"Sabe, acabei de ouvir 'The Real McCoy', talvez pela primeira vez desde que o fiz. Eu ainda tinha o álbum original embrulhado em celofane. Mas alguém estava me dizendo que esse era um dos melhores discos, então tirei o celofane e o ouvi. Fiquei surpreso. Uau! Nós realmente chegamos lá".
Ron Carter, em entrevista de 2007
É interessante perceber como McCoy Tyner, morto recentemente, é recorrentemente mais lembrado por sua participação no lendário “quarteto mágico” de John Coltrane do que pela própria carreira solo. Motivo há, uma vez que a fase em que tocou por seis anos juntamente com Elvin Jones (bateria) e Jimmy Garrison (baixo) para o autor de “A Love Supreme” é tão marcante não apenas para o jazz, mas para a música do século XX, que se faz inevitável a associação. Porém, Tyner é, seguramente, mais do que isso. Mesmo que para a maioria dos músicos seja mais do que suficiente ter feito parte de gravações épicas como as dos discos “Giant Steps”, “Crescent” e o próprio “A Love...”, Tyner, obteve, para além disso, o feito de ser considerado em vida o mais influente pianista do jazz ao lado de Bill Evans. E com merecimento próprio.
Se este reconhecimento veio por conta também da contribuição ao grupo de Coltrane, com quem teve sua primeira experiência importante como músico na primeira metade dos anos 60, muito mais se deve àquilo que ele inovou e legou a todos os pianistas que lhe sucederam. Seu estilo, que une técnica e classicismo à intuição criativa do blues, o fez dar um passo à frente de sua geração. Se Evans foi centro harmônico para a invenção do jazz modal, Tyner concebeu uma nova forma de estruturá-lo. Nas ambiências dada à escala modal, nas quartas justas ou aumentadas na mão esquerda, típicas suas, ou o uso do cromatismo nos improvisos e os famosos voicings, em que brincava com os espaçamentos e duplicações de notas. E o fazia lindamente através de seu dedilhado sensível e preciso. Coração e mente em plena integração com a música.
Além das participações em bandas outros ilustres jazzistas, como Wayne Shorter, Grant Green, Lee Morgan e Bobby Hutcherson, Tyner construiu, ao longo de quase 60 anos, uma discografia invejável, pautada, desde o início, pela maturidade musical. “Inception”, de 1962, seu primeiro solo, é uma prova clara disso. Nos anos seguintes, grava outros álbuns mas mantendo-se, em paralelo, no quarteto de Trane, com quem não apenas gravava em estúdio como excursionava para shows. Porém, foi no mesmo ano em que o amigo saxofonista morreria, em julho, que o cúmplice Tyner deu a si, dois meses antes, como que pressentindo a impermanência da vida, a abertura para algo realmente próprio e descolado da figura mítica de Coltrane. Era a sua mais bem acabada obra até então: o corretamente intitulado “The Real McCoy”. Experiente e sob uma nova perspectiva como band leader, ele junta-se aos craques Ron Carter (baixo), Lou Donaldson (sax alto) e novamente a Jones para dizer ao mundo quem, de fato, era aquele pianista por trás das maravilhas coltraneanas.
O autorreconhecimento de Tyner começa com a liberdade bop de "Passion Dance", tomada, como o nome diz, de amores intensos e ritmo. Tyner convoca o time com astúcia e intensidade, mantendo a vibração lá no alto. Mas nessa é o parceiro Jones, insano na bateria, quem mais se destaca, tanto que é ele quem revela o solo mais impressionante da música.
Seguindo a linha de buscar um olhar interior, nada mais adequado que recorrer à “contemplação”. Mas “Contemplation”, faixa seguinte, é mais do que só a sugestão do título: são 9 minutos de conexão com o reconhecimento da beleza que se tem dentro de si. Que elegância assombrosa! As baquetas mantendo o tempo no prato; o piano, em tremolos e encadeamentos, ambientando sobre uma escala modal; o sax desfilando vivacidade; e o baixo desenhando blues algo dissonante, sem contar com o vaporoso improviso mais para o final da faixa. E o solo do piano, então!? É como se dois pianistas, um severo e outro sonhador, tocassem juntos e ao mesmo tempo. Mas ambos são McCoy Tyner. Um blues enebriado e, ao mesmo tempo, enigmático e sensual, que explica porque o pianista foi o preferido do gênio Coltrane.
Já "Four by Five" começa com Handerson desafiando as notas em busca do improviso perfeito. Se ele não consegue, talvez chegue perto. Mas Tyner e Jones não ficam para trás no virtuosismo e explosão amparados pelo entendimento quase transversal de Carter. Na sequência, o contrabaixo começa lançando um efeito ondulante e sinestésico, enquanto o piano de Tyner polvilha notas soltas e oníricas, que anunciam a introspectiva “Search For Peace”, mais uma busca ao “eu” interior de seu autor. O sax, incrivelmente belo em um tom bastante alto, soa como um trompete, lembrando a economia cool de Miles Davis. Mas Tyner, claro, é quem chama para si o protagonismo, desafiando os limites entre o neo-romantismo e o lirismo melancólico do blues. Carter, na sua, dá um show de andamento, ao seu estilo trastejante.
“Blues on the Corner”, bluesy, levemente dissonante, é praticamente uma síntese do Tyner, o artista e a pessoa, uma vez que remonta à tradição da música negra norte-americana adicionando-lhe uma visão de modernidade.
Múltiplo, mas a seu modo, Tyner ainda experimentaria o post-bop, o afro-jazz, o jazz fusion, a world e até a soul. No entanto, sempre enraizado em sua natureza. Ele era o toque inconfundível que seus dedos transmitia, como a união do divino e do mundano, do céu e do inferno, da vida e da morte. Sempre e a todo o momento aquilo que realmente lhe dá nome: piano.
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FAIXAS:
1. "Passion
Dance" – 8:47
2. "Contemplation"
– 9:12
3. "Four
by Five" – 6:37
4. "Search
for Peace" – 6:32
5. "Blues
on the Corner" – 5:58
Todas as composições de autoria de McCoy Tyner
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OUÇA O DISCO:
Daniel Rodrigues
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