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quarta-feira, 25 de maio de 2022

Música da Cabeça - Programa #268

 

Caiu mais um presidente da Petrobrás? Aqui no MDC tá tudo no mesmo lugar. Em alto e bom som, teremos hoje muitas e variadas coisas, de Stevie Wonder a De Falla, de Paul McCartney a The Fall, de Black Sabbath a Legião Urbana. Tem os quadros móveis e Cabeça dos Outros muito rock'n'roll. Sem mudanças, o programa vai ao ar às 21h, na estável Rádio Elétrica. Produção e apresentação, o Daniel Rodrigues  de sempre.

Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 16 de março de 2022

Música da Cabeça - Programa #258

 

O preço da gasolina tá lá nas alturas? O negócio é a gente aumentar também, mas o volume pra ouvir o programa desta semana. No nosso posto sonoro a bomba tá cheia de litros de John Cale, Stevie Wonder, Plebe Rude, Bauhaus e mais. Aproveita a barbada e já troca óleo enquanto curte nossos quadros fixos e móvel. O MCD 258 vem de tanque cheio hoje às 21h na abastecida Rádio Elétrica. E melhor: tudo de graça! Produção, apresentação e promoção imperdível: Daniel Rodrigues



Rádio Elétrica
www.radioeletrica.com


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

“Summer Of Soul (...ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de Ahmir "Questlove" Thompson (2021)

 

Não parece aceitável que seja apenas o aperfeiçoamento dos recursos técnicos, capazes de recuperar com tecnologia digital filmes antigos, o motivo que explique porque estejam vindo somente agora a público certos registros do passado cujos espinhosos temas são necessários e urgentes para se entender a sociedade do hoje. O racismo, seja estrutural, velado ou institucionalizado, de alguma forma colabora para essa justificativa. Por que, então, não fosse por isso, somente após 60 anos de carreira, Tina Turner sentira-se à vontade para divulgar questões até então sujeitas à crítica de sua vida pessoal no documentário “Tina”? Igualmente, por que apenas dos últimos anos para cá tenham fervilhado docs  abordando abertamente este tema como "Os Panteras Negras: Vanguardas da Revolução" (2015), "What Happened, Miss Simone?" (2015), "Eu Não Sou Seu Negro" (2016), "A 13ª Emenda" (2016) e "Libertem Angela Davis" (2012)?

Esse esquecimento perverso quase fez o mundo perder de conhecer uma história praticamente apagada das mentes, mas que, salva pelas mãos do cineasta Ahmir "Questlove" Thompson, foi resgatada para a eternidade. “Summer Of Soul (...ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, o magnífico e arrebatador documentário que concorre, com todo merecimento, ao Oscar nesta categoria, explora o Harlem Cultural Festival de 1969, evento que reuniu multidões de pessoas negras pela primeira vez em um acontecimento público e ao ar livre nos Estados Unidos e grandes nomes da música negra para celebrar a cultura afro-americana. Apesar da magnitude do festival, as imagens recuperadas pelo filme ficaram guardadas por décadas – acredite-se – numa cave. A referência no título à música de Gil Scott-Heron, escrita originalmente naquele mesmo explosivo ano de 1969, deixa claro o tom de denúncia que choca e encanta ao mesmo tempo. Como essa história tão rica nunca havia sido contada?

Wonder dando adeus ao sufixo "Little"
e ganhando maturidade
no Harlem Cultural Festival


Montado com sensibilidade e perspicácia, “Summer...” une em sua narrativa didática jornalística com arqueologia urbana. Focado nos vários números musicais que se apresentaram no palco montado em pleno Mount Morris Park, as apresentações são entrecortadas por breves mas extremamente precisas informações documentais sobre aspectos sociais, políticos e biográficos que sustentam o objeto do filme, fazendo com que não seja apenas um amontoado de músicas seguidas umas das outras (o que, neste caso, já seria interessante). Minitelejornais sobre determinado artista, imagens de fatos sociais recentes como manifestações contra o racismo, ou contextualizações históricas necessárias, como a coincidência do festival com o dia da chegada do homem à Lua, 20 de julho, dão ainda mais peso àquelas performances que se veem no palco, agigantando-as de significado e importância.

Afora isso, a variedade de estilos (R&B, funk, gospel, blues, jazz) e o nível de qualidade do cast é de encantar qualquer admirador da música feita nos últimos 60 anos. B.B. King, Nina Simone, Mahalia Jackson, Stevie Wonder, Sly & Family Stone, Gladys Knight & the Pips, The 5th Dimension, Max Roach e outros desfilam à frente dos olhos dos espectadores, dando a impressão de quase não se acreditar que aquilo um dia aconteceu. Mas está ali, vivo novamente. Afortunados que estavam na plateia e alguns daqueles artistas, como Marilyn McCoo e Ronald Townson, da The 5th Dimension, juntam-se aos espectadores comuns nesse assombro. Noutro grande mérito do filme de Thompson, pessoas que presenciaram o festival, seja assistindo ou se apresentando, são convidadas a reverem as imagens até então perdidas. Profundamente tocados, pois a revivência lhes retraz alegrias e dores, é impressionante perceber o quanto todos demonstram surpresa com o que veem, não só por somente agora terem a oportunidade disso, mas porque, não fosse a força intrínseca da imagem, do mistério divino que o cinema guarda, as memórias tendem a irem se apagando até, um dia, desaparecerem por completo. É o cinema documental exercendo suas duas primordiais funções: revelar e eternizar.

trailer de "Summer of Soul"

Além de um retrato do momento sociocultural de final dos conturbados anos 60, o filme serve também para se entender o próprio estágio em que se encontravam àquela época os artistas participantes, visto que, para alguns, o festival foi crucial para a carreira. Wonder, então com 19 anos, por exemplo, sobe ao palco do Harlem Cultural Festival exatamente no ínterim entre sua tutela artística pela Motown, iniciada quando ainda era uma criança, e o começo da maturidade criativa, que o levaria a se tornar um dos mais consagrados artistas de todos os tempos a partir de então. A Sly & Family Stone, igualmente. É impressionante perceber que “Stand!”, revolucionário disco de estreia da banda que mesclava o funk negro ao psicodelismo do rock com o grito contra as desigualdades, havia sido lançado apenas um mês antes da realização do festival e, mesmo assim, já era uma febre junto ao público. E o que dizer da apresentação explosiva de Nina?! Ou da homenagem a Martin Luther King, protagonizada por Mavis Staples e Mahalia!? De arrepiar. Se o assassinato do pastor e líder político ainda hoje não é totalmente assimilado pela comunidade negra, imagine-se à época, pouco mais de um ano anos após o trágico ocorrido e em que as feridas estavam abertas.

Mavis e Mahalia protagonizando
um dos momentos mais
emocionantes do filme
O paralelismo com fatos históricos daquele efervescente período está presente a cada minuto do longa, como a onipresença dos Black Panthers (responsáveis pela segurança do evento), a presença de figuras emblemáticas para a causa negra como o ativista Jesse Jackson e o protagonismo de Tony Lawrence, agitador cultural e organizador do festival. Somente assistindo-se o filme se entende com mais clareza, por exemplo, o porquê das críticas que sempre pairaram em relação à política de financiamento da corrida especial, intensificada pelos Estudos Unidos naquela década de 60 de Guerra Fria e disputa de poder com a União Soviética. Num dos momentos do filme, mostram-se reportagens da época com pessoas sendo entrevistadas durante o festival dizendo ser um absurdo o governo gastar bilhões de dólares para ir à Lua enquanto a população, ali, pobre e em sua maioria negra, passa por tanta dificuldade. Noutro ponto, mais um aspecto elucidativo de “Summer...”: o festival foi realizado, curiosamente, durante o mesmo verão que outro megaevento, o de Woodstock, o qual levantava não a perigosa bandeira da luta contra o racismo e dos direitos civis, mas a utópica máxima hippie de “paz e amor”. Não é difícil de saber qual festival entrou para a história e qual foi esquecido num porão...

“Summer...” não é só provavelmente o melhor documentário deste ano e forte candidato à estatueta da Academia, como um dos mais brilhantes sobre música da história do cinema, tranquilamente equiparável a clássicos do gênero como “O Último Concerto de Rock”, “Gimme Shelter” e “Amazing Grace”. Sua narrativa, que casa metalinguística e documentação histórica, é tão eficiente que lhe potencializa o caráter de espetáculo e de denúncia social num só tempo. A realização milagrosa de “Summer...” é, por si, reveladora, visto que funciona como uma metáfora da vida da América escravagista: preso num calabouço, o negro, até então fadado ao apagamento social, sai da condição subumana para forjar, com talento ímpar e força interior ainda mais admirável, toda a arte musical moderna como se conhece hoje.


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Música da Cabeça - Programa #255

 

22.02.2022? Mais raro ainda será o MDC de hoje! Afinal, só coisa legal, independentemente da ordem. Tom Zé, PJ Harvey, Yvonne Elliman, Stevie Wonder e Yoko Ono nos garantem isso. Ainda mais quando a gente tem "Cabeça dos Outros" e os quadros fixos "Palavra, Lê" e "Música de Fato". De frente pra trás, de trás pra frente, não importa: o programa vai ao ar mesmo é às 21h, na palíndroma Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Rodrigues Daniel (ou Daniel Rodrigues, tanto faz)


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Fela Kuti & The Africa '70 with Ginger Baker – “Why Black Man Dey Suffer” (1971)

 

“Havia alto-falantes nas ruas de Lagos tocando várias músicas, mas uma se destacava. Eu perguntei: ‘Que música é esta?’. E me disseram: ‘É o Fela’. Eu nunca tinha ouvido uma música tão linda”. 
Carlos Moore, jornalista, amigo e biógrafo de Fela Kuti

“O afrobeat de Fela não era apenas música, era um manifesto político-cultural”. 
Ray Lema, Músico e amigo de Fela Kuti

“Minha música não é de entretenimento, é de revolução. Quero ser um grande homem, e não farei concessões”. 
Fela Kuti

Na arte, um choque de realidade social, quando não inibe e amedronta, é capaz de provocar transformações revolucionárias. Há artistas que, saídos espontânea ou forçadamente e de seu habitat natural, depararam-se em determinado momento com uma situação-limite a qual entenderam estar ali o seu ponto de virada. A partir de então, nunca mais foram os mesmos. Heitor Villa-Lobos não se contentou com a música aprendida nos conservatórios cariocas nos anos 10 e embrenhou-se no Brasil profundo para, enfim, engendrar sua obra fundadora da música brasileira moderna. O compositor francês Oliver Messiaen, feito prisioneiro pelos nazistas na II Guerra, compôs em pleno campo de concentração aquela que é considerada sua obra-prima, "Quarteto pelo fim dos tempos", para os únicos quatro instrumentos disponíveis naquela condição: piano, violino, violoncelo e clarinete, a qual estreou na própria prisão para um público de guardas alemães e outros prisioneiros como ele.

Pode-se dizer que com Fela Kuti aconteceu o mesmo choque transformador. Nascido na cidade de Abeokuta, no estado de Ogum, na Nigéria, em uma família de classe média alta, o músico, performer, agitador cultural e ativista Fela Anikulapo Ransome-Kuti tinha exemplos dentro de casa para autovalorizar-se. A mãe, Funmilayo Ransome-Kuti, foi a primeira mulher ativista dos direitos em seu país, e seu pai, Reverendo Israel Oludotun Ransome-Kuti, um pastor protestante e diretor de escola. É em Londres, onde foi estudar Medicina nos anos 50, que migra definitivamente para e faculdade de Música, retornando a Lagos posteriormente para formar a banda Nigeria ‘70. Porém, só em 1969, quando, em meio da Guerra Civil da Nigéria, vai para os Estados Unidos e se depara com efervescência do movimento Black Power, que Fela encontra-se consigo mesmo. Relaciona-se com a ativista Sandra Smith, membra dos Panteras Negras, que o influencia fortemente em sua música e visões políticas. Fela despe sua música de qualquer resquício colonizador e mergulha nas raízes de seu povo, de sua gente. É ali que, então, retorna novamente à capital nigeriana Lagos recarregado para assumir o posto ao qual agora entendera estar destinado: tornar-se um símbolo de resistência política. 

O referencial Fela: revolução
que perdura
Fela compreenderia melhor a luta de sua mãe pelos direitos dos africanos que estavam sob o regime colonial, assim como o apoio que ela dava à doutrina do Pan-Africanismo exposta por Kwame Nkrumah. Mas a tomada de consciência refletiu-se não só em seu pensamento e postura quanto, principalmente, em seu trabalho. Essas ideias também o inspiraram a criar seu próprio estilo musical, que ficaria conhecido como afrobeat, uma mistura do jazz americano com o rock e o highlife da África Ocidental. Símbolo desta explosão criativa, o grito militante “Why Black Man Dey Suffer”, que completou 50 anos de lançamento em 2021, é o primeiro e talvez mais emblemático de sua profícua e polêmica carreira. Sintetizador de suas ideias musicais, visuais, políticas e filosóficas, o álbum traz sua competente banda, renomeada Africa ‘70, com Tony Allen na percussão, Igo Chico, no sax, e Tonny Njoku, ao trompete, além da participação de uma lenda do rock psicodélico: o baterista britânico ex-Cream Ginger Baker, cujas batidas potentes e jazzísticas promovem um reencontro mágico com o som originalmente africano. 

Composto por apenas duas longas sessões, uma de cada lado do vinil (expediente que usaria várias outras vezes em sua vasta discografia), “Why Black...” explora a musicalidade do multi-instrumentista Fela e de seus parceiros em temas que se desenvolvem de forma crescente e aglutinante. Cantos tradicionais africanos, percussão marcada num compasso ritualístico e vocais e estrutura musical que passam pelo jazz e linhas de metais funk. O endless groove também é usado, com um ritmo básico com baterias, muted guitar e baixo, que são repetidos durante o andamento, algo que influenciaria sobremaneira o funk e o hip-hop. Além disso, Fela fazia questão de cantar em um Pidgin baseado no inglês, de forma que sua música pudesse ser apreciada por indivíduos de toda a África, onde as línguas faladas locais são diversas e numerosas. 

Ambas as músicas carregam um discurso fortemente desafiador e engajado, como jamais havia se ouvido antes na oprimida África. Sua República Kalakuta, que reunia uma comuna, um estúdio de gravação e uma casa, além do Afrika Shrine, boate onde apresentava regularmente suas performances, era declaradamente independente da Nigéria. Ou seja: uma pedra no sapato para a ditadura nigeriana. A letra da faixa-título, questiona: “Por que os negros sofrem hoje”? “Por que homem negro não ganha dinheiro hoje?”. Sob um ritmo “chamado Kanginni Koko, usado em algum tipo particular de santuários na minha cidade natal, Abeokuta City”, explica Fela na letra, a música não deixa dúvida do quanto era perigosa a sua mensagem para o governo militar:

“Nossas riquezas foram levadas para suas terras
Em troca, eles nos deram sua colônia
Eles tiram nossa cultura de nós
Eles nos deram uma cultura que não entendemos
Negros, não nos conhecemos
Não conhecemos nossa herança ancestral
Nós brigamos todos os dias
Nunca estamos juntos, nunca estamos juntos
É por isso que os negros sofrem hoje”.

Já a outra faixa do disco, valendo-se bastantemente dos dialetos, “Ikoyi Mentality Versus Mushin Mentality”, escancara as diferenças de “mentalidade” dos bairros rico (Ikoyi) e pobre (Mushin) de Lagos, exigindo que todos sejam respeitados como seres humanos. Enquanto o Ikoyi representa o “homem de fora” que viajou o mundo todo e levou para a Nigéria uma “civilização que não entendemos”, o “Homem Mushin”, nativo, mesmo nunca tendo se deslocado fisicamente para lugar nenhum devido a suas condições, é capaz de entender “a linguagem das pessoas”, de falar a “língua da África”.

A própria arte da capa, de autoria de Lemi Ghariokwu, artista visual e designer autor das principais capas de discos de Fela Kuti, trazia essa força de ativismo. Em traços muito característicos, Lemi monta uma espécie de hieróglifos pictográfico iorubá, representando questões sociais, religiosas e existenciais.

As tensões foram se avolumando em relação a Fela ao longo dos anos, o qual se tornou uma espécie de inimigo nº 1 do ditador Olusegun Obasanjo. Tanto foi que, em 1977, mil soldados atacaram a comuna. Fela foi severamente espancado e sua mãe, já idosa, arremessada de uma janela, provocando-lhe a morte. A República Kalakuta foi incendiada e o estúdio e a boate destruídos. O que não foi motivo para o combativo Fela baixar a guarda. Aliás, não faltaram episódios polêmicos ou controversos na vida de Fela: além de outros discos e shows, perseguição por parte do governo, prisões forjadas, candidaturas à presidência da Nigéria, poligamia e a conversão a uma corrente mística bastante duvidosa. A resistência genuína acabaria em 2 de agosto de 1997 quando, atingido pelo então irremediável vírus HIV, Fela Kuti, enfim, rendia as armas.

Não apenas a sonoridade, com suas texturas e polirritmia, quanto a concepção da arquitetura melódica, seriam largamente inspiradoras daquilo que alguns anos depois passaria a se chamar world music. David Byrne, Brian Eno, Stevie Wonder, Peter Gabriel, Malcolm McLaren e Beyoncé foram alguns dos ocidentais que beberam em sua fonte baseada nas difíceis harmonias pentatônicas. Gilberto Gil, igualmente, foi outro que chegou a visitar Shrine na metade dos anos 70, retornando para o Brasil com uma nova concepção de negritude a qual desaguou no disco “Refavela”. Como Gil, outros brasileiros tal Criolo, BaianaSystem, Metá Metá e Rincon Sapiência também prestam tributo à música de Fela. Está no novo afropop, no left-field rap, no alternative R&B, no jazz contemporâneo. O afrobeat representa, de fato, uma revolução travada a partir da luta de alguém que entendeu o tamanho da sua responsabilidade e cujos ecos seguem sendo ouvidos até hoje. Uma luta que lhe valeu a vida, mas que, no entanto, fez-lhe cumprir com seu objetivo revolucionário: tornar-se um grande homem.

*********
FAIXAS:
1. "Why Black Man Dey Suffer" - 15:09
2. "Ikoyi Mentality Versus Mushin Mentality" - 13:01
Todas as composições e autoria de Fela Anikulapo Ransome-Kuti

*********
OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

domingo, 9 de janeiro de 2022

DOSSIÊ ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2021




O velho Wayne de olho no trono dos Beatles
Chegou a hora da verdade! A hora dos número. Mais um ano se foi e é chegada a hora de fazer aquele habitual levantamento dos álbuns que entraram para a seleta galeria dos Fundamentais do Clyblog. Lembrando sempre que, na verdade, a seção não tem por objetivo promover disputa ou qualquer tipo de comparação entre artistas e obras, mas a gente mesmo fica curioso para saber quais as marcas e quantitativos e aí, então, levantamos e, em forma de ranking, passamos para vocês. 

2021 foi o ano do jazz nos ÁLBUNS FUNDAMENTAISÁLBUNS. Das 29 obras destacas na nossa seção de discos, 11 foram do refinado estilo norte-americano. Se aproveitando desse predomínio, neste período, o craque Wayne Shorter encostou definitivamente no pessoal de cima. Ainda não alcançou os Beatles, que continuam liderando, mas, junto com seu companheiro de sopro, Miles Davis, que também chegou nas cabeças, já começam a botar uma certa pressão nos rapazes de Liverpool. A propósito da Terra da Rainha, curiosamente no último ano, não tivemos NENHUM artista britânico teve discos incluídos na nossa seção. as ações ficaram basicamente divididas entre norte-americanos e brasileiros, com destaque para o primeiro japonês na lista, o versátil Ryuichi Sakamoto.

No que diz respeito aos brasileiros, Caetano Veloso que dividia a liderança com Jorge Ben, agora toma a frente isoladamente por conta pela participação no disco "Brasil", com João Gilberto, Bethânia e Gilberto Gil. Mas  a disputa está tão apertada quanto no internacional e qualquer disco aqui, disco ali, no ano que chega, pode mudar o panorama.

Entre as décadas com mais obras mencionadas, os anos 70 continuam imbatíveis, embora o ano que aparece mais vezes seja o de 1986. Chama atenção que cada vez mais é inevitável que seja reconhecida a qualidade e se projete a relevância de trabalhos recentes, o que faz com que venham aparecendo com mais frequência, em maior número e cada vez mais fresquinhos, como foi o caso do recém lançado "Carnivore", do Body Count, que mal nasceu  e já figura entre os melhores.

Então, vamos aos números que é o que interessa. Chegou a hora da verdade!


  • The Beatles: 6 álbuns
  • David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e John Cale*  **: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Lee Morgan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, Body Count, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 6 álbuns*
  • Jorge Ben: 5 álbuns **
  • Gilberto Gil*  **: 5 álbuns
  • Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
  • Gal Costa, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto*  ****: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns 

*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
**** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 19
  • anos 60: 96
  • anos 70: 138
  • anos 80: 116
  • anos 90: 89
  • anos 2000: 13
  • anos 2010: 15
  • anos 2020: 2


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 22 álbuns
  • 1977: 19 álbuns
  • 1969 e 1985: 17 álbuns
  • 1967, 1972, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
  • 1968 ,1970 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1971, 1979, 1980 e 1991: 14 álbuns
  • 1965, 1975 : 13 álbuns
  • 1965 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1964, 1966, 1987,1989, 1990 e 1994: 11 álbuns cada
  • 1978: 10 álbuns



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 192 obras de artistas*
  • Brasil: 139 obras
  • Inglaterra: 114 obras
  • Alemanha: 9 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
  • Japão, País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Música da Cabeça - Programa #247

 

Hoje tem o último MDC do ano, sim, e vai ter muita coisa legal pra fechar 2021 de boas. Stevie Wonder, Love, Engenheiros do Hawai, Elis Regina e Lucas Arruda estão na nossa lista de desejos realizados. Ainda, no "Cabeção", a obra do compositor argentino Maurício Kagel. Não precisa ficar bolado igual o Chico: é só sintonizar na Rádio Elétrica às 21h e aproveitar o programa de hoje - até porque em 2022 a gente tá aí de novo. Produção, apresentação e show da virada particular: Daniel Rodrigues


Rádio Elétrica:
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sábado, 23 de outubro de 2021

Jamiroquai - 12º Free Jazz Festival - Teatro do Sesi - Porto Alegre/RS (14/10/1997)

 

J. Kay comandou
o showzaço da
Jamiroquai em POA
Embora os shows comecem a voltar presencialmente, o que acho animador, não está nos meus planos assisti-los, assim, tão cedo, visto os riscos que, infelizmente, ainda se correm. Enquanto não retorno com pelo menos boa parte do prazer e despreocupação às casas de espetáculo, recordo aqui, então, de mais um show de anos atrás que guardo com muita alegria na memória: o da Jamiroquai. Se hoje é pouco provável a vinda de uma banda como a desses ingleses a Porto Alegre – mesmo antes do cenário de pandemia –, há 24 anos atrás, completos neste último dia 14, isso acontecia. E acontecia em razão de um outro privilégio ainda maior que a capital gaúcha já teve, que era o de receber shows do saudoso Free Jazz Festival. Recorrente no Rio de Janeiro e em São Paulo desde 1985, o principal festival de jazz brasileiro ocasionalmente incluía Porto Alegre no roteiro até, tristemente, encerrar por total as edições em 2002, quando a 17ª edição foi cancelada devido à alta do dólar, que elevou os custos a ponto de inviabilizar sua realização.

Ingresso de algum dos afortunados
que assistiram o show bem
de perto naquela noite
Mais do que só o privilégio e a raridade de assistir ao maior grupo de acid jazz do planeta, a apresentação da Jamiroquai em si foi um luxo. Repertório e produção impecáveis, músicos afiados, público sedento e um J. Kay – a imagem da Jamiroquai, literalmente – carismático e catalisador: cantando e performando com energia. Um showman, que dança constantemente, mas não por isso deixa de soltar com muita técnica sua linda voz de timbre a la Stevie Wonder. E a “cozinha” é outra maravilha à parte, sustentada pelo baixo suingado de Stuart Zender, a bateria polirrítmica de Derrick McKenzie, os teclados voadores de Toby Grafftey-Smith, a percussão “raiz” de Sola Akingbola e a guitarra cheia de groove de Simon Katz. Além deles, as pick-ups do DJ D-Zire e a linha de sopros.

A vinda do grupo, aliás, se deu justamente no momento de maior sucesso mundial da banda, motivado pelo estouro do seu terceiro álbum, “Travelling Without Moving”, de um ano antes. Sabe aqueles discos que mais de 80% das faixas se tornaram hits? É o caso deste, um dos poucos casos desse fenômeno nos anos 90, ajudado, inclusive, pela fase áurea da MTV, que rodava seus videoclipes em looping. Resultado: uma paulada atrás da outra. "Virtual Insanity", "Alright", "Cosmic Girl" e a faixa-título do disco que motivou a turnê, por exemplo, incendiaram a galera, que sacolejou aos montes mesmo espremida pelas poltronas. Isso porque, o espaço definitivamente não foi o ideal: um Teatro do Sesi com cadeiras fixas que impediram o público de dançar num show claramente apto a isso. Afinal, provinciana, Porto Alegre não tinha nada melhor em termos de aparelho cultural - dois espaços que poderiam ter recebido o show, o Teatro Bourbon Country, inaugurado em 2007, ainda nem existia e o Araújo Vianna só seria reaberto 15 anos depois.

A grande Jamiroquai no seu auge no show de SP dias antes
para o mesmo Free Jazz

Isso tirou a naturalidade da plateia, claro, mas não suficientemente para apagar o brilho daquela noite. Afinal, Jason Kay e Cia., indiferentes a este problema, mandaram ver numa apresentação competente e empolgante. Além dos sucessos, teve direito a outros temas conhecidos e/ou queridos do público não apenas do disco de então, mas também dos ótimos “Emergency On Planet Earth” (1993) e “The Return Of The Space Cowboy” (1994), considerados por muitos dos fãs seus melhores trabalhos. São exemplos "Space Cowboy", jazz-soul muito inspirada na brasileira Azymuth; bem como “Hooked Up”, que abriu o show em alta numa rotação funk, e a fantástica “Too Young To Die” (“Do-do-do-do-do, da-da-do, da-da-do-do”), ambas do primeiro disco. Teve direito, ainda, a solo de Wallis Buchanan de didjeridu (“Didjital Vibrations”), aquele instrumento de sopro dos aborígenes australianos que a Jamiroquai adotou desde sempre.

Funk, jazz, AOR, disco, rap, rock, dance. A Jamiroquai é tudo isso e mais um pouco, o que pude conferir ao vivo na minha própria cidade em quase 2 horas incendiárias. Não lembro como foi o retorno de volta em plena madrugada de um domingo considerando que cerca de 27 km distanciavam minha casa do teatro e que pegar um táxi seria uma fortuna (provavelmente, mais caro do que o próprio ingresso que havia pago). Mas cheguei em segurança, com certeza – se não, nem estaria aqui relembrando disso tudo. Nesse aspecto, morar numa quase província haveria de ter as suas vantagens.

Jamiroquai - show completo do Free Jazz Festival  
(10/10/97/SP)


Daniel Rodrigues

sábado, 31 de julho de 2021

Cantando de olhinhos puxados


 



Os alemães da Kraftwerk vestiram kimono e puxaram os olhinhos
para cantar no idioma japonês
Olimpíadas rolando em Tóquio e tá todo mundo se arriscando num "sayonara" ou num "arigatô", não é verdade? Mas falar japonês pra valer, convenhamos, é pra poucos. Dada a dificuldade de se entender a milenar língua nipônica, pode-se dizer que cantar em japonês é domínio estritamente de quem é natural de lá.

Mas será mesmo? Se depender de alguns ousados artistas, não é bem assim. Indo além do palavreado simplório, músicos de nacionalidades diferentes da japonesa também se aventuraram nessa difícil e rara empreitada. E fizeram mais do que simplesmente cantar temas originais do Japão ou versar standarts para o japonês: eles compuseram canções novas neste idioma. Seja norte-americano, brasileiro, inglês ou alemão, esses músicos, menor ou maiormente afeitos aos ideogramas hanzi, puseram a cara pra bater e fizeram obras diferentes daquilo que eles mesmos desenvolvem normalmente.

Aproveitando, então, esse clima olímpico de Jogos de Tóquio, selecionamos sete músicas de artistas não-japoneses que não só fugiram dos estereótipos como construíram bonitas obras em homenagem à cultura do país do Sol Nascente.

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“Ito Okashi” - The Passangers (1995)
Composta para a trilha da performance de mesmo nome da artista japonesa Rita Takashina, a canção, cantada por sua conterrânea Akiko Kobayashi, a Holi, é de autoria que ninguém menos que Bono Vox, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr. e Brian Eno, ou seja: a U2 em parceria com seu melhor e mais celebrado produtor. A The Passangers, projeto criado para abarcar as diversas trilhas que a turma compôs junto fora do repertório da renomada banda, lançou um único disco com esta formação e nomenclatura, “Original Soundtracks 1” repleto dessas coisas inusitadas assim como o próprio grupo. “Ito Okashi” é certamente das mais representativas do repertório.

Clipe de "Ito Okashi",da The Passangers



“Ai no Sono” - Stevie Wonder (1979)
Da capacidade de Stevie Wonder não se pode duvidar de nada, nem que ele fique com olhos puxados como um oriental pode debaixo daqueles óculos escuros. A bela “Ai no Sono”, assim como a música da The Passangers, também nasceu de um projeto diferente e ligado a cinema. No caso, a trilha sonora para o filme de animação “Journey Through the Secret Life of Plants”, que o Estevão Maravilhoso não apenas compôs, como tocou, arranjou e produziu de cabo a rabo. Quem pode duvidar, então, que o homem invente uma canção em japonês? Embora irregular e extenso, o disco duplo, guarda essa joia que só poderia ter saído de uma cabeça genial como a de Stevie.
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“Made in Japan”
- Pato Fu (1999)

O lado extrovertido da Pato Fu faz com que a banda mineira liderada por John Ulhoa e Fernanda Takai (de origem oriental), diferente de outros grupos “sérios” do rock nacional dos anos 90, não levasse tão a sério a si mesmos. Entre os benefícios disso, está o de levar a sério as próprias brincadeiras, como a de criar uma música toda em japonês. Para quem como eles, que cresceu jogando Hatari e vendo na TV Spectreman e Ultraman (e admite isso), não foi uma tarefa tão difícil. Música do disco “Isopor”, de pouco antes de Fernanda começar a se achar uma grande cantora, ou seja, a se levar a sério.
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“Relax”
- The Glove (1983)

Tá certo que é só um refrão “sampleado” de uma voz masculina repetindo as mesmas frases durante a faixa inteira – provavelmente, chupada de algum filme japonês B muito esquisito. Junto a essa voz, outros recortes se entrecruzam com variações de velocidade e compressão, além de sons que fazem referência ao Oriente, como de um koto, de sinos e gongos. Mas, além do inusitado do idioma diferente do inglês em comparação com todos os outros temas cantados de “Blue Sunshine”, o maravilhoso e único disco do projeto de Robert Smith (The Cure) e Steven Severin (Siouxsie & The Banshees), a The Glove, fecha com esta tensa e lisérgica canção, digamos, nada “relax”
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“I Love You, Tokyo”
- Os Incríveis (1968)

Em 1968, a banda de rock da jovem guarda Os Incríveis excursionaram pelo Japão e aproveitaram para gravar no álbum “Os Incríveis Internacionais” e, depois em “Os Incríveis no Japão”, a faixa “I Love you Tokyo”. Embora o título em inglês, a letra é, sim, toda em japonês. A sacadinha da turma de Mingo, Risonho, Nenê, Neno e Netinho foi utilizar uma música original da era Meiji, composta por volta do ano de 1700, para inventar a letra. “Vale essa, Arnaldo?” Vale, sim.
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“Miki”
- Toninho Horta (2012)
Um dos vários músicos brasileiros admirados no Japão – às vezes, reconhecido mais ou antes lá do que aqui – é o mineiro Toninho Horta, violonista e compositor de mão cheia e um dos artífices do Clube da Esquina. No início dos anos 2010, em constante deslocamento entre o seu país natal e o outro lado do mundo, resolveu, então, solucionar esse problema lançando o disco “Minas Tokio”. Em parceria com a musicista japonesa Nubie, Horta, além de regravar clássicos como “Beijo Partido” e “Giant Steps” e de seus tradicionais e belos temas instrumentais, como a claramente oriental “Shinkansen”, ainda escreveu com ela músicas que fazem essa ponte entre Brasil e Japão não só pela música, mas pela letra também.
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“Dentaku” - Kraftwerk (1981)
Os geniais pais da música eletrônica, além de cantarem em inglês e alemão em várias ocasiões, têm como característica a universalidade da sua música. É o que se vê nas músicas “Numbers”, que mistura diversas línguas, as faixas de “Tour de France”, todas cantadas em francês, “Sex Object”, com trechos em espanhol, ou “Electric Café”, quando até o português eles arranham. Por que, não, então, cantar em japonês. É o que fizeram nessa faixa, que é uma corruptela da clássica “Pocket Calculator”, do álbum “Computer World”, que, no final das contas, diz mais ou menos a mesma coisa que seu tema original: um convite para fazer/ouvir música usando as teclas de uma calculadora de bolso. 

"Pocket Calculator/ Dentaku" ao vivo, da Kraftwerk



“Império dos Sentidos” - Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros (1989)
Não se enganem pelo título em português. Afinal, quem não liga este nome a de um dos mais famosos filmes rodados no Japão, o drama erótico de Nagisa Oshima que escandalizou o mundo nos anos 70? Pois foi com essa clara referência (e reverência), que os criativos Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Herbert Vianna escreveram a música que intitula o segundo disco da banda carioca. Para isso, fazem o mesmo expediente que a The Glove: recortam um trecho de voz, neste caso, feminina, que repete a mesma frase em japonês, algo provavelmente extraído do próprio filme. Um clima misterioso e, claro, com elementos orientais além da própria letra, que é dita levemente por uma voz feminina, quase uma “narcotic android nissei com a bateria no fim”, como diria o próprio Fawcett.
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cenas do filme "O Império dos Sentidos"


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues