Descobrir as ancas da tradições Para o ferro em brasa dos anúncios, oi, ai, oi To expose the hips of the tradition To the burning iron of ads
cena do filme "Raw" (2016)
Êê, tatuarambá Ôô, pelar o corpo para no samba-ba-bá Êê, sujar o corpo de samba Segura o rabo do samba, taí, pintou, eô Tuá, tuá uaru, guba, gudu gubagudê tuá Êê, trazer o corpo para os pincéis da eletrônica, ôô Tatuarambá Ôô, vestir o poema-anúncio, ô Pelar o corpo no samba-ba-bá Êê, trazer o corpo para a tatuagem Sujar o rabo do samba Segura o rabo do samba, taí, pintou, ô! Êê, para a tatuagem das antenas, das antenas Corpo não é pecado Corpo não é proibido Corpo não é mentira Flesh isn't lie Flesh isn't sin Flesh isn't forbidden, oi, oi, oi, ô ô forbidden Êê, trazer o corpo para os pincéis, etc Melar o corpo no Meu Limão, Meu Limoeiro Lamber o corpo no Meu Pé de Jacarandá Corpo não é mentira, corpo não é proibido Corpo não é pecado Tatuarambá Descobrir as ancas das tradições Para o ferro em brasa dos anúncios To expose the hips of the tradition To the burning iron of ads Fazendo cócegas nas tradições Itching, scrathing the tradition
e juntamente o esforço de compor alguma coisa ao sabor clássico,
uma página que fosse, uma só, mas tal que pudesse ser encadernada entre Bach e Schumann."
trecho do conto "Um Homem Célebre"
de Machado de Assis
De um modo geral, procuro nunca nutrir expectativas quanto a artistas. O
que ele já fez e eu goste me basta, e o que vier de bom pela frente é lucro. Porém,
a uma exceção me permito: Beck Hansen, autor do espetacular “Odelay”, de 1996.
Sem exagero, Beck ficou ali-ali para parear com gênios da música norte-americana
como Stevie Wonder, Gil Scott-Heron, Bob Dylan ou Tom Waits mas, parecido com o
personagem Pestana do conto “Um Homem Célebre”, de Machado de Assis, nunca superou a si mesmo – e provavelmente não o fará mais talvez por
autobloqueio. Beck despontou na cena alternativa no início dos anos 90 já
prometendo. Veio numa crescente e trouxe ao showbizz o excelente “Mellow Gold”,
de 1994, difícil de superar. Mas ele superou. Para mim o maior disco da música
pop da sua década, “Odelay” é uma obra radicalmente criativa, transgressora e
crítica, um disco caleidoscópico que traz em si todas as referências musicais
possíveis e imagináveis, num caldeirão sonoro de composição, execução e
produção na mais absoluta sintonia.
A coisa toda já começa tirando o fôlego com “Devils Haircuit”, pós-punk
com um riff repetitivo carregado de distorção, um sequenciador eletrônico propositadamente
simplório e muitos, mas muitos samples, colagens, efeitos de mesa, tudo que se
possa imaginar. Impressionante. “Hotwax”, na sequência, começa com uma viola
caipira e muda direto para um inusitado rap-folk. E assim o álbum segue, pois tudo
cabe nesta “desordem organizada” criada por Beck: folk, funk, blues, hardcore,
rap, indie, soul. As faixas são como uma
montanha russa, pois tudo pode mudar a qualquer momento. E muda. Alta riqueza
de texturas, sonoridades, ritmos, notações. Um barroquismo moderno esculpido
por psicodelia e experimentalismo. Assim é “Lord Only Knows”, que inicia com um
grito ensandecido e passa, como se nada tivesse acontecido, a uma balada folk desenhada
pelos lindos canto e voz de Beck.
“Derelict”, densa e percussiva, tem um tom dark com seus elementos
indianos e árabes, lembrando as peças étnico-pop de David Byrne e Brian Eno de "Remain in Light" e "My Life in the Bush of Ghosts".
Já “Novacane”, outra magnífica, é um rock carregado cantado como hip-hop, com
um baixo pesado e bateria marcada, ao estilo do new-rock inglês de Stone Roses e Primal Scream e um riff feito apenas na modulação da distorção da guitarra no
amplificador, uma ideia estupenda. Porém, o que parece num primeiro momento uma
execução de músicos cai por terra quando entra sem aviso um sample que
substitui tudo, voltando, logo em seguida, ao andamento anterior. Ou seja: uma
quebra que serve para mostrar que tudo era apenas um produto artificial. Para causar
ainda mais espanto, a música, em sua parte final avança para uma tensão de ruídos
que se transformam num ritmo de break, como que saído de um Nintendo,
terminando deste jeito: noutra textura e absolutamente diferente de como
começou. É como se Beck pusesse à prova o que é tocado e o que não é, pois em
todo o disco é quase impossível definir isso com exatidão, como se fosse uma
música feita de plástico.
Esse conceito de reciclagem está também em “Jack-Ass”, mas em forma de
tributo, visto que, num lance, Beck homenageia dois mestres da música pop
universal: Van Morrison e Bob Dylan. Do primeiro, ele sampleia a linda base de"It's All Over Now, Baby Blue",
um clássico de Dylan que Morrison versara para o Them em 1966. E o mais
importante: o faz sem parecer preguiça ou falta de criatividade, pois recria
uma nova música – ao estilo Dylan, propositadamente – em cima da melodia de uma
outra recriação, a do Them, num processo semiótico. “Where it’s At”, hit do
disco, é mais uma brilhante. Inicia com o chiado de uma agulha sendo posta
sobre um vinil, que dá lugar a um soul retrô originalíssimo com direito a
scratchs, samples diversos, ruídos, microfonias e um refrão pegajoso.
Pra não deixar que a coisa desvirtue para uma palhaçada pretensamente
“cabeça”, “Minus” vem mostrar que rock bom é rock básico e sem firula. Sonic Youth na veia: seca, às guitarradas, voz furiosa e ritmo punk mantido na linha
do baixo, que rosna. Depois, “Sissyneck”, uma mistura de folk e eletrofunk, assonante
e harmonicamente complexa, mas com um refrão saboroso e totalmente agradável ao
ouvido. Já “Readmade” segue a linha de massa sonora, com muitos efeitos,
texturas e trabalho de estúdio, descendo o tom do disco novamente como foi em
“Derelict”. Sóbria, traz curiosamente em seu sample de destaque uma frase
sonora de “Desafinado”, clássico de Tom e Vinicius na versão de Sérgio Mendes.
Quase terminando o álbum, Beck sai com outra joia: “High 5”. Um break
dance ao estilo Afrika Bambaata em que não faltam scratches, efeitos de voz e,
claro, guitarras pesadas. Referências aparentemente díspares convivem e se
entrosam perfeitamente nesta faixa. Inicia com um violão na batida de
bossa-nova, que, em seguida, dá lugar às vozes de Beck e outros rappers com vozeirão
de negrão do Harlem. Lá pelas tantas, o andamento é interrompido para entrar um
trecho de... “O Lago dos Cisnes”! Como se não bastasse, depois de voltar no que
era e de uma breve incursão daquela mesma melodia com som de videogame barato que
desfecha “Novacane”, Beck adiciona a “High 5” cuícas de samba, encontrando a
tal “batida perfeita” que Marcelo D2 tanto procura mas sem precisar fazer
marketing disso.
Toda essa variedade torna “Odelay” quase uma obra aleatória, uma “obra
aberta”, como definiria Umberto Eco. Aí entra uma das grandes questões que o
disco levanta: ele questiona o papel do músico moderno diante da tecnologia e
das novas formas de interação social através das mídias. É impossível o músico
hoje ter total autenticidade de sua obra, pois esta, mesmo que ele não queira,
será afetada pelos efeitos externos da vida contemporânea. Trata-se de uma nova
autenticidade, a das TVs cuspindo publicidades e Big Brothers, do lixo
eletrônico, do lixo pornográfico, do lixo midiático, do lixo sonoro. É “a nova
poluição”, termo que dá título a uma das mais geniais faixas do disco: um drum
n’ bass, espécie de “Tomorrow Never Knows” pós-moderno, mantido numa base
inteligente de guitarra e colagens sem receio de esconder as “sujeiras”. Ou
seja, é possível escutar os remendos entre um sample e outro de propósito.
Sinal dos novos tempos, em que o músico não pode mais esconder que sua música
se vale de elementos que estão além dele próprio. É a “estética do arrastão”,
como diria Tom Zé.
Fechando o disco, depois de todo esse arsenal de sons e ideias, Beck dá
um novo recado aparentemente contraditório: o de que, se o papel do músico-autor
ficou mais subjetivo hoje, não quer dizer que ele não tenha ainda espaço para
compor “à moda antiga”. É isto que está incutido em “Ramshackle”: acústica, só
nos violões, voz e percussão. Sem sequem qualquer efeito de computador. O que
seria um final “tradicional”, num disco como “Odelay” se torna ainda mais
transgressor.
Isso que Beck trouxe em “Odelay” não é necessariamente uma novidade. Miles Davis já anunciava tal fusão conceitual no final dos anos 60 com "Bitches Brew"
na mesma época, Milton Nascimento e a galera do Clube da Esquina, assim como os
tropicalistas, já experimentavam toda essa musicalidade, só que com aparato
técnico mais deficiente; Prince e David Bowie também já formularam com precisão
essa química. Beck mesmo já mostrara muito disso no seu trabalho anterior, e os Beastie Boys já faziam tal mescla de estilos e referências numa roupagem
moderna desde Paul’s Boutique, de 1989. Mas Beck apresenta tudo isso com uma
maestria diferente, denso, original, além de manter um senso de ironia
constante uma vez que interroga a fundo a sociedade de massas, seu massacre de
informações e imagens, suas ideologias distorcidas, suas ideias que se tornam
abstratas de tão sem sentido. E ele faz isso reciclando tudo que já fora
produzido em música pop até então, gerando um produto pós-moderno incrivelmente
bem acabado.
Depois de “Odelay”, Beck caiu na pior armadilha que um artista pode
cair: a de supervalorizar a sua arte. Passou a fazer trabalhos sempre apontando
para um nível técnico altíssimo, sem, contudo, concentra-se no que interessa: a
alma da obra. Neste sentido, lembra o dilema de Pestana, do conto machadiano, que,
descontente por compor apenas polcas, tentava, mesmo com o sucesso popular
destas, produzir em vão uma obra “respeitável”, a qual, no entanto, não
conferia com seu espírito. É parecido com o que aconteceu com Beck: por causa
de uma ideia genuína bem executada, “Odelay”, ele passou a inverter a lógica, ou
seja, a tornar forçadamente uma boa execução numa ideia genuína. Já deu várias
provas disso, sendo a última em 2012, quando lançou seu novo disco. Só de
partituras (!). Nada consumível ou próximo do público como foram seus triunfos
com “Mellow Gold” e, obviamente, “Odelay”, que, se não tem substituto até hoje,
é porque talvez ele mesmo, Beck Hensen, não se disponha a superá-lo. Pelo menos, é o que se percebe: enquanto Pestana tinha neura em se superar, Beck tem medo do autoenfrentamento.
Macalé: um dos expoentes da geração dos 60 da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.
Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, Jards, Gil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.
Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.
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1.“Recanto”– Gal Costa (2011)
O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do
qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem,
igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai
além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno
Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira
da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de
fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao
baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da
MPB moderna.
1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo
3. Autotune Autoerótico
4. Tudo Dói
5. Neguinho
6. O Menino
7. Madre Deus
8. Mansidão
9. Sexo e Dinheiro
10. Miami Maculelê
11. Segunda
2.“Chico”– Chico Buarque (2011)
Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.
1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá
3.“Nó na Orelha”– Criolo (2011)
O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.
1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente
4. “MetaL MetaL”– Metá Metá (2012)
Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.
1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não
5. “Abraçaço”– Caetano Veloso (2012)
Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.
1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana
6.“Não Tente Compreender”– Mart’nália (2012)
Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.
1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber
7. “Aquário”– Tono (2013)
Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.
1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo
8. “Sambadi”– Lucas Arruda (2013)
Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.
1. Physis
2. Tamba, Pt. 1
3. Batuque
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon
6. Na Feira
7. Sambadi
8. Carnival
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2
9.“Vira Lata na Via Láctea” – Tom Zé (2014)
Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.
1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana
10.“Passado de Glória: Monarco 80 Anos”– Monarco (2014)
Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.
1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6. Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu
11. “Mulher do Fim do Mundo”- Elza Soares (2015)
A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.
1. Coração do Mar 2. A Mulher do Fim do Mundo 3. Maria da Vila Matilde 4. Luz Vermelha 5. Pra Fuder 6. Benedita 7. Firmeza?! 8. Dança 9. O Canal 10. Solto 11. Comigo
12.“Sangue Negro”– Amaro Freitas (2016)
Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.
1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro
13. “No Voo do Urubu”– Arthur Verocai (2016)
Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.
1. No Voo do Urubu
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras
5. A Outra
6. Cigana
7. O Tambor
8. Snake Eyes
9. Na Malandragem
10. Desabrochando
14. “Duas Cidades”– BaianaSystem (2016)
A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde
que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus
representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o
BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles
trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões
sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2”
abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia
da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.
1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul
15. “Tribalistas 2” – Tribalistas (2017)
Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!
1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos
16. “Besta Fera” – Jards Macalé (2018)
O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.
1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite
17. “Abaixo de Zero: Hello Hell” – Black Alien (2018)
Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.
1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero
18. “Taurina” – Anelis Assumpção (2018)
A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras.
1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4. Gosto Serena
5. Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9. Moela
10. Escalafobética
11. Receita Rápida
19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)
Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.
1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King
20. “Gil” – Gilberto Gil (2019)
Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra.