Jean-Claude Carrière disse certa vez que “quem faz cinema é herdeiro dos grandes contadores de histórias do passado”. Pois é isso: cineastas são contadores de histórias. Afinal, quase invariavelmente, quanto mais original a obra cinematográfica, mais se sente a “mão” do seu realizador. Um filme, na essência, vem da cabeça de seu diretor. Fato. Tendo em vista a importância inequívoca do cineasta, convidamos 5 apaixonados por cinema que, cada um à sua maneira – seja atrás ou na frente das câmeras –, admiram aqueles que dominam a arte de nos contar histórias em audiovisual e em tela grande.
Então, dando sequência às listas dos 5 preferidos nos 5 anos do clyblog, 5+ cineastas:
1.Gustavo Spolidoro cineasta e professor (Porto Alegre/RS)
"Se Deus existe, ele se chama Woody Allen"
O pequeno gênio,
Woody Allen
1 - Woody Allen 2 - Stanley Kubrick 3 - Rogário Sganzerla 4 - François Truffaut 5 - Agnes Varda ***************************************
2.Patrícia Dantas designer de moda (Caxias do Sul/RS)
"Gosto destes"
1 - Quentin Tarantino 2 - Stanley Kubrick 3 - Sofia Coppola 4 - Woody Allen 5 - Steven Spielberg *************************************** 3.Camilo Cassoli
A Queen, isolada numa fazenda para gravar sua obra-prima
Nesse período de isolamento em casa pela Covid-19, de todo
lado surgem listas com indicações do que se ler, assistir e, bastantemente,
ouvir. De playlists a discos, muitos recorrem à música pra aliviar a barra da
clausura forçada. Eu mesmo colaborei com uma seleção recentemente para o site
AmaJazz sobre os discos de jazz que 50 pessoas escolheram para escutar na quarentena – o meu, aliás, foi "The Real McCoy", de McCoy Tyner, a
pouco resenhado por mim para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do blog.
Mas o que ainda não ouvi falarem são os discos não
necessariamente próprios para este momento, mas os FEITOS em isolamento. Seja
no estúdio improvisado na própria casa, num apartamento fechado, numa mansão
isolada da civilização e até num hospício ou cadeia. Tem de tudo. Não é
novidade que artistas em geral busquem essa condição de recolhimento para se
concentrar, principalmente quando intentam um projeto novo. Porém, geralmente
isso ocorre de maneira controlada e adaptada a um fluxo rotineiro. Aqui, não.
Falamos de exemplos da discografia do rock, da MPB, da black music e do jazz
concebidos ou gravados em condições extremas de afastamento de qualquer outra
coisa que pudesse interferir além da própria criação musical. Tamanho foco não raro
acarretou em trabalhos brilhantes, sendo alguns bastante recorrentes em listas
de melhores em vários níveis.
Woodland, a casa que viu nascer "Trout...", da Captain Beefheart
Mesmo que o motivo para se isolar destes discos não seja o
de um perigo à saúde como hoje, cada um deles é, a seu modo e motivo, também
fruto de um momento necessário de reflexão. Se seguirmos o termo pelo que diz o
dicionário, "reflexão", do latim tardio, quer dizer "ato ou
efeito de refletir algo que se projeta". Música, assim como toda arte, não
é exatamente isso?
Aqui, então, uma listagem que serve como dicas para audiçãonestes
dias com 15 discos cujo processo de isolamento lhes foi essencial para
serem concebidos, mesmo que a própria sanidade mental de seus autores tenha
sido, em certos casos, comprometida para que isso ocorresse (se é que já não
estava). Se a nossa saúde física está em perigo atualmente, a discografia
musical, diante dessa (aparente) contradição entre “liberdade” e “prisão”, é
capaz de sanas nossas mentes.
*****
1. “Os Afro-Sambas” – Baden Powell e Vinícius de Moraes (1966)
Local: Casa de Vinícius de Moraes, Parque Guinle, Laranjeiras, Rio de Janeiro, Brasil
Já resenhado aqui no blog, é o exemplo clássico na
música brasileira de confinamento que deu certo. Mas não um isolamento para
ficar limpo ou longe da família e das tentações. Os instrumentos de home office
foram o poderoso violão de Baden, o papel e a caneta de Vinícius e um engradado
de whisky 12 anos. “Eu fiquei tão entusiasmado que passamos uns três meses
completamente enfurnados”, disse Vinícius sobre a temporada em que abrigou
Baden em seu apartamento no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, para comporem as
mais de 50 canções que resultariam n”Os Afro-Sambas”. Depois da concepção, foi
só lapidar em estúdio com as intensas percussões, os arranjos e regência do
maestro César Guerra-Peixe e as participações vocais do Quarteto em Cy e de
Dulce Nunes. Como Cly Reis bem colocou na resenha de 2013, “Os Afro-Sambas” é “uma
perfeita mescla de técnica, poesia, brasilidade, africanidade, sincretismo,
tradições, folclore e genialidade em um trabalho que leva ao limite a
multiplicidade e as possibilidades dentro da linguagem do samba e das vertentes
da música brasileira desde suas mais remotas origens”. OUÇA O DISCO
2. “Music from Big Pink”– The Band (1968)
Local: "Big Pink", West Saugerties, Ulster, Nova York, EUA
Ia tudo bem com os canadenses Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel em 1966. Eles formavam o grupo de apoio de Bob Dylan no clássico “Bringing It All Back Home” e revolucionavam o folk rock ao eletrificá-lo de forma inequívoca. Mas o perigo está sempre à espreita. Não demorou muito para que as reações contrárias viessem e as vibrações ruins dos conservadores da música norte-americana afetassem tanto Dylan, que o fizeram se acidentar de moto. Fim da linha? Não, pelo contrário: fase superprodutiva. Com músicas até sair pela orelha, os rapazes da The Band alugam uma casa de cor rosa em West Saugerties, uma pacata vila no Condado de Ulster, em Nova York, e concebem seu primeiro e histórico álbum, metalinguisticamente chamado de “música da grande casa rosa”. Resultado: “Music...”, cuja capa reproduz um óleo da autoria de Dylan, é classificado como 34º melhor disco pela Rolling Stone's entre os 500 maiores de todos os tempos. Não precisa dizer mais nada. OUÇA O DISCO
3.“Trout Mask
Replica”– Captain Beefheart & His Magic Band (1969)
Local: Woodland Hills, Ensenada Drive, Modesto, Califórnia, EUA
O blueser vanguardista Don Van Vliet já havia dado ao mundo
do rock dois discos memoráveis com sua Captain Beefheart: Safe as Milk (1967) e
Strictly Personal (1968). Mas um filho musical de Frank Zappa como ele jamais
se contenta com o que já fizera. Movido por um desejo artístico superior, Vliet
fez, então, “Trout...”. Reproduzo o parágrafo que abre a resenha que escrevi em
2013 sobre este disco aqui para o blog, pois vai na essência do que essa obra
representa: “Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano.
Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em
abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento
e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock,
tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo
sem um acorde sequer de piano. (...) Talvez o trabalho que melhor tenha fundido
rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira ‘obra de
arte’, um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado
obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.” OUÇA O DISCO
4.“Gilberto
Gil” - Gilberto Gil (1969)
Local: Quartel da Vila Militar, Deodoro, Rio de Janeiro, e domicílio-prisão, Rua Rio Grande do Sul, Pituba, Salvador, Brasil
Antes de “Changin’ Time”, do norte-americano Ike White (que
falaremos logo adiante), outro grande disco cunhado em regime de cárcere era
produzido, infeliz ou felizmente, no Brasil. Foi em 1969, nos anos de ditadura
militar. O que se tem a celebrar desse capítulo triste da história brasileira é
que nem a repressão foi suficiente para impedir que a genialidade de Gilberto Gil
produzisse um álbum grandioso tanto em qualidade quanto em simbologia e
resistência. O supra-sumo do tropicalismo. E ainda num ínterim tenso e degradante. Em prisão domiciliar em
Salvador após meses encarcerado no Rio de Janeiro e quatro meses antes de
embarcar para o exílio em Londres, Gil lançou mão apenas de seu violão e de sua
voz para gravar as bases de todas as músicas que comporiam seu novo álbum. Nove
preciosidades que, quando foram parar nas mãos de Rogério Duprat para que este
as produzisse e as vestisse com os outros instrumentos e orquestrações, seu
autor já estava em pouso forçado no Velho Mundo. O antropólogo Hermano Vianna
observa, abismado, que "Gilberto Gil"“é quase um milagre que tenha sido produzido e
lançado”. Milagre maior é saber que desse disco há obras como “Aquele Abraço”,
“Futurível”, “Cérebro Eletrônico” e “Volks Volkswagen Blues”.
Local: Fulbourn Hospital, vila de Fbridbourn, Cambridgeshire, Inglaterra
Syd Barrett é daqueles gênios que nunca bateram muito bem. A capa, desenho dele, denota esse ínterim entre a loucura e a mais graciosa sanidade. Ao mesmo tempo em que produzia coisas incríveis, como a marcante participação
(e fundação!) na Pink Floyd, era capaz de cair num estado vegetativo indissolúvel. A esquizofrenia era ainda mais comprometida pelo
uso de drogas pesadas. Tanto que, logo depois de “The Piper at the Gates ofDown”, de 1967, o de estreia da banda, Roger Waters e David Gilmour assumiram-lhe a frente. Mas não sem desatentarem do parceiro, que gravaria logo em
seguida o também lendário “The Madcap Laughs”. Gilmour, aliás, amigo e
admirador, fez o que poucos fariam para manter viva aquela chama: montou um
estúdio em pleno manicômio, em que Barrett fora internado, em 1969, para que o “Crazy
Diamond” registrasse sua obra mais bem acabada antes que sua mente se
deteriorasse e o impedisse disso para sempre. Foi, aliás, exatamente o que aconteceu com Barrett, morto em 2006 totalmente recluso e sem ter nunca mais
entrado num estúdio com regularidade. Antes, graças!, deu tempo de salvar “Barrett”, dos
discos cinquentões de 2020.
Era comum a galera do rock dos anos 60 e 70 dar umas
escapadas sabáticas para ver se conseguiam fugir um pouco burburinho de fãs e
executivos e produzir algo que lhe satisfizesse. Acabou sendo o que aconteceu
com a Led Zeppelin para a produção daquele que foi seu mais celebrado disco: o
“IV”(ou "Four Symbols", ou "ZoSo" ou "o disco do
velho”). Em dezembro de 1970, a banda se reuniu no recém-inaugurado Sarm West
Studios, em Londres, para a pré-produção de seu até então novo álbum. Só que não.
Outra banda, a Jethro Tull, havia chegado primeiro. O quarteto Page/Plant/Bonham/Jones
decidiu, então, por sugestão dos integrantes de outra grande banda inglesa, a Fleetwood Mac, finalizar a produção no pequeno estúdio da Headley Grance, uma mansão de
pedra de três andares em East Hampshire, no meio do nada, com fama de mal
assombrada mas com uma acústica incrível. Prova do acerto na escolha do lugar
para a gravação é o som da bateria de Bonham em "When the Leevee
Breaks", gravada, com microfones-ambiente na base da escadaria da casa. O
resultado é um som trovejante e uma das introduções de bateria mais marcantes
de todos os tempos. Fora isso, o local viu nascerem alguns dos maiores clássicos
do rock de todos os tempos, como "Black Dog", "Rock and
Roll", "Stairway to Heaven" e "Four Sticks".
Local: Mansão Nellcôte, Villefrance-sur-Mer, Costa Azul, França
Sabe tudo que se fala do caos que foi o set de filmagens de “Apocalypse Now”, do Coppola, com drogas, sexo, atrasos, grana desperdiçada, crises e, claro, o isolamento de toda a equipe do filme numa floresta quente e úmida? Algo semelhante foram as gravações de “Exile...”, dos Rolling Stones. Troca-se apenas a úmida floresta asiática pela da famosa Nellcôte, mansão localizada na mediterrânea Villefrance-sur-Mer, Sul da França, que presenciou, entre 10 de julho a 14 de outubro de 1971, um festival de sexo, drogas e muito, mas muito rock ‘n’ roll. Quase ninguém saía nem entrava, a não ser traficantes e groupies para animar as noites viradas. Os atrasos, como no filme, foram decorrência, o que, aliás, também fez gastar tempo e dinheiro. No que se refere à crise, foi uma financeira que fez a banda fugir da Inglaterra para aquele lugar longe de tudo – principalmente do fisco. Cenário perfeito para sair tudo errado, certo? Se o filme de Coppola venceu a Palma de Ouro e virou o maior filme de guerra de todos os tempos, “Exile...”, a seu tempo, se transformou no melhor disco dos Stones – o que é quase dizer que se trata do melhor disco de rock de todos os tempos.
Local: Little Bedwyn, vila de Wiltshire, Inglaterra
O segundo disco solo do inglês Robert Wyatt, então baterista da Soft Machine, é outra experiência radical de isolamento forçado. Porém, esta se deu por um motivo limite: um grave acidente. Na noite de 1º de junho de 1973, em uma festa regada a Southern Comfort COM tequila (receita ensinada pelo parceiro de bebedeira Keith Moon), Wyatt, depois de incontáveis doses, não percebeu que saía a pé por uma janela, despencando sem escalas direito do quarto andar rumo ao chão. Ele acordou só no outro dia numa cama de hospital sem movimentar as pernas nunca mais a partir de então. Quando ele finalmente conseguiu se sentar em uma cadeira de rodas, um dos primeiros objetos que encontrou no hospital foi um velho piano na sala de visitas, onde começou a trabalhar no material de “Rock Bottom”, algo como “fundo do poço”. Após um período difícil de adaptação à sua nova condição, ele começou a gravar faixas no início de 1974 em uma fazenda em Little Bedwyn, numa pacata vila de Wiltshire, sudoeste da Inglaterra, alavancando a unidade de gravação móvel da Virgin Records, estacionada no campo do lado de fora da casa. Para o crítico musical e historiador italiano Piero Scaruffi, “Rock...”, cuja soturna arte da capa também é de autoria de Wyatt, é uma das 15 obras mais importantes da música moderna na segunda metade do século XX.
Local: Rockfield Studios, Rockfield Farm, Monmouthshire, País de Gales
A história desse disco é tão legal, que virou uma das melhores sequências do premiado filme “Bohemian Rhapsody” - faixa, aliás, que exprime
com grandeza a importância e qualidade ímpar do disco da Queen. Depois do sucesso dos
primeiros álbuns com o grupo e recém contratados por uma grande gravadora, a
banda sabia que tinha que trazer algo melhor e novo no álbum seguinte. Pois
Freddie Mercury, em alta efervescência criativa, convence o restante do grupo a
se instalar temporariamente na Rockfield Farm, uma pequena vila no sudeste do
País de Gales, longe do burburinho dos fãs e, principalmente, de qualquer
influência que o desviasse do objetivo de fazer, sem modéstia, uma obra-prima.
Se a gravadora achou ousado demais e houve críticas à mistura de música
clássica com rock, não importa. O fato é que “A Night...”logo estourou, entrou
para a lista dos mais vendidos e saiu bem àquilo que Freddie intentava: uma
obra-prima.
Local: Tehachapi State Prison, Tehachapi, Califórnia, EUA
Se o assunto é disco produzido e gravado num ambiente fechado, “Changin’ Times”, de Ike White, vai ao extremo. Músico prodígio, hábil com vários instrumentos e de uma capacidade compositiva sem igual, ele poderia ter sido um dos grandes astros da black music norte-americanos, no nível de James Brown, Isaac Hayes ou Curtis Mayfield. Só que o destino cruel quis que aquele homem negro tão talentoso quanto pobre fosse sentenciado por um homicídio e passasse a maior parte da vida na cadeia. Mas foi dentro de uma, a penitenciária de Tehachapi, uma pequena cidade no interior da Califórnia, que White, em 1976, ajudado por Stevie Wonder e pelo produtor Jerry Goldstein, revelasse ao mundo aquele é um dos melhores discos da música soul de todos os tempos, o acertadamente intitulado “Tempos de Mudança”. Esses dados são adivinhados pelos agradecimentos na capa do álbum ao superintendente Jerry Emoto, do Departamento de Correções da Califórnia, e ao restante da equipe da prisão "sem cuja ajuda esse projeto não poderia ter sido realizado". E não há mais informações sobre Ike White. Nada. Ano passado, o documentário “The Changin' Times of Ike White”, de Daniel Vernon, revelou alguma coisa mais do pouco que se sabe sobre a lenda Ike White. Porém, ouvindo um disco tão maravilhoso quanto este talvez se conclua que seja isso mesmo tudo que se precise saber.
Local: Dellow House, Dellow Street, Wapping, East London, Inglaterra
Dellow House, sito ao logradouro de mesmo nome, área urbana da Grande Londres, código postal E1. Este é o endereço em que o lendário baixista britânico Jah Wabble gravaria um de seus discos mais influentes para a galera do pós-punk, entre eles, Renato Russo, que ovacionava este álbum. Porém, nem mesmo todas essas indicações geográficas são suficientes para apontar precisamente onde o disco fora concebido, produzido e gravado: o próprio quarto de Wabble. Aliás – assim como o já citado disco da The Band – o título, "Bedrom Album", mais claro, impossível. Depois de ter ajudado John Lydon e sua trupe da Public Image Ltd. a definir o som dos anos 80 e 90, Wabble, não dado por satisfeito e dono de uma carreira solo que passa desde a música eletrônica ao free funk, fusion, experimental e new-wave, faz seu o melhor trabalho até hoje. As linhas de baixo graves e mercadas ganham toda a relevância nos arranjos, que tem como aliada a guitarra do parceiro Animal (Dave Maltby). Os outros instrumentos, todos a cargo do dono do quarto. Semelhanças com a sonoridade da P.I.L., há, como na brilhante “City”, nas arábicas “Sense Of History”, “Concentration Camp” e “Invaders of the Heart”. Uma aula de como fazer um disco brilhante sem sair da cama.
12.“Blood
Sugar Sex Magik”– Red Hot Chili Peppers (1991)
Local: The Mansion, Laurel Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
A The Mansion, antiga construção na montanhosa Laurel
Canyon, em Los Angeles, era lendária e assombrada. Nas décadas de 1960 e 1970,
muitos artistas famosos como Mick Jagger, David Bowie, Jimi Hendrix e The Beatles estiveram nela. Conta-se que, nos anos 20, seus donos a abandonaram depois
que um homem morreu caindo de sua varanda. Há quem afirme que, quando esteve em
seus corredores, as portas se abriam sozinhas. Era o cenário perfeito para que
os malucões da Red Hotgravassem "BSSM", seu quinto e mais festejado álbum. Os 30 dias
em que Anthony Kiedis, Flea, John Frusciante e Chad Smith se mudaram para a
mansão pertencente ao produtor Rick Rubin foram essenciais para que criassem
clássicos e hits do rock como "Give It Away", "Under The
Bridge", "Suck My Kiss" e "Breaking the Girl". Funk,
punk, heavy metal, indie, jazz fusion, pop. Tudo junto e misturado no disco
que, junto de “Nevermind”, do Nirvana, fez o rock alternativo sair das cavernas
e ir para as paradas.
Local: The Manor Studio, Shipton Manor, Oxfordshire, Inglaterra
A The Cure também teve a sua vez de reclusão. Foi para a gravação
de “Wish”, de 1991. O trabalho anterior, o celebrado “Disintegration”, foi um
sucesso de crítica e público, mas bastante tempestuoso durante as gravações.
Último disco com o então integrante formador Lawrence Tollhust, muito desse
clima se deve à relação já bastante estremecida dele para com Robert Smith e
outros integrantes da banda. Já sem ele, decidem, então, se enfurnar numa
mansão em estilo Tudor em Oxfordshire, interior da Inglaterra, a chamada
Shipton Manor. Um lugar espaçoso, cheio de espelhos enormes, tapetes persas,
lareiras e um enorme mural no átrio. A ideia eram justamente, fugir um pouco de
toda a polêmica e as complicações em torno do processo que o Tolhurst movia
contra Robert Smith e o grupo. A safra foi frutífera, tanto que rendeu um álbum
duplo, o último grande da banda, e com o hit “Friday I’m in Love”, que colocou
“Wish” nas primeiras posições em várias paradas naquele ano.
Local: Antiga residência dos Vianna, Estrada do Morgado, Vargem Grande, Rio de Janeiro, Brasil
Talvez um desavisado que conheça Herbert Vianna hoje,
paraplégico por causa de um acidente sofrido em 2001, pense que “Ê Batumaré”,
assim como o disco de Wyatt, seja caseiro por motivos de "força maior". Mas, não.
À época, quase 20 anos antes daquele ocorrido trágico, o líder e principal
compositor da Paralamas do Sucesso, dotado de todas as funções motoras, estava
dando uma guinada sem volta na carreira pela influência da música brasileira em
sua música (em especial, do Nordeste). Já se percebiam sinais em discos da
banda, como “Bora Bora” (1988) e “Os Grãos” (1991), e se sentiria ainda mais no
sucessor “Severino”. Gravado, tocado e cantado inteiramente pelo ele em uma
garagem sem tratamento acústico e num equipamento semiprofissional (como está
escrito no próprio encarte), ouve-se de Zé Ramalho a Win Wenders, de baião a
eletroacústica, de rock a repente, além de instrumentos de diversas sonoridades
e timbres e, claro, as ricas melodias que sempre foi capaz de criar. O álbum é
o centro desta mudança de paradigma que Herbert trouxe à sua música, à de sua
banda e ao rock nacional como um todo. Se à época a imprensa brasileira –
sempre pronta para criticar os artistas de casa – recebeu o disco com frieza,
considerado-o “experimental” (mentira: eles não entenderam!), nunca mais o rock
brasileiro foi o mesmo depois de “Ê Batumaré”.
15. “The Downward Spiral” – Nine Inch Nails (1994)
Local: 10050 Cielo Drive, Benedict Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
Nos anos 90, o avanço da tecnologia dos equipamentos sonoros dava condições para se montar estúdios portáteis onde quer que fosse. Foi então que o multi-instrumentista norte-americano Trent Reznor pensou: “por que não instalar um em plena 10050 Cielo Drive, a mansão nos arredores de Beverly Hills, Los Angeles, em que, na madrugada do dia 9 de agosto 1969, a família Manson assassinou cinco pessoas, entre elas, com requintes de crueldade, a atriz e modelo Sharon Tate, grávida do cineasta Roman Polanski?” O que para alguns daria arrepios, para o líder da Nine Inch Nails foi motivação. Ali ele compôs o conceitual “The Downward Spiral”, disco de maior sucesso da banda. Reznor, que se mudara para a casa, absorveu-lhe o clima macabro para criar uma ópera-rock cheia de ruídos, distorções e barulho em que o personagem principal passa por solidão, loucura, descrença religiosa e repulsa social. Até o estúdio improvisado ganhou nome em alusão àquele trágico acontecimento: Le Pig, uma referência a uma das mensagens deixadas escritas nas paredes da casa com o sangue dos mortos. Se por sadismo ou mau gosto à parte, o fato é que o disco virou um marco dos anos 90, considerado um dos melhores álbuns da década pouco após seu lançamento por revistas como Spin e Rolling Stone.
McQueen pilotando de verdade o Mustang em "Bullit"
Ele foi o maior
“filho da mãe” que já existiu no cinema. Steve McQueen era
várias pessoas numa só. Honesto, desonesto, amável, odioso,
modesto, presunçoso, inteligente, maduro, infantil. Era capaz de
jurar amor eterno à esposa e ter um caso logo a seguir. Era
desatento com os amigos, mas extremamente generoso com estranhos.
Falava sobre os perigos das drogas, mas não conseguia evitá-las. Os
paradoxos eram fascinantes em Steve McQueen, que era o derradeiro
paradoxo. Sua complexidade era tão grande assim como a lista de
mulheres que ele levou para cama. O ator sempre foi tido como uma
pessoa difícil e competitiva, mas ao mesmo tempo de uma intensidade
e generosidade humana enorme. Buscou autenticidade em todos os seus
papéis no cinema, desde pilotar ele mesmo os carros e motos nas
perseguições de “Bullit”, “Le Mans” e “Fugindo do
Inferno”, a cortar o cano de uma arma para ser mais autêntico ou
mesmo desafiar Yul Brynner com as técnicas de Lee Strasberg no set
de “Sete Homens e um Destino”.
Colecionou carros,
aviões e motos, teve mais de 100, assim como mulheres, das quais
teve bem mais. Era um grande “come quieto”: roubou Ali Mcgraw de
Robert Evans nas filmagens de “The Getaway“, de Sam Peckinpah, em
1972. Evans o odiou para sempre. Não poupou as esposas e namoradas
de outros atores, produtores e diretores. Mas nunca cedeu às
investidas de Natalie Wood por ser grande amigo de Robert Wagner.
Semeava a discórdia e inveja por onde passava. Parte dos atores
hollywoodianos o detestavam e quase nunca o indicavam para prêmio
algum. Não foi nomeado ao Oscar por “Papillon” (recebeu apenas
uma nomeação na vida), o maior papel de sua carreira e, quando foi
indicado ao Globo de Ouro, pediu que enviassem o prêmio pelo
correio.
Com Ali McGraw em "The Getaway",
um de seus inúmeros casos amorosos
Seu maior rival no
cinema foi Paul Newman. Chegaram a brigar para ver quem teria o nome
em maior destaque no cartaz de “Inferno na Torre”. Assim também
foi com Brynner, Faye Dunaway e Dustin Hoffman, a quem ele dava
conselhos não muito bem aceitos pelo colega de “Papillon”. Mas
foi Bruce Lee, seu grande amigo e professor, quem mais o invejou na
vida. Chegaram a discutir por cartas para ver quem era o mais famoso.
McQueen dizia que ele queria ser o McQueen da Ásia. Já com James
Coburn e Robert Wagner existia uma admiração mútua e grande
amizade.
A rebeldia do “King
of Cool” era fruto de um lar violento e do pai que ele não
conheceu segundo alguns amigos. Isso fez com que ele fosse para um
reformatório na juventude e depois saísse na busca de um sucesso
que, por fim, ele considerou efêmero. No início da carreira, o ator
fez muitos filmes por dinheiro e depois acabou repudiando e
criticando o sistema de Hollywood. Recusou ofertas milionárias de
filmes como “Apocalypse Now”, “Dirty Harry” e “Operação
França” e optou por fazer as suas escolhas. Muitas delas em
produções duvidosas e de fracassos comerciais anunciados, Mesmo
assim, seu legado para filmes que envolvem ação e perseguições é
considerado enorme até hoje. Como esquecer a cena de “Bullit” em
que McQueen fez sua própria pilotagem, neste que foi o primeiro
filme com som ao vivo da história (sim, sem usar nada de sonoridade
adicional!), ou ele de novo se aventurando a pilotar uma moto Triumph
em “Fugindo do Inferno”, tudo porque os pilotos alemães eram
lentos demais. O cara era de Indianápolis, tudo explicado.
A rara última foto do ator
antes de morrer, em 1980
Em 1980, o ator foi
diagnosticado com um câncer raro de pulmão. Neste ano ele filmaria
“The Hunter”, seu último filme. McQueen saiu em busca da cura e
foi ao México. Tentou todas as formas alternativas para conter a
doença: dietas, ervas, curas holísticas, etc. Mas nada foi
eficiente e o câncer se alastrou. Ele dizia que estava nas mãos de
Deus e que o divino já tinha sido generoso antes, pois há anos
atrás o ator tinha sido convidado para o jantar na casa de Roman Polanski na noite em que os Manson fizeram a chacina que matou a
atriz Sharon Tate e mais quatro pessoas. Ele teria ligado a ela e
desistido na última hora. Mesmo assim, nada foi suficiente. Em
novembro de 1980, ele sucumbiria aos 50 anos de uma vida breve mas
cheia de intensidade e brilhantismo a uma doença causada pelo
contato com amianto. Martin Landau disse certa vez: “Sei que
poucos vão chorar por este ‘filho da mãe’, mas entre 2 mil
atores da audição histórica de Lee Strasberg, só eu e eles
passamos, entende, só eu e ele, ele era um ‘filho da mãe’ e
tanto".
Depois de sua morte,
soube-se que McQueen em seus anos de reclusão visitava em segredo
entidades sociais e doava milhões a lares de crianças e idosos. Em
um destes lares sentado ao chão ao lado de um menino, ele disse com
lágrimas nos olhos: "Aqui é muito difícil, lá fora também
é, a vida não é como nos filmes, mas jamais percam seus sonhos e
suas esperanças, tio Steve sempre estará aqui”. E assim foi.
Mais uma lista daquelas de melhores filmes de todos os tempos...
Esta da revista inglesa Empire escolhida por leitores e cineastas.
Chama a atenção a inclusão do recentíssimo "O Cavaleiro das Trevas" e a posição curiosa de 28° para "Cidadão Kane", quase sempre colocado nas listas como o número 1, ou senão entre os 5, pelo menos.
Na ponta aparece o "...Chefão 1", que eu não concordo, mas compreendo e já vi nesta condição em outras listas, mas o 2° lugar pro "Indiana..." é muita areia pro caminhãozinho do Sr. Jones.
Confiram aí os 30 primeiros e a lista completa no site da revista no link logo abaixo:
*********
1. "O Podereso Chefão", de Francis Ford Coppola (1972)
2. "Indiana Jones Os caçadores da arca perdida", de Steven Spielberg (1981)
3. "Star Wars: O Império contra-ataca", de Irvin Kershner (1980)
4. "Um sonho de Liberdade", de Frank Darabont (1994)
5. "Tubarão", de Steven Spielberg (1975)
6. "Os Bons Companheiros", de Martin Scorsese (1990)
7. "Apocalipse Now", de Francis Ford Coppola (1979)
8. "Cantando na chuva", de Stanley Donen e Gene Kelly (1952)
9. "Pulp Fiction", de Quentin Tarantino (1994)
10. "Clube da Luta", de David Fincher (1999)
11. "Touro Indomável", de Martin Scorsese (1980)
12. "Se meu Apartamento Falasse", de Billy Wilder (1960)
13. "Chinatown", de Roman Polanski (1974)
14. "Era uma vez no Oeste", de Sergio Leone (1968)
15. "O cavaleiro das trevas", de Christopher Nolan (2007)
16. "2001: Uma Odisséia no Espaço", Stanley Kubrick (1968)
17. "Taxi Driver", de Martin Scorsese (1976)
18. "Casablanca", de Michael Curtiz (1942)
19. "O Poderoso Chefão - Parte II", de Francis Ford Coppola (1974)
20. "Blade Runner", de Ridley Scott (1982)
21. "O Terceiro Homem", de Carol Reed (1949)
22. "Star Wars: Uma Nova Esperança", de George Lucas (1977)
23. "De volta para o futuro", de Robert Zemeckis (1985)
24. "O Senhor dos Anéis: A sociedade do anel", Peter Jackson (2001)
25. "Três Homens em Conflito", de Sergio Leone (1967)
26. "Dr. Fantástico", Stanley Kubrick (1964)
27. "Quanto mais quente melhor", de Billy Wilder (1959)
Todo mundo tem mãe e, como não podia deixar de ser, no cinema, todo personagem tem mãe. Muitas vezes elas não são mencionadas, não aparecem, são secundárias, não tem sequer relação com a história, mas sabemos que elas existem. Contudo, em outros casos, elas são tão essenciais ou têm participação tão destacada na trama que é impossível não lembrar delas. o ClyBlog destaca algumas dessas mães aqui. Sei que cometeremos injustiças, vai faltar uma que outra, alguém vai dizer que essa ou aquela não podia faltar, mas procuramos fazer uma lista interessante e heterogênea em características, estilos, época, nacionalidade, ambiente, gênero cinematográfico, etc.
Então, vamos à lista:
*(Cuidado! Pode conter spoilers)
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Ela, inatingível, pairando sobre tudo.
1. "O Espelho", de Andrey Tarkovski (1975) - Para
mim, desde que vi pela primeira vez, "O Espelho", filme semiautobiográfico
do diretor russo Andrei Tarkovski, representa uma obra sobre mães. No filme
Maria (Margarita Terekova), uma mãe abandonada pelo marido, voluntário para o exército, vive com
seus dois filhos em uma propriedade campestre e ali acompanhamos parte do
cotidiano desse núcleo familiar corajosamente conduzido por uma mulher. Filme
cheio de simbologias e metáforas, embora traga elementos como infância,
saudade, nostalgia e seja passível de diversas interpretações, para mim, é a
maternidade o elemento que mais chama atenção e emociona. O olhar e as imagens
sempre poéticas de Tarkovski mostram aquela mulher como uma espécie de entidade
superior, uma criatura inabalável, altiva, incólume, impenetrável, mesmo com o
mundo desabando à sua volta. A cena de sonho em que ela flutua, elevada da
cama, confere a ela ares de divindade, de magia, de alguém com um poder
inexplicável que talvez até ela mesmo desconheça. E, na maioria das vezes, não
é bem assim que são nossas mães?
2. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1960) - Esse é o caso de uma mãe que
é fundamental para a trama mas, na verdade, não está presente fisicamente
o tempo inteiro durante o filme. Hitchcock, genial como era, até nos deixa com
a pulga atrás da orelha num primeiro momento, sugerindo alguma farsa ou
assombração, uma vez que nos tornando conhecedores do fato que a mãe do dono do
motel, Norman Bates, está morta, faz aparecer um vulto feminino na janela da
casa, nos deixa ouvir uma bronca de voz feminina envelhecida no filho Norman e,
por fim mostra-nos uma senhora de cabelos brancos e coque esfaqueando a cliente
loura no chuveiro, numa das cenas mais clássicas do cinema. "Como
assim?", pergunta-se o espectador de primeira viagem. Acho que não
vou dar *spoiler porque a essas alturas, mesmo quem não viu, está
cansado de saber que é o próprio Norman que, perturbado e esquizofrênico assume
o papel da mãe, vestindo-se como ela e punindo quem quer que seja que venha a
despertar algum tipo de desejo no reprimido Norman.
É incrível mas uma das mães mais célebres do cinema, não está
verdadeiramente no filme. Loucura!
"Psicose" e sua famosa cena do chuveiro.
3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968) - Rosemary (Mia Farrow) é uma
futura mãe que pressente uma ameaça ao filho que ainda está em sua
barriga, vinda de seus vizinhos, um casal de velhotes estranhos e enxeridos e,
por incrível que pareça, de seu próprio marido. Tudo começa quando se mudam
para o novo apartamento, conhecem os vizinhos e não muito tempo depois, o
esposo, um ator pouco valorizado, ganha um papel importante em um filme em
virtude da morte do ator que interpretaria o papel. O marido passa agir
estranhamente, os velhos passam a estar constante e inconscientemente presentes
em sua casa e sua vida e até mesmo administram à grávida uma estranha dieta à
base de algumas ervas de origem e efeitos duvidosos. Aos poucos Rosemary,
fragilizada física e emocionalmente, começa a desconfiar estar sendo
vítima de alguma espécie de seita para a qual o bebê que leva dentro de si,
provavelmente, virá a ser elemento chave.
Paranoia, imaginação, ansiedade, fantasia, reflexo de sua fraqueza física,
estresse da gravidez? Exagero ou não, essa mãe vai brigar até o último instante
para proteger seu filho de algo que, na verdade, nem ela sabe bem ao certo do
que se trata mas que, pelo que vai se apresentando a ela, parece algo muito,
muito maligno.
4. "Sexta-Feira Muito Louca", de Mark Walters (2003)
- Quantas vezes já não ouvimos que só estando no lugar da outra pessoa para
saber como ela se sente, não? Pois é, "Sexta-Feira Muito Louca"
promove essa possibilidade justamente em uma relação de uma mãe e uma filha.
Relação difícil, intolerância, falta de compreensão mútua... Só mesmo uma troca
de corpos para fazer com que cada uma perceba as dificuldades da vida da outra.
E nessa confusão quem sai ganhando é o espectador com situações muito
divertidas, com Jamie Lee Curtis fazendo uma adolescente no corpo de uma
"coroa", e da maluquete Lindsay Lohan curtindo uma de senhora
responsável presa num corpo de garota de colégio. Mamãe vai entender, ou talvez
lembrar, que existe pressão por notas, coleguinhas implicantes e insuportáveis,
professores chatos, paqueras, necessidade de privacidade, tempo para lazer,
etc. e talvez, a partir de tudo isso, se remodelar; e a filhota vai perceber
que ser mãe, ter obrigações, preocupações, casa, trabalho, e, principalmente
filhos aborrecentes, não é tarefa para qualquer uma.
Mães e filhas e suas histórias.
5. “Clube da Felicidade e da Sorte”, de Wayne Wang (1993) – Filme emocionante sobre mulheres que foram filhas, se tornaram mães e viram as filhas se tornarem mães.
Quatro chinesas com histórias diferentes em seu país de origem, vão parar nos Estados Unidos e lá constroem famílias, se conhecem e tornam-se grandes amigas. Muitos anos depois, após a morte de uma delas, Suyuan, é revelado à sua filha June, que as filhas gêmeas que a mãe tivera na China e que abandonara bebês durante a guerra em circunstâncias pouco esclarecidas, às quais todos acreditavam não terem sobrevivido, estavam, sim, vivas e dispostas a conhecê-la. Então, a festa de despedida de June, que embarcará para a China para conhecer as irmãs, serve de pano de fundo para conhecermos as histórias de vida de cada uma delas, de suas dificuldades na China, das particularidades das relações com suas próprias filhas quando crianças, e dos problemas da vida adulta destas como mulheres.
Traumas, reminiscências, roupa-suja, desabafos, remorsos, sacrifícios, esqueletos dentro do armário são trazidos à tona em momentos chave do filme de modo a preencher lacunas em aberto e colocar as coisas nos seus devidos lugares e apenas reafirmar aquilo que todos sabemos: que ela pode ter todos os defeito que tiver, mas que não existe ninguém como a mãe da gente.
6. "Dançando no Escuro", de Lars Von Trier (2000) - Tudo o que Selma queria era guardar um dinheirinho para fazer a cirurgia de olhos de seu filho para que ele não acabasse como ela, quase sem enxergar nada, uma vez que herdara dela a doença progressiva de perda de visão. Mas um vizinho, um policial proprietário do terreno onde ela vive num trailer com o filho, descobre sobre o dinheiro e rouba as economias da pobre coitada que, além de tudo, acabara de ser demitida da fábrica onde trabalhava. Tentando recuperar seu dinheiro, Selma acaba matando o vizinho e é presa por isso. Uma história dura, dramática, pesada, é verdade. Mas a vida de Selma, de certa forma, é embalada e seus momentos difíceis amenizada pela música. Amante dos musicais cinematográficos, Selma foge mentalmente de sua realidade imaginando estar em cenas de filmes musicais onde tudo à sua volta suscita sons e canções, desde as máquinas da metalúrgica onde trabalha ou mesmo passos, enquanto é levada pelos guardas na cadeia.
Filme do sempre controverso Lars Von Trier, com atuação brilhante da cantora Björk, no papel da protagonista, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.
Eis uma mãe que deu cada centavo de seu trabalho e fez tudo que estava a seu alcance pelo bem do filho. Até as últimas consequências.
"Dançando no Escuro", 107 passos
A maluca mãe de Carrie, disposta tudo para
que a filha continue pura.
7. "Carrie, A Estranha", de Brian De Palma (1976) -
Não tem como falar em mães no cinema e não lembrar da maluca, crente e
super-protetora mãe de Carrie White. Fanática religiosa, Margareth mantém a filha
afastada e alienada em relação ao mundo que a rodeia, expondo a jovem a constrangimentos diários como, por exemplo, o do início do filme em que se desespera
por ter menstruado e é ridicularizada pelas outras meninas no vestiário da
escola. Ah, mas não é uma boa ideia zoar com uma garota como Carrie com poderes
psicocinéticos que se manifestam especialmente quando ela se altera emocionalmente,
e essa galera que adora tocar um terror nos outros, vai entender isso da forma
mais dolorosa possível.
Uma das garotas do bullying no vestiário, verdadeiramente arrependida
e na boa intenção de se redimir com Carrie, convence o namorado, os gostosão da
escola, a convidá-la para o baile, de modo que a esquisitinha se enturme, socialize.
A mãe, brilhantemente vivida por Piper Laurie, tenta evitar de todas as maneiras
que a filha vá, utilizando-se de seus argumentos religiosos, chantagens
psicológicas e sua por fim de sua autoridade de mãe, mas Carrie, decidida a
viver pelo menos um dia de sua vida, começa a mostrar seus poderes em casa,
contra a própria mãe e termina de fazê-lo na festa, onde vítima de um trote de
muito mau gosto, do restante da turminha da pesada, proporciona um banho de
sangue em uma das cenas mais marcantes da história do cinema.
A velha podia ser louca, mas não dá pra dizer que ela não
avisou.
Sarah Connor não vai permitir que robô nenhum
se meta com seu filho.
8. "O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final", de James Cameron
(1991) - Tá certo que no início, lá no primeiro filme, por mais que tivesse
sido informada por um carinha do futuro que seria a mãe de um líder da
resistência humana numa guerra contra as máquinas, Sarah Connor estava mais
interessada era em salvar a própria pele do que de um bebê que, a bem da verdade,
ela nem tinha certeza se viria a existir mesmo. Mas a partir do momento que se
convenceu, da pior forma possível, depois de ter sido perseguida por um
ciborgue sanguinário e impiedoso, de que o papo de apocalipse das máquinas era
quente, foi determinada em ter a criança e, no pouco tempo em que teve com ele
antes de ser internada num hospital psiquiátrico, em treiná-lo e prepará-lo
para cumprir seu destino no front dos humanos contra as máquinas.
Durante todo o tempo em que esteve mantida no manicômio penitenciário por ter
destruído uma fábrica de eletrônicos e alegar que o fizera porque um robô
exterminador teria vindo do futuro para matá-la e a seu filho, Sarah (Linda Hamilton) sempre
ficou pensando numa maneira de sair dali para proteger o filho. A desconfiança que
o garoto tem, posteriormente no filme, quando a resgata do hospício, de que a
mãe está mais preocupada com a humanidade do que com ele, não demora para se
desfazer diante de toda o amor com que ela o protege.
Ela é fria é pragmática, objetiva, dura, durona, mas não poderia ser de outra
maneira quando se sabe que seu filho, além de já ser naturalmente importante
somente por ser seu filho, pode ser a salvação da humanidade.
9. "Leonera", de Pablo Trapero (2008) - Circunstância estranhas... Um
homem morto, outro ferido, uma mulher inconsciente. Um dos dois seria o
assassino, teria sido uma quarta pessoa? Por que não ela não lembra de nada?
Teria sido drogada? Ou não quer lembrar? O fato é que nesse mistério todo, a
garota é quem vai parar na cadeia, só que grávida como se encontra, é enviada a
uma instituição onde é permitido que as internas tenham lá seus bebês e depois
permaneçam com elas no presídio, até os 4 anos de idade. Revoltada com a
gravidez, relutante e resistente em ter o filho, num primeiro instante, Julia
Zarate (Martina Gusmán), aos poucos vai sendo conquistada pelo seu pequeno rebento e seu
instinto e amor de mãe acabam prevalecendo, fazendo dela uma mãe atenciosa e
carinhosa, mesmo dentro daquele ambiente prisional.
O lugar, mesmo com as características tradicionais de um ambiente prisional, em
muitos momentos acaba parecendo uma creche e a presença das crianças acaba
iluminando um pouco o lugar e garantindo-lhe, de certa forma, sempre um rasgo
de alegria e esperança.
Só que em meio às situações corriqueiras de um presídio, envolvimentos íntimos,
desavenças com outras internas, visitas do advogado, audiências de apelação,
Julia vê-se às voltas com as investidas de sua mãe para levar o neto dali
daquele ambiente que considera pouco apropriado para a criação de uma criança.
Sob pretexto de tratar um resfriado do menino, a avó consegue convencer a mãe a
tirá-lo de lá, em princípio, apenas para uma consulta médica, com a promessa de
levá-lo de volta. Só que isso não acontece e aí Julia vai fazer de tudo para
ter seu filho de volta.
Filme de uma mãe que até hesita um pouco no ofício divino que lhe é concedido
mas que a partir do momento que se sente mãe, não vai deixar que ninguém tire
isso dela. Uma leoa que protege sua cria a qualquer custo.
10. Kill Bill – vol.2”, de Quentin Tarantino (2004) – No final
do volume 1 é revelado, apenas para o espectador, que a criança que a noiva
baleada na cabeça num massacre numa igrejinha de interior, sobrevivera à chacina. Recuperada
de um coma de quatro anos, a mãe, uma assassina treinada que não perdera seus
instintos mortais, depois de se vingar de parte do grupo
que tentara matá-la, vai agora em busca do líder e ex-amante, Bill. O tempo inteiro, a grande
motivação da vingança de Beatrix Kiddo (Uma Thurman), também conhecida como a Mamba Negra, é
o fato de terem-lhe tirado seu bebê, tanto que a primeira coisa que faz quanto
desperta do coma, sem noção de quanto tempo estivera ali, é levar a mão à
barriga e perceber que não tem mais ali a criança. Aquela é a vingança de uma mãe.
Cada um que sucumbe a ela paga pelo fato de terem lhe tirado a oportunidade de poder
ter um filho, estar perto da criança, curtir cada momento. Ah, todos terão que
pagar por isso! O que ela não contava é que, às portas de seu confronto final,
ao encontrar Bill, encontraria também uma graciosa menina, doce, dengosinha e com
carinha de anjo. Ah, amigos, ela desaba! A determinação com que ela adentra a
vila onde habita o algoz, de arma em punho, pronta para aniquilar o homem que
lhe causara tanto sofrimento e privação, é completamente desestruturada assim
que vê a menina.
Ele, cavelheiresco como é, apesar de seu ofício, permite a
elas algumas horas juntas antes do inevitável duelo final entre os dois, que
serão os momentos mais gostosos e bem aproveitados por aquela mãe. Horas que
valerão por anos, até porque, ela não sabe o que acontecerá assim que sair
daquele quarto e colocar sua espada Hatori Hanzo em ação contra a de seu oponente,
o tão perseguido, Bill.
11. “Volver”, de Pedro Almodóvar (2003) - Almodóvar gosta de destacar mulheres em seus filmes e não raro, trata especificamente de mães, como acontece, por exemplo em "Julieta" (2016), "A Flor do Meu Segredo" (1995) e, é claro, "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999). Mas não vamos cair na obviedade de destacar o filme que explicitamente dedica, já no título, sua temática às mães e sim um outro do qual gosto muito e que traz as questões das relações entre mães e filhas de uma maneira mais leve, mesmo contendo elementos dramáticos, polêmicos e sombrios. "Volver" é uma espécie de comédia surrealista onde uma mãe, Irene, brilhantemente interpretada por Carmen Maura, "retorna dos mortos" para alguns acertos, alguns ajustes, uma reconciliação com suas filhas, especialmente com Raimunda, vivida por Penélope Cruz, com quem nunca tivera, em vida, uma relação muito boa. Raimunda, diante da novidade da misteriosa volta da mãe, ainda vê-se às voltas com o assassinato cometido por sua filha adolescente Paula,que matara o padrasto que tentara abusar sexualmente dela. A não ser pelos relatos de Raimunda, não sabemos como era a mãe quando viva, mas o que sabemos é que a Irene "fantasma" é um personagem adorável que dá um brilho todo especial ao filme de Almodóvar. Um filme delicioso com uma mãe que vai nos mostrando, e às filhas, que tudo o que sempre fez, foi protegê-las, assim como a filha Raimunda faz agora em relação à sua pequena Paula. Aquele instinto que passa de mãe para filha.
12. "Indochina", de Régis Wargnier (1992) - Eliane (Catherine Deneuve), dona de uma vasta extensão de seringais na Indochina francesa e mãe adotiva de uma garota indochinesa, se apaixona e tem um romance com um oficial francês da Marinha, Jean-Baptiste, mas o rapaz também cai nas graças da filha Camille em um incidente na rua onde o militar salva sua vida. Em parte por ciúmes, em parte para protegê-la do cenário efervescente pela libertação da colônia, Eliane, rica e influente consegue fazer com que transfiram o oficial para os quintos-dos-infernos, numa ilha, literalmente, lá na cochinchina, de modo que fique longe da filha, imaginando assim que a jovem desista dele e, por fim, o esqueça. Só que aquela mãe não contava que o amor da menina pelo oficial fosse muito maior do que ela imaginava. A menina atravessa o país atrás do seu amor e, agora sem a proteção de sua posição social, como uma indochinesa comum e misturada a seu povo, conhece a relidade local, se afeiçoa à sua gente ele e se solidariza com sua luta pela independência.
A busca e Camille por Jean-Baptiste é comovente e tem momentos verdadeiramente lindos, mas em paralelo a isso, a mãe, verdadeiramente amorosa apesar do ato egoísta, desesperada, não mede esforços para encontrar a menina e move mundos e fundos para tê-la de volta. Mas aí já é tarde, a pequena e frágil Camille já virou uma revolucionária procurada e praticamente uma lenda em seu país.
O fato de ter afastado a filha da pessoa que ela amava pode parecer desqualificar Eliane no quadro das grandes mães. É verdade, ela foi um tanto egoísta, autoritária, até insensível. Mas não se engane, leitor. É o tipo do caso da mãe que acha que está fazendo o melhor para o filho, mesmo que isso tenha que custar algum sacrifício o qual, neste caso específico, era para ambas. A gente até fica com uma raivinha dela durante o filme mas na cena do reencontro das duas é de morrer de pena daquela mãe.
mostrando que mãe adotiva é tão mãe quanto qualquer outra.
"Indochina" - trailer
Uma das mortes clássicas de "Sexta-Feira 13".
Jason aprendeu direitinho com a mamãe.
13. “Sexta-Feira 13”, de Sean S. Cunnigham (1980) – Quando pensamos em “Sexta-Feira 13”, a primeira lembrança que nos vem à mente é o assassino psicopata da máscara de hóquei, Jason Voorhees, mas pouca gente lembra que quem mata no primeiro filme da franquia (* alerta de spoiler) é a mãe de Jason. Sim! Pamela Voorhees traumatizada e perturbada pela morte do filho, afogado por negligência dos monitores do acampamento de Crystal Lake, responsabiliza, de um modo geral, a todos os jovens cheios de vida e resolve que deve se vingar de todos aqueles que venham a acampar no lugar onde o filho morreu. E a mamãe capricha! É um banho de sangue com algumas cenas das mais clássicas do terror slasher como, por exemplo, a que Kevin Bacon, estreando, novinho ainda, tem a garganta atravessada por uma faca, deitado na cama. Caso em que o filho aprendeu direitinho os ensinamentos da mãe pois, dali em diante, nas sequências da franquia, é Jason quem assume o facão e mostra-se extremamente competente em sua tarefa.
Quem assistiu a “Sexta-Feira 13 – parte 1”, jamais vai esquecer a frase, dita com aquela vozinha fininha, imitando a de uma criança, sempre antecedendo mais uma atrocidade: “Mata ele, mamãe!”.
14. "A Troca", de Clint Eastwood (2009) - Agora, imagina se seu filho desaparece, você denuncia o fato às autoridades e depois de algum tempo eles vem pra você com uma outra criança e querem que você engula e aceite aquilo. Cara, é exatamente o que acontece em "A Troca", filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Angelina Jolie, e o pior é que a coisa toda é baseada num fato real ocorrido em Los Angeles na década de 20.
Aquela mãe insiste, Christine Collins, reafirma que não é o mesmo menino que sumira, tenta provar de todas as maneiras, com os professores, com exames médicos, com fotos, mas a polícia não só tenta lhe impor que é o garoto que ela procura como a acusa de insanidade mental por não reconhecer o próprio filho.
Uma história angustiante em que ficamos cada vez mais envolvidos e torcendo por aquela mãe. Mas infelizmente, amigos, tenho que revelar que a situação só piora.
Caso de uma mulher que não desiste do filho, não desiste da verdade, mas que, mãe solteira, vê-se impotente e cada vez mais sufocada pelas autoridades, pelo machismo e pela conjuntura social de sua época.
15. "Mãe!", de Darren Aronofsky (2017) - Essa é a mãe de todos nós. Salvo outras possíveis interpretações, a Mãe, interpretada por Jennifer Lawrence no filme de Darren Aronofsky, representa mãe natureza, a vida. E tudo o que aquela mãe mais quer é viver em paz e preservar sua casa, que é, na verdade, a nossa casa. A casa em questão, uma propriedade retirada em reformas, é onde ela vive com Ele, um escritor em crise criativa, vivido por Javier Barden, que, vaidoso e inconsequente, permite visitas inconvenientes que cada vez mais vão tumultuando a vida e o lar dos dois. Primeiro são um homem e uma mulher, convidados por Ele (Adão e Eva); depois uma multidão mal-educada que chega para o funeral de um dos filhos do homem e da mulher, morto pelo irmão (Caim e Abel), e com seu mau comportamento, mesmo diante de todas as advertências, acabam causando um enorme vazamento (Dilúvio) e a ira da dona da casa; e por fim, quando ela já está grávida, os convidados que chegam para celebrar a nova obra do escritor que finalmente rompera seu bloqueio criativo e que assim que ela tem o bebê, em meio à sua noite de consagração, exibido, faz questão de levar e entregar seu filho, recém nascido à turba de insensatos que..., (* alerta de spoiler) literalmente, o devoram (Jesus Cristo).
Um filme complexo, para o qual cabem diversas outras interpretações ou variações, mas que não deixa dúvida quanto a uma coisa: o zelo que uma mãe tem pelo seu lar e pelos seus.
À parte as reflexões religiosas, com "Mãe!" você vai entender melhor o desespero da sua mãe quando chegava em casa e via aquele lugar de cabeça pra baixo.
Alguns outros filmes com mães marcantes que merecem destaque e poderiam perfeitamente estar na nossa lista:"O Óleo de Lorenzo", de George Miller (1992); "Mamãe Faz Cem Anos", de Carlos Saura (1979); "Mommy", de Xavier Dolan (2014); "Minha Mãe é Uma Peça", de André Pellenz (2013); "Tudo Sobre Minha Mãe", de Pedro Almodóvar (1999); "Mom", de Ravi Udyawar (2017); "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert (2015); "O Quarto de Jack", de Lenny Abrahamson (2016); "Precisamos Falar Sobre Kevin", de Lynne Ramsay (2012), "Juno", de Jason Reitman (2008); "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende (2006)