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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Gilberto Gil - "Gilberto Gil" (1969)




“Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço
Que a Bahia já me deu régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço
Pra você que me esqueceu:
aquele abraço.”


Foi tudo meio no susto. Por conta do nefasto AI-5, os militares endureciam no limite máximo a repressão a comunistas, subversivos e a todo mundo que lhes incomodava. E isso incluía – ora por serem comunistas, ora subversivos, ora incomodativos (ora os três) – muitos artistas. Mesmo sem alcance mental muitas vezes para entender o que reprimiam, os milicos achavam melhor, por via das dúvidas, manter quem fosse calado. Foi o que aconteceu com Gilberto Gil  que, em 1969, junto com seu companheiro de Tropicália, Caetano Veloso  foi “convidado” a se retirar do Brasil. O destino foi Londres, onde, ativo e com senso de oportunidade, Gil se tornou mais cosmopolita do que já era. Mas não foi Londres que lhe fez assim. O gênio tropicalista saíra de terras brasileiras com um já vasto repertório que o colocava, já naquela época, entre os grandes criadores da música mundial. E o pouco falado disco produzido por ele a toque de caixa antes de se mandar embora é, visto hoje, ano em que o artista completa 70 anos, um de seus melhores e mais marcantes trabalhos, moderno do início ao fim.
 A começar pelo repertório, tudo foi, de fato, meio no susto. Sem muito tempo para dar critério à escolha das faixas, Gil apanhou o violão e gravou tudo num talagaço só. Registrou 12 delas às vésperas de viajar, desde composições suas a inspiradas regravações, como “17 Léguas e Meia”, de Humberto Teixeira, e “2001”, de Tom Zé e Rita Lee. Nove delas foram escolhidas,  resultando numa playlist magnífica com o que havia de mais pulsante na MPB da época. O violão de Gil, musical e absurdamente rítmico, é simplesmente fumegante: consegue evocar numa coisa só a África, a tradição indígena, a cidade moderna, o rock estrangeiro, a influência barroca, o Brasil rural. “Cérebro Eletrônico”, rock filosófico que abre o disco em alto ritmo (“Cérebro eletrônico nenhum me dá socorro em meu caminho inevitável para a morte”), e “Volks-Volkswagen Blue”, blues eletrificado no melhor estilo Bob Dylan, são exemplos claros de sua batida poderosa e vigor de interpretação.
Mas nem tudo foi tão assim de sobressalto. O produtor Manuel Berembein pegou as masters gravadas por Gil e largou na mão do ensandecido Lanny Gordin, nas guitarras, Wilson das Neves, bateria, Sérgio Barroso, baixo, e do maestro Chiquinho de Moraes nos teclados, o qual também fez as orquestrações. Aí, o “estrago” se completou. Criativos e psicodélicos à altura do autor, eles deram o corpo que faltava para que o álbum não fosse apenas acústico, mas, sim, um marco da fusão do rock com a MPB. Tropicalismo puro. O resultado é uma simbiose perfeita, como se todos tivessem tocando juntos e ainda escolhido o melhor take para cada faixa.
 Muito influenciado por Jimmi Hendrix à época, Gil passou pelas notas de seu violão e seu modo de cantar essa atmosfera rocker para o restante da banda, que eleva volume e distorção a todo o momento. “A Voz do Vivo”, de Caetano, mostra bem isso. Sob um riff super distorcido de Lenny, ruídos espaciais e uma batida funkeada, lembra (ou melhor, antecipa!) a psicodelia do rock inglês dos anos 90. O ritmo e a até o jeito de cantar meio insolente, abafado sob a massa sonora, lembra Primal Scream do "Screamadelica" (1991). Outra que antevê algo que seria aclamado três décadas depois é “Vitrines”, tecnicamente mais deficitária mas parecidíssima em ideia, letra e construção melódica com as “músicas de plástico” de Beck em “Odelay” (1994).
“Futurível” é outra ótima e também bastante vanguarda, com uma letra inteligente inspirada nos autores de ficção científica da época (Orwell, Bradbury) que critica o processo de massificação cultural que robotiza o ser humano (“O mutante é mais feliz/ Porque na nova mutação/ A felicidade é feita de metal”). Finaliza o disco o bate-papo hiperfilosófico entre Gil e o artista plástico Rogério Duarte (autor da capa, por sinal) sobre existência, cultura e infinitude, um mosaico sonoro com cara de “Revolution 9” dos Beatles
Mas a grande joia é justamente o hit do disco, o partido-alto dedicado, não à toa, às três gerações-chave do samba (Dorival CaymmiJoão Gilberto e Caetano Veloso: “Aquele Abraço”. O “até breve” de Gil para os brasileiros era uma mensagem direta e sem medo aos militares, que o expulsavam de sua terra, dedicando uma homenagem ao Rio de Janeiro, símbolo tropical(ista!) de “bossa” e “palhoça”, de “mata” e “mulata”. Alegre e amorosa, mas forte, lúcida e de alto comprometimento pessoal. Gil não manda dizer: diz abertamente e com propriedade. Ao mesmo tempo, manda um abraço para “todo o povo brasileiro”. Um dos maiores sambas e uma das melhores canções da MPB de todos os tempos, é um hino, um manifesto que conseguiu não ser barrado pela censura, tamanha sua força e identificação com o público.
Tudo precisamente instintivo – ou instintivamente preciso, como preferirem. Afinal, mesmo que no susto, não é por acaso que um disco como esse sai como saiu. Não com Gil.

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FAIXAS:
01. Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil)
02. Volks-Volkswagem-Blue (Gil)
03. Aquele Abraço (Gil)
04. 17 légua e meia (Humberto Teixeira)
05. A voz do vivo (Caetano Veloso)
06. Vitrines (Gil)
07. 2001 (Rita Lee/Tom Zé)
08. Futurível (Gil)
09. Objeto semi-identificado (Gil/ Rogério Duprat/ Rogério Duarte)

Bonus Tracks da versão em CD:
10. Omão Laô (Gil)
11. Aquele Abraço - versão integral (Gil)
12. Com medo, com Pedro (Gil)
13. Cultura e Civilização (Gil)
14. Queremos Guerra - com Jorge Ben e Caetano Veloso (Ben)

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Ouça:


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