“Nunca fui revolucionário.
O único revolucionário em nossa época
foi Strauss!
Arnold Schoenberg
O único revolucionário em nossa época
foi Strauss!
Arnold Schoenberg
“Há sempre seu quê de loucura no
amor;
mas também há sempre
seu quê de razão na loucura.”
mas também há sempre
seu quê de razão na loucura.”
trecho de “Assim Falou
Zaratustra”,
de Friedrich Nietsche
de Friedrich Nietsche
É bem provável que, por insistência dos estúdios cinematográficos, o
diretor Stanley Kubrick encomendara uma trilha sonora original para um filme
que ele rodaria, a ser lançado em 1968, ao compositor Alex North (que
trabalhara com ele em “Spartacus”, de 1960). O filme em questão chamar-se-ia
nada mais nada menos que “2001: Uma Odisseia no Espaço”, obra-prima do cinema.
Porém, nada do que North compôs foi aproveitado no filme. Kubrick sabia muito
bem o que queria para a trilha. Além de obras de Grygöry Ligeti, Johann Strauss e Aram Khatchaturian, ele usou o
clássico pós-romântico “Assim Falou
Zaratustra”, de Richard Strauss.
O resultado foi tão certeiro que, até hoje, a peça é conhecida como “a música
do 2001”. Não à toa. “Zaratustra”, que inicia epicamente o longa, é uma música
de proporções sonoras e simbólicas gigantescas que resume, através de seus sons
intensos e saborosamente dissonantes, a força da
transformação da humanidade que o filme retrata.
Pois de força de transformação o alemão
Richard Strauss entendia. De alma rebelde, apaixonada e inquieta, Strauss foi
um punk de seu tempo. Ele aprendeu as formas clássicas, estudou Franz Liszt e
Richard Wagner (a quem idolatrava), e, embora o rivalizasse, era amigo e admirador
de Gustav Mahler. Mas Strauss subverteu tudo isso. Entre outras loucuras
saudáveis, meteu trítonos diabólicos e necrofilia na história bíblica da ópera
“Salomé”, de 1906, e, dois anos antes, anteviu o american way of life com quatro décadas de antecedência com sua
“Symphonia Domestica” ao descrever o dia a dia de uma família norte americana
comum. Porém antes, na sua série de “poemas sinfônicos” (na qual bancou musicar
autores pouco quistos como Richard Dehmel e Max Stirner), Strauss já havia
trazido ao mundo outra saudável transgressão, a talvez primeira ponte concreta
entre a tradição tonal e o atonalismo que desembocaria no trio de Viena, Berg, Webern e, principalmente, Schoenberg – a quem influenciou sobremaneira tanto em
estilo quanto em atitude. “Assim Falou Zaratustra”, de 1895, é, em seus cerca
de 35 minutos, uma obra revolucionária em forma e proposta que traz diversos
lances dessa ruptura. Isso fica evidente nas torrentes sonoras e nas
dissonâncias maravilhosamente bem arranjadas. Fortes e certeiras.
Depois das inconfundíveis quatro notas da Quinta de Beethoven (o “Tchan-tchan-tchan-tchaaaaan!”), o início
de “Zaratustra” é talvez o mais marcante da história de toda a música. Como bem
captou Kubrick para a cena inicial de um filme que versa sobre os limites do
homem, esta passagem deve sua força cósmica às leis naturais do próprio som e
como ele se distingue em nosso cérebro. Quando se fere uma corda afinada num dó
inferior e, em seguida, dedilha-a de novo prendendo pela metade, o tom sobe
para o próximo dó. Esse é o intervalo da oitava. Fazendo-se o mesmo nas
divisões subsequentes, dá-se origem a outros intervalos, o que é considerado os
primeiros passos da série harmônica natural, que reverbera como um arco-íris
sempre que a corda é colocada em vibração.
Em “Zaratustra”, essa explicação teórica fica fácil de perceber: dós
profundos para começar, trompas tocando um dó mais agudo, um sol, um dó mais
agudo ainda, e um mi natural, que rapidamente desliza para mi bemol, formando
um dó menor em tom sombrio. Na repetição, mi bemol sobe para mi natural,
originando um reluzente acorde de dó maior. São aproximadamente 1 minuto e 20 e
poucos segundos que causam, invariavelmente, uma sensação instintiva de prazer
e agitação. O último acorde ainda demora em terminar, sustentando-se por
segundos sem cair, exemplo que influenciou outros músicos a usarem do mesmo
expediente, como Arvo Pärt, no final da parte “Ludus”, de “Tabula Rasa”, ou os Beatles, ao concluírem de forma esplendorosa "A Day in the Life".
Anos atrás, quando escutei pela primeira vez a obra inteira, de tão
impressionante que é o “tema
do amanhecer”, confesso que me pareceu todo o restante muito inferior.
Mera imaturidade de meu ouvido, pois, sem dúvida, não quer dizer que a abertura tire o brilho do
restante. Baseada no livro homônimo do conterrâneo Friedrich Nietsche (ainda
vivo e em voga na época), a música de Strauss traduz de maneira intensa e
carregada a magnitude poética do texto filosófico, que passeia pelas contradições
e embates entre homem e natureza. Para isso, Strauss se vale de volumosos
contingentes orquestrais, que geram ondas de impressionante impacto sonoro,
graduando a expressividade e aliando força e requinte nas partes mais
grandiosas. Desenvolve cellos e violinos, sem sair do leitmotiv, que é reavivado de tempo em tempo ao longo da peça, seja
em forma de frases, em suposições de seus acordes ou em novas citações.
Na segunda metade, Strauss adensa a orquestração. É a vida em estado de
tensão/renovação. Torrentes de cordas anunciam a entrada marcante dos sopros:
trompas e trompetes tomam o espaço. “Ó!
miséria de todos os que dão! Ó! eclipse do meu sol! Ó! desejo de desejar! Ó!
fome devoradora da fortuna”, diz Nietsche sobre o “Canto da Noite”.
Porém, “antes do nascer do sol”,
o prado, então “verde e colorido”,
torna-se “triste e cinzento”. Flautas
emitem sons de pássaros assustados, que veem a aurora sobre ataques de trombas
ameaçadores. “As pernas do conhecimento
fatigaram-se-lhes e agora caluniam até os seus brios da manhã.” O que
restará de nós, natureza? Após desenvolver notas sonolentas e cambaleantes, a
melodia vai se esvanecendo até se... suspender. Justo no renasce do dia, Strauss
o mata, poeticamente. Assim falou (o seu) Zaratustra.
Intenso em personalidade, Strauss morreria em 1943 e, mesmo com um
breve e mal explicado envolvimento com o Reich de Hitler, sua obra venceu o
tempo. Durante sua vida, não procurou as facilidades: sempre mirou os desafios
como quem tem sede de mudança. Se hoje é normal as guitarras do rock rasgarem
os alto-falantes ou a atonalidade da vanguarda ser aceita e até deglutível,
muito se deve a ele. Strauss é um artista que rendeu sua vida à arte dos sons, e
este trecho do Zaratustra de Nietsche parece ter sido escrito para ele: “Acaso aspiro à felicidade? Eu aspiro à minha obra”.
Abertura de "2001 - Uma Odisséia no Espaço"
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FAIXAS:
1 - Einleitung (Introdução), ou nascer do sol
2- Von den Hinterweltlern (Dos Antigos Homens)
3 - Von der großen Sehnsucht (Da Grande Saudade)
4 - Von den Freuden und Leidenschaften (Das Alegrias e Paixões)
5 - Das Grablied (O Túmulo-Canção)
6 - Von der Wissenschaft (Da Ciência)
7 - Der Genesende (A Convalescença)
9 - Das Tanzlied (A Dança-Canção)
10 - Nachtwandlerlied (Canção do Sonâmbulo)
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Ouça:
por Daniel Rodrigues