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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Som Imaginário - “Matança do Porco” (1973)



A capa original, em cima,
e a da reedição de 2003
“Foi uma época de muita coisa.
 Eu voltei da Europa na turnê que eu fiz com o Paulo Moura,
logo depois do show do Bituca com o ‘Clube da Esquina’.
É um disco que eu compus todo na Europa,
chamado ‘Matança do Porco’.
 Música que, inclusive, tem no disco ao vivo do Milton,
o ‘Milagre dos Peixes Ao Vivo’.
 Você vê que as ideias estavam ali.
Foi a nossa época de laboratório mesmo.
Serviu para o resto das nossas vidas.”
Wagner Tiso


Milton Nascimento foi sempre o cabeça e congregador do chamado Clube da Esquina, esse time de artistas de Minas Gerais que mudou a cara da MPB desde a conturbada segunda metade dos anos 60 de Ditadura Militar no Brasil. Em torno de Bituca – e muitas vezes até motivados por ele, como no caso de Fernando Brant e Lô Borges – se configurou a movimentação musical que trouxe novas linguagem e referências à música brasileira e até mundial se se considerar seu pioneirismo naquilo que passou a se chamar tempo depois de world musicWayne Shorter, Sarah Vaughan, Quincy JonesEric Clapton, Paul Simon, Carminho entendem isso muito bem. Porém, dos diversos talentos surgidos à época e/ou junto com Bituca, um deles é quase tão fundamental: o maestro Wagner Tiso. Surpreendentemente autodidata (o saxofonista e clarinetista Paulo Moura, exímio arranjador, apenas lhe deu toques sobre teoria), é naturalmente dono de um estilo de tocar piano e de orquestrar que bebe no colorido de Claude Debussy e na força expressiva de Richard Wagner, além de sua veia sacra, a qual adquiriu ainda pequeno nas igrejas do interior de Minas que frequentava. Se Milton é o símbolo do Clube da Esquina, principal compositor e propulsor da cena, Tiso é o centro harmônico, o homem que aperfeiçoou a ideia e lhe deu lastro.

Tiso, sempre muito ligado a Milton Nascimento (ambos são naturais de Três Pontas), já era o principal arranjador e regente dos trabalhos deste desde o LP “Milton”, de 1970, mesmo ano em que, juntamente com Luis Alves (baixo), Frederyko (guitarra) e Robertinho Silva (bateria) forma uma banda de apoio para o parceiro. Assim surgiu a Som Imaginário, para a qual ainda foram convocados para completar o grupo nada mais, nada menos que três craques: Tavito (violão), Zé Rodrix (voz, órgão, flautas) e Naná Vasconcelos (percussão). Um time de primeira. Além das essenciais participações nos trabalhos de Milton e na de gente do calibre de MPB-4, Marcos Valle, Gal Costa, Odair José, Sueli Costa, dentre outros, a banda mantinha também carreira própria. Depois de dois discos em que Rodrix comandava os microfones (“Som Imaginário”, de 1970, e “Nova Estrela”, de 1971) a Som Imaginário, sem este e Naná, sintetiza sua sonoridade psicodélica e até lisérgica e compõem um álbum totalmente instrumental: “Matança do Porco”, de 1973. Nele, a MPB se junta com felicidade ao rock progressivo, ao jazz e à música clássica em seis canções assinadas por Tiso em que todos os músicos se esmeram nos instrumentos. Solos magníficos, arranjos deslumbrantes e orquestrações idem, cujas regências tiveram ainda a fina colaboração de Moura, maestro Gaya e Arthur Verocai. Este último trabalho de estúdio do grupo é uma obra-prima da música instrumental no Brasil.

“Armina”, com sua melodia valseada e melancólica, não apenas abre o disco com o piano altamente erudito de Tiso como, igualmente, recorta-o todo, aparecendo em vinhetas/excertos entre os outros cinco temas durante todo o decorrer, desfechando-o também, inclusive. A canção dá o clima do álbum, cujo peso do rock, o swing do samba-jazz e a energia do fusion são ciclicamente reconduzidos à atmosfera do tema-tronco, o qual traça uma linha entre o litúrgico e o a herança modernista do folclórico bachiano de Villa-Lobos. Entretanto, na alquimia natural da Som Imaginário, de cara se ouve um potente jazz-rock de baixo-guitarra-bateria-órgão, que faz um pequeno preâmbulo para, aí sim, dar lugar ao piano de Tiso. Depois de um lindo solo, que traz delicadeza ao número, a banda retorna vigorosa – a melodia lembra “I Want You (She's So Heavy)”, dos Beatles, na parte do “She so heavyyyy...”, para ver o nível de grandioculência – para um exímio e longo solo da guitarra rasgante de Frederyko, ao estilo de John McLaughlin. Por volta de 4 minutos e meio, param todos os instrumentos elétricos para novamente ouvir-se o dedilhado acústico do piano, fazendo ressurgir a valsa tristonha.

Agora sob o som de um piano elétrico, “A 3”, extremamente moderna, sintoniza com o que Hermeto Pascoal, Airto Moreira e João Donato vinham fazendo nos Estados Unidos àquela época e embasbacando os gringos: um jazz brasileiro com ritmo, harmonias complexas e uma habilidade musical peculiar dos trópicos. Show de perícia de toda a banda, que, levados pelos teclados, ganham o acompanhamento da percussão do mestre Chico Batera e da flauta de outro professor, Danilo Caymmi. Uma curta e orquestrada “Armínia”, arregimentada por Verocai – e na qual se notam os toques de sua sofisticação harmônica, principalmente na predileção pelos metais ouvidos ao final –, antecipa “A nº 2”, que inicia como um samba cadenciado conduzido por uma linha de órgão. Vão se adicionando as melodiosas vozes dos Golden Boys, solos da guitarra e cordas, num crescendo de emoção. Até que, pouco antes dos 5 minutos, o baixo de Luis manda um groove e a música dá uma virada para um jazz-funk estupendo. Tiso troca o órgão para o Hammond; Luis e Fredera, mantendo a base em repetições ágeis; Robertinho; segurando o ritmo na variação caixa/prato de ataque. Arrasador. Digno de um “Headhunters”, de Hancock, ou “On the Corner”, de Miles Davis.

A faixa-título, que eu conheci no disco de Milton, “Milagre dos Peixes Ao Vivo” (1974), surpreendendo-me por demais já daquela feita, não perde em nada no estúdio. Aliás, até ganha, tendo em vista que os registros ao vivo da época eram deficitários tecnologicamente (o caso). Além do mais, o próprio Bituca empresta aqui a sua voz. Então: serviço completo, nada faltando. Sugestivo, o título remete ao arcaico ritual de abate de suínos típico do folclore português e que, obviamente, devido a seus requintes de crueldade, exprime algo de visceral e funesto vivido à época no Brasil de Regime Militar. Como se tratava de uma canção “sem letra”, os milicos a consideraram inofensiva e deixaram passar pela censura. Isso faz com que “Matança do Porco”, música e disco, alinhem-se, pela via de um “silêncio resistente”, a “Milagre dos Peixes” de estúdio, daquele mesmo ano de 1973, que os militares censuraram praticamente todas as letras, transformando-o, forçadamente, num álbum semi-instrumental. Este aqui é instrumental de propósito, pois não há palavras para exprimir o sentimento nefasto que se presenciava. Os sons, dados à imaginação, falam por si.

Nos mais de 11 minutos da canção “Matança do Porco”, ponto alto do disco, deságuam boa parte da musicalidade construída pela turma do Clube da Esquina. Seguindo a atmosfera erudita que domina o álbum, trata-se de um pequeno réquiem transgressor, entre o rock e o jazz. Traz o vigor de um rock progressivo, que lembra o Pink Floyd psicodélico pré-"Wish You Were Here", ainda mais pela novamente excelente performance de Frederyko debulhando a guitarra – e não deixando nada a dever a um David Gilmour. O primeiro “movimento” inicia lento com acordes 2/2 de Tiso ao piano, que exercita uma breve introdução (Kyrie e Gloria) enquanto vão entrando aos poucos os outros instrumentos até chegar na guitarra, que, distorcida, se adona do campo. São quase 5 minutos de um solo dividido em dois momentos (algo que se poderia intitular como “A Preparação”, Credo, e “A Desforra”, Sanctus) que vai num crescendo e toma uma carga emotiva tamanha com o poder de carregar consigo os outros integrantes, ao final igualmente em êxtase. Robertinho dá um show de rolos e condução; Tiso, centro da peça, lança impressionantes ataques e improvisos jazzísticos. O ritual de morte chega a seu ápice. O sangue escorre. Morte.

Valendo-se fartamente de seu conhecimento erudito, Tiso corta mais uma vez a canção para, numa fusão para um segundo ato, arregimentar a partir dali uma volumosa orquestra Odeon (conduzida por Gaya), a qual toca uma melodia triste (um Benedictus), como uma prece à ignorância humana. Entram o coro dos Golden Boys formando um cantochão gregoriano. Junto, para realçar ainda mais a beleza melancólica do tema, a guitarra volta a marcar a base e Milton soma ao coro o seu inconfundível timbre, executando vocalises arrepiantes. O final, no órgão, desfecha-a num evidente tom fúnebre de Missa dos Defuntos, até voltar ao toque quase de cantiga de roda dos primeiros acordes. Agnus Dei. Um desbunde. O porco e o cidadão brasileiro, perseguidos e sem voz, foram abatidos. “Quem é animal e quem é gente?”, fica a pergunta.

Depois de tanta magnitude, uma gostosa “Armina” com ares de bossa-nova ameniza o astral visitando Tom Jobim e Billy Blanco. “Bolero”, na sequência, é uma balada com riff bem rural escrita em parceria com Luis, Robertinho e Milton, este último de quem evidentemente partiu a ideia do violão-base tocado por Tavito, outro dos coautores. Nova mostra de habilidade dos músicos em que Tiso, principalmente, se destaca manipulando os dois pianos, assim como a flauta de Danilo Caymmi. O filho do gênio baiano é quem dá os primeiros acordes de “Mar Azul”, outro samba-jazz moderníssimo feito para os dedos de Tiso maravilharem num Hammond, tanto quanto Tavito ao violão 12 cordas. Da segunda metade para o fim, é geral o show de improvisos. Jazz brasileiro puro.

A intensidade orquestral finaliza este histórico álbum com a quarta e última seção de “Armina”, novamente com o toque de Verocai, que carrega nas cordas e metais no início para, aos poucos, verter a sonoridade para as madeiras, numa transição extremamente apurada e apenas perceptível quando a flauta entoa a última nota, haja vista que aumenta um tom para terminar não num registro suave, mas grave como deveria ser. Na capa da reedição em CD, de 2003, vê-se um plano geral de uma mesa dá bem a dimensão do período de tristeza e decadência que o País um dia se colocou: copos, garrafas de cerveja e de uísque, todos vazios, acompanham um cinzeiro lotado de cinzas e baganas e um papel surrado sobre um dos copos – que bem pode ser uma carta a um ente querido impossível de ser postada por causa do cerco da ditadura ou uma confissão de suicídio.

Naquele 1973, o enganoso “milagre brasileiro” do governo Médici escondia ainda mais as torturas, perseguições e exílios promovidos desde o AI-5, de cinco anos antes. As guerrilhas eram enfraquecidas e a população, quando não ignorante, se calava à força. Sem precisar dizer quase nenhuma palavra, “Matança do Porco” e “Milagre dos Peixes” formam um dos mais potentes libelos contra a opressão da ditadura militar no Brasil, duas sinfonias em nome da liberdade que todo brasileiro decente de então merecia. É o poder da música, é a magia dos sons. Sons capazes de despertar o imaginário de quem consegue entender o que é dito pelo coração.
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FAIXAS:
01. Armina
02. A3
03. Armina (Vinheta)
04. A n° 2
05. A Matança do Porco
06. Armina (Vinheta 2)
07. Bolero (Tiso/Milton Nascimento/ Robertinho Silva/Tavito/Luis Alves)
08. Mar Azul (Tiso/Alves)
09. Armina (Vinheta 3)
todas as músicas compostas por Wagner Tiso, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:







segunda-feira, 2 de maio de 2022

As 30 melhores aberturas de filmes

 

Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.

Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.

"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)


Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.

Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.

A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.

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“Era uma Vez no Oeste”, Sergio Leone (1968)

São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme: o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..


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“Cassino”, Martin Scorsese (1996)

Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass, conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano em que ele morreu.


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“Fahrenheit 451”, François Truffaut (1966)

A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.


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“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2002)

A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.


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“Um Corpo que Cai”, Alfred Hitchcock (1956)

Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.


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“Psicose”, Alfred Hitchcock (1960)

Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.


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“O Segundo Rosto”, John Frankenheimer (1966)

Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra. 


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“O Jogador”, Robert Altman (1992)

Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".

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“Magnólia”, Paul Thomas Anderson (1999)

Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma coincidência”.

 

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“O Homem do Braço de Ouro”, Otto Preminger (1955)

Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso, de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.


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“A Marca da Maldade”, Orson Welles (1958)

Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém, havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena, câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão. E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de Welles.


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“Uma Mulher É uma Mulher”, Jean-Luc Godard (1961)

Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente em menos de 2 min.


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“Fellini 8 1/2”, Federico Fellini (1963)

Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo. Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio, que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.



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“2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1969)

 A ficção científica que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é, contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.


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“O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola (1972)

Este é um caso de uma forma própria de apresentar a história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade à “festa”. 


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“A Terceira Geração, Reiner Werner Fassbinder (1979)

Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.


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“Assassinos por Natureza, Oliver Stone (1994)

Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme. Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do punk-rock da L7. 


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“Persona, Ingmar Bergman (1960)

Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso. Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de todos os tempos”.


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“Cidadão Kane, Orson Welles (1940)

Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25 anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás, não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje. Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando o subconsciente do espectador.


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“Manhattan, Woody Allen (1979)

Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.


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“Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)

Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica". Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30 segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex (Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.


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“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)

A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen, quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada, pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história mesmo começa...

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“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)

Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome “Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que também é obra de Saul Bass.


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“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)

Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.



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“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)

Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.


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“Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (1945)

O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.



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“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)

Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.


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“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)

Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.



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“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)

Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.




Daniel Rodrigues

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

CLYLIVE ESPECIAL 13 anos do ClyBlog - Hímen Elástico - Woodstock Bar - Alvorada /RS (13/08/1993)




Pedaço do cartaz do evento















O mais alto voo "hermenêutico*" 

Hímen Elástico, sexta feira 13 agosto de 1990 e poucos....
Lembro que fizemos alguns ensaios e como de costume nunca tivemos um guitarrista fixo... mas tenho dois na memória, um canhoto e o outro destro.
Sim, ser canhoto era um pré-requisito para fazer parte da banda e nem precisava tocar bem. Se fosse canhoto estava dentro! Marcelo o “Fedor” era o destro, talvez o que mais se manteve no cargo, e Thiago Newman, o canhoto, que acho que foi quem participou do show que, certamente foi a apresentação mais insana daquela noite e que, curiosamente, não começou no palco.
Saímos eu, meu irmão, Nego Lê, nosso batera Cézah, o Pereba, e mais um amigo e personagem importante dessa cruzada, Diogo, o Tantã, rumo à Intercap, em Porto Alegre, para a reunião que daria início a saga.
Logo após a janta, todos naquele alvoroço se preparando para alçar ao que talvez fosse o voo mais ousado do nosso projeto hermenêutico, lembro da minha tia Iara, mãe dos guris Clayton e Daniel, meus primos e vocais da banda, nos encher de advertências sobre o uso do casaquinho, o cuidado com as companhias e aquela coisa toda de mãe.
Então chegou a hora, a trupe toda pronta e partimos para rua. Provavelmente eu levava alguma bebida mocozada na mochila, pois não lembro de um dia que saí durante os anos noventa onde não houvesse um vinho (hehehehe), mas o fato de já ter um trago, não impediu um dos atos que seria o marco daquela cruzada. Então, surge a dúvida: quem pegou a Cachaça Polteirgeist?
Lembro de o Pereba ter tomando mas também lembro do Tantã ser o primeiro a pegar o artefato.
Estávamos nós andando, não sei se próximo ao ponto de partida, quando numa encruzilhada nos deparamos com um despacho digno de uma legião de entidades e um dos nossos heróis teve a bendita ideia de pegar a cachaça pra tomar. 
Não sei se tomei, não sei quem tomamos, mas sei que fez toda diferença pois fomos para aquele show com uma legião de seres das ruas na nossa cola.
O lance era um pico muito louco numa festa insana organizada por uma skatista amigo nosso da Osvaldo Aranha, o Miller, que hoje mora em Viamão e que simplesmente convidou todo mundo pro evento. Lembro da Free Jack , Rapcrazy, Ultramen, Groove James, Borboleta Negra, que hoje virou Comunidade Nin-Jitsu, e nós, a Hímen Elástico, é claro...
Então chegou o momento tão esperado! Lembro de ter começado com a Marcha Fúnebre, num bass distorcidão, usando o moletom, que havia sido confeccionado num tamanho descomunal, com o capuz caindo na cara, fazendo referência à morte ou a um ritual qualquer (hehehehehehe!). Logo vinha “Carolina” ("Dá um beijo no cangote, Carolina!") e “Ex” que deram o ritmo do que seria uma metralhadora de músicas que tocamos naquela noite. Sim, foi um petardo atrás do outro e lembro que meu irmão não ficou no palco pois passou o show correndo no salão, alucinado, e geral impressionada com o que estavam assistindo. (hehehehehehehe!!!) Enfim, memorável! Logo após toda aquele frenesi, fomos para Osvaldo Aranha celebrar o grande momento. Acho que foi a primeira vez que vi Clayton e Daniel por lá!!!!!!
Até hoje não sei como acabou aquela noite mas guardo na memória, mesmo que vaga, um espetáculo inesquecível.

* Hermenêutico - termo que costumávamos usar para classificar tudo relacionado à Hímem Elástico


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A dúvida que não quer calar

Bah! Baita lembrança!
Então, o que dizer daquele dia? Eu bem moleque aprendendo os passos da adolescência e tendo exemplos, tanto de vocês, meus primos, como do Lucio, meu irmão.
Lembrando desse dia, hoje em 2021, consigo ter claro o que aquele 13 de agosto significou na construção de quem sou eu hoje, mas voltando anos atrás, era tipo um filme. Expectativa como se fosse um showzaço mas foi como uma final de campeonato, desde o ponto de ônibus, de onde já saímos rindo de tudo, até descer no centro de Alvorada, adentrar aquele bar escuro e ouvir a Hímen Elástico com vocês. 
Quebramos tudo! Foi massa demais e uma experiência única. Por isso, meu lema até hoje é: seja jovem sempre e faça tudo que quiser fazer, desde que não prejudique ninguém e não ocupe o espaço de outra pessoa. 
Contudo, depois de tanto tempo uma dúvida ainda persiste: Cachorro morto ainda late**?


** nome de uma das músicas da Hímen Elástico

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Macumba, rock ‘n’ roll e cabeças cortadas

Tínhamos a melhor banda de rock do Rio Grande do Sul dos anos 90. Digo isso sem soberba, até porque, se sobrava qualidade, faltou persistência a nós para prosseguimos e provar todo esse talento. A Hímen Elástico, nossa banda, era uma mistura muito bem azeitada de todas as referências que nós, integrantes, tínhamos: punk rock, hip hop, quadrinhos, samba, poesia concreta, música clássica, revistinha adulta, skate, hardcore, desenho animado. De tudo um pouco e tudo misturado emaranhando as mentes de Clayton Reis, meu irmão e principal vocalista/letrista; Leandro Reis Freitas, o Lê, primo backing assim como eu e dono de sacadas e ideias sempre criativas; Cezar “Pereba” Castro, o melhor batera dessas bandas sulistas depois de Pezão; e o baixo, vocais, and other instruments by Lucio Agacê, irmão de Lê e também nosso primo, um turbilhão de musicalidade e o verdadeiro músico entre nós – não à toa, o cara que mais seguiu por esse caminho entre todos nós depois da “dissolução” da Hímen, como carinhosa e debochadamente nos apelidávamos,.

Compúnhamos juntos e de forma contributiva, aliás, como sempre fizemos desde a infância, crescendo juntos como guris e seres criativos. Se a sintonia entre nós era sanguínea, geracional e afetiva, na guitarra a Hímen ainda reservava um charme à parte: sempre tínhamos um guitarrista diferente. Sabe a The The, a P.I.L., a This Mortal Coil, todos com guitarristas móveis? Pois é: éramos iguais. Dependendo da ocasião, algum amigo, familiar, parceiro ou até fã nosso era contemplado – desde que soubesse minimamente tocar o instrumento, visto que nenhum de nós tinha essa capacidade.

Todas essas características faziam da Hímen uma banda sui generis, que botava no chinelo em musicalidade Comunidade Nin-Jitsu, Cidadão Quem, Papas da Língua, Tequila Baby... todas as bandas de sucesso do RS na época. E nada dessa de banda “couve”: nossas músicas eram todas escritas por nós mesmos. O que não era de nossa autoria, transformava-se assim, como as versões de Ramones e Legião Urbana, que emendávamos com uma de nossas canções, “Fórmula de Bhaskara’, ou as ousadas versões de “Ego Sum Abbas” de CarminaBurana ou da techno-punk Suicide para o formato baixo-guitarra-bateria. Tínhamos inteligência musical e repertório suficiente para gravar um disco, certamente. Mas o fato é que não tivemos muito tempo de “estrada”. Embora as músicas ainda existam, foram poucos os que, ao contrário das bandas de sucesso do rock gaúcho, bem mais persistentes, tiveram o “privilégio” de nos ouvir. A não ser numa fatídica, gélida, perigosa e memorável noite de rock ‘n’ roll que nós promovemos.

Não vou lembrar com detalhes, pois lá se vão 28 anos, mas recordo que ensaiamos algumas horas na tarde daquele 13 de agosto de 1993 num estúdio que alugamos no Bom Fim. Terminados os ensaios, ‘simbora lá pra nossa casa, meio do caminho para nosso destino final, para comer alguma coisa feita por minha mãe, dona Iara, que levou as mãos à cabeça ao saber para onde iríamos depois dali: Alvorada. E à noite! E numa sexta-feira 13! E na cidade mais perigosa do Estado! Isso porque, naquela semana, a imprensa havia noticiado, assombrada, vários assassinatos cometidos em Alvorada em que os criminosos haviam decapitado suas vítimas. Misto de irresponsabilidade e descomplicação juvenil, obviamente, fomos. Seria a primeira apresentação ao vivo da Hímen Elástico! Nossas músicas, nós no palco! Adrenalina, rock ‘n’ roll! Não íamos perder de jeito nenhum a oportunidade de fazer aquele show, nem que, para isso, cortassem nossas cabeças!

Rock a gente associa a algo quente, infernal, furioso, certo? Neste caso, porém, substitua-se o calor dos infernos por um frio dos infernos. Sim: afora todas as justificativas que inibiriam qualquer ser minimamente ajuizado de não sair de casa, fomos nós, sob uma temperatura quase negativa, pegar dois busões em direção a Alvorada para desespero de minha mãe. Além de caminhar trechos com os instrumentos nas costas, sabe como é pegar ônibus de noite num fim de semana, né? Chá de banco. E com aquele frio! Deu pra ver que a galera não tinha grana, né? Táxi? Impossível, muito caro. Carro próprio? Àquela época, nem carteira aqueles guris tinham. Mas se faltava grana, assim como para com nossas músicas, sobrava criatividade – e um bocado de ousadia, confesso. No caminho para a condução, Cezar, quieto e sempre atento, encontrou uma garrafa de cachaça inteirinha e quase intocada. Que alento para aquele frio! E tudo bem pegar a bebida numa ocasião como aquela, não fosse a cachaça ser de um despacho. E acham que a gente se intimidou com o santo? Que nada! A insolência falou mais alto. Afinal, estávamos indo para um show de rock, caramba! O NOSSO show de rock.

Foi realmente uma apresentação digna a que fizemos no Woodstock Bar. Com uma formação de guitarra, baixo, bateria, voz e backing vocals, abrimos, como numa homenagem àquela sexta-feira 13 maldita, com “A Marcha Fúnebre”, (sim: trata-se de "Sonata para piano Nº 2 em si bemol menor, Op. 35", de Chopin), que havíamos ensaiado bastante durante o dia, embasbacando quem assistia. Seguiram-se nossas músicas: “Ex”, “Grandes Lábios”, E Daí?”, “Clayton” e outras. Nossas músicas.

Voltando a memória para antes do show, lembro de minutos antes de entrar no palco – pela primeira vez. Senti aquele famoso frio na barriga que todo músico ou ator diz ter antes de começar o espetáculo. Dei mais uns goles na nossa cachaça enfeitiçada e, não sei por que cargas d’água, arranquei o lenço que eu levava na cabeça e o amarrei numa das pernas, logo acima do joelho. Depois, foi só transe. Dito assim, parece um ato infantil, sem propósito ou até irrelevante. Mas aquilo era rock, bebês. Dadas as devidas proporções (afinal, considerávamos os melhores do nosso território, mas não do planeta), é a pulseira de spike dos metaleiros; é a camiseta rasgada de Sid Vicious; é o figurino extravagante do Elton John; é o tênis All Star dos Ramones; é o crucifixo do Ozzy. Não é a música, mas faz parte. Afinal, rock não é só som: é atitude. É o momento em que se experencia algo transformador: deixa-se de ser somente a si próprio para se tornar, pelo menos por minutos, sua própria criação artística.

Com todo o cenário que se pintou, de perigos tanto do além quanto da vida real, posso afirmar que subir num palco é como ter a sua cabeça cortada e entregue numa bandeja para o público. Como no mito de Salomé, sedução e morte se amigam. É quase um milagre. Ou dá pra explicar de outra forma a voz do Clayton ter voltado perfeitamente na hora do show depois de emborcar a nossa aguardente magiada? Deus, ou melhor, o Diabo, pai do rock, fez-se presente naquele dia para ele tão especial para nos permitir que a nós também fosse. E foi.

Não eram muitos na plateia, certamente. Mas que quem esteve lá, viu uma verdadeira banda de rock, isso, viu. A melhor do Rio Grande do Sul da década de 90, o que muitos nunca souberam. Mas a gente, “hermenêuticos”, sem modéstia, sabemos que sim.



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Cachaça Poltergeist
por Cly Reis


Ninguém tocava grande coisa. Na verdade, a maioria de nós, LucioDaniel e Eu, o núcleo da Hímen Elástico, não tocava instrumento nenhum. Éramos quatro primos muito musicais e muito criativos, o que nos despertou o desejo de botar aquelas ideias musicais, às vezes muito doidas, em prática. E o meio para isso era ter uma banda. Mas como ter um grupo musical diante da situação já relatada da total inépcia instrumental dos integrantes? Ah, o Lucio, que era o único um pouco mais habilidoso tocaria contrabaixo, que era no que se saía melhor, um de seus grandes amigos, o Pereba, que tocava bateria pra diversas bandas, acrescentaria mais essa à sua lista, e eu, que tinha o desejo mas não a coordenação motora pra tocar, tinha uma guitarra que poderia servir para algum guitarrista que convidássemos e que se encaixasse. De resto, na falta de maiores talentos, todos os três restantes seriam vocalistas, ora fazendo backing-vocals, ora se alternando na voz principal, embora o posto, oficialmente, coubesse a mim, não por ser mais ter mais qualidades para tal mas, pelo contrário, exatamente por não saber fazer mais nada.
Ensaiávamos com alguma frequência, guitarristas iam e vinham no posto que nunca fora muito fixo, tínhamos um repertório interessante e consolidado e, a partir de determinado momento, começamos a ansiar por uma oportunidade de tocar em algum lugar. Numa dessas, o Lucio, que era o cara com mais contatos, mais atuação no underground de Porto Alegre e região, conseguiu um showzinho pra nós. Seria em Alvorada, um município próximo à capital, num pequeno festival, com umas quatro ou cinco bandas, num lugar chamado Woodstock Bar. O dia? Sexta-feira 13 de agosto.
Determinados a garantir um bom desempenho, uma apresentação digna, marcamos um ensaio extraordinário para o final da tarde do dia do show. O evento no bar começaria umas10h ou 11h da noite, faríamos nosso ensaio ali pelas seis da tarde, voltaríamos pra minha casa, comeríamos alguma coisa, sairíamos por volta das oito e ainda daria tempo tranquilamente. Nosso planejamento deu certo. Deu, em termos... O ensaio da tarde e, possivelmente, algum stress por ansiedade, levou embora minha voz. Me vi, a poucas horas do nosso momento mais importante, até então, sem a coisa que eu mais precisava naquela noite: a voz. Por sorte, pouco antes da nossa vez de subir no palco, um cara de uma outra banda, vendo a minha situação, recomendou que eu tomasse uma cachaça que era certo que minha voz voltaria. Não deu outra! Foi voltando, foi voltando e na hora do show, eu estava pronto.
Subimos ao palco exatamente à meia-noite da sexta-feira 13 (bom, tecnicamente, já seria dia 14, mas pra efeito da mística da ocasião, ganha mais efeito dramático se colocado assim). Pelo soturno da situação, abrimos os trabalhos com a "Marcha-fúnebre", mas já emendando com a nossa tradicional vinheta de abertura, "Carolina", que já desembocava na nossa eletrizante música de abertura, "Ex" e a partir daí foi só pancadaria. Um show bom, modéstia à parte, mas não apenas na minha opinião, uma vez que nosso som foi elogiado por integrantes de outras bandas e, de quebra, pela gatinha que eu estava azarando.
Numa noite tão envolta em elementos sombrios, uma sexta-feira caindo em13, início do show à meia-noite, marcha-fúnebre, voz indo e vindo e tudo mais, não é de se duvidar que um fato externo tenha influenciado todo o contexto daquela jornada. Ainda na nossa ida, assim que saímos da minha casa, no meu bairro, ao passarmos por uma encruzilhada, com um respeitável despacho, vasto, abastado, repleto de guloseimas, bebidas, pipocas, galinhas e tudo mais, um amigo da banda, o Tantã, sem nenhum temor, passou a mão numa garrafa de cachaça e tascou uma bela golada. O Pereba, não se fazendo de rogado, não hesitou e também caiu dentro da cachaça da macumba. Entre risos, zoeira e muita imaginação, fantasiando que as galinhas do despacho levantariam e nos perseguiriam reivindicando a oferenda roubada, seguimos dali para o local do show, no episódio que ficou conhecido entre nós como a "Cachaça Poltergeist".
Então, não é de se duvidar que, por trás de toda aquela noite mágica, mística, da própria cachaça que eu tomei no bar, estivessem agindo forças sobrenaturais, espíritos, entidades, orixás, que fizeram com que, no fim das contas, nos saíssemos bem dentro das nossas possibilidades e que tudo desse certo no lendário primeiro show da Hímen Elástico. 



Hímen Elástico - "Fita p/ Não Comprometer"