Depois da fama, dos dramas, do auto-exílio, do ostracismo e
de sua redescoberta, aos 70 anos de idade, Johnny Cash conseguia se reinventar
e recriar uma série de canções populares, conferindo-lhes de tal modo, nova
vida e personalidade a ponto de soarem melhores que as originais ou fazer
parecerem suas. Muito disso deveu-se ao olho perspicaz, ao ouvido afiado e às
mãos habilidosas na mesa de som de Rick Rubin, produtor consagrado que
entrou em estúdio com o Homem de Preto, sugeriu músicas para o repertório e
deixou que o velho cantor country-rock colocasse sua alma naquelas canções,
naquele que era o quarto disco da série que Cash gravara pela American Records,
trazendo-o de novo à evidência depois de algum tempo renegado pelas gravadores.
Em “American IV – The Man Comes Around”, Cash, acompanhado
de seu violão, com sua voz quase macabra, gravava Sting, Hank Williams, Beatles e coisas mais improváveis como Depeche Mode e Nine Inch Nails. O resultado é um disco
incrível, impecável, emocionante. Uma das melhores coisas feitas nos últimos 30
anos.
“The Man Comes Around”, a música que abre o disco, abre
também o "Madrugada dos Mortos" e não
poderia ser mais apropriada para um filme como aquele, uma vez que, aliada à voz sinistra do
cantor, a letra é absolutamente apocalíptica prevendo um trágico fim dos
tempos.
Johnny Cash consegue melhorar consideravelmente a insossa “Bridge Over Trouble Water” de Simon e Garfunkel, conferindo-lhe mais
sentimento, num belíssimo dueto com PJ Harvey; dá a “versão definitiva” para a
balada assassina “I Hung My Head” de Sting, como reconhece o próprio autor; e
‘apropria-se’ de “In My Life” dos Beatles como se nunca tivesse existido
uma versão original. Além disso, com a ajuda de Rubin, faz a leitura correta de
“Personal Jesus” do Depeche Mode descortinando exatamente
todo a raiz country já existente originalmente nela, proporcionando outra versão
matadora.
Revitaliza velhas canções suas como “Give My love To Rose”,
“Tear Stained Letter” e dá arranjos pessoais e especiais a canções tradicionais
americanas como “Sam Hall” e Danny Boy”, dotando-as de novas personalidades com
sua interpretação singular.
Mas o grande momento do disco e a chave de ouro para o fim
de uma carreira e de uma vida é a versão de “Hurt” do Nine Inch Nails. Nela Cash põe toda a
emoção de uma vida. Parece colocar ali todas as amarguras, as perdas as
tristezas, tamanha força da interpretação. Ex-dependente, Cash canta a letra de
Trent Reznor sobre o vício em drogas com uma sinceridade comovente numa versão que
é tão definitiva a ponto de o próprio autor reconhecer que a música deixou de
ser dele.
“Americans IV” foi o
último disco de Johnny Cash, que felizmente, apesar de toda uma vida turbulenta
de altos e baixos pessoais e profissionais, teve em seu último momento ainda
mais um grande disco e o devido reconhecimento a seu talento e importância no universo artístico.
O trabalho com o produtor Rick Rubin, que de certa forma,
trouxe Johnny Cash de volta ao mundo, aparece e é muito bem retratado na
história em quadrinhos "Johnny Cash, uma Biografia",
de Reinhard Kleist, excelente registro da carreira do cantor, ilustrando toda a
vida do artista com um roteiro muito bem amarrado e um trabalho gráfico de
primeira qualidade. Assim como o disco, vale a pena ter.
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FAIXAS:
01.The Man Comes Around [J.Cash] 4:26
02.Hurt [T.Reznor] 3:38
03.Give My Love To Rose [J.Cash] 3:28
04.Bridge Over Troubled Water [P.Simon] 3:55
05.I Hung My Head [Sting] 3:53
06.First Time Ever I Saw Your Face [MacColl] 3:52
07.Personal Jesus [M.Gore] 3:20
08.In My Life [Lennon/McCartney] 2:57
09.Sam Hall [trad.arr.J.Cash] 2:40
10.Danny Boy [trad.arr.J.Cash]3:19
11.Desperado [Frey/Henley] 3:13
12.I'm So Lonesome I Could Cry [Williams] 3:03
13.Tear Stained Letter [J.Cash] 3:41
14.Streets Of Laredo [trad.arr.J.Cash] 3:33
15.We'll Meet Again [Charles/Parker] 2:58 ******************************************* vídeo de "Hurt", Johnny Cash
Eles pintaram como uma interessante surpresa ali pela metade do anos 80 com sua mistura rock-funk-rap. Não que aquilo fosse uma absoluta novidade, mas o som daqueles malucos do Red Hot Chilli Peppers trazia um pouco mais de malícia, de tempero, de pimenta. Mas tinha outro diferencial em relação a outras bandas que tentassem fazer aquele tipo de som: um baixista habilidosíssimo de formação no hard-rock e punk, mas de influências jazzísticas notórias.
Os primeiros discos da banda causaram boa impressão, prometiam mas não pareciam tirar o máximo que eles podiam dar, em "Mother's Milk" de 1989 já mostravam um som mais encorpado, mas foi em "Blood Sugar Sex Magik" de 1991, seu 5° trabalho que os Red Hot Chilli Peppers, com a ajuda do mestre de estúdio, Rick Rubin, conseguiram lapidar seu som e produzir uma das obras-primas dos anos 90.
O funk dos caras estava calibrado, as composiçõe mais ousadas e seguras, as tentativas iam na mosca e Flea, o homem do baixo, estava, especialmente, endiabrado.
"The Power of Equality" vem à frente já para comprovar tudo isso: com uma linha de baixo swingada, a guitarra preenchendo os espaços e o vaocal rappeado de Kieds, abre o disco em grande estilo.
"If You Have to Ask" tem um refrão totalmente Funkadelik, num funk à antiga com uma guitarra novamente muito bacana. Aliás, mesmo sem grandes arroubos, com um estilo discreto, jogando mais pro time do que em nome da glória pessoal, o guitarrista John Frusciante mata a pau em várias como na gostosa "Apache Rose Peacock", na embalda "Funky Monks" e na selvagem "Greeting Song".
Com uma evidente ão do produtor, "Breaking the Girl", uma das grandes dos disco, é ousada em sua concepção com suas influências indianas, instrumentação com flautas e com ênfase no trabalho de bateria e percussão.
Não há como não destacar "Give It Away", o grande hit do álbum. Um funkaço alucinado com um a guitarra retinindo, uma incrível linha de baixo sinuosa e escorregadia, e um dos refrões mais bacanas e originais da história do rock.
Na sequência já vem outra das minhas preferidas onde uma batida marcada e pesada seguida de um riff com wah-wah apresentam "Blood Sugar Sex Magik" que tem outra interpretação marcante de Anthony Kieds, quase sussurrando nos versos e expplodindo em vigor nos refrões.
E tem a ótima "Suck My Kiss", forte ,aressiva e pesada; "The Righteous and the Wicked " com outro baixão mataror de Flea; a superlegal "Naked in the Rain"; e a boa "My Lovely Man" que homenageia o ex-guitarrista falecido Hillel Slovak.
A rotação só baixa mesmo no disco com "I Could Have Lied" e "Under the Bridge", uma balada sobre drogas com um coral apoteótico no final. "Sir Psycho Sexy" poderia tranquilamente ter a honra de fechar o disco pela grandiosidade que vai assumindo ao longo de sua extensão de mais de 8 minutos, mas a tarefa fica bem nas mãos de "They're Red Hot", cover de Robert Johnson aceleradíssima e ensandecida, que faz jus aos adjetivos que carregam no nome: Eles são relamente quentes!
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FAIXAS: 1. "The Power of Equality" 4:03 2. "If You Have to Ask" 3:37 3. "Breaking the Girl" 4:55 4. "Funky Monks" 5:23 5. "Suck My Kiss" 3:37 6. "I Could Have Lied" 4:04 7. "Mellowship Slinky in B Major" 4:00 8. "The Righteous and the Wicked" 4:08 9. "Give It Away" 4:43 10. "Blood Sugar Sex Magik" 4:31 11. "Under the Bridge" 4:24 12. "Naked in the Rain" 4:26 13. "Apache Rose Peacock" 4:43 14. "The Greeting Song" 3:14 15. "My Lovely Man" 4:39 16. "Sir Psycho Sexy" 8:17 17. "They're Red Hot (Robert Johnson)" 1:11
e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” citação do livro de João, da Bíblia,
no encarte da edição original do álbum
Dia desses estava eu numa loja de CD’s comprando uma
camiseta do Johnny Cash, e como não raro acontece, o som que tocava na loja me
chamou a atenção. Um metal semi-acústico alicerçado no blues, interpretado com
ênfase, paixão e vigor. Interessantíssimo aquilo! Fui até o balconista e
perguntei do que se tratava, ao que ele me respondeu que era Danzig. Ora, já
havia ouvido falar da banda mas nunca efetivamente havia escutado. A surpresa
foi agradabilíssima. Perguntei o nome da música. Aquela chamava-se “I’m the
One”. Estusiasmante, extasiante! Ao melhor estilo dos blueseiros da antiga mas cantado com a
força do metal.
Procurei saber de onde era aquela música e a mesma fazia
parte do álbum chamado “Lucifuge” que, já na primeira audição, ratificando a
boa impressão inicial apresentava-se como um maravilhoso exemplar de uma
espécie de blues-metal bastante original na sua concepção, execução e interpretação.
Embora utilizando-se, sim, de instrumentos elétricos, de
peso e vocais impetuosos, A produção caprichada do ótimo Rick Rubin (de "BloodSugarSexMagik" dos Chilli Peppers e a série "American" de Johnny Cash , por exemplo) estreita de maneira admirável as correntes do metal com as características mais primárias do bom e velho blues tradicional dos grandes mestres, isso sem falar nas temáticas, é claro, sinistras, cheias de lendas e demônios comuns a ambos os estilos.
Além da já citada “I’m the One”, minha favorita, destaque
especial também para a primeira “Long Way Back from Hell” um metal galopante, potente, forte e vigoroso; para a balada “Blood
and Tears”; para o ótimo blues-metal apocalíptico "777"; e para a excelente “Killer Wolf”, referência ao lendário blueseiro
Howlin’ Wolf, pelo título e pela interpretação. No restante, todas são boas
canções mas, se pode-se apontar um defeito é que, talvez uniformes demais, algumas acabem soando muito parecidas com as outras. Mas nada que desdoure ou invalide todos os méritos
deste ótimo trabalho.
Só algum tempo depois de conhecer o Danzig foi que descobri
que o líder, vocalista, idealizador, Glen Danzig era o vocalista do extinto
Misfits, que para falar a verdade, nunca me agradou muito. Já o Danzig, bastou
um pouquinho daquele blues diferente, envenenado, sujo, satânico pra me pegar pelos
ouvidos.
"Rapazes que incorporam estados de anarquia para a excelência interna."
tradução para o significado da palavra "Beastie", originalmente: "Boys Entering Anarchistic States Towards Inner Excellence"
O rap, por sua natureza humilde e marginal, levou certo tempo para se maturar musicalmente. Vindos do gueto, fossem negros ou imigrantes, os primeiros artistas do hip-hop não tinham a menor condição de comprar instrumentos, por isso a ideia genuína de criarem sua música através de colagens de outras já feitas. Um DJ com LPs de vinil, uma mesa amplificada e um MC já bastavam. Uma solução genial, mas que custou um certo atraso de desenvolvimento ao estilo em termos harmônicos e melódicos (isso sem falar nas letras), desde as linhas simplórias, a melodia de voz quaternária e a sonoridade pouco elaborada. Somente em 1988, quando a Public Enemy lança “It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back” com um mês de diferença para “Straight Outta Compton”, da N.W.A., que o rap, finalmente, evolui. Ambas as bandas são as responsáveis por injetar ao gênero variações melódicas diversas, ampliarem-lhe as referências e usarem com criatividade (e sem economia) os samples e scratches, os quais se descobriu poderem ser não apenas um detalhe, mas um elemento da própria melodia ou arranjo.
Os Beastie Boys, se também pegaram no seu começo essa fase ingênua do rap com o aclamado – mas fraco – “Licensed to Ill”, de 1986, por outro lado, evoluíram mais rápido que qualquer outro artista ou banda do gênero, o que talvez seja explicado por sua origem distinta. Brancos e de ascendência judaica, Michael Diamond (Mike D), Adam Yauch (MCA) e Adam Horovitz (Ad-Rock) vinham da cena hardcore, “primo pobre” do estelar mundo pop, e se gozavam de condição social diferente da maioria de seus colegas rappers, tinham no grito punk um fator igualitário. Tanto que, já em “Paul’s Boutique”, de 1989, seu segundo álbum, mostram, não sem certa resistência pela cor da pele clara, esse alto nível de maturidade musical e, a partir dali, não pararam mais de progredir até chegarem a “Check Your Head”, de 1992, inaugurando o que pode ser chamado de rap moderno.
O trio não apenas passa a construir músicas bastante elaboradas, com colagens inteligentes e bem acabadas, como evoluem no modo de cantar, intercalando (ou não) as vozes e no proveito de outros ritmos que não só o funk, como é comum ao rap. Tem o groovea laJames Brown, claro, mas tem jazz, música latina, soul, AOR, psicodelia e... hardcore! Forjados nos pubs alternativos de Nova York, passam a integrar sem constrangimento sua veia punk ao rap. Eles entenderam que haviam chegado onde ninguém jamais havia conseguido. Cientes disso, concebem “Ill Communication”, de 1994, mostrando que ainda era possível dar passos adiante mesmo depois de terem chegado à sua obra-prima 2 anos antes.
Os Beastie Boys abrem “Ill...” com “Sure Shot”, um exemplo claro do art rap que somente anos depois MF Doom atingiria. Big beat, controle total do andamento, variações de ritmo e os samples, diversos, comandados pelo DJ Hurricane e totalmente a serviço da arquitetura sonora. Com esta joia abrem em alto estilo o disco, repetindo o feito de “Check...” com a faixa inaugural “Jimmy James”. Seguros de sua música, eles emendam “Tough Guy”, um hardcore puro, tiro curto, no melhor estilo baixo-guitarra-bateria tal como aprenderam com os ídolos Bad Brains no início dos anos 80. São os rapazes dando a entender que não voltavam depois de seu aclamado trabalho para brincar. Queriam mais.
Como já vinham exercitando desde “Paul’s...”, os Beastie Boys engendram uma música de tamanha plasticidade, que é difícil distinguir o que é sampleado, o que é programação e o que é tocado, resultado o qual devem grandemente ao produtor brasileiro Mário Caldato Jr., peça fundamental para esta virada evolutiva promovida pela banda. Certamente, é por influência de Caldato que as sonoridades brasileiras começaram a aparecer, solidificando-se em “Ill...”. “Shmabala” e “Sabrosa” são provas disso.
Com seu ritmo marcadamente funk, o rap dá o tom, seja na psicodélica "B-Boys Makin' With The Freak Freak", na magnífica “Root Down”, cheia de groove e na qual não dá pra identificar o que é tocado ou sampleado, ou “Get It Together”, rapzão gangsta de dar inveja em muito negrão metido a perigoso. Porém, a variedade de ritmos aparece como em nenhum disco do gênero até então, bem como a pegada hardcore, que entremeia a narrativa desta ópera-rap. É o caso da já citada “Sabrosa”, um funk suingado e de pegada latina – a se ver pelas percussões – e que é um dos sete temas instrumentais de “Ill...”. Também, “The Update”, outra com lances caribenhos e um contrabaixo sampleado de algum jazz muito bem pescado. Mas a química se dá principalmente na clássica “Sabotage”, misto perfeito entre as duas vertentes da banda, o hip-hop e o hardcore, e provavelmente a melhor música da carreira da banda. Hit do álbum, “Sabotage” tem ainda aquele que é considerado não-oficialmente o melhor videoclipe de todos os tempos, em que os integrantes da Beastie Boys, dirigidos pelo cineasta Spike Jonze, vivem um canastrão filme policial B.
O histórico clipe de"Sabotage", de Jonze
Diferencial do disco também são as instrumentais, que adensam esse caráter peculiar de um grupo que achou seu caminho. A psicoldelia de “Bobo On The Corner” casa com o funk pesadão de “Futterman's Rule”, bem como com a arábica “Eugene's Lament” e o jazz fusion de “Ricky's Theme”, clara homenagem ao primeiro produtor da banda, o lendário Rick Rubin.
Evidentemente, não pode faltar nesta “música de plástico” dos Beastie Boys mais rap e mais rock. “All right, scratch right now”, diz a abertura de “Alright Hear This”. É fácil supor que vem um show de scratches e samples, que variam e se entrecortam, tudo sob uma base de baixo acústico (sampledo, tocado?). “The Scoop” e “Bodhisattva Vow” seguem na linha de rap ornado de brilhantes ideias, como um canto gregoriano servindo de base que sacam sabe-se lá de onde, ou “Flute Loop”, cujo nome já indica que se valem do som de uma flauta para o riff – o que executam com precisão, aliás. Em compensação, o hardcore mantém-se presente, caso de “Heart Attack Man”. Mais uma instrumental: assim como “Ricky’s...” com cara de trilha sonora de série de TV, “Transitions”, parceria com Money Mark, vem para fechar um disco de quase 1 hora de duração e 20 faixas, mas que em nenhum momento fica cansativo.
De forma parecida, os Beastie Boys e a Body Count, do também rapperIce-T, promoveram naquele início de anos 90 uma aproximação aparentemente improvável, mas bastante lógica entre rap e punk. Os gêneros, marginais em suas concepções e filosofia, tinham, sim, muito a ver um com outro, mas ninguém ainda havia se dado conta com tamanha perspicácia. No caminho aberto por “Check...”, o trio nova-iorquino consolida em “Ill...” essa revolução na música pop, que muito serviu para quebrar preconceitos, sejam musicais ou raciais mostrando que homens brancos também sabiam enterrar. Afinal, tanto o rap quanto punk sabe que, para se mudar alguma coisa nesse mundo tão desigual, é necessário incorporar uma boa dose de anarquia para a excelência, seja pessoal ou coletiva.
A Queen, isolada numa fazenda para gravar sua obra-prima
Nesse período de isolamento em casa pela Covid-19, de todo
lado surgem listas com indicações do que se ler, assistir e, bastantemente,
ouvir. De playlists a discos, muitos recorrem à música pra aliviar a barra da
clausura forçada. Eu mesmo colaborei com uma seleção recentemente para o site
AmaJazz sobre os discos de jazz que 50 pessoas escolheram para escutar na quarentena – o meu, aliás, foi "The Real McCoy", de McCoy Tyner, a
pouco resenhado por mim para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do blog.
Mas o que ainda não ouvi falarem são os discos não
necessariamente próprios para este momento, mas os FEITOS em isolamento. Seja
no estúdio improvisado na própria casa, num apartamento fechado, numa mansão
isolada da civilização e até num hospício ou cadeia. Tem de tudo. Não é
novidade que artistas em geral busquem essa condição de recolhimento para se
concentrar, principalmente quando intentam um projeto novo. Porém, geralmente
isso ocorre de maneira controlada e adaptada a um fluxo rotineiro. Aqui, não.
Falamos de exemplos da discografia do rock, da MPB, da black music e do jazz
concebidos ou gravados em condições extremas de afastamento de qualquer outra
coisa que pudesse interferir além da própria criação musical. Tamanho foco não raro
acarretou em trabalhos brilhantes, sendo alguns bastante recorrentes em listas
de melhores em vários níveis.
Woodland, a casa que viu nascer "Trout...", da Captain Beefheart
Mesmo que o motivo para se isolar destes discos não seja o
de um perigo à saúde como hoje, cada um deles é, a seu modo e motivo, também
fruto de um momento necessário de reflexão. Se seguirmos o termo pelo que diz o
dicionário, "reflexão", do latim tardio, quer dizer "ato ou
efeito de refletir algo que se projeta". Música, assim como toda arte, não
é exatamente isso?
Aqui, então, uma listagem que serve como dicas para audiçãonestes
dias com 15 discos cujo processo de isolamento lhes foi essencial para
serem concebidos, mesmo que a própria sanidade mental de seus autores tenha
sido, em certos casos, comprometida para que isso ocorresse (se é que já não
estava). Se a nossa saúde física está em perigo atualmente, a discografia
musical, diante dessa (aparente) contradição entre “liberdade” e “prisão”, é
capaz de sanas nossas mentes.
*****
1. “Os Afro-Sambas” – Baden Powell e Vinícius de Moraes (1966)
Local: Casa de Vinícius de Moraes, Parque Guinle, Laranjeiras, Rio de Janeiro, Brasil
Já resenhado aqui no blog, é o exemplo clássico na
música brasileira de confinamento que deu certo. Mas não um isolamento para
ficar limpo ou longe da família e das tentações. Os instrumentos de home office
foram o poderoso violão de Baden, o papel e a caneta de Vinícius e um engradado
de whisky 12 anos. “Eu fiquei tão entusiasmado que passamos uns três meses
completamente enfurnados”, disse Vinícius sobre a temporada em que abrigou
Baden em seu apartamento no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, para comporem as
mais de 50 canções que resultariam n”Os Afro-Sambas”. Depois da concepção, foi
só lapidar em estúdio com as intensas percussões, os arranjos e regência do
maestro César Guerra-Peixe e as participações vocais do Quarteto em Cy e de
Dulce Nunes. Como Cly Reis bem colocou na resenha de 2013, “Os Afro-Sambas” é “uma
perfeita mescla de técnica, poesia, brasilidade, africanidade, sincretismo,
tradições, folclore e genialidade em um trabalho que leva ao limite a
multiplicidade e as possibilidades dentro da linguagem do samba e das vertentes
da música brasileira desde suas mais remotas origens”. OUÇA O DISCO
2. “Music from Big Pink”– The Band (1968)
Local: "Big Pink", West Saugerties, Ulster, Nova York, EUA
Ia tudo bem com os canadenses Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel em 1966. Eles formavam o grupo de apoio de Bob Dylan no clássico “Bringing It All Back Home” e revolucionavam o folk rock ao eletrificá-lo de forma inequívoca. Mas o perigo está sempre à espreita. Não demorou muito para que as reações contrárias viessem e as vibrações ruins dos conservadores da música norte-americana afetassem tanto Dylan, que o fizeram se acidentar de moto. Fim da linha? Não, pelo contrário: fase superprodutiva. Com músicas até sair pela orelha, os rapazes da The Band alugam uma casa de cor rosa em West Saugerties, uma pacata vila no Condado de Ulster, em Nova York, e concebem seu primeiro e histórico álbum, metalinguisticamente chamado de “música da grande casa rosa”. Resultado: “Music...”, cuja capa reproduz um óleo da autoria de Dylan, é classificado como 34º melhor disco pela Rolling Stone's entre os 500 maiores de todos os tempos. Não precisa dizer mais nada. OUÇA O DISCO
3.“Trout Mask
Replica”– Captain Beefheart & His Magic Band (1969)
Local: Woodland Hills, Ensenada Drive, Modesto, Califórnia, EUA
O blueser vanguardista Don Van Vliet já havia dado ao mundo
do rock dois discos memoráveis com sua Captain Beefheart: Safe as Milk (1967) e
Strictly Personal (1968). Mas um filho musical de Frank Zappa como ele jamais
se contenta com o que já fizera. Movido por um desejo artístico superior, Vliet
fez, então, “Trout...”. Reproduzo o parágrafo que abre a resenha que escrevi em
2013 sobre este disco aqui para o blog, pois vai na essência do que essa obra
representa: “Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano.
Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em
abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento
e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock,
tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo
sem um acorde sequer de piano. (...) Talvez o trabalho que melhor tenha fundido
rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira ‘obra de
arte’, um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado
obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.” OUÇA O DISCO
4.“Gilberto
Gil” - Gilberto Gil (1969)
Local: Quartel da Vila Militar, Deodoro, Rio de Janeiro, e domicílio-prisão, Rua Rio Grande do Sul, Pituba, Salvador, Brasil
Antes de “Changin’ Time”, do norte-americano Ike White (que
falaremos logo adiante), outro grande disco cunhado em regime de cárcere era
produzido, infeliz ou felizmente, no Brasil. Foi em 1969, nos anos de ditadura
militar. O que se tem a celebrar desse capítulo triste da história brasileira é
que nem a repressão foi suficiente para impedir que a genialidade de Gilberto Gil
produzisse um álbum grandioso tanto em qualidade quanto em simbologia e
resistência. O supra-sumo do tropicalismo. E ainda num ínterim tenso e degradante. Em prisão domiciliar em
Salvador após meses encarcerado no Rio de Janeiro e quatro meses antes de
embarcar para o exílio em Londres, Gil lançou mão apenas de seu violão e de sua
voz para gravar as bases de todas as músicas que comporiam seu novo álbum. Nove
preciosidades que, quando foram parar nas mãos de Rogério Duprat para que este
as produzisse e as vestisse com os outros instrumentos e orquestrações, seu
autor já estava em pouso forçado no Velho Mundo. O antropólogo Hermano Vianna
observa, abismado, que "Gilberto Gil"“é quase um milagre que tenha sido produzido e
lançado”. Milagre maior é saber que desse disco há obras como “Aquele Abraço”,
“Futurível”, “Cérebro Eletrônico” e “Volks Volkswagen Blues”.
Local: Fulbourn Hospital, vila de Fbridbourn, Cambridgeshire, Inglaterra
Syd Barrett é daqueles gênios que nunca bateram muito bem. A capa, desenho dele, denota esse ínterim entre a loucura e a mais graciosa sanidade. Ao mesmo tempo em que produzia coisas incríveis, como a marcante participação
(e fundação!) na Pink Floyd, era capaz de cair num estado vegetativo indissolúvel. A esquizofrenia era ainda mais comprometida pelo
uso de drogas pesadas. Tanto que, logo depois de “The Piper at the Gates ofDown”, de 1967, o de estreia da banda, Roger Waters e David Gilmour assumiram-lhe a frente. Mas não sem desatentarem do parceiro, que gravaria logo em
seguida o também lendário “The Madcap Laughs”. Gilmour, aliás, amigo e
admirador, fez o que poucos fariam para manter viva aquela chama: montou um
estúdio em pleno manicômio, em que Barrett fora internado, em 1969, para que o “Crazy
Diamond” registrasse sua obra mais bem acabada antes que sua mente se
deteriorasse e o impedisse disso para sempre. Foi, aliás, exatamente o que aconteceu com Barrett, morto em 2006 totalmente recluso e sem ter nunca mais
entrado num estúdio com regularidade. Antes, graças!, deu tempo de salvar “Barrett”, dos
discos cinquentões de 2020.
Era comum a galera do rock dos anos 60 e 70 dar umas
escapadas sabáticas para ver se conseguiam fugir um pouco burburinho de fãs e
executivos e produzir algo que lhe satisfizesse. Acabou sendo o que aconteceu
com a Led Zeppelin para a produção daquele que foi seu mais celebrado disco: o
“IV”(ou "Four Symbols", ou "ZoSo" ou "o disco do
velho”). Em dezembro de 1970, a banda se reuniu no recém-inaugurado Sarm West
Studios, em Londres, para a pré-produção de seu até então novo álbum. Só que não.
Outra banda, a Jethro Tull, havia chegado primeiro. O quarteto Page/Plant/Bonham/Jones
decidiu, então, por sugestão dos integrantes de outra grande banda inglesa, a Fleetwood Mac, finalizar a produção no pequeno estúdio da Headley Grance, uma mansão de
pedra de três andares em East Hampshire, no meio do nada, com fama de mal
assombrada mas com uma acústica incrível. Prova do acerto na escolha do lugar
para a gravação é o som da bateria de Bonham em "When the Leevee
Breaks", gravada, com microfones-ambiente na base da escadaria da casa. O
resultado é um som trovejante e uma das introduções de bateria mais marcantes
de todos os tempos. Fora isso, o local viu nascerem alguns dos maiores clássicos
do rock de todos os tempos, como "Black Dog", "Rock and
Roll", "Stairway to Heaven" e "Four Sticks".
Local: Mansão Nellcôte, Villefrance-sur-Mer, Costa Azul, França
Sabe tudo que se fala do caos que foi o set de filmagens de “Apocalypse Now”, do Coppola, com drogas, sexo, atrasos, grana desperdiçada, crises e, claro, o isolamento de toda a equipe do filme numa floresta quente e úmida? Algo semelhante foram as gravações de “Exile...”, dos Rolling Stones. Troca-se apenas a úmida floresta asiática pela da famosa Nellcôte, mansão localizada na mediterrânea Villefrance-sur-Mer, Sul da França, que presenciou, entre 10 de julho a 14 de outubro de 1971, um festival de sexo, drogas e muito, mas muito rock ‘n’ roll. Quase ninguém saía nem entrava, a não ser traficantes e groupies para animar as noites viradas. Os atrasos, como no filme, foram decorrência, o que, aliás, também fez gastar tempo e dinheiro. No que se refere à crise, foi uma financeira que fez a banda fugir da Inglaterra para aquele lugar longe de tudo – principalmente do fisco. Cenário perfeito para sair tudo errado, certo? Se o filme de Coppola venceu a Palma de Ouro e virou o maior filme de guerra de todos os tempos, “Exile...”, a seu tempo, se transformou no melhor disco dos Stones – o que é quase dizer que se trata do melhor disco de rock de todos os tempos.
Local: Little Bedwyn, vila de Wiltshire, Inglaterra
O segundo disco solo do inglês Robert Wyatt, então baterista da Soft Machine, é outra experiência radical de isolamento forçado. Porém, esta se deu por um motivo limite: um grave acidente. Na noite de 1º de junho de 1973, em uma festa regada a Southern Comfort COM tequila (receita ensinada pelo parceiro de bebedeira Keith Moon), Wyatt, depois de incontáveis doses, não percebeu que saía a pé por uma janela, despencando sem escalas direito do quarto andar rumo ao chão. Ele acordou só no outro dia numa cama de hospital sem movimentar as pernas nunca mais a partir de então. Quando ele finalmente conseguiu se sentar em uma cadeira de rodas, um dos primeiros objetos que encontrou no hospital foi um velho piano na sala de visitas, onde começou a trabalhar no material de “Rock Bottom”, algo como “fundo do poço”. Após um período difícil de adaptação à sua nova condição, ele começou a gravar faixas no início de 1974 em uma fazenda em Little Bedwyn, numa pacata vila de Wiltshire, sudoeste da Inglaterra, alavancando a unidade de gravação móvel da Virgin Records, estacionada no campo do lado de fora da casa. Para o crítico musical e historiador italiano Piero Scaruffi, “Rock...”, cuja soturna arte da capa também é de autoria de Wyatt, é uma das 15 obras mais importantes da música moderna na segunda metade do século XX.
Local: Rockfield Studios, Rockfield Farm, Monmouthshire, País de Gales
A história desse disco é tão legal, que virou uma das melhores sequências do premiado filme “Bohemian Rhapsody” - faixa, aliás, que exprime
com grandeza a importância e qualidade ímpar do disco da Queen. Depois do sucesso dos
primeiros álbuns com o grupo e recém contratados por uma grande gravadora, a
banda sabia que tinha que trazer algo melhor e novo no álbum seguinte. Pois
Freddie Mercury, em alta efervescência criativa, convence o restante do grupo a
se instalar temporariamente na Rockfield Farm, uma pequena vila no sudeste do
País de Gales, longe do burburinho dos fãs e, principalmente, de qualquer
influência que o desviasse do objetivo de fazer, sem modéstia, uma obra-prima.
Se a gravadora achou ousado demais e houve críticas à mistura de música
clássica com rock, não importa. O fato é que “A Night...”logo estourou, entrou
para a lista dos mais vendidos e saiu bem àquilo que Freddie intentava: uma
obra-prima.
Local: Tehachapi State Prison, Tehachapi, Califórnia, EUA
Se o assunto é disco produzido e gravado num ambiente fechado, “Changin’ Times”, de Ike White, vai ao extremo. Músico prodígio, hábil com vários instrumentos e de uma capacidade compositiva sem igual, ele poderia ter sido um dos grandes astros da black music norte-americanos, no nível de James Brown, Isaac Hayes ou Curtis Mayfield. Só que o destino cruel quis que aquele homem negro tão talentoso quanto pobre fosse sentenciado por um homicídio e passasse a maior parte da vida na cadeia. Mas foi dentro de uma, a penitenciária de Tehachapi, uma pequena cidade no interior da Califórnia, que White, em 1976, ajudado por Stevie Wonder e pelo produtor Jerry Goldstein, revelasse ao mundo aquele é um dos melhores discos da música soul de todos os tempos, o acertadamente intitulado “Tempos de Mudança”. Esses dados são adivinhados pelos agradecimentos na capa do álbum ao superintendente Jerry Emoto, do Departamento de Correções da Califórnia, e ao restante da equipe da prisão "sem cuja ajuda esse projeto não poderia ter sido realizado". E não há mais informações sobre Ike White. Nada. Ano passado, o documentário “The Changin' Times of Ike White”, de Daniel Vernon, revelou alguma coisa mais do pouco que se sabe sobre a lenda Ike White. Porém, ouvindo um disco tão maravilhoso quanto este talvez se conclua que seja isso mesmo tudo que se precise saber.
Local: Dellow House, Dellow Street, Wapping, East London, Inglaterra
Dellow House, sito ao logradouro de mesmo nome, área urbana da Grande Londres, código postal E1. Este é o endereço em que o lendário baixista britânico Jah Wabble gravaria um de seus discos mais influentes para a galera do pós-punk, entre eles, Renato Russo, que ovacionava este álbum. Porém, nem mesmo todas essas indicações geográficas são suficientes para apontar precisamente onde o disco fora concebido, produzido e gravado: o próprio quarto de Wabble. Aliás – assim como o já citado disco da The Band – o título, "Bedrom Album", mais claro, impossível. Depois de ter ajudado John Lydon e sua trupe da Public Image Ltd. a definir o som dos anos 80 e 90, Wabble, não dado por satisfeito e dono de uma carreira solo que passa desde a música eletrônica ao free funk, fusion, experimental e new-wave, faz seu o melhor trabalho até hoje. As linhas de baixo graves e mercadas ganham toda a relevância nos arranjos, que tem como aliada a guitarra do parceiro Animal (Dave Maltby). Os outros instrumentos, todos a cargo do dono do quarto. Semelhanças com a sonoridade da P.I.L., há, como na brilhante “City”, nas arábicas “Sense Of History”, “Concentration Camp” e “Invaders of the Heart”. Uma aula de como fazer um disco brilhante sem sair da cama.
12.“Blood
Sugar Sex Magik”– Red Hot Chili Peppers (1991)
Local: The Mansion, Laurel Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
A The Mansion, antiga construção na montanhosa Laurel
Canyon, em Los Angeles, era lendária e assombrada. Nas décadas de 1960 e 1970,
muitos artistas famosos como Mick Jagger, David Bowie, Jimi Hendrix e The Beatles estiveram nela. Conta-se que, nos anos 20, seus donos a abandonaram depois
que um homem morreu caindo de sua varanda. Há quem afirme que, quando esteve em
seus corredores, as portas se abriam sozinhas. Era o cenário perfeito para que
os malucões da Red Hotgravassem "BSSM", seu quinto e mais festejado álbum. Os 30 dias
em que Anthony Kiedis, Flea, John Frusciante e Chad Smith se mudaram para a
mansão pertencente ao produtor Rick Rubin foram essenciais para que criassem
clássicos e hits do rock como "Give It Away", "Under The
Bridge", "Suck My Kiss" e "Breaking the Girl". Funk,
punk, heavy metal, indie, jazz fusion, pop. Tudo junto e misturado no disco
que, junto de “Nevermind”, do Nirvana, fez o rock alternativo sair das cavernas
e ir para as paradas.
Local: The Manor Studio, Shipton Manor, Oxfordshire, Inglaterra
A The Cure também teve a sua vez de reclusão. Foi para a gravação
de “Wish”, de 1991. O trabalho anterior, o celebrado “Disintegration”, foi um
sucesso de crítica e público, mas bastante tempestuoso durante as gravações.
Último disco com o então integrante formador Lawrence Tollhust, muito desse
clima se deve à relação já bastante estremecida dele para com Robert Smith e
outros integrantes da banda. Já sem ele, decidem, então, se enfurnar numa
mansão em estilo Tudor em Oxfordshire, interior da Inglaterra, a chamada
Shipton Manor. Um lugar espaçoso, cheio de espelhos enormes, tapetes persas,
lareiras e um enorme mural no átrio. A ideia eram justamente, fugir um pouco de
toda a polêmica e as complicações em torno do processo que o Tolhurst movia
contra Robert Smith e o grupo. A safra foi frutífera, tanto que rendeu um álbum
duplo, o último grande da banda, e com o hit “Friday I’m in Love”, que colocou
“Wish” nas primeiras posições em várias paradas naquele ano.
Local: Antiga residência dos Vianna, Estrada do Morgado, Vargem Grande, Rio de Janeiro, Brasil
Talvez um desavisado que conheça Herbert Vianna hoje,
paraplégico por causa de um acidente sofrido em 2001, pense que “Ê Batumaré”,
assim como o disco de Wyatt, seja caseiro por motivos de "força maior". Mas, não.
À época, quase 20 anos antes daquele ocorrido trágico, o líder e principal
compositor da Paralamas do Sucesso, dotado de todas as funções motoras, estava
dando uma guinada sem volta na carreira pela influência da música brasileira em
sua música (em especial, do Nordeste). Já se percebiam sinais em discos da
banda, como “Bora Bora” (1988) e “Os Grãos” (1991), e se sentiria ainda mais no
sucessor “Severino”. Gravado, tocado e cantado inteiramente pelo ele em uma
garagem sem tratamento acústico e num equipamento semiprofissional (como está
escrito no próprio encarte), ouve-se de Zé Ramalho a Win Wenders, de baião a
eletroacústica, de rock a repente, além de instrumentos de diversas sonoridades
e timbres e, claro, as ricas melodias que sempre foi capaz de criar. O álbum é
o centro desta mudança de paradigma que Herbert trouxe à sua música, à de sua
banda e ao rock nacional como um todo. Se à época a imprensa brasileira –
sempre pronta para criticar os artistas de casa – recebeu o disco com frieza,
considerado-o “experimental” (mentira: eles não entenderam!), nunca mais o rock
brasileiro foi o mesmo depois de “Ê Batumaré”.
15. “The Downward Spiral” – Nine Inch Nails (1994)
Local: 10050 Cielo Drive, Benedict Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
Nos anos 90, o avanço da tecnologia dos equipamentos sonoros dava condições para se montar estúdios portáteis onde quer que fosse. Foi então que o multi-instrumentista norte-americano Trent Reznor pensou: “por que não instalar um em plena 10050 Cielo Drive, a mansão nos arredores de Beverly Hills, Los Angeles, em que, na madrugada do dia 9 de agosto 1969, a família Manson assassinou cinco pessoas, entre elas, com requintes de crueldade, a atriz e modelo Sharon Tate, grávida do cineasta Roman Polanski?” O que para alguns daria arrepios, para o líder da Nine Inch Nails foi motivação. Ali ele compôs o conceitual “The Downward Spiral”, disco de maior sucesso da banda. Reznor, que se mudara para a casa, absorveu-lhe o clima macabro para criar uma ópera-rock cheia de ruídos, distorções e barulho em que o personagem principal passa por solidão, loucura, descrença religiosa e repulsa social. Até o estúdio improvisado ganhou nome em alusão àquele trágico acontecimento: Le Pig, uma referência a uma das mensagens deixadas escritas nas paredes da casa com o sangue dos mortos. Se por sadismo ou mau gosto à parte, o fato é que o disco virou um marco dos anos 90, considerado um dos melhores álbuns da década pouco após seu lançamento por revistas como Spin e Rolling Stone.