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quinta-feira, 16 de novembro de 2023

John Coltrane - “Blue Train” (1957)

 


"Coltrane pode ter feito álbuns mais importantes, mas nenhum foi tão eficaz quanto este". 
Colin Larkin, criador e editor da Encyclopedia of Popular Music, no livro“All Time Top 1000 Albums”

“Aquela gravação de ‘Blue Train’ era mesmo diferente... dava para ver, havia algo de espiritual”.
Curtis Fuller 

Quando se fala em bandas no jazz, John Coltrane é conhecido pelo quarteto mágico que formou entre 1961 e 1965 ao lado de Elvin Jones, na bateria, Red Garland, piano, e Jimmy Garrison, baixo. Porém, é verdade também que Coltrane nunca deixou de experimentar outros formatos de banda menos enxutos. Compôs, por exemplo, em 1961, para o disco “Olé”, um septeto e para o free jazz avant-garde “Ascension”, de 1965, nada menos que um decateto. A versatilidade para aplicar seu gênio musical, fosse rodeado de menos ou de mais músicos, está, aliás, desde que se tornou um band leader no final dos anos 50. “Blue Train”, seu primeiro e único disco pela cultuada Blue Note e menos de quatro meses depois de sua estreia como líder em outro selo clássico, a Prestige, é fruto da sessão de gravação a 15 de setembro de 1957 com cinco parceiros em estúdio. 

Porém, não se trata apenas de uma mera reunião para mais um mero disco, nem muito menos Trane estava acompanhado de quaisquer músicos. O trompete, sim senhores, estava a cargo do enfant terrible Lee Morgan, então com apenas 19 anos, mas já considerado em toda a Costa Leste norte-americana como um fenômeno do jazz. Além de Morgan, estavam com ele naquele dia no Van Gelder Studios, em New Jersey, só craques: o trombonista Curtis Fuller, maior do seu instrumento à época e sucessor de J.J. Johnson; o já tarimbado pianista Kenny Drew, da escola de Charlie Parker e Johnny Griffin; o jovem baixista Paul Chambers, presença constante a toda turma do be-bop; e o disputado baterista Philly Joe Jones – estes dois últimos, aliás, ex-colegas de Coltrane do famoso primeiro quinteto de Miles Davis. O resultado é um dos maiores clássicos da história do gênero e um dos mais célebres da exitosa, mas curta carreira do artista.

Com uma das aberturas mais emblemáticas da discografia jazz, aquele chorus dos metais marcados pelos dois acordes de piano, a faixa-título é daquelas desbundes provadores de que ali estava pronto, lapidado, já no primeiro projeto solo, o maior nome do jazz: John Coltrane. Como compositor, arranjador e, principalmente, pelo sofisticado e intrincado modo de tocar. Algo único e inédito até então, haja vista que, experimentado nas bandas de Dizzy Gillespie e Earl Bostic, no quinteto de Miles Davis e ex-aluno de Thelonious Monk, Trane unia num só soprar o blues, o spiritual, o be-bop e a vanguarda. Em “Blue Train”, embora um trabalho inicial, já fica notória a forma de tocar de Coltrane num movimento em direção ao que se tornaria seu estilo característico: solos harmônicos e linhas arpejadas em que o tempo muitas vezes está fora ou acima do compasso, estabelecendo sutis conexões com a melodia.

Mas quem não fica para trás são Morgan e Fuller. Convidados de honra para dividirem os sopros com o anfitrião, eles se esmeram em suas participações sempre inspiradas. Caso de “Blue Train”, mas também da gostosa “Moment's Notice”, quando dividem o chorus com Coltrane. Fuller com seu jeito colorido de tocar um instrumento de registro grave. Já Morgan exibe seu virtuosismo possante de viradas criativas, agudos surpreendentes e encadeamentos improváveis. Chambers tira das cordas do baixo através do tanger do arco sons mágicos num solo luminoso. Já o blues ligeiro “Locomotion”, como o nome indica, tem na bateria de Joe Jones o impulso inicial para improvisações de alta habilidade de Coltrane, Morgan e Fuller. Mais uma vez, funciona com perfeição a trinca, com o devido destaque para cada um. Porém, não são somente eles que se sobressaem. Drew é pura elegância, enquanto Jones repete o destaque da abertura num curto, mas marcante improviso.

Diminuindo o ritmo com elegância, a romântica “I'm Old Fashioned”, originalmente da trilha sonora do musical de Fred Astaire “Bonita como Nunca”, de 1942, capta a atmosfera de que Coltrane muito se valeu junto a Miles Davis em suas inseparáveis baladas. Porém, também antecipa o tipo de releitura de standarts do cinema norte-americano que faria a partir de então, culminando na obra-prima “My Favourite Things”, de “A Noviça Rebelde”, o qual versaria em seu álbum homônimo em 1960. A pronúncia lânguida do sax na abertura, articulada com leves salpicos nas teclas, são de arrebatar. Escovinhas na caixa e no prato, um baixo vadio por detrás e um piano machucado dão aquele ar de fim de noite de nightclub

Para terminar, outro clássico, das preferidas dos amantes do jazz e de Coltrane: “Lazy Bird”, brincadeira com a progressão harmônica de “Lady Bird”, do pianista e então recente parceiro Tadd Dameron. A impressionante performance do líder pela metade da faixa quase não deixa perceber que quem a abre com o riff e executa a primeira sessão de improviso não é ele e, sim, Lee Morgan. A inteligência musical de Coltrane é tamanha que, longe de qualquer vaidade, ele percebe que cabia ao trompete esta função dentro do arranjo do tema. E olha que se trata do número de encerramento e para o qual podia, com todas as razões, puxar para si o protagonismo. Mas o que se escuta é, a bem dizer, uma música do repertório de Morgan. Na sequência, Fuller, Coltrane, Drew, Chambers e Jones cada um entra para seu momento, fechando, novamente, com a irreverência vigorosa de Morgan. 

Não por coincidência, "Blue Train" foi um dos trabalhos preferidos pelo próprio Coltrane, que continuaria a promover maravilhas fosse com duos, trios, quartetos, sextetos, octetos... Sua escalada sonora e espiritual ainda revelaria muitos momentos singulares para o desenvolvimento do jazz moderno até seu apogeu criativo naquela que pode ser considerada a trilogia máxima: "Crescent", "A Love Supreme" e "Ascencion". Porém, nada disso seria construído não fossem os trilhos abertos por este "trem azul", a linha de partida para o estilo hipnótico e exultante que o músico seguiria até sua prematura estação final, em 1966. Quase uma metáfora para um artista que passou pelo planeta "blue" na velocidade de um trem, iluminando por onde passava e emanando os sons que simbolizam o supremo.

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FAIXAS:
1. "Blue Train" - 10:43
2. "Moment's Notice" - 9:10
3. "Locomotion" - 7:14
4. "I'm Old Fashioned" (Johnny Mercer, Jerome Kern) - 7:58
3. "Lazy Bird" - 7:00
Todas as composições de autoria de John Coltrane, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 12 de abril de 2021

John Coltrane Quartet - "Crescent" (1964)



“Em vários aspectos, ‘Crescent’ é um rascunho da tela concebida por inteiro em ‘A Love Supreme’”. 
Ashley Kahn, jornalista de música, autor de “A Love Supreme: A Criação do Álbum Clássico de John Coltrane”

“Considerei ‘A Love Supreme’ pelo que era, mas esse disco nunca atingiu minha alma do mesmo jeito que ‘Crescent’”.
Michael Cuscina, produtor de jazz

Grandes obras da arte dificilmente acontecem da noite pro dia. Seja na literatura, no cinema, nas artes visuais ou na música, não raro há alguma obra antecedente ou mais que abriram caminho para que aquela ideia se concretizasse e a consagrada obra, enfim, fosse concebida. O que seria do estilo próprio de Pablo Picasso não fossem os quadros das fases azul e cubista? Ou as fotos do jovem Stanley Kubrick para a revista Look, nos anos 40, que apuraram seu senso fotográfico para o cinema anos depois? É o mesmo caso com outro gênio da arte do século XX: John Coltrane. Como uma Guernica de Picasso ou um filme como “2001: Uma Odisseia no Espaço” de Kubrick, é difícil alguém não conhecer pelo menos de ouvir falar no seu mais famoso e definitivo disco, “A Love Supreme”, de 1965. 

Mas o que talvez nem todos se atentem é que Coltrane vinha construindo, juntamente com seu quarteto clássico, já de alguns anos aquilo que resultaria em sua obra-prima. Construção esta que passa, aliás, por outros grandes discos, sendo o que mais se aproxime desta sublimação é “Crescent”, de 1964. Dotado de características que unem com absoluta propriedade a sonoridade dos trabalhos anteriores do artista, o disco aponta indubitavelmente para o que viria logo a seguir na carreira de Coltrane, e que marcaria a vida e a obra tanto dele e de seus músicos, quanto de toda a história do jazz e da música moderna.

Já considerado um mito no meio jazz desde suas participações na banda de Miles Davis, nos anos 50, e na carreira solo, desde o início marcante, foi em Elvin Jones (bateria), McCoy Tyner (piano) e Jimmy Garrison (baixo) que Trane achava a química certa para elevar a sua música a patamares antes não atingidos. “Era uma banda de verdade. Eles sabiam completar a frase um do outro”, diz Ravi Coltrane, filho do artista e também talentoso saxofonista e compositor como o pai. Já para outro ilustre músico do jazz, o igualmente saxofonista Joshua Redman, o jazz se baseia na noção de relaxamento e tensão, e o quarteto de Coltrane representa o ápice deste conceito.

A entrada de “Crescent” é algo peculiar, mas que já vinha sendo amadurecido no estilo de Coltrane: spiritual jazz. Absoluta magia perfaz a faixa-título, cujo enigma já está nas notas soltas com delicadeza mas sem hesitação pelos quatro integrantes, como que se não precisassem se “acompanhar” para formar a matéria-som (ou a alma, como preferir). O tema revela seu lado bluesy depois da longa abertura de mais de 1min 30', quando o sax do autor, então, resolve voar. Digressões, rubatos, ciclos, saltos tanto de escala e quanto quânticos. Tudo se expande, cresce. Mescla de paixão e força. Via-se nascer um Coltrane que deixava para trás de vez a fúria e a impaciência para um outro tipo de urgência, mais contemplativa e circunspecta. Há, contudo, uma reminiscência romântica impregnada na melodia de “Crescent”, por vezes repousante, que, embora preveja o misticismo da seguinte e definitiva fase do artista, mantém uma ligação com a tradição bop, como que invocando em novas cores baladas como “Naima” e “I'm Old Fashioned”, dos seminais “Giant Steps” e “Blue Train”, respectivamente.

A delicadeza não só não se encerra como se agiganta. Queriam tema 100% romântico? Pois ganhem, então, “Wise One”. Tyner com seu piano acende uma vela de chama suave e solene, que faz iluminar a entrada dos pratos de Jones e o baixo introvertido de Garrison. Mas não só, obviamente. Sob aquela luz natural e apenas suficiente, a alma de Coltrane sopra solfejos que, em círculos magistrais, mágicos, fazem como se se retomasse ao início do sonho. Uma, duas, três vezes. Até que o sonho, enfim, começa. Leve aceleração no ritmo, mas ainda dormente, mesmo padrão de “Acknowlegement”, de “A Love...”. Além dos pratos, Jones incorpora agora estampidos de baquetas na borda da caixa e leves e secas batidas nos tom-tons. Nesta altura, sono profundo, quem está solando é Tyner, com seu tocante domínio da escala: poético, ousado, econômico em impulsividade, mas nunca em emoção. Coltrane, elevando um pouco mais a “anima”, impõe um batimento cardíaco mais passional, mas ainda sem acordar, ainda sobrevoando uma noite encantada. No final, a melodia torna à feição que lhe originou, o que faz com que se percebe agora sê-la mais spiritual do que se suspeitava. Nova batida à porta de “A Love...”.

Aí, vem um hard-bop como os mestres ensinaram e aprenderam. “Bessie's Blues” é Dex, é Cannonball, é Monk. É Miles, é Shorter, é Rollins, é Dolphy. Mas é também algo que se veria em “Resolution”, de “A Love...”, principalmente em seu balanço 4/4. Time solto, entrosado, à vontade como que inebriados pela fumaça dos night clubs nos quais se apresentavam quase todas as noites. É tanta perfeição, que talvez até escape a percepção de que esta pode manifestar-se em um breve blues, a menor faixa de um disco disposto a celebrar tudo aquilo que cresce dentro dos corações. 

Em quantas direções mais haveriam de crescer? Não precisa recorrer ao ápice de “A Love...” para encontrar a resposta a esta retórica pergunta, pois ela está cristalizada não muito longe dali. Aliás, bem perto, na faixa seguinte: “Lonnie's Lament”. Assim como “Crescent”, novamente a abertura insinua uma melodia completa. São quase 2 min de um lamento tristonho e poético, vaporoso, vagaroso. Isso para depois entrarem em um jazz modal, mais uma vez, retrazendo aquilo que erigiram juntos a partir do exemplo de “Kind of Blue”, de Miles, de 1959, em que Coltrane é um dos nobres coadjuvantes, e praticado com destreza pelo quarteto nos anos seguintes, principalmente, a partir de “My Favourite Things”, de 1961. Tyner se encarrega de um longo improviso, dedilhando suas mágicas quartas justas ou aumentadas e os voicings, tudo em redor da tônica em Dó. Quem também ganha espaço é Garrison, com a deferência de todos os colegas calarem os respectivos instrumentos para seu solo. Ao final desta entrega do baixista, torna a vaporosidade da abertura, aquela que havia deixado com impressão de tratar-se de uma melodia final. E é ela, sim, que finaliza o lamento. Impossível não lembrar de “Presuance”, do clássico “A Love...”, prenunciada pela ideia do solo de baixo.

Talvez a mais distinta música de todo o repertório é também a mais parecida com o que Coltrane e seu grupo trariam no emblemático disco procedente a “Crescent”. A semelhança com a faixa “Psalm”, do álbum de 1965, é inconteste. Com uma percussão tribal e monorritimca, usando apenas tímpano e pratos, Jones marca o andamento com constância. É “The Drum Thing”, que, como o título indica, concentra-se na percussão – elemento altamente ligado à cultura e à religiosidade africana, que Coltrane tão bem resgata ao desenvolver o spiritual jazz. O ritualístico se manifesta nos sons percutidos, sobrando para o sax de Coltrane, geralmente protagonista, apenas sutis pronúncias da melodia ao início e ao final. Jones, afinal, é quem domina a faixa de cabo a rabo, engendrando um solo impressionante de aproximadamente 4 min e quando se vê sua habilidade incomum de variações rítmicas, de timbres e o fraseado "legato", límpido. Não poderia haver maneira peculiar e exata de encerrar o álbum.

Mesmo com toda a reverência e inegável influência de "A Love..." para o jazz e para a música moderna, não são poucos os que consideram “Crescent” o melhor trabalho de John Coltrane. Frank Lowe, Dave Liebman e Michael Cuscina são três grandes conhecedores de sua obra e da discografia jazz que defendem esta tese. Interposto entre a gênese de seu estilo spiritual e a exaltação deste, que desembocaria “A Love...”, "Ascension" e outros discos da fase final do artista antes de morrer, em 1966, este disco marca um momento ímpar na história de Coltrane e do jazz. Um instante imediatamente anterior a uma revolução. Por isso, “Crescent” é mais do que um disco: é a ligação entre passado e futuro, a união dos tempos - ou sua dissolução. Ao ouvi-lo, mesmo quase 60 anos depois de sua gravação, tudo vira presente, tudo está vivo. Para isso, tanto quanto para se chegar ao amor supremo, a uma Guernica ou um “2001”, é essencial passar por fases anteriores.  É essencial antes ter sabido crescer.


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FAIXAS:
1. "Crescent" – 8:41
2. "Wise One" – 9:00
3. "Bessie's Blues" – 3:22
4. "Lonnie's Lament" – 11:45
5. "The Drum Thing" – 7:22
Todas as músicas de autoria de John Coltrane

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OUÇA:
John Coltrane - "Crescent"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

McCoy Tyner - "Extensions" (1972)

 

“Quem trouxer uma boa ação terá uma dezena como esta”. 
Corão, 6:161

A ideia que move o homem é a da perpetuação. Da espécie, da genealogia, das relações. E o homem desde as cavernas escolheu a forma mais elevada de expressar essa perpetuação: a arte. Embora a antiguidade da relação do ser humano com a arte, pode-se dizer que 60 anos é tempo suficiente para se verificar se um trabalho artístico conseguiu dar continuidade a algo que o motivou. “Extensions”, do pianista de jazz norte-americano McCoy Tyner, que não leva este nome à toa, é uma realização desta magnitude. 

Poucos anos após assimilar a morte do mestre John Coltrane, com quem havia se tornado um músico profissional, Tyner realiza uma viagem para dentro de si mesmo. Já havia intentado isso em “The Real McCoy”, de 1967, mas seguiu em busca do seu verdadeiro “eu”, explorando, descobrindo, expandindo-se. Por isso, a noção de extensibilidade proposta por Tyner vai além de um mero produto sonoro-musical, pois atinge num só tempo dimensões altamente profundas, como a da raça, da espiritualidade e da ancestralidade. Em “Extensions”, Tyner vai à gênese.

Coltrane, aliás, abridor de portas do spiritual jazz e da vanguarda jazzística, é fundamental para essa procura existencial e espiritual. Afora a própria influência do saxofonista mais cultuado do jazz para Tyner e toda uma geração, o pianista reúne figuras não apenas devotas ao autor de “Giant Steps” como ainda vai além. Estão com ele Elvin Jones, companheiro do “quarteto clássico” que acompanhou por cinco anos Trane em suas principais obras; o versátil Ron Carter, cujo baixo é capaz de apoderar-se do mais profundo intimismo; Wayne Shorter, um dos mais ilustres herdeiros do saxofone mágico da linhagem de Coltrane; Gary Bartz, cujo sax alto conversa igualmente com o extracorpóreo; e para fechar, ninguém menos que a esposa dele: a pianista e harpista Alice Coltrane, grandiosa compositora e arranjadora, que dividiu a vida, os estúdios e os palcos com o marido e que substituiu, justamente, o próprio Tyner, em 1966. Tê-la neste disco significava para Tyner não apenas um resgate para com ela, mãe de Ravi Coltrane, fruto do casal e músico talentoso como os pais, como uma reconexão com quem, mesmo não mais vivo, fora-lhe tão importante.

Independente do que tocassem, só o fato de se reunir essa estelar turma já seria suficiente. Mas Tyner estava imbuído de pretensões mais elevadas neste projeto. Queria puxar o fio do novelo que lhe trouxera até ali como artista, como ser social e como pertencente de uma raça. Queria perscrutar a “extensão” de sua existência. A fonte para isso? A África. Muçulmano devoto, Tyner buscava invariavelmente nas raízes antepassadas a inspiração para sua música. No entanto, naquele momento de vida, calhava-lhe reunir os ecos do spiritual jazz – proclamado por Coltrane e muito bem progredido por outros músicos, como Albert Ayler, Pharoah Sanders e a própria Alice –, do bop e do modal com o legado dos ritmos africanos. A riqueza continental da África lhe oferecia a dimensão espacial perfeita para o autorreconhecimento, mas também para o do jazz e de toda a música moderna. A capa não deixa dúvidas ao mostrar a realeza negra com suas vestes islâmicas típicas.

O disco começa mandando uma mensagem vinda do rio que banha toda a África Continente e as áfricas imaginárias pelo mundo: o Nilo. Os mais de 12 minutos da faixa de abertura dimensionam a exuberância de um tema em homenagem ao maior – e mais histórico – rio do mundo. ”Message From The Nile”, com um início transbordante como uma nascente, abre ao som cintilante da harpa de Alice. Denso, o tema diz a que veio: variações de ritmo e textura da percussão, um piano lírico e consciente de seu papel central; e a dupla de sax, formando um só corpo – melódico e astral. Essencial para o desenvolvimento de civilizações milenares, como a egípcia, a grega e a hebraica, o Nilo recebe de volta Tyner em suas águas sagradas para um novo batismo. Essa é a mensagem. Tyner, Bartz e Shorter, padrinhos, parecem colocar a música a alguns metros do chão com seus improvisos, enquanto a harpa de Alice, última a solar, vem para, definitivamente, selar a sensação de elevação.  

Tyner com o mestre e amigo John Coltrane à época do
"quarteto clássico": inspiração espiritual

Estava muito clara a visão do band leader. Em uma época em que vários músicos do jazz, inclusive muitos contemporâneos de Tyner, se rendiam ao fascínio pop do jazz fusion, absorvendo com facilidade elementos do rock e da soul music, o pianista, convicto com seu Corão debaixo do braço, mantinha-se ainda mais fiel às raízes. Embora se abrisse para o matiz africano como os ultramodernos, fazia-o muito mais como contrição do que experimento ou frivolidade. “The Wanderer”, que vem na sequência, forjada no hard-bop ao qual ele e toda a banda se formaram, capta a ideia da “extensão” ao reafirmar aquilo que a música da África levou para o outro lado do Atlântico, como se a mensagem enviada do Nilo fosse justamente essa: o jazz puro e essencial. Como em todo o álbum, o autor prova que é a verdadeira ponte entre a tradição e o moderno.

Por falar em essência, o que é mais essencial para a música afro-americana do que o blues? “Survival Blues”, novamente faz uma ode aos ancestrais, mas localizando-os na América. O tema inicia com farfalhar de notas miúdas das mãos esquerda e direita de Tyner para, aos poucos e dissonantemente, formar um esboço melódico. É, sim, um blues, mas como o próprio título sugere, que necessita brigar por sua “sobrevivência”. As notas e acordes, como seres tirados de suas terras para servir de escravo por séculos num território que não era seu, travam uma batalha com o espaço sonoro para existirem, para ocuparem aquilo que lhes pertence. Jones, especialmente inspirado, está em casa: livre para exercitar sua verve polirrítmica. O blues, assim, como lamento e redenção, como música de trabalho dos trabalhadores escravizados, cumpre sua função sincrética, quase religiosa. Torna-se mais “espiritual” do que os mestres precursores jamais supuseram.

Se foi breve o passeio pela África, com certeza foi profundo. Por isso, não poderia deixar de se encerrar pedindo a bênção – seja de Alá ou dos orixás, que saíram da mesma África para jogar seus encantos na ponta sul da América. Mais spiritual jazz impossível, “His Blessings”  pega emprestada a atmosfera de Coltrane, principalmente, em seu maior canto divino, “A Love Supreme”, de 1964, em que Tyner foi um importante colaborador e Alice uma fundamental encorajadora. Com esparsas percussões (pratos ou rolos de tímpano), o tema tem na força dos sopros de Shorter e Bartz sua alma, suas vozes. Carter, outro fundamental para a construção harmônica, lança o arco para fazer de seu baixo uma flecha, como o caçador Oxóssi. A arpa de Alice desenha todo o espectro sonoro, atribuindo ares do Oriente egípcio, caldeu e fenício enraizado na civilização moderna. Já Tyner, dono e autor da canção, impregna-a de motivos oníricos e devotos, louvores urgentes de serem ditos.

Se Tyner já vinha de um tempo cogitando autodescobrir-se, em “Extensions” ele realiza justo o que o termo propõe: extensões deste significado. Afinal, não é um descobrir apenas de si, mas de seu povo, de sua raça, de sua gente. A civilização negra, seja da África, das Américas ou de onde quer que seja, está representada em seus acordes. Todos eles guardam no coração, inequivocamente, os sons que a Mãe-África lhes legou. E a arte, aqui respaldada pela linguagem da música, é capaz de manter vivas suas origens, de aproximá-la, de colá-la novamente à porção meridional ocidental, hoje chamada América e dividida por um imenso oceano, mas que um dia formou uma só terra.

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Gravado pelo selo Blue Note,, em fevereiro de 1970, no Van Gelder Studio, em Englewood Cliffs, New Jersey, “Extensions” foi lançado somente dois anos depois, em 1972, pela United Artists Records.

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FAIXAS:
1. “Message From The Nile” - 12:10
2. “The Wanderer” - 7:35
3. “Survival Blues” - 13:02
4. “His Blessings” - 6:41
Todas as composições de autoria de McCoy Tyner.

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Daniel Rodrigues

quinta-feira, 26 de março de 2020

McCoy Tyner - "The Real McCoy" (1967)



"Sabe, acabei de ouvir 'The Real McCoy', talvez pela primeira vez desde que o fiz. Eu ainda tinha o álbum original embrulhado em celofane. Mas alguém estava me dizendo que esse era um dos melhores discos, então tirei o celofane e o ouvi. Fiquei surpreso. Uau! Nós realmente chegamos lá". 
Ron Carter, em entrevista de 2007

É interessante perceber como McCoy Tyner, morto recentemente, é recorrentemente mais lembrado por sua participação no lendário “quarteto mágico” de John Coltrane do que pela própria carreira solo. Motivo há, uma vez que a fase em que tocou por seis anos juntamente com Elvin Jones (bateria) e Jimmy Garrison (baixo) para o autor de “A Love Supreme” é tão marcante não apenas para o jazz, mas para a música do século XX, que se faz inevitável a associação. Porém, Tyner é, seguramente, mais do que isso. Mesmo que para a maioria dos músicos seja mais do que suficiente ter feito parte de gravações épicas como as dos discos “Giant Steps”, “Crescent” e o próprio “A Love...”, Tyner, obteve, para além disso, o feito de ser considerado em vida o mais influente pianista do jazz ao lado de Bill Evans. E com merecimento próprio.

Se este reconhecimento veio por conta também da contribuição ao grupo de Coltrane, com quem teve sua primeira experiência importante como músico na primeira metade dos anos 60, muito mais se deve àquilo que ele inovou e legou a todos os pianistas que lhe sucederam. Seu estilo, que une técnica e classicismo à intuição criativa do blues, o fez dar um passo à frente de sua geração. Se Evans foi centro harmônico para a invenção do jazz modal, Tyner concebeu uma nova forma de estruturá-lo. Nas ambiências dada à escala modal, nas quartas justas ou aumentadas na mão esquerda, típicas suas, ou o uso do cromatismo nos improvisos e os famosos voicings, em que brincava com os espaçamentos e duplicações de notas. E o fazia lindamente através de seu dedilhado sensível e preciso. Coração e mente em plena integração com a música.

Além das participações em bandas outros ilustres jazzistas, como Wayne Shorter, Grant Green, Lee Morgan e Bobby Hutcherson, Tyner construiu, ao longo de quase 60 anos, uma discografia invejável, pautada, desde o início, pela maturidade musical. “Inception”, de 1962, seu primeiro solo, é uma prova clara disso. Nos anos seguintes, grava outros álbuns mas mantendo-se, em paralelo, no quarteto de Trane, com quem não apenas gravava em estúdio como excursionava para shows. Porém, foi no mesmo ano em que o amigo saxofonista morreria, em julho, que o cúmplice Tyner deu a si, dois meses antes, como que pressentindo a impermanência da vida, a abertura para algo realmente próprio e descolado da figura mítica de Coltrane. Era a sua mais bem acabada obra até então: o corretamente intitulado “The Real McCoy”. Experiente e sob uma nova perspectiva como band leader, ele junta-se aos craques Ron Carter (baixo), Lou Donaldson (sax alto) e novamente a Jones para dizer ao mundo quem, de fato, era aquele pianista por trás das maravilhas coltraneanas.

O autorreconhecimento de Tyner começa com a liberdade bop de "Passion Dance", tomada, como o nome diz, de amores intensos e ritmo. Tyner convoca o time com astúcia e intensidade, mantendo a vibração lá no alto. Mas nessa é o parceiro Jones, insano na bateria, quem mais se destaca, tanto que é ele quem revela o solo mais impressionante da música.

Seguindo a linha de buscar um olhar interior, nada mais adequado que recorrer à “contemplação”. Mas “Contemplation”, faixa seguinte, é mais do que só a sugestão do título: são 9 minutos de conexão com o reconhecimento da beleza que se tem dentro de si. Que elegância assombrosa! As baquetas mantendo o tempo no prato; o piano, em tremolos e encadeamentos, ambientando sobre uma escala modal; o sax desfilando vivacidade; e o baixo desenhando blues algo dissonante, sem contar com o vaporoso improviso mais para o final da faixa. E o solo do piano, então!? É como se dois pianistas, um severo e outro sonhador, tocassem juntos e ao mesmo tempo. Mas ambos são McCoy Tyner. Um blues enebriado e, ao mesmo tempo, enigmático e sensual, que explica porque o pianista foi o preferido do gênio Coltrane.

Já "Four by Five" começa com Handerson desafiando as notas em busca do improviso perfeito. Se ele não consegue, talvez chegue perto. Mas Tyner e Jones não ficam para trás no virtuosismo e explosão amparados pelo entendimento quase transversal de Carter. Na sequência, o contrabaixo começa lançando um efeito ondulante e sinestésico, enquanto o piano de Tyner polvilha notas soltas e oníricas, que anunciam a introspectiva “Search For Peace”, mais uma busca ao “eu” interior de seu autor. O sax, incrivelmente belo em um tom bastante alto, soa como um trompete, lembrando a economia cool de Miles Davis. Mas Tyner, claro, é quem chama para si o protagonismo, desafiando os limites entre o neo-romantismo e o lirismo melancólico do blues. Carter, na sua, dá um show de andamento, ao seu estilo trastejante.

“Blues on the Corner”, bluesy, levemente dissonante, é praticamente uma síntese do Tyner, o artista e a pessoa,  uma vez que remonta à tradição da música negra norte-americana adicionando-lhe uma visão de modernidade.

Múltiplo, mas a seu modo, Tyner ainda experimentaria o post-bop, o afro-jazz, o jazz fusion, a world  e até a soul. No entanto, sempre enraizado em sua natureza. Ele era o toque inconfundível que seus dedos transmitia, como a união do divino e do mundano, do céu e do inferno, da vida e da morte. Sempre e a todo o momento aquilo que realmente lhe dá nome: piano.

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FAIXAS:
1. "Passion Dance" – 8:47
2. "Contemplation" – 9:12
3. "Four by Five" – 6:37
4. "Search for Peace" – 6:32
5. "Blues on the Corner" – 5:58
Todas as composições de autoria de McCoy Tyner

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Música da Cabeça - Programa #65


“Isto é como encontrar uma nova câmara na Grande Pirâmide”. As palavras do genial saxofonista Sonny Rollins seriam exageradas se não estivessem se referindo a outro gênio do instrumento, do jazz e da música universal: John Coltrane. As recém-descobertas e divulgadas gravações inéditas do músico norte-americano e seu célebre quarteto estão no quadro “Música de Fato” desta semana. Ainda, muitas outras maravilhas sonoras como a soul brazuca de Tim Maia, o gothic industrial da Alien Sex Fiend, o hawaiian pop de Israel Kamakawiwo'ole e o balê avant garde de Igor Stravinsky. E ainda tem mais! Motivo de sobra pra você não perder o programa de hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e revelações: Daniel Rodrigues. 


Rádio Elétrica:

segunda-feira, 24 de julho de 2017

The Miles Davis Quintet - "Cookin'" (1957)



“Eu estava tocando o meu trompete e liderando a melhor banda do mercado, uma banda criativa, imaginativa, sobretudo coesa e artística”. Miles Davis, em 1956

“A tremenda coesão, o suingue impetuoso, a absoluta exaltação e a emoção controlada, presentes nos melhores momentos do quinteto de Davis, foram captados nesta gravação. [Philly Joe] Jones disse que essas sessões são as melhores já realizadas por Davis. Estou inclinado a concordar.” Revista Down Beat, em 1957

Há o mito de que o artista precisa de compenetração e tempo para que a inspiração venha. Pelo menos para Miles Davis, essa lógica não era uma máxima. Na metade dos anos 50, já gozando da aura de lenda que havia se tornado – aquele que tocou com Charlie Parker, que formava bandas invejáveis, que descobrira talentos e revolucionara o estilo ao legar-lhe o cool jazz no início daquela década –, Miles tocava muitos projetos ao mesmo tempo. Além das temporadas nos bares noturnos e da participação em festivais, ele gravara, entre 1955 e 1957, nada menos que 17 álbuns. Muito disso se deve ao fato de que ele atendia a duas gravadoras ao mesmo tempo. Contratado a preço de ouro pela Columbia em 1955, ele bem que poderia dispensar sua então gravadora, a Prestige Records. Mas preferiu encarar. Foi daí que, para dar tempo de cumprir o acordado, surgiram os quatro dos seis históricos álbuns pelo selo de Bob Weinstock, todos registrados numa maratona de apenas duas sessões de gravação nos estúdios Van Gelder, em Nova York, em 11 de março e 26 de outubro de 1956: “Relaxin’”, “Workin’”, “Steamin’” e o irrepreensível “Cookin’”.

Trabalhar a “toque de caixa” para Miles e sua banda não era um problema. Pelo contrário: acostumados com a simultaneidade de projetos e ao ritmo corrido da indústria do jazz, isso os estimulava a por para fora a liberdade criativa e a encontrar soluções rápidas em meio à pressão pelo resultado. Afinal, não se tratava de qualquer conjunto. A The Miles Davis Quintet era, simplesmente, a melhor banda daqueles efervescentes anos do jazz. Formava-se por Paul Chambers, no baixo; Red Garland, ao piano; Philly Joe Jones; nas baquetas; e John Coltrane, soprando seu genial sax tenor. Esse time, comandados pelo trompete sofisticado e pela liderança nata de Miles, é o responsável pela feitura de “Cookin’”, que, assim como os outros três da Prestige, completa 60 anos de lançamento.
Elegância. É o que melhor define a versão de “My Funny Valentine”, que abre o disco. Um solo sensualíssimo de Miles serpenteia sobre a melodia de ritmo cadenciado oferecido pelas vassourinhas na caixa de Joe Jones e pela condução compassada de Chambers. Ao final do improviso, nota-se a melodia tomando um feitio suingado e suavemente alegre. Prenúncio do apurado solo que Garland despeja sobre o piano, salpicando notas ligeiras e saltitantes nas teclas brancas, uma de suas características. Miles volta a assumir a frente, o que faz com que o ritmo envolvente e harmonioso retorne para, numa total sintonia de todos, finalizarem o tema brilhantemente. Se “My Funny Valentine” com Frank Sinatra é talvez a maior referência pop desta canção, a da Miles Davis Quintet ganha o título de “a mais cool” certamente.

É Garland quem puxa "Blues by Five", composição sua. Um jazz bluesy irresistível como os que Miles tinha grata preferência. Depois de o trompete entoar inteligentemente sequências espaçadas mas firmes, é a vez de Coltrane dar as caras pela primeira vez. Um solo em séries lógicas e com certo suingue, mas demarcando seu estilo intenso, com notas arremessadas, sobreposições e leves dissonâncias. Garland, aqui com total propriedade dada a autoria, novamente esbanja suingue e delicadeza. Chambers não deixa por menos, escalonando no baixo um gostoso solo. Ao final, antes da conclusão, é Joe Jones quem mostra as armas, improvisando rolos e combinações tomadas de balanço na conjunção caixa/bumbo/tom-tom/chipô/pratos.

"Airegin", diferentemente das anteriores, dá uma guinada mais desafiadora à obra, haja vista sua composição intrincada que prenuncia o jazz modal aperfeiçoado por Miles dois anos dali no célebre “Kind of Blue”, o mesmo que Coltrane faria já como front band em “My Favourite Things”. Isso se nota quando Miles, que dá a largada nas improvisações, articula, de tempo em tempo, o solo sobre uma escala modulada, a qual se mantém paralelamente enquanto o trompete flutua naquele espaço/tempo. Isso tudo encapsulado por um jazz ágil, que exige a habilidade dos músicos aprendida nos night clubs nova-iorquinos. E, claro, todos se saem impecavelmente bem. O que dizer de Coltrane, particularmente afeiçoado a esse tipo de estrutura harmônica complexa? Ele parece passear com o som de seu sax pela atmosfera, num toque de extrema destreza, sensibilidade e potência. Miles, no seu jeito peculiar de elogiar, disse certa vez que não adiantava dar orientações ao saxofonista, pois ele era mesmo um “filho da puta irrefreável”.

"Tune Up", única composição de Miles, é incendiada pelo fogo do hard bop, mas, igualmente pela elegância e simetria dos sopros quando nos chorus. Joe Jones sustenta um compasso aligeirado na combinação entre caixa e pratos, enquanto o band leader desvela um solo entre o cool e a tradição do be bop. Coltrane, por sua vez, entra logo em seguida e não deixa por menos, num toque encadeado e elevando a tonalidade. Garland pede passagem com seu piano, intervindo lindamente enquanto Trane ainda improvisa. Até que sua vez chega, e ele parece celebrar os mestres Nat King Cole, Bud Powell e Ahmad Jamal. Joe Jones, endiabrado, entra na roda de solos para fazer uma rápida – mas de tirar o fôlego – dobradinha com Miles.

O engenheiro de som Rudy Van Gelder não corta o take e eles engatam em "Tune Up" outro standart do jazz assim como “My Funny...”: "When Lights are Low", de Benny Carter e Spencer Williams, de 1936. Num clima contemplativo parecido com a da faixa de abertura, eles mudam a rotação anteriormente intensa para um jazz cheeck to cheeck. Um solo deslumbrante de Miles, longo e expressivo, é prosseguido pelo de Coltrane, o qual também executa suas combinações por um bom tempo. Carregado, áspero, impetuoso, como é particular do saxofonista. Com suavidade e precisão, Garland encaminha o desfecho do número, que o líder Miles se encarrega de concluir.

O feito do “quinteto clássico” é ainda hoje, seis décadas transcorridas, praticamente inigualável. Se sim, foi conseguido bem dizer somente pelo próprio Miles quando este formara o “segundo grande quinteto”, entre 1964 e 1968 com Herbie Hancock (piano), Ron Carter (contrabaixo), Tony Williams (bateria) e Wayne Shorter (sax). “Na minha opinião, a intricada complexidade de ligação entre as mentes daqueles músicos jamais foi igualada por qualquer outro grupo”, escreveu o crítico musical Ralph Gleason anos 17 depois do lançamento da tetralogia da Prestige, da qual “Cookin’” é, se não o melhor, um dos mais celebrados por crítica e público. Hoje, 60 anos depois, o disco continua soando cristalino e atemporal. Agora, imagine se Miles Davis tivesse se concentrado! Nem dá pra pensar no que sairia.

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FAIXAS
1. My Funny Valentine (Lorenz Hart/Richard Rodgers) - 6:04
2. Blues by Five (Red Garland) - 10:23
3. Airegin (Sonny Rollins) - 4:26
4. Tune Up (Miles Davis)/When the Lights Are Low (Benny Carter/Spencer Williams) - 13:09

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OUÇA

Daniel Rodrigues

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

John Coltrane – “Ascension” (1965)




“[‘Ascension’] foi a tocha que acendeu o free-jazz.
Quero dizer, ele começa com Cecil (Taylor) e Ornette (Coleman) em 1959,
mas ‘Ascension’ foi como um santo padroeiro que dizia:
‘está bem – isso é válido’.
Acho que teve um efeito muito maior
sobre todo mundo do que ‘A Love Supreme’”.
Dave Liebman

“Trabalhei feito um condenado.
Não consegui sentir prazer na sessão.
Se não fosse uma gravação, eu teria me divertido.
Sabe, estava de olho no relógio e tudo mais.
Quanto a ouvir o disco, disso eu gostei;
gostei de todas as contribuições individuais”.
John Coltrane



Ao mesmo tempo é uma tarefa fácil e difícil falar de “Ascension”, de John Coltrane. Fácil pelo motivo óbvio: a inegável qualidade superior que o músico imprimia em tudo que fazia, ainda mais em seus trabalhos mais maduros, como neste caso, sua última gravação em estúdio. Além do fato de ser apenas instrumental, também ajuda na apreciação o formato, pois, ao invés de se explanar sobre várias faixas, como num disco pop, ou mesmo 4 ou 5 delas, comum a um álbum de jazz, “Ascension” tem apenas um tema monotemático. Um extenso e único número contínuo. E é aí que saltamos da facilidade para a complexidade – e, curiosamente, todos os motivos que talvez lhe facultassem facilidade passam a ser vistos de outro ângulo.

Se fosse uma trilha de simples deglutição, ainda vá. Só que o fato de ser altamente ruidoso e intrincado já refuta qualquer amenidade na análise. Como um filme de Bergman ou um quadro de Bacon, em que, mesmo se gostando, se é desafiado a apreciar, ouvir “Ascension” exige sensibilidade e retidão. Se for considerar os adjetivos costumeiramente usados ao longo dos anos para definir “Ascension” aí sim se verá que realmente o buraco é mais embaixo. Classificado como “visceral”, “rebelde”, “complexo”, “urgente”, “provocativo”, “cerebral” e “catártico”, para ficar em apenas alguns exemplos, trata-se do célebre canto-do-cisne do genial Coltrane, o que somente por isso já valeria um registro nos anais. Porém, além de tudo, é o sucessor da obra-prima "A Love Supreme" e o disco simboliza o ápice de um artista cuja carreira foi de total devoção à sua arte, pautada pelo constante amadurecimento e que paulatinamente voltou-se a uma busca espiritual de seu autor. Estava ali ele exposto, inteiro e indivisível.

Mas se o resultado final de “Ascension” aparenta ser sucinto, os meios pelos quais Coltrane chegou a tal não são nada simplórios. Além de sua banda de fé, que o acompanhava havia quatro anos – os gigantes McCoy Tyner, ao piano, Elvin Jones, na bateria, e Jimmy Garrison, contrabaixo –, Trane, incansável perscrutador de novos horizontes sonoros e metafísicos, surpreendeu a todos ao adicionar à aparentemente imexível formação novos integrantes. Primeiro, mais um baixo, o de Art Davis. Ainda, nada menos que outros seis sopros além do dele: dois trompetes, a cargo de Freddie Hubbard e Dewey Johnson; dois saxofones alto, Marion Brown e John Tchicai, e mais dois sax tenor para somarem-se ao seu, recrutando os então jovens admiradores Pharoah Sanders e Archie Shepp. Para quem vinha de um bom tempo desenvolvendo trabalhos autorais em quarteto (e não era qualquer um: era O quarteto de jazz!), colocar 11 músicos – sendo 7 deles, de sopros – e de diferentes origens (dos oriundos dos conservatórios a rapazes da nova geração passando pelos tarimbados do be-bop) era, no mínimo, desafiador. Por mais habilidoso que o engenheiro de som Rudy Van Gelder fosse. Mas Coltrane já era o grande nome do jazz moderno àquela altura, e tanto músicos como técnicos tinham essa noção. Por isso entendiam que, fosse como fosse, estavam prestes a preencher mais um capítulo da história do jazz naquela noite de 28 de junho de 1965.

O que se revelaria, enfim, dessa inusitada reunião? Nem quem estava acostumado com as experiências de Coltrane – sua banda, o produtor Bob Thiele e Van Gelder – imaginava o que ele propunha. Afinal, o conceito guardava realmente um arrojo inigualado até então. Coltrane já havia experimentado performances contínuas e longas tanto ao vivo quanto em estúdio. Mas não com tamanha complexidade, o que lhe deu um bocado de dor de cabeça. Mas, como se sabe, a obsessão e o perfeccionismo são proporcionais à genialidade. Referenciando-se no free-jazz de Ornette Coleman e Cecil Taylor, nos arranjos engenhosos de Charles Mingus para grandes bandas com vários tipos de sopros, bem como nas pesquisas das culturas oriental e africana e nas inovações tonais/atonais da vanguarda erudita (Messiaen, Bártok, Ives), Coltrane juntou tudo isso a seu gigantesco cabedal musical e engendrou uma ideia a qual já praticamente consolidara no seu celebrado álbum anterior: a da construção de uma peça una cuja “alma” conduzisse a “técnica”. Pautados pela ideia-base de “ascensão”, era o coração dos músicos, conectados com seus deuses interiores, que, a partir do conhecimento e experiências de cada um, constituiria o âmago de “Ascension”. Assim, ainda mais que “A Love...”, esta obra soa como uma suíte altamente coesa – no caso, uma improvável sinfonia para 5 saxofones e 2 trompetes.

Tal alquimia é arranjada com maestria no cadinho mental de Coltrane. A canção-tema se constitui de ensembles intercalados com solos de todos os instrumentistas em uma ordem preestabelecida. Uma semipartitura elaborada por ele institui quem entra, quando e quanto tempo tem para desenvolver-se considerando o arranjo e o tempo máximo de duração que cada lado do LP suportaria. Nos momentos conjuntos, a liberdade é total. Há uma quase imperceptível melodia-base de 3 acordes, mas, inspirado no exemplo de “Free Jazz”, de Coleman (1960), o que dá o direcionamento é a sensação momentânea do músico, e não um tempo ou escala predeterminados que o motivem. E é assim que já inicia e peça: sob uma tempestade de solos. Rajadas, gritos, ataques violentos, espasmos, glissandos, rubatos, fluxos densos, clusters, dissonâncias mil. Uma impressionante parede sonora que remete à politonalidade de Darius Milhaud e às camadas inter-relacionadas de Elliot Carter. Impacto é o termo certo.

A divisão dos solos é minuciosamente organizada, bem como impressionantemente sutil em meio a todo o caos: naquela avalanche de sons, o encadeamento entre estes e os ensembles, seja nos começos ou nos finais de cada um, é perfeito. A abertura do tema é longa, de mais de 4 minutos de extravaso. Emendando, de modo a começar as sequências individuais, o próprio Coltrane faz as boas-vindas em exatos 2 minutos de absoluta entrega. No auge de sua maturidade musical, sente-se um Coltrane sendo Coltrane mais do que nunca. Jogando a escala lá no alto de cara, ele começa em repetições lancinantes, sustentando o clima, a partir dali, com sua alta técnica e emotividade. Os saltos de modulação, a multitonalidade, os vibratos potentes e os double stops, característicos de seu estilo, estão todos ali, cristalinos. Os arroubos roucos, bem como a escalada emotiva, também: presentes. Termina, como não poderia ser diferente, explorando os limites do instrumento.  Fúria e paixão.

O fato de os músicos terem seus espaços predefinidos dentro da melodia não significava que, nos próprios intervalos, quando todos executam juntos, também não houvesse improvisos, às vezes tão significativos quanto os lances reservados. Na verdade, é como se ninguém parasse de solar do início ao fim. O trompete de Johnson, por exemplo, começa a soar mesmo antes de ele entrar sozinho. Mas quando é seu momento, o trompetista não deixa por menos: força a que se crie uma atmosfera de blues acelerado, lançando frases curtas e ligeiras em dissonâncias. Parece querer dar ainda mais significado ao solo anterior proposto por Coltrane, explicando-o em outras “palavras”, cuspidas e sem paciência. Já Sanders, dos mais felizes pupilos de Coltrane e igualmente instigado pelas questões da espiritualidade, aproveita a oportunidade para disparar de seu tenor um rascante e intenso solo, cheio de agudez e desespero, deixando evidente o estilo que o marcaria como band-leader a parir de então.
Hubbard, o solista seguinte, ao contrário de Sanders, já calejado e mais cerebral, em contrapartida à intensidade anterior, prefere dar um refinamento diferente à música. Ele, que nunca havia tocado com Coltrane, demonstra sua gratidão por ser chamado àquela sessão sabidamente histórica e explora seu inigualável bom gosto hard-bop e assertividade nas escolhas das notas – sem, contudo, sair do clima ardoroso. Impecável o mestre Hubbard.

Outro ensandecido fã de Trane dá as graças. É Sheep, à época, também dos iniciantes da New Thing como Sanders. Ele já sai despejando notas raivosas e frases discordantes, potencializando a maneira de tocar do professor. Mais um “chorus” de alta habilidade antecipa a entrada de Tchcai, o qual, num solo expressivo, faz oscilar na maior parte do tempo entre duas escalas, como que num dueto consigo mesmo – quem sabe, não era este o meio encontrado por Tchcai, respondendo à instigação de Coltrane, para demonstrar sua “ascendência” pessoal? Outra brilhante participação. Mantendo o mesmo instrumento, é a vez de Brown revelar seu íntimo, o que o faz com densidade e potência. A permanente construção da melodia, que desfaz os limites do que é conjunto e o que é individual, leva a que a entrada de Brown funcione como um desdobramento, uma continuidade do que já vinha sendo desenvolvido. Estreante, Brown traz para dentro do furacão sonoro um misto do formalismo, adquirido nos conservatórios de Atlanta e Washington, e um natural lirismo inquieto, típico da avant-garde que ajudou a cunhar.

Tyner, cuja inteligência e sensibilidade ao piano o fazem manter-se presente a todo instante – seja demarcando, pontuando, mantendo ou ajudando a evidenciar os outros instrumentos –, tem a sua hora exclusiva. Mas nem o diferenciado timbre das teclas faz com que seu solo também não se homogeneíze ao restante (está tudo integrado enredado). Coltrane está ainda improvisando quando Tyner “avisa” que vai entrar. Uma, duas, três vezes. Até que, quando se vê, é o piano que já domina o campo. Seus peculiares acordes martelados enriquecem o drama da peça. Ele articula tempos diferentes com as duas mãos, parecendo claramente em alguns instantes serem dois pianistas (ou não seriam?...).

No que Tyner encerra, Jones larga rolos bem marcados para dividir o improviso do piano com o dos baixistas. Davis e Garrison, então, apresentarem o momento certamente mais erudito do tema. Com acompanhamento só da bateria, seu duo é curto mas repleto de nuanças que somente as cordas de um contrabaixo podem dar. Neste caso, dois baixos, sendo que, num deles, Davis puxa o arco e transforma seu instrumento num cello, enquanto Garrison segue dedilhando e tracejando, longe dali, elevado. Um minuto basta para ambos, pois, logo em seguida, Jones, ativo em toda condução rítmica e harmônica desde o primeiro segundo, presenteia os diletantes com um ainda mais sucinto solo (apenas 25 segundos), porém possível de identificar toda sua habilidade e pungência. Ele merecia essa distinção, mesmo que assim, no final, antecipando a nova torrente de sons que, em pouco menos de 3 minutos, vem à tona para encerrar a suíte.

Várias análises podem se tirar de “Ascension”, haja vista sua infindável e desafiadora complexidade como obra. Entretanto, antes de tudo, é muito bonito o resultado que Coltrane extraiu desse verdadeiro tour de force coletivo. A conjunção de estilos de cada integrante forma uma espécie de “teia de temperamentos”, rica em personalidades e pulsação. Viva, uma obra viva. Do material maciço que o tema se compõe é possível, com aceitação e dedicação, derivar uma comovente procura interior. Comprometido apenas consigo e com sua obra, Coltrane desdenhou o sucesso imediato de “A Love...” e não se escondeu atrás do mito. Pelo contrário: saiu em busca de novos entendimentos de si e de sua música, fosse provocando ou resignando, inquietando ou contristando. Séria e comprometida união dos polos de uma existência: deus e diabo, bem e mal, amor e ódio, leveza e cólera. Como um Messiaen, que enxergava Deus em todos os sons, das naturais consonâncias aos diabólicos trítonos, observadas em profusão em sua última peça intitulada “Flashes da vida após a morte”. Como um Glauber Rocha que, em seu derradeiro “A Idade da Terra”, fez encarnar no Brasil urbano um Jesus freudiano cheio de aflições e belezas. Todas obras de final de vida de artistas irrequietos, por mais fatalista ou sublime que isso signifique. Coltrane, no seu último suspiro, igualmente mirou essa providência por meio da linguagem pela qual mais conseguia essa aproximação com o elevado. Como numa ascensão aos céus, a qual – provavelmente não por coincidência – cumpriria dali a menos de 2 anos rumo à eternidade, deixando uma das obras mais ricas que o mundo da música já conheceu.

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“Soberba”, de Orson Welles, é ainda hoje considerado um dos melhores filmes da história do cinema, mesmo sua edição final tendo ficado a cargo dos estúdios e não do cineasta, a contragosto deste, claro. A primeira versão de “Ascension”, lançado com John Coltrane ainda vivo, trazia o primeiro take dos dois que gravara com a banda na fatídica noite de junho de 1965. Porém, Coltrane havia gostado mais da segunda sessão – e manifestara isso a gravadora Impulse! quando do lançamento. A queixa ficou guardada por 44 anos. Como fazer, então? Realizar o sonho do autor antes tarde do que nunca. Em 2009, uma edição em CD, hoje tida como definitiva, traz as duas editions de “Ascension”, priorizando a preferida de Trane, “Edition II”, de cerca de 40 minutos e sem o solo final de Elvin Jones, e, em seguida, a versão impressa originalmente, de 38 minutos e meio. Delícia tanto para puristas quanto desapegados.
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FAIXA:
1. "Ascension" – 38:31

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OUÇA O DISCO





domingo, 2 de agosto de 2015

Feira do Vinil – Groovaholic – Porto Alegre/RS (4/7/2015)

Nós na adorável tarde no Grovaholic
foto: Juliano Oster
Sábado desses, entre várias atividades que começaram pela manhã e só terminariam por volta da meia-noite, Leocádia e eu achamos uma brecha na agenda para conferir a Feira do Vinil da Groovaholic, no bairro Bom Fim, convidados por nosso antenado e querido amigo Christian Ordoque, colaborador do blog, que nos esperava lá. Acompanhados da mana Carolina e da prima Gabriela, para Leo e eu tratava-se de um retorno, haja vista que havíamos estado na loja em fevereiro, quando a mesma recém abria suas portas. Não havia ainda nem o café, no qual paramos dessa vez para um agradável papo e um lanche.
Eu à cata dos LP's
foto: Leocádia Costa
Em seguida, entretanto, fui ao que mais interessava ali além das companhias: os LP’s. Quando estive pela primeira vez enlouqueci pela qualidade e variedade dos títulos oferecidos. Do rock anos 50, 60 e 70, passando pela soul music e o rap anos 80 e 90 mas, principalmente, vários clássicos de jazz. Tudo em edições novas, com arte de capa e encarte caprichados que reproduzem os originais, e gramatura do acetato de 180 gramas. Uma finura. Desta vez, não foi diferente: muitos títulos para escolher. No critério, esses aqui foram os que levamos pra casa:




"Crescent"John Coltrane Quartet (1963) – Dispensa apresentações. Talvez o melhor disco do mestre Trane e seu famoso time de craques (McCoy TynerElvin Jones e Jimmy Garrison), "Crescent" é nada mais nada menos que o último passo antes do “mantra musical” "A Love Supreme". Para alguns, inclusive, passo esse já definitivo e definidor  até melhor do que o grande clássico de 1964. Tudo é perfeito e elevado, mas as baladas! Meu amigo: que deslumbre! “Wise One” e “Lonnie’s Lament”. Isso sem falar da grandiosa faixa-título, da homenagem a Bessie Smith e da intensa “The Drum Thing”. Será ÁLBUNS FUNDAMENTAL certo.



"Loveless"My Bloody Valentine (1992) – Obra-prima do rock alternativo britânico, é maravilhoso tê-lo no formato vinil. Listado entre os 30 melhores discos de rock de todos os tempos pelo crítico musical e historiador italiano Piero Scaruffi (que também o inclui como 1° na de shoegaze rock), “Loveless” é uma verdadeira sinfonia das guitarras, tão distorcidas, sobrepostas e reafinadas que, homogeneizados aos outros sons e timbres, compõem uma peça única em que as faixas se tornam partes de um todo. Não à toa já é ÁLBUNS FUNDAMENTAL do Clyblog há horas.




“Speak no Evil!”, Wayne Shorter (1964) – Outro clássico do jazz, que completou louváveis 50 anos em 2014. Shorter, dos meus jazzistas preferidos, estava absolutamente encantado nessa época (haja vista que cunhou outra obra-prima naquele mesmo ano, "Night Dreamer"). Gosto muito desse disco também, em especial da faixa de abertura, “Witch Hunt”, e a elegantérrima ”Fee-Fi-Fo-Fum” e a lânguida “Infant Eyes”. Mas um dos motivos que me motivaram também a comprá-lo nesse formato é a maravilhosa arte da capa de Reid Miles, para mim uma das mais geniais de todos os tempos. Promete mais um ÁLBUM FUNDAMENTAL de Shorter.





“Black Monk Time”, The Monks (1965) – Assim como The Sonics, The Seeds e The Troggs, os Monks são das minhas amadas garage bands dos anos 60 que anteviram o punk. No caso deles, especificamente, o disco, talvez o primeiro “álbum preto” da história do rock (abrindo caminho para os vários “black” e “whitealbuns que viriam depois, de Beatles a Metallica), mereceu essa reedição é uma verdadeira preciosidade, muito bem acabada. Do sulco, sai pura corrosão! É fantástico imaginar que essa galera (norte-americanos que, servindo na Alemanha, gravaram-no em Berlim), travestindo-se de monges franciscanos (até no corte de cabelo!) faziam um som tão revolucionário e agressivo. Merece muitas audições.