quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Capas de VHS IV - "Um Corpo que Cai"
sábado, 12 de outubro de 2024
CLAQUETE ESPECIAL Dia das Crianças - "Os Meninos" ("¿Quién puede matar a un niño?"), de Narciso Ibañez Serrador (1976)
Nos conflitos, nas crises, nas tragédias, nas catástrofes, quem mais sofre nessas situações? Seja pela vulnerabilidade, pela fragilidade, pela dependência, pela inocência, ao longo da história, as crianças tem sido vítimas costumazes de todas as barbaridades que o homem consegue produzir. E se, cansadas de tudo que os adultos as submetem, as crianças se revoltassem? Resolvessem tomar o mundo só para elas? Se livrarem dos homens e mulheres que já não carregassem a pureza da infância?
Em um formato inusitado de documentário, o diretor Narciso Ibañez Serrador faz questão de nos apresentar, ainda nos créditos de "Os Meninos", uma série de imagens de guerras, como a da Coreia, guerra do Vietnã, Segunda Guerra, Biafra na Nigéria, nas quais crianças, de alguma forma, sofrem com as consequências desses conflitos, revelando ao espectador números assustadores dessas vítimas inocentes. Milhares, milhões de crianças mortas!
Elas não teriam razão de se revoltar?
Pois a revolta, a conscientização coletiva de uma reação por parte dos pequenos tem início em uma ilhota, do outro lado de um popular balneário na Espanha. Em alta temporada, um casal em férias, tom e Evelyn, antes do nascimento do bebê que está para chegar, resolve passar alguns dias no lugarejo, só que chegando lá estranham o ambiente deserto, desabitado, sem serviços ou informações, e não podem deixar de notar que somente crianças circulam pelo local. Não tardam também a perceber que estas representam uma ameaça às suas vidas e à do bebê que Evelyn carrega. A estadia na ilha, então, que deveria ser o momento de tranquilidade do casal, se torna uma corrida pela vida.
Na cena da menina do bar, não sabemos o que esperar da garota. Curiosidade? Ternura? Um esfaqueamento? Uma maldição? |
Filme muito bem conduzido. Logo quando o casal ainda chega ao balneário, um corpo é encontrado no mar e é retirado do local numa ambulância, mas só depois é que entendemos que o cadáver possivelmente fora uma pessoa morta na ilha pelas crianças e que flutuara até a praia. Na ilha, a fotografia precisa, misteriosa, as vielas desertas, a sensação de abandono ou fuga do hotel, do restaurante, tudo muito bem planejado, causa uma sensação de inquietude constante. A cena do bar abandonado em que uma menina surge, se aproxima e acaricia a barriga da grávida, causa uma mistura de sensações: curiosidade, tensão, alerta, medo, expectativa...
"Os Meninos" é uma espécie de "Os Pássaros", de Alfred Hitchcock, só que com crianças, só que naquele, embora especulemos uma série de possibilidades a respeito do comportamento doas animais, não temos, em momento algum uma explicação para aquele ataque. Já em "Os Meninos", toda aquela introdução com imagens chocantes de guerras e números assustadores mortes, sem dúvida alguma, pretende, no mínimo, dizer, "É por esses motivos que eles estão assim". E daria para culpá-los?
A ironia do filme e uma questão que o diretor deixa no ar é que, se concretizada a dominação das crianças, aquela revolta saindo dos limites da ilha e se espalhando para o mundo, se aqueles pequenos, tão cheias de ódio, não fariam um mundo pior ou igual ao que vivem? Mais guerras, mais mortes, mais , injustiças, egoísmo... Sem falar numa coisa óbvia que, certamente, mais cedo ou mais tarde faria diferença: crianças crescem e se tornam adultos...
E adultos, nós bem sabemos, costumam estragar seu próprio mundo.
Assista:
"Os Meninos" ("¿Quién puede matar a un niño?"),
de Narciso Ibañez Serrador (1976)
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
Capas de VHS I - "Janela Indiscreta"
terça-feira, 25 de junho de 2024
"Passaredo"
sexta-feira, 5 de janeiro de 2024
Tabelão Clássico é Clássico (e vice-versa) 2023
Wes Craven (ao centro), com seus Sádicos. Sofreu, sofreu, mas manteve a invencibilidade. |
A máxima que o filme original é sempre melhor que a refilmagem parece que começa a ruir definitivamente!
Pelo segundo ano consecutivo o remakes superam os originais e desta vez com larga vantagem e com placares elásticos em alguns confrontos. Depois de serem surrados impiedosamente nas primeiras temporadas do Clássico e Clássico (e vice-versa), as refilmagens reagiram e mostraram que existem, sim, produções tão boas quanto, senão melhores que as consagradas feitas anteriormente.
Nesta temporada, no tradicional confronto "eu vs. eu mesmo", a versão mais nova e mais longa da assombração Babadook, da diretora Jennifer Kent levou a melhor sobre seu filme de origem, grandes nomes como Martin Scorsese e John Carpenter estrearam, e com vitória, no nosso certame, o craque do terror Wes Craven, garantiu sua invencibilidade com um empate sofrido contra o remake de seu "Quadrilha de Sádicos", e o mestre Hitchcock segue imbatível depois de colocar, em 2023, mas uma vitória na conta.
Vamos ver então, brevemente, como foram os confrontos do último ano, e como fica a tabela geral depois desses resultados.
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Originais já começam a ver os remakes pelo retrovisor. O que será que nos reserva essa disputa para o ano que chega? Veremos... |
C.R.
segunda-feira, 27 de março de 2023
"Rebecca, A Mulher Inesquecível", de Alfred Hitchcock (1940) vs. "Rebecca, A Mulher Inesquecível", de Ben Wheatley (2020)
Alfred Hitchcock, um dos maiores e mais influentes cineastas de todos os tempos na história do cinema, curiosamente nunca ganhou um Oscar de melhor diretor. No entanto, um filme seu foi agraciado com a honra máxima da Academia, o Oscar de melhor filme: "Rebecca, A Mulher Inesquecível", de 1940. E não é que me vem um sem-noção e tenta dar sua versão exatamente o filme mais premiado de Hitchcock? Refilmar um Hitchcock qualquer já é uma ousadia corajosa, refilmar "Rebecca...", então, é pedir pra cair nas comparações e fracassar rotundamente.
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" pode não ser seu maior filme, seu trabalho mais conhecido, sua obra-prima, mas é um daqueles filmes impecáveis, preciso, perfeito em todos os detalhes, tipo aquele time certinho, ajustado em cada setor. Não entra pra história pelo belíssimo futebol, pela vistosidade, mas garante seu nome entre os grandes esquadrões pela competência e pelos troféus no armário. Mas engana-se quem possa pensar que "Rebecca" não é impressionante. Se é menos marcante numa comparação com um "Janela Indiscreta", "Psicose", ou "Um Corpo que Cai", é inegável, no entanto, que possua todos os méritos para ter alcançado, em relação a esses badalados clássicos, o ineditismo de um Oscar de melhor filme na filmografia do Mestre do Suspense.
Em "Rebecca", uma jovem dama de companhia de uma ricaça, numa temporada em Monte Carlo, conhece um milionário abalado pela morte trágica da esposa. Mesmo ainda se recuperando do trauma, o viúvo, Maxim De Winter, sentindo-se revitalizado, reanimado depois de tudo que passara, se envolve com a garota e casa-se com ela, lá mesmo no Principado.
Ele a leva para sua residência, a suntuosa mansão Manderlay, na Inglaterra, mas lá a esposa não consegue ter paz no casamento uma vez que a sombra da falecida, Rebecca, parece estar em tudo e em todos os lugares da casa. Sensação que é reforçada e ainda mais agravada pela presença quase sinistra da governanta, sra. Denvers, fiel e devotada servidora, mesmo depois da morte da patroa. Só que aos poucos percebemos que há alguma coisa de errada com a tal morte... Ninguém quer falar muito a respeito, o marido age estranho, a empregada esconde alguma coisa, aparece um "primo" misterioso e o tal naufrágio da qual Rebecca fora vítima revela-se um incidente meio meio mal explicado e repleto de interrogações.
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (1940) - trailer
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (2020) - trailer
Hitchcock mais uma vez fazia o que costumava fazer com maestria: induzir o espectador por caminhos errados, confundir um pouco a nossa percepção inicial. Sugere algo sobrenatural, como em "Um Corpo que Cai" e "Psicose", introduz um mistério, nos enrola, cria o suspense, nos revela razões erradas, vai trazendo novas informações, para tudo culminar, no fim das contas, num thriller policial.
A nova versão tem a trama absolutamente igual e, por seu turno, não acrescenta em nada. Não é melhor tecnicamente, não tem um diretor à altura, não tem atores melhores e, no mínimo que se arrisca em ousar, não tem sucesso ou não dá ganho algum. Lily James até é boa atriz, faz bem seu papel como a nova sra. De Winter, mas diante da atuação de Joan Fontaine, indicada para o Oscar, na época, sua performance é simplesmente pulverizada. Joan Fontaine está magnífica! Ela é tímida, insegura, tem aquela postura curvada de quem se sente diminuída, não consegue fixar o olhar no interlocutor, não sabe o que fazer com as próprias mãos e as mexe nervosamente, é sufocada pela imponência da casa, e fica reduzida a um ratinho diante da intimidadora governanta.
Quanto a Lawrence Olivier, salvo toda sua fama, seu título de Sir da Coroa Britânica e coisa e tal, pra mim é o típico canastrão hollywoodiano e, particularmente, apesar de seu Oscar na prateleira por Hamlet, e seu caminhão de indicações, nunca fui muito seu fã. Mas, tenho que reconhecer que, além da comparação inglória com o zé-ninguém que interpreta De Winter no remake, Armie Hammer, desta vez ele me convenceu. Faz o tipo galante quando precisa, é jovial nos momentos de descontração, especialmente nas cenas em Mônaco, mostra-se convincentemente atormentado pelos acontecimentos que levaram à morte de Rebecca, e piedosamente vulnerável quando os acontecimentos parecem mudar de rumo.
E o que dizer da governanta, sra. Denvers? A antiga, interpretada por Judith Anderson, que também fora indicada ao Oscar pelo trabalho, parece uma assombração, uma presença maligna, uma alma penada, um urubu, sempre de preto, postura quase estática, movimentos mínimos, olhar frio e impassível. Kristin Scott-Thomas, da nova versão, é ótima atriz, até vai bem no papel, mas fica reduzida a pó diante do desempenho de Judith Anderson.
A direção de arte do remake é competente, recria bem a Monte Carlos dos anos 40, tudo é caprichadinho, ele ousa numa montagem mais ágil (o que não ajuda muito), a fotografia até é boa, um pouco colorida demais para o meu gosto, ok, mas, mesmo nisso, não teria como bater a que fora, inclusive, reconhecida com um Oscar? A força estética do preto e branco, o jogo de luz e sombras, os penhascos à praia, a perspectiva dos corredores da mansão, a imponência de Manderlay... Tudo imbatível!
Não tem como disputar.
O time de Hitchcock começa metendo 1x0 nos primeiros minutos na cena em que a jovem dama de companhia conhece o milionário, à beira de um penhasco, possivelmente prestes a um suicídio. A acrofobia induzida pela posição da câmera, a expectativa pela ação daquele homem, a iniciativa (talvez) salvadora da garota e, ali, o início da relação dos dois, constituem uma baita jogada do mestre do suspense e tira o primeiro zero do placar. Ben Wheatley, por sua vez, talvez tendo noção de que não conseguiria reproduzir algo tão espetacular, abre mão da cena, começando sua trama diretamente no hotel.
Manderlay, a mansão, uma casa que parece ter vida própria, que em determinado momento chega a parecer assombrada, impressiona por sua imponência sombria e opressora, quase como um personagem à parte, muito mais no primeiro filme, do que no remake, que não lhe confere tamanha relevância. Gol de Manderlay: 2x0, no placar.
Joan Fontaine (craque) desequilibra. Joga demais! A fragilidade, a timidez, a insegurança, a humildade da personagem, a impotência diante da onipresença de Rebecca em tudo naquela casa, a paixão nos olhos diante do misterioso marido... É gol! Mais um pro time de Hitchcock.
Sir Lawrence Olivier, aquele craque contratado pra dar aquele brilho no meio-de-campo, o cara da jogada requintada, também guarda o dele. 4x0 para "Rebecca" (1940). E Judith Anderson, além de não deixar passar nada na defesa (na defesa dos interesses da antiga patroa), por sua atuação de luxo, vai ao ataque, também marca o dela e, literalmente) incendeia a torcida!
A favor do novo, Sam Rilley, se sai melhor como o primo Jack Favell do que George Sander do original; a parte do inquérito, depois da descoberta do barco de Rebecca, funciona melhor no remake; e a subtrama, dos interesses por trás do conluio de Favell com a governanta Denvers, fica um pouco mais clara na nova versão. Ok..., tudo isso, somado, dá um golzinho para o time de 2020, mas aí a casa já caiu (literalmente).
Baile de gala! 5x1 para 'Rebecca" de 1940.
Cly Reis
quinta-feira, 20 de janeiro de 2022
Tabelão Clássico é Clássico (e vice-versa)
Hitchcock ao lado do único que pode vencê-lo no Clássico é Clássico ( e vice-versa) |
domingo, 11 de julho de 2021
"Pacto Sinistro", de Alfred Hitchcock (1951)
Um contato de pés. Apenas o começo de muitos problemas |
"Pacto Sinistro", além de um grande filme, está aí para lembrar de, seja no metrô, no ônibus, no avião, no trem, não ficar dando trela para estranhos. Mas, se for conversar, se for bater aquele papo, de preferência não dê detalhes da sua vida pessoal, não faça nenhum acordo e, sobremaneira, não subestime quem estiver no assento perto do seu. A gente nunca sabe o maluco que pode encontrar.
sexta-feira, 19 de março de 2021
"O Homem que Sabia Demais", de Alfred Hitchcock (1934) vs. "O Homem que Sabia Demais", de Alfred Hitchcock (1956)
Alfred Hitchcock, se fosse um técnico de futebol, seria daqueles que mostram talento ainda jovens, quando dirigia suas primeiras e pequenas equipes do futebol inglês. Nascido na última década do século XIX, no pacato condado de Essex, situado a sudeste da Inglaterra, aquele gordinho reprimido não tinha porte nenhum para ser um astro dos gramados (ou das telas). Porém, inteligente e detalhista, dava toda a pinta de que seu negócio era comandar os outros com a cabeça. Das primeiras experiências no teatro, ainda na década de 10, não demorou muito para que, já em Londres, passasse a se aventurar naquela nova arte a qual, no período da transição entre o cinema mudo para o falado, início dos anos 30, ajudou a formar a gramática tal como se conhece hoje. Um dos filmes dessa época é “O Homem que Sabia Demais”, de 1934, a primeira versão de um clássico que o próprio diretor refilmaria em 1956. Porém, em outras condições bem diferentes.
Mas para entender o porquê do remake – bem como qual é o melhor entre os dois, nosso objetivo – devemos voltar à carreira de Hitchcock. Com filmes como “Jovem e Inocente”, “Os 39 Degraus”, “Agente Secreto” e o próprio “O Homem...”, o exigente professor Hitch, como seus jogadores respeitosamente o chamavam, fez belas campanhas no futebol inglês, levando times de orçamento modesto a bons resultados. Era período de entre-Guerras na Europa, a grana andava curta e mal tinha pra pagar a folha dos atletas. Mas apertando daqui, inventando uma trucagem dali, usando a criatividade na mesa de edição e valendo-se do já diferenciado senso de enquadramento que tinha, Hitchcock conseguiu, se não montar times campeões, pelo menos de futebol vistoso. Resultado? Aquilo que acontece com talentos emergentes: ganhou vitrine. Em 1940, Hollywood compra seu passe. É como se o cara estivesse comandando um time mediano na segunda divisão e fosse contratado direto por um clube da principal liga de futebol mundial. A partir de então, Hitchcock só voltaria à sua Inglaterra se quisesse. E voltou.
Foram 19 filmes nos 22 anos que separaram o primeiro “O Homem...” do remake, boa parte clássicos sagrados da cinematografia mundial. O ponto importante deste ínterim, contudo, como em todo o retrospecto de Hitchcock, é a progressão exponencial de sua obra em todos os quesitos, seja em conceito, desenho de cena, fotografia, edição, efeitos e condução. Hitch avançava de uma produção para a outra, trazendo quase que invariavelmente inovações técnicas e narrativas que o fizeram consagrar-se já àquela época como principal cineasta dos Estados Unidos. Um mito ainda vivo. Para se ter uma ideia desta evolução, “Interlúdio” (1946), considerado um dos maiores filmes dos primeiros 50 anos do cinema à sua época; “Pacto Sinistro” (1951), noir com a assinatura do mestre do suspense; e “Janela Indiscreta” (1954), para muitos, seu maior filme, são três exemplos de uma sequência de realizações perfeitas de sua filmografia neste intervalo de tempo. A cada projeto, um considerável passo rumo à excelência. A cada nova temporada, um time melhor e mais artilheiro.
A segunda versão de “O Homem” faz parte desta linha progressiva estilística e narrativa de Hitchcock – que desembocaria, dois anos depois, em “Um Corpo que Cai” e, outros quatro, em “Psicose”, seus dois mais aclamados. Um filme tão clássico que só os aficionados ou curiosos para saberem da existência de uma versão inglesa antecessora e feita pelo próprio diretor. Ao rodar “O Homem” pela segunda vez, em que parte das filmagens ocorrem na sua Inglaterra (e a qual retornaria apenas em 1972, para filmar “Frenesi”), era como se o já tarimbado técnico, depois de conquistar o mundo e dirigir os principais times de sua época, fizesse questão de vestir novamente a camiseta daquele que o projetara. Mas, agora, com a estrutura de grande clube, com investimento dos cartolas e plantel estelar com direito a Doris Day e James Stewart como casal norte-americano McKenna, ao invés dos ingleses Bob e Jill Lawrence, vividos por Leslie Banks e Edna Best no primeiro.
“O Homem” de 1956 faz jus ao reconhecimento que tem. Neste, a equipe inteira bate um bolão. Thriller com suspense, aventura e espionagem na medida certa entre tensão e distensão; cenários vistosos; roteiro envolvente; interpretações marcantes; e sequências/cenas históricas. Falando assim, parece que o jogo já está resolvido antes de a bola rolar em favor do time mais novo, colorido, abastado, tecnicamente perfeito, né? Mas não é exatamente assim, pois quando o juiz apita é o mesmo esporte que ambos os adversários estão disputando.
Dotado de qualidades inquestionáveis, “O Homem” de 1934 guarda elementos fundamentais que inspirariam o remake, como o argumento (o sequestro da/o filha/o de um casal de turistas por malfeitores ao se envolverem acidentalmente em uma trama internacional de assassinato) e a proposta funcional dos personagens (o pai destemido em busca de seu rebento; o assassino cruel e amoral; a religiosa perversa; a mãe desesperada mas atuante, etc.). Ou seja: a ideia basal estava lá nos tempos de vacas magras – o que acaba por ser um elogio, visto que o cineasta tirou “leite de pedra” de um projeto tão ousado para a época. Quase gol, aquela que pega na trave e assusta. Até mesmo algumas cenas são "reaproveitadas" de um filme para o outro, como a da missa na capela, inclusive no tom misto de suspense e comédia. Igualmente, a clássica sequência do concerto no Royal Albert Hall, em Londres, cenário para ambas as produções, muito parecidas em montagem, trilha e enquadramento, e que Hitchcock refez em tecnicolor nos anos 50.
Depois de dar um susto com uma bola no poste, tanto pela sequência do concerto quanto pela ágil edição da cena inicial do esqui nos Alpes da Suíça, que impacta o espectador já nos primeiros segundos de filme, o time do antigo “O Homem”, surpreendendo a todos, larga na frente mal a bola começa a rolar. Aí, não demora muito, meio que desnorteado, o filme de 56, que entrou em campo cadenciando o jogo, sofre novo golpe. Sabe aquele meia habilidoso e experiente entre os “pratas da casa” que foi contratado do futebol alemão? Um com histórico de mau comportamento, que atende pelo nome de Peter Lorre – e cuja camiseta não tem um número, mas sim uma estranha letra “M“ estampada... Sim, ele, o raçudo jogador apelidado pela fiel torcida de "Vampiro de Düsseldorf" por chegar "mordendo" seus adversários, com a rara qualidade de um dos maiores de todos os tempos em sua posição, marca mais um gol numa bucha de fora da área. Impiedoso como o seu personagem, o matador Abbott. Para surpresa geral, são 10 minutos de partida e já está 2 x 0 para o time de 34!
Como fez Didi após o gol de Liedholm para a Suécia na final
de Copa de 1958, James Stewart, que não era capitão mas um líder nato da equipe
como o autor da “folha seca”, pega a bola calmamente de dentro da rede e a leva
para o círculo central. Ninguém quer sair em tamanha desvantagem assim, obviamente,
já nos primeiros minutos, mas tem muito tempo de partida ainda. Guiados pelo
talento de Stewart – o melhor mocinho hitchcockiano disparado – e pela mão
firme do seu técnico, que confia no esquema tático proposto, o time mais novo
põe a bola no chão e naturalmente faz valer a sua visivelmente melhor qualidade
técnica. Consertando passagens mal resolvidas do primeiro (como a dramaticidade
da aflição dos pais ao saberem do sequestro), dando-lhe maior unidade narrativa
(o segundo tem aproximadamente 1 hora a mais de duração) e, principalmente, criando
cenas novas (como a da loja de taxidermia) e recriando outras (a morte do
espião a céu aberto no Marrocos ao invés de uma festa confinada na Suíça), o
remake marca, ao natural, o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto. O
primeiro tempo se encerra, e apenas um time agora domina as ações.
No segundo tempo, com o time encaixado, “O Homem” de 56
segue com maior posse de bola, fazendo um quinto gol com a nova sequência no Albert
Hall, que passa a ter 12 minutos de duração (6 a mais do que o original) e onde
o mestre do suspense se esbalda em técnica, reaproveitando a ideia do primeiro, mas refinando-a
em todos os aspectos: fotografia, trilha, cenografia e principalmente, edição.
É como se uma jogada bonita fosse ensaiada e reensaiada exaustivamente até funcionar
como que (ou literalmente) por música. Desnorteado, o filme de 34 se perde
totalmente em campo e apresenta um final medíocre, apressado, querendo que o
jogo termine logo. A sequência do tiroteio dos bandidos com a Scotland Yard,
muito mal concluída com o tiro desferido pela própria Jill (que arranca a arma
das mãos do policial, que não oferece nenhuma resistência...) é, convenhamos,
sofrível. Nada comparada à brilhantemente tensa cena da resolução da trama na
escadaria na casa do embaixador em que a sintonia entre a música que Jo McKenna está
tocando ao piano com a ação do marido, que resgata o filho das mãos dos
bandidos naquele momento, fecha o placar com o gol de misericórdia. É goleada!
O juiz, em respeito ao próprio Hitchcock, tanto o vencedor quanto o perdedor, não
dá nem acréscimos. Final de partida: 6 x 2 para o remake de “O Homem”.
(filme 1934: 6 min - filme 1956: 12 min)
Na coletiva, depois daquelas perguntas sem grande serventia, como: “Qual a sua emoção ao voltar a treinar um time na Inglaterra depois de tanto tempo fora do país?” ou “Por que o senhor, que sempre entra em campo em algum momento, não faz sua tradicional ‘ponta’ justo neste que é tão vencedor?”, um repórter, finalmente, faz a pergunta que os colegas deveriam ter feito: “Professor Hitchcock: por que o senhor decidiu refilmar ‘O Homem’ e por que esta nova realização é melhor que a primeira na sua opinião?”. A resposta veio com a sabedoria de quem conhece como ninguém as quatro linhas – as do gramado e a das telas: "Vamos dizer que a primeira versão é o trabalho de um talentoso amador e a segunda foi feita por um profissional." Entrevista encerrada, mas a torcida aguardava seus ídolos na saída. A galera, extasiada, ovacionava principalmente o seu técnico cantando a plenos pulmões: “o professor Hitch é o homem que sabe demais!”
para disputar uma partida, algo comparável aos sêniores
contra os profissionais em plena forma. Mas campeonato é assim.
E olha que teve até susto no início do jogo com “O Homem” dos anos 30
marcando 2 logo de cara. Mas com a bola no pé, não deu outra:
o time de 56 tomou conta das ações e ninguém mais segurou este
que um dos maiores clássicos da filmografia do professor Hitch.
Futebol inglês, afinal, também pode ser bonito.
domingo, 10 de maio de 2020
Mãe é Mãe - Algumas das Mães Mais Marcantes do Cinema
Ela, inatingível, pairando sobre tudo. |
2. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1960) - Esse é o caso de uma mãe que é fundamental para a trama mas, na verdade, não está presente fisicamente o tempo inteiro durante o filme. Hitchcock, genial como era, até nos deixa com a pulga atrás da orelha num primeiro momento, sugerindo alguma farsa ou assombração, uma vez que nos tornando conhecedores do fato que a mãe do dono do motel, Norman Bates, está morta, faz aparecer um vulto feminino na janela da casa, nos deixa ouvir uma bronca de voz feminina envelhecida no filho Norman e, por fim mostra-nos uma senhora de cabelos brancos e coque esfaqueando a cliente loura no chuveiro, numa das cenas mais clássicas do cinema. "Como assim?", pergunta-se o espectador de primeira viagem. Acho que não vou dar *spoiler porque a essas alturas, mesmo quem não viu, está cansado de saber que é o próprio Norman que, perturbado e esquizofrênico assume o papel da mãe, vestindo-se como ela e punindo quem quer que seja que venha a despertar algum tipo de desejo no reprimido Norman.
É incrível mas uma das mães mais célebres do cinema, não está verdadeiramente no filme. Loucura!
3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968) - Rosemary (Mia Farrow) é uma futura mãe que pressente uma ameaça ao filho que ainda está em sua barriga, vinda de seus vizinhos, um casal de velhotes estranhos e enxeridos e, por incrível que pareça, de seu próprio marido. Tudo começa quando se mudam para o novo apartamento, conhecem os vizinhos e não muito tempo depois, o esposo, um ator pouco valorizado, ganha um papel importante em um filme em virtude da morte do ator que interpretaria o papel. O marido passa agir estranhamente, os velhos passam a estar constante e inconscientemente presentes em sua casa e sua vida e até mesmo administram à grávida uma estranha dieta à base de algumas ervas de origem e efeitos duvidosos. Aos poucos Rosemary, fragilizada física e emocionalmente, começa a desconfiar estar sendo vítima de alguma espécie de seita para a qual o bebê que leva dentro de si, provavelmente, virá a ser elemento chave.
Paranoia, imaginação, ansiedade, fantasia, reflexo de sua fraqueza física, estresse da gravidez? Exagero ou não, essa mãe vai brigar até o último instante para proteger seu filho de algo que, na verdade, nem ela sabe bem ao certo do que se trata mas que, pelo que vai se apresentando a ela, parece algo muito, muito maligno.
Mães e filhas e suas histórias. |
A maluca mãe de Carrie, disposta tudo para
que a filha continue pura.
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A velha podia ser louca, mas não dá pra dizer que ela não avisou.
Sarah Connor não vai permitir que robô nenhum
se meta com seu filho.
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Ela é fria é pragmática, objetiva, dura, durona, mas não poderia ser de outra maneira quando se sabe que seu filho, além de já ser naturalmente importante somente por ser seu filho, pode ser a salvação da humanidade.
9. "Leonera", de Pablo Trapero (2008) - Circunstância estranhas... Um homem morto, outro ferido, uma mulher inconsciente. Um dos dois seria o assassino? Teria sido uma quarta pessoa? Por que não ela não lembra de nada? Teria sido drogada? Ou não quer lembrar? O fato é que nesse mistério todo, a garota é quem vai parar na cadeia, só que grávida como se encontra, é enviada a uma instituição onde é permitido que as internas tenham lá seus bebês e depois permaneçam com as crianças no presídio, até os 4 anos de idade. Revoltada com a gravidez, relutante e resistente em ter o filho, num primeiro instante, Julia Zarate (Martina Gusmán), aos poucos vai sendo conquistada pelo seu pequeno rebento e seu instinto e amor de mãe acabam prevalecendo, fazendo dela uma mãe atenciosa e carinhosa, mesmo dentro daquele ambiente prisional.
O lugar, mesmo com as características tradicionais de uma instituição carcerária, em muitos momentos acaba parecendo uma creche e a presença das crianças acaba iluminando um pouco o lugar e garantindo-lhe, de certa forma, sempre um rasgo de alegria e esperança.
Só que em meio às situações corriqueiras de um presídio, envolvimentos íntimos, desavenças com outras internas, visitas do advogado, audiências de apelação, Julia vê-se às voltas com as investidas de sua mãe para levar o neto dali daquele ambiente que considera pouco apropriado para a criação de uma criança. Sob pretexto de tratar um resfriado do menino, a avó consegue convencer a mãe a tirá-lo de lá, em princípio, apenas para uma consulta médica, com a promessa de levá-lo de volta. Só que isso não acontece e aí Julia vai fazer de tudo para ter seu filho de volta.
Filme de uma mãe que até hesita um pouco no ofício divino que lhe é concedido mas que a partir do momento que se sente mãe, não vai deixar que ninguém tire isso dela. Uma leoa que protege sua cria a qualquer custo.
Uma das mortes clássicas de "Sexta-Feira 13".
Jason aprendeu direitinho com a mamãe.
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