vai do agudo ao grave num lance, convivem com contracantos, gritos e vocalizes. Outro craque brasileiro vivendo na terra de Charlie Parker, Sivuca, em uma de suas participações, solta notas densas do acordeom, ampliando o clima sombrio e contemplativo. Mais uma mostra da contribuição sui genneris do Brasil para a música moderna que se produzia no exterior àqueles idos.

O baião aparece novamente em “Papo Furado”, em que Airto, brilhante na instrumentalização da percussão junto com outro ilustre convidado, Dom Um Romão, divide vocais com Hermeto, este, segurando todas no violão. O mesmo pode-se dizer de Carter, que parece ter vestido gibão e entrado no forró. A romântica “Juntos”, noutro clima, exige mais uma vez de Flora habilidades vocais – as quais ela, claro, mostra dominar totalmente dado a grande cantora que é. O tom baixo, que pede cuidado na afinação, dá um charme todo especial ao número, o qual conta, como em “Andei”, com o solo de flauta de Hermeto. Uma febril balada jazz, que faz remeter a Sarah Vaughan dos anos de Columbia.

“Seeds...” encerra com duas versões de “O Galho da Roseira”, composição de Hermeto originalmente de 1941, que era cantada por seus pais durante os trabalhos da roça em sua infância no interior de Alagoas. Porém, não se trata apenas de dois takes lançados ao final do disco com pequenas diferenças entre si, haja vista que ficam quase irreconhecíveis de uma para a outra. A parte 1, bem fiel à estrutura original – visto que arranjada pelo próprio Hermeto –, traz já de início o acordeom de Sivuca em solfejos serenos junto com as vozes de Hermeto e Flora. Até que, então, entra o restante do time, com Ron impressionando em suas modulações típicas no braço do baixo, Dom Um diversificando as texturas (sinos, chocalho, reco-reco, temple block) e Hermeto fazendo suas “bruxarias”, como transformar um violão em rabeca. Mas em termos de violão, a criatividade da turma não para por aí, porque contam com as mãos mágicas de Sivuca, que larga a gaita para pegar a viola caipira, num dos solos mais brilhantes do disco. Hermeto, no entanto, não fica atrás em um novo improviso, agora, no eletric harpsichord, articulando um momento modal ao tema tipicamente rural.

“O Galho...”, que recebeu da crítica o título de uma das melhores de 1971, ganha, na versão 2, caráter de um típico jazz fusion, como o que Airto contribuiria a partir daquele ano na banda Return to Forever ao acompanhar o pianista norte-americano Chick Corea em um de seus melhores momentos da carreira. Airto, como na faixa anterior, deixa tudo para os companheiros Ron, Hermeto, Sivuca e Dom Um, que se soltam, fechando o disco com uma pegada mais jazzística impossível.

Depois de “Seeds...”, vieram outros projetos de prestígio de Airto, a contratação pelo cultuado selo CTI, a participação na legendária Weather Report e a formação de uma nova banda. Bastante ativo nas décadas seguintes e ainda hoje vivendo nos Estados Unidos, Airto virou, merecidamente, uma lenda do calibre de Wayne Shorter, Herbie Hancock, Stanley Clarke, Keith Jarrett, George Benson, Jaco Pastorius e George Duke, parceiros com quem tocou. Mas o fato é que, por obra natural do destino, a fenomenal banda responsável por “Seeds...” nunca mais voltou a tocar junta. Isso faz com que o disco ganhe ainda mais importância por ter registrado um momento especial da música brasileira em que esta nada devia a qualquer outra que estivesse sendo produzida àquela época. Pelo contrário: estava dando exemplo e ensinando ao mundo um pouco de ginga, que só um brasileiro é capaz de oferecer.

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FAIXAS:
1. Andei (I Walked) - 2:40 
2. O Sonho (Moon Dreams) - 7:45 (Ray Evans/ Jay Livingston)
3. Uri (Wind) - 6:10 
4. Papo Furado (Jive Talking) - 3:29 
5. Juntos (We Love) - 3:22 (Hermeto/ Flora Purim)
6. O Galho Da Roseira (The Branches Of The Rose Tree) - 7:54
7. O Galho Da Roseira (The Branches Of The Rose Tree) Part II - 8:21
Todas as composições de autoria de Hermeto Pascoal, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Airto Moreira - "Seeds of the Ground"

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

POA Jazz Festival - Centro de Eventos BarraShoppingSul - Porto Alegre/RS (9, 10 e 11/11/2018)



1ª noite – 9/11

Começou a 4° edição do POA Jazz Festival no Centro de Eventos do BarraShopping Sul. Como não estou envolvido profissionalmente neste ano, pude acompanhar com atenção a primeira noite. Quem abriu os trabalhos foi uma das minhas bandas favoritas da nova geração: a Marmota Jazz. Como sempre, os meninos mostraram a qualidade de sua música aliada a uma apresentação expressiva. Com o repertório calcado no segundo disco, "A Margem", os marmotas impressionaram o público do festival com suas composições cheias de passagens intrincadas e soluções rítmicas que se transformam a cada instante. O guitarrista Pedro Moser estava particularmente inspirado mas a banda inteira deu show de musicalidade. Na metade do show, entra no palco o cantor Pedro Veríssimo. O repertorio mudou, passando para a reinterpretação de standards como "The Man I Love" e "My Funny Valentine". Este encontro do cantor com a banda está rendendo bons frutos e o caminho natural para esta parceria parece ser a gravação de um disco. Pedro foi feito para cantar com a Marmota e vive-versa. A surpresa foi a inclusão de "Time of the Season", da banda roqueira sessentista The Zombies. Em tese, um corpo estranho mas que Pedro e os Marmotas se encarregaram de "transformá-la" em outro standard.

A talentosa Marmota Jazz com o convidado já parceiro Pedro Verissimo
Na sequência, veio a atração certamente mais popular de todo o festival: as argentinas Bourbon Sweethearts. Três vocalistas que emulam o som dos grupos vocais femininos das décadas de 30 e 40, como as Andrew Sisters, além de tocar trombone, violão e baixo acústico. Meu amigo Eduardo Osorio Rodrigues comparou a música das portenhas às trilhas sonoras dos filmes de Woody Allen. A gênese está ali. As Bourbon Sweetheatts tiveram grande empatia com o público, que reconheceu a música das Betty Boops argentinas como "jazz da antiga".  Particularmente, neste quesito, prefiro o trabalho da POA Jazz Band, que deu show nos intervalos.

As argentinas Bourbon Sweethearts: emulando o som dos grupos
vocais femininos das décadas de 30 e 40
Para encerrar, a grande atração da noite: o saxofonista alto Rudresh Mahanthappa e seu grupo Indo-Pak Coalition, formado pelo guitarrista Rez Abbasi e pelo baterista e tablista Dan Weiss. Mesclando os intrincados ritmos indianos com uma pegada elétrica que beira o jazz-rock, Mahanthappa hipnotiza o público com sua destreza. Já Abbasi se utiliza de um arsenal de efeitos e variedade de timbres em sua guitarra, fazendo com que ela soe absolutamente diferente a cada momento. O baterista Weiss merece um capítulo à parte: mestre dos polirritmos na bateria – lembrando as invenções do indiano Ranjit Barot, que toca com John McLaughlin –, Weiss demonstra domínio completo das tablas, como se fosse um nativo. Depois, adota um 4/4 básico do rock, como se fosse um John Bonham redivivo.

Mahanthappa hipnotizando o público com sua destreza
Usando loops de guitarra e saxofone – que me lembraram "Baba O'Riley", do The Who –, Mahanthappa recheia sua interpretação com climas jazzísticos, roqueiros e orientais que vão se sucedendo numa música muito particular e voltada para o futuro. Como normalmente acontece com a última atração da noite, o público mais conservador levantou e foi embora. Impressionado com a música do Indo-Pak Coalition, evoquei Caetano Veloso, imaginando o grupo "esfregando o leite mau (a música sem rótulos) na cara dos caretas".



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2ª noite – 10/11

Vitor Arantes Quarteto abrindo a segunda noite do festival
A segunda noite do 4° POA Jazz Festival no Centro de Eventos do Barra Shopping iniciou abrindo espaço para a nova geração do jazz e da música instrumental brasileira. Subiu ao palco o Vitor Arantes Quarteto, vencedor do Concurso Novos Talentos do Jazz, parceria do festival daqui com Savassi e o Sampa Jazz. Como se poderia esperar de um grupo tão jovem, a mistura de ritmos brasileiros e jazz desenvolvida pela rapaziada em suas composições próprias apresenta momentos interessantes e que certamente serão melhor explorados no futuro. Os meninos mostraram todo seu talento nas versões de "Bebê", de Hermeto Pascoal, e da clássica "My Favorite Things", do musical "A Noviça Rebelde" e que ganhou notoriedade na gravação de John Coltrane de 1961. 

Na sequência, entramos na máquina do tempo e voltamos ao final da década de 50 e começo dos anos 60 com os argentinos do Mariano Loiácono Quinteto. Adotando como parâmetro musical as lendárias gravações do hard-bop da Gravadora Blue Note, o trompetista e seu grupo fizeram uma viagem para aqueles tempos de Art Blakey & The Jazz Messengers e semelhantes. Loiácono parecia um Lee Morgan ressuscitado (opinião confirmada pelo próprio Mariano depois do show). Já seu saxofonista tenor, Sebastian Loiácono, alterna passagens “coltranísticas” com os estilos de Sonny Rollins e Joe Henderson. No piano e no baixo, dois velhos conhecidos do Festival de Jazz de Canoas: Ernesto Jodos e Jerónimo Carmona. Completa o grupo o baterista Eloy Michelini. No repertório, só pérolas, entre elas duas baladas de cortar os pulsos: "You Don't Know What Love Is" e "Soul Eyes". Com tanta energia, Mariano e seu grupo conquistaram o público presente. Aliás, um parêntese: os dois grupos que mais empolgaram a plateia, depois do arrasa-quarteirão Rudresh Mahanthappa, foram os hermanos Bourbon Sweethearts – para mim, exagerado – e o quinteto do trompetista, plenamente justificado. 

Uma viagem ao hard-bop anos 50 com o quinteto de Mariano Loiácono 
Para encerrar a noite, uma brisa da melhor MIB (Música Instrumental Brasileira) com o grupo do baterista Edu Ribeiro, também integrante do Trio Corrente e do Vento em Madeira. Usando uma formação não usual de guitarra, trompete/flugelhorn, baixo elétrico e acordeon, Edu desfila com categoria e precisão sobre os mais variados estilos: frevo, samba, choro, baião e até mesmo o sulista chamamé. Interessante é ver o guitarrista Fernando Correia assumir o lugar do piano na harmonia, enquanto Edu, Daniel D'Alcântara no sopro e Guilherme Ribeiro no fole ficam com a improvisação. Tudo isso é mantido no lugar pelo baixo seguro de Bruno Migotto. Na apresentação, músicas do disco "Na Calada do Dia" como "O Índio Condá", "Maracatim", ambas de Edu, e "Brincando com Theo", homenagem da flautista Léa Freire ao filho dos músicos Monica Salmaso e Teco Cardoso. Nela, o guitarrista teve espaço para um solo e mostrou sua técnica apurada. 

Grupo do baterista Edu Ribeiro: formação não usual que agradou
No final, o líder chama ao palco o argentino Mariano e lhe faz tocar um frevo. No papel, parece uma demasia mas Loiácono se saiu muito bem. Em resumo, uma noite de música de alta qualidade para o público que compareceu ao Centro de Eventos. 


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3ª noite – 11/11

Instrumental Picumã, uma das mais interessantes bandas surgidas
nos últimos tempos no RS
Pra fechar a 4ª edição do POA Jazz Festival, mais uma noite de ótima música no BarraShopping Sul. Tudo começou com os guris do Instrumental Picumã. Uma das bandas mais interessantes surgidas nos últimos tempos aqui no Estado, o Picumã faz a ponte entre a música regional gaúcha – e os ritmos do sul do mundo – com uma linguagem jazzística. Com uma formação que reúne flauta (Texo Cabral), violão (Matheus Alves) e acordeon (Paulinho Goulart) como solistas e tendo na base os baixos acústico e elétrico (Miguel Tejera) e percuteria variada (Bruno Coelho), o Picumã desfilou as músicas de seu primeiro disco e várias composições inéditas, que farão parte do próximo trabalho.
Toda a sonoridade do grupo é voltada para uma concepção acústica coletiva, o que não impede de destacarmos os trabalhos de Matheus no violão e de Bruno, se virando em vários instrumentos de percussão ao mesmo tempo. Destaque para algumas canções do primeiro CD como "Salsilla Y Scooby", "Milonguera" e "Chacareta".

Na sequência, tivemos o show mais descontraído de todo o festival: o mestre da harmônica Maurício Einhorn, acompanhado de duas feras: Nelson Faria, na guitarra, e o nosso querido gaúcho de Frederico Westphalen, Guto Wirtti, no baixo acústico. Como se estivessem na varanda, os três tocaram standards ("The Days of Wine and Roses"e "Blusette"), clássicos da bossa-nova ("Corcovado"), MPB ("Pra Dizer Adeus", numa linda versão) e as composições de Einhorn que ganharam o mundo ("Estamos Aí" e Batida Diferente"). O repertório era escolhido na hora, segundo a vontade do líder, que se esbaldou contando histórias, chamando o homenageado Zuza Homem de Mello ao palco e falando de seus amigos gaúchos. Tudo isso com o acompanhamento luxuoso de Faria e Wirtti, ambos dando um show de musicalidade. Claro que esta atmosfera relax conquistou o público, que acorreu em hordas aos bastidores após a apresentação.

Einhorn, sua harmônica e sua banda no show mais descontraído do festival
Pra fechar a noite e o festival, o piano trio de um dos maiores instrumentistas e arranjadores brasileiros: Gilson Peranzzetta. Acompanhado do mestre Zeca Assumpção no baixo acústico e do exímio baterista João Cortes, Peranzzetta mostrou as músicas que estão no disco "Tributo a Oscar Peterson". Baseando parte do show no disco "West Side Story", de 1962, o pianista deu mostras de sua técnica impecável em canções como "Somwhere", "The Days of Wine and Roses" (de novo, dando a oportunidade de comparação entre as versões mostradas no palco do BarraShopping) e "Con Alma".

O craque Peranzzetta: formação em trio que vai além da bossa-nova
A curiosidade da noite foi a versão piano solo de "Tico-Tico no Fubá", de Zequinha de Abreu, que, lá pelas tantas, se transforma em "Nunca", de Lupicínio Rodrigues. Pra encerrar, outra surpresa: a clássica "Just One of Those Things" em ritmo de samba. Dentro da tradição do piano trio, Peranzzetta e seus asseclas se saíram muito bem, mostrando que o formato ultrapassa os grupos do tempo da bossa-nova e pode apontar para uma outra sonoridade. Parabéns aos curadores Carlos Badia, Rafael Rhoden e Carlos Branco pelo belo trabalho, extensivo a toda equipe técnica e de produção, em especial a este grande produtor e uma figura amada por todos chamada Bruno Melo.


por: Paulo Moreira
fotos: Ricardo Stricher