A capa original de 1976, só com o logo da banda e a da reedição em CD, de 1989. |
terça-feira, 3 de maio de 2016
The Modern Lovers – “The Modern Lovers” (1976)
sexta-feira, 28 de junho de 2013
100 Melhores Discos de Estreia de Todos os Tempos
Esta, em questão, por sua vez, é bem curiosa e sempre me fez pensar no assunto: quais aquelas bandas/artistas que já 'chegaram-chegando', destruindo, metendo o pé na porta, ditando as tendências, mudando a história? Ah, tem muitos e alguns admiráveis, e a maior parte dos que eu consideraria estão contemplados nessa lista promovida pela revista Rolling Stone, embora o meu favorito no quesito "1º Álbum", o primeiro do The Smiths ('The Smiths", 1984), esteja muito mal colocado e alguns bem fraquinhos estejam lá nas cabeças. Mas....
Segue abaixo a lista da Rolling Stone, veja se os seus favoritos estão aí:
Os 5 primeiros da
lista da RS
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02 The Ramones - The Ramones (1976)
03 The Jimi Hendrix Experience - Are You Experienced (1967)
04 Guns N’ Roses - Appetite for Destruction (1987)
05 The Velvet Underground - The Velvet Underground and Nico (1967)
06 N.W.A. - Straight Outta Compton (1988)
07 Sex Pistols - Never Mind the Bollocks (1977)
08 The Strokes - Is This It (2001)
09 The Band - Music From Big Pink (1968)
10 Patti Smith - Horses (1975)
11 Nas - Illmatic (1994)
12 The Clash - The Clash (1979)
13 The Pretenders - Pretenders (1980)
14 Jay-Z - Roc-A-Fella (1996)
15 Arcade Fire - Funeral (2004)
16 The Cars - The Cars (1978)
17 The Beatles - Please Please Me (1963)
18 R.E.M. - Murmur (1983)
19 Kanye West - The College Dropout (2004)
20 Joy Division - Unknown Pleasures (1979)
21 Elvis Costello - My Aim is True (1977)
22 Violent Femmes - Violent Femmes (1983)
23 The Notorious B.I.G. - Ready to Die (1994)
24 Vampire Weekend - Vampire Weekend (2008)
25 Pavement - Slanted and Enchanted (1992)
26 Run-D.M.C. - Run-D.M.C. (1984)
27 Van Halen - Van Halen (1978)
28 The B-52’s - The B-52’s (1979)
29 Wu-Tang Clan - Enter the Wu-Tang (36 Chambers) (1993)
30 Arctic Monkeys - Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006)
31 Portishead - Dummy (1994)
32 De La Soul - Three Feet High and Rising (1989)
33 The Killers - Hot Fuss (2004)
34 The Doors - The Doors (1967)
35 Weezer - Weezer (1994)
36 The Postal Service - Give Up (2003)
37 Bruce Springsteen - Greetings From Asbury, Park N.J. (1973)
38 The Police - Outlandos d’Amour (1978)
39 Lynyrd Skynyrd - (Pronounced ‘Leh-‘nérd ‘Skin-‘nérd) (1973)
40 Television - Marquee Moon (1977)
41 Boston - Boston (1976)
42 Oasis - Definitely Maybe (1994)
43 Jeff Buckley - Grace (1994)
44 Black Sabbath - Black Sabbath (1970)
45 The Jesus & Mary Chain - Psychocandy (1985)
46 Pearl Jam - Ten (1991)
47 Pink Floyd - Piper At the Gates of Dawn (1967)
48 Modern Lovers - Modern Lovers (1976)
49 Franz Ferdinand - Franz Ferdinand (2004)
50 X - Los Angeles (1980)
51 The Smiths - The Smiths (1984)
52 U2 - Boy (1980)
53 New York Dolls - New York Dolls (1973)
54 Metallica - Kill ‘Em All (1983)
55 Missy Elliott - Supa Dupa Fly (1997)
56 Bon Iver - For Emma, Forever Ago (2008)
57 MGMT - Oracular Spectacular (2008)
58 Nine Inch Nails - Pretty Hate Machine (1989)
59 Yeah Yeah Yeahs - Fever to Tell (2003)
60 Fiona Apple - Tidal (1996)
61 The Libertines - Up the Bracket (2002)
62 Roxy Music - Roxy Music (1972)
63 Cyndi Lauper - She’s So Unusual (1983)
64 The English Beat - I Just Can’t Stop It (1980)
65 Liz Phair - Exile in Guyville (1993)
66 The Stooges - The Stooges (1969)
67 50 Cent - Get Rich or Die Tryin’ (2003)
68 Talking Heads - Talking Heads: 77’ (1977)
69 Wire - Pink Flag (1977)
70 PJ Harvey - Dry (1992)
71 Mary J. Blige - What’s the 411 (1992)
72 Led Zeppelin - Led Zeppelin (1969)
73 Norah Jones - Come Away with Me (2002)
74 The xx - xx (2009)
75 The Go-Go’s - Beauty and the Beat (1981)
76 Devo - Are We Not Men? We Are Devo! (1978)
77 Drake - Thank Me Later (2010)
78 The Stone Roses - The Stone Roses (1989)
79 Elvis Presley - Elvis Presley (1956)
80 The Byrds - Mr Tambourine Man (1965)
81 Gang of Four - Entertainment! (1979)
82 The Congos - Heart of the Congos (1977)
83 Erik B. and Rakim - Paid in Full (1987)
84 Whitney Houston - Whitney Houston (1985)
85 Rage Against the Machine - Rage Against the Machine (1992)
86 Kendrick Lamar - good kid, m.A.A.d city (2012)
87 The New Pornographers - Mass Romantic (2000)
88 Daft Punk - Homework (1997)
89 Yaz - Upstairs at Eric’s (1982)
90 Big Star - #1 Record (1972)
91 M.I.A. - Arular (2005)
92 Moby Grape - Moby Grape (1967)
93 The Hold Steady - Almost Killed Me (2004)
94 The Who - The Who Sings My Generation (1965)
95 Little Richard - Here’s Little Richard (1957)
96 Madonna - Madonna (1983)
97 DJ Shadow - Endtroducing ... (1996)
98 Joe Jackson - Look Sharp! (1979)
99 The Flying Burrito Brothers - The Gilded Palace of Sin (1969)
100 Lady Gaga - The Ame (2009)
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
The Troggs - "From Nowhere" (1966)
Nos anos 60, muitos jovens, motivados pelo boom Beatles / Stones, montaram seu próprio conjunto para fazer versões de standards do blues e inventar canções próprias. Algumas alcançaram status e sucesso, como Yardbirds, Monkees e Byrds. Mas tinha a turma mais obscura em meio a toda aquela luminosidade estelar. Uma galera que, com pouca grana tanto para comprar bons instrumentos quanto para vestir os caros terninhos mods, juntava-se para ensaiar na garagem da casa de algum dos integrantes (provavelmente, quando os pais iam ao cinema) e, com muita vontade de tocar e criar, produzia alguns dos melhores sons que o rock já ouviu. É o caso do The Troggs, banda britânica que, com seu álbum de estreia, “From Nowhere”, influenciou, em música e postura, do punk ao metal.
Formada por Reg Presley (vocais), Chris Britton (guitarra), Pete Staples (baixo) e Ronnie Bond (bateria), a banda saiu da pacata cidade sulista de Andover para gravar seus primeiros compactos pelas mãos do empresário Larry Page, o mesmo do The Kinks. E não foi coincidência, afinal, tanto um grupo quanto outro fazia a linha rebelde, uma resposta às carinhas de bons moços dos Fab Four. A afronta já começava pelos nomes: um, selvagem e irreverente (The Troggs: “Os Trogloditas”); o outro, insinuante e debochado (The Kinks: “Os Pervertidos”). Faziam, além disso, um rock sujo, guitarrado, de bases simples e compasso acelerado. Quase punk.
Assim são, em “From Nowhere”, as versões de “Ride Your Pony”, “Jaguar and Thunderbird” e do clássico pré-punk “Louie Louie” – que, para uma garage band que se prestasse, não podia faltar! O vocalista, nascido Reginald Ball, autor da maioria do repertório e um grande blueser, pegou emprestado o sobrenome de Elvis com merecimento. É ele que dá o tom criativo de cada faixa, apresentando um cardápio variado do melhor blues-rock. São dele as melhores, como “Our Love Will Still Be There”, marcada no baixo e com frases de guitarra superdistorcida, “Lost Girl”, intensa e bruta, e “I Just Sing”, de ritmo tribal e um moog psicodélico na medida certa.
Entre blues quentes (“Evil”, "The Yella In Me") e boas baladas para conquistar as gatinhas (When I’m With You”), o Troggs manda ver na incrível “Your Love”, com uma bateria impressionantemente possante (algo raríssimo para os limitados recursos técnicos dos estúdios da época) e um matador riff de guitarra de apenas quatro notas. Estava ali uma fórmula diferente do rock de então, mais tosco, mais direto, mais agressivo. Quase punk.
“From Nowere” traz, porém, duas joias. A primeira delas é a marcante faixa de abertura: “Wild Thing”, versão para a música de Chip Taylor que virou a tradução do espírito rebelde e rocker da banda (“Wild thing/ You make my heart sing”). Maior sucesso comercial do grupo, abre com um acorde alto e distorcido de guitarra que se esvanece feito uma serpentina, mostrando de cara que eles não vinham pra brincadeira. Combinação de notas simples e um ritmo forte e marcado que já prenunciava o rock pogueado dos punks. Daquelas de ouvir balançando a cabeça. Detalhe interessante é o inventivo solo de flauta doce, que lhe dá um interessante exotismo medieval.
A outra grande do disco é mais uma de Presley: “From Home”. Se a música “Peaches en Regalia”, do Frank Zappa, foi capaz de, sozinha, motivar a criação de uma das duas mais importantes bandas de hard rock de todos os tempos, o Deep Purple, esse petardo do Troggs foi responsável por originar, nada mais, nada menos, do que a outra grande banda do rock pesado mundial: o Black Sabbath. Com o mesmo clima ritualístico de “Lost Girl”, mas adicionando agora um vocal rasgado e guitarras BEM distorcidas flutuando sobre tudo (igual ao que o heavy metal usaria largamente anos depois), “From Home”, confessadamente inspiração para a formação do Sabbath, traz aquela atmosfera macabra do som feito por Ozzy Osbourne e Cia. – e isso quatro anos antes de lançarem seu primeiro LP!
Se o Black Sabbath bebeu na fonte do Troggs, o que dizer, então, de Stooges, Dr. Feelgood, Modern Lovers? Junto com outras importantes bandas de garagem da época, como The Sonics, The Seeds e The Chocolate Watch Band, eles deram, com seu rock visceral, como que vindo das cavernas, as bases para aquilo que explodiria em Nova York e Londres nos anos 70 com o movimento punk, influenciando toda uma geração. Ah, se não fosse esses abençoados trogloditas!...
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FAIXAS:
1. "Wild Thing" (Taylor) - 2:34
2. "The Yella In Me" (Presley) - 2:38
3. "I Just Sing" (Presley) - 2:09
4. "Hi Hi Hazel" (Martin/Coulter) - 2:43
5. "Lost Girl" (Presley) - 2:31
6. "The Jaguar And The Thunderbird" (Berry) - 2:01
7. "Your Love" (Page/Julien) - 1:52
8. "Our Love Will Still Be There" (Presley) - 3:08
9. "Jingle Jangle" (Presley) - 2:26
10. "When I'm With You" (Presley) - 2:23
11. "From Home" (Presley) - 2:20
12. "Louie Louie" (Berry) - 3:01
13. "The Kitty Cat Song" (Roach/Spendel) - 2:11
14. "Ride Your Pony" (Neville) - 2:24
15. "Evil" (Singleton) - 3:13
16. "With A Girl Like You" (Presley) - 2:05*
17. "I Want You" (Page/Frechter) - 2:13*
18. "I Can't Control Myself" (Presley) - 3:03*
19. "Gonna Make You" (Page/Frechter) - 2:46*
20. "As I Ride By" (Bond) - 2:02*
* Faixas bônus
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Ouça:
The Troggs From Nowhere
sexta-feira, 2 de junho de 2023
Kim Fowley - "I'm Bad" (1972)
O punk e o glitter rock tem muito mais em comum entre si do que as aparências supõem. Se a radicalidade anti-sistema de um confrontava com a conformidade capitalista de outro, no fim das contas, as distâncias não eram tão grandes assim. A New York Dolls, surgida em meio à efervescência tanto de um quanto de outro movimento, foi a mais efetiva junção desses dois gêneros. Seu figurino carregado, casado com o som agressivo e intenso, não deixam mentir. Mas mesmo aqueles mais identificados com o glam, como David Bowie, T. Rex e Roxy Music, seguidamente davam passos com suas plataformas extravagantes pelo lado selvagem trilhado por Velvet Underground, The Stooges, MC5, Dictators e outros precursores do punk. Quem escuta "Suffrgatte City", de Bowie, pode tranquilamente dizer que se trata de uma música da MC5 ou de Johnny Thunders. A inglesa Bauhaus, em sua fase mais punk, antes de darem a guinada dark à sua sonoridade, gravavam "Telegrama Sam" de Marc Bolan apenas acelerando ligeiramente o compasso. O “punk pub” da Dr. Feelgood, igualmente, bem podia ter saído da mente de Gary Glitter.
Estas semelhanças sonoras de intercâmbio entre punk e glitter, entretanto, quando no campo da indústria musical operava de forma bem mais desigual. E quem levava a melhor era, claro, a turma da purpurina, por natureza mais afeita aos holofotes e ao circo do mainstream - o qual não raro era, pelo contrário, odiado e até combatido pela galera de coturno e jeans rasgadas que frequentava o CBGB. Quem sabia transitar por estes dois mundos, o imundo e o radiante, com naturalidade era Kim Fowley. E o fazia por um simples motivo: como um bom roqueiro indolente e narcísico, Fowley não estava nem aí pra um ou pra outro. Rótulos? Que se danem! Fowley queria saber mesmo era de uma boa contradição.
Figura dândi e entrincheirado à turma da glam, este californiano excêntrico e múltiplo se valia de sua imagem outsider e da menor visibilidade na comparação com astros pop como Bowie e Kiss para não se comprometer com classificação alguma. Depois de quatro álbuns solo, “Love Is Alive and Well”, de 1967, “Born to Be Wild”, “Good Clean Fun” e “Outrageous”, os três no mesmo ano de 1968, e “The Day The Earth Stood Still”, de 1970, Fowley chuta o balde e produz o disco que pode ser classificado como "creep glitter" ou “glam maldito”: "I'm Bad". O nome não poderia ser mais sarcástico. Afinal, o que esperar de um artista que se autointitulava "pedaço de merda" e, noutra hora, de “muito mais interessante do que tenho o direito de ser”? Rock n roll na veia.
Fowley, antes de assumir a própria carreira, no entanto, cuidou muito mais da dos outros. Empresário e produtor, deu luz a trabalhos de Alice Cooper, Kiss, The Modern Lovers, Kris Krostofferson e Soft Machine e lançou bandas como a The Runnways, seu mais célebre feito à indústria fonográfica. A bagagem acumulada desde os anos 50 - a qual contava também com experiências com figuras míticas como Phil Spector, Frank Zappa e Gene Vincent - foi trazida para sua obra própria com muita noção de síntese. Rockabilly, psicodelia, R&B, punk, garage, barroco... tudo arrecadado das experiências sonoras e sensitivas de Fowley ao longo dos anos seja como produtor, compositor ou simplesmente ouvinte. Dono de um modo muito eficiente e direto de compor, Fowley chega em “I’m Bad” pronto para forjar um trabalho que não precisa muito para soar como o mais puro rock. Baixo, guitarra e bateria (quando muito, um piano e uma gaita de boca). Para arrematar, a voz ineditamente rasgada de Fowley, Imagine-se em Captain Beefheart cantando como Iggy Pop de “Raw Power”. Ou um Howlin’ Wolf colérico como Rob Tyner. Um Tom Waits três vezes mais rouco e bêbado. Pois é: este é Kim Fowley em “I’m Bad”. Ele nunca havia cantado assim por mais de raras frases de algumas músicas anteriores. Grave, cavernoso, áspero, ruidoso. Voz de homem "mau”.
“Queen Of Stars” abre os trabalhos dando o recado que Fowley estava determinado a passar. Riff simples a la Stones e uma bateria marcada e ligeira, "pogueante". Uma guitarra na base e outra fazendo contraponto ou solando. Um baixo firme no comando. Uma bateria seca. Tudo sujo, sem requintes de produção. E isso basta. “Forbidden Love”, mais cadenciada, tem a slide guitar arábica e aguda de Warren Klein sobre uma levada nos chipôs da bateria de Dreshan Theaker. Exímio produtor que era, Fowley usa de um artifício muito interessante ao transformar o som de ar comprimido de um sintetizador com a emissão do sopro dos próprios pulmões. Isso, para terminar a faixa imitando estranhos grunhidos de porco (!).
Já “Man Of God” volta à pauleira, tanto na pulsação quanto na simplicidade inteligente do riff. O baixo de Peter Sears é um dos destaques. Interessante notar que a produção não é nada sofisticada, até grosseira, com visível desleixo, ainda mais sendo produto de alguém que sabe como poucos operar uma mesa de estúdio. Neste caso, a sujeira é totalmente proposital para demarcar essa ponte entre punk e glitter rock – a qual Fowley acabava de dinamitar. “Human Being Blues” é bem isso: um blues glam ao estilo do que Bowie e Slade inundariam as rádios naquele mesmo ano de 1972. A faixa-título, na sequência, não podia ser mais simbólica. Ouvir Fowley quase se esgoelando para dizer “I’m so bad” sobre os estampidos secos de Theaker e as guitarras rascantes é didático para qualquer músico do rock até hoje.
Com outro grande riff, que conjuga as duas guitarras e o baixo, “California Gypsy Man” é mais um blues-rock envenenado, enquanto a deliciosa “It's Great To Be Alive”, com seu pianinho maroto, resgata o rocker Fowley forjado no rock dos anos 50. Os Ramones certamente adorariam ter escrito essa música. “Red China”, outro bluesão carregado, traz a guitarra de Klein como protagonista e apenas um leve efeito na bateria, um pequeno detalhe para a sonoridade invariavelmente crua do disco.
No seu estilo ambíguo, Fowley abre “Gotta Get Close To You” sentenciando a divergência: “Life/ Death/ Low/ Loud”. Outra levada de baixo empolgante de Sears, com as guitarras tanto a solo de Klein quanto a de Mars Bonfire, encarregado da base, improvisando sobre a cadência blueser. Fowley, em sua rouquidão espasmódica, faz lembrar o canto de Dr. John, só que bem mais endemoniado. Para finalizar, o autor não dá respiro e convoca os deuses negros do blues californiano para um encerramento contagiante. Guitarras extasiadas. Piano estraçalhando acordes. Baixo suingado. Canto performático.
Fowley, morto em 2015, vítima de um câncer na bexiga, definitivamente não veio para explicar e, sim, para confundir. Controverso e polêmico, haja vista as desavenças com Joan Jett e acusações de abuso sexual que pesavam sobre ele por parte das The Runnways, até o final da vida disse tudo o que queria e também desdisse tudo o que queria. Glam, punk, pós-punk, garage, new wave... Para o inferno com todas essas convenções! O negócio de Fowley, conhecido como “lorde do lixo”, era cumpriu a ingrata missão dos roqueiros de verdade neste mundo. Mundo que talvez não os mereça, mas eles, homens maus como Fowley, contrariam e rolam suas pedras musicais mesmo assim. O mundo que aguente tamanha grosseria. E poesia.
FAIXAS:
OUÇA O DISCO:
sexta-feira, 12 de julho de 2019
Quando o rock encontrou a bossa nova
A semana é de rock, cujo alucinante e revolucionário ritmo é comemorado dia 13, mas o que marcou mesmo esses últimos dias foi a perda da maior referência da bossa nova, João Gilberto, no último dia 6. De modo a contemplar os dois, então, o rock'n'roll e a bossa nova, trago aqui um cruzamento de algo que de muito me instiga: o samba no rock. Como bem classificou Rita Lee: "bossa 'n' roll".
Não é de hoje que os estrangeiros, seja dos Estados Unidos, Europa ou Ásia, morrem de amores por nossa música, especialmente pelo samba – e não tem estilo mais representativo deste ritmo e da música brasileira que a bossa nova, nosso maior produto-exportação depois do futebol. Mas uma coisa é certa: gringo não sabe fazer samba. Não adianta. Eles se esforçam, admiram, veneram, imitam mas não sai igual. Falta ginga, falta sol tropical na moleira, falta melanina, falta pobreza. Sei lá o que, mas falta. E um dos maiores segredos é, justamente, a batida do violão de João. Se muito brasileiro não entende, imagina eles.
O que não quer dizer, entretanto, que não saia legal o que eles fazem. Essas assimilações culturais e troca de percepções me agradam, ainda mais considerando um mundo cada vez mais conectado e de acesso fácil a conteúdos antes apenas nichados.
Mas mesmo assim – e aí que está a graça – um samba feito por alguém de fora tem uma cara diferente. Não raro, sai um troço quadrado, sem molho ou, pior, confundido com rumba ou salsa caribenhas. Tem, contudo, resultados muito legais, inovadores, globalizados. Visto pelo ângulo deles, os de fora, são contribuições do olhar do estrangeiro, a forma como eles entendem nossa cultura.
Por isso, separei aqui 13 (afinal, trata-se também de rock ‘n’ roll) sambas criados e cantados por quem não nasceu no Brasil e nem se criou aqui. Não sai nada igual ao que João fez, eles mesmos sabem. Mas tentaram e não se saíram mal.
Beastie Boys - “I Don’t Know”
Os Beastie Boys são aqueles caras que evoluíram pra caramba disco após disco, e em “Hello, Nasty”, de 1998, permitiram-se arriscar com esta bossa-nova, que ficou bem bonita. O violão, entretanto, não deixa mentir: tocado com palheta e não dedilhado tal como os mestres do instrumento no Brasil. Yuka Honda, figura claramente importante neste cenário (como boa japa admiradora de MPB que é), participa cantando. A rapaziada se saiu bem.
OUÇA
Beck – “Tropicalia”
Se tem alguém que chegou bem perto de fazer igual aos brasileiros, esse cara se chama Beck. Admirador da MPB, “rato” de loja de disco e, mais do que isso, músico de bom ouvido, em 1998 mandou ver nessa homenagem ao Tropicalismo que tem, até pelas inclusões de funk e elementos modernos, a maior cara do que Caetano, Gil e Cia. Propuseram. A batida do violão, calcanhar de Aquiles pra quem não é daqui, em “Tropicalia” soa perfeito. Podia ser até um Baden ou Macalé tocando.
OUÇA
Tá bem que Towa Tei é parceiro costumeiro de Bebel Gilberto, que certamente lhe deu umas aulinhas de ziriguidum. Mas o resultado da leitura do samba deste músico japonês é recorrentemente admirável e pessoal. Sob a ótica de um DJ calcado nos beats dançantes, o ex-Deee-Lite tem joias como esta do disco "Last Century Modern", de 1999,, em que nem a batida eletrônica é capaz de excluir o repique típico do samba. Linda canção que muito brasileiro jamais seria capaz de compor.
Pode não parecer samba, mas os próprios Stones disseram que a compuseram inspirados no que presenciaram numa vinda ao Brasil. Tá na cara que eles confundiram samba com candomblé, música de ponto, mas não importa se foi numa sessão de batuque ou numa quadra de escola de samba - e sabe-se lá em que estado se encontravam. O importante é que saiu essa pérola, um hino do rock que abre o clássico "Beggars Banquet", de 1969.
Sabe-se lá o que esses malucos da cena proto-punk de Londres ouviram de samba, mas o que saiu foi algo instigante e transgressor como um bom rock deve ser. A música encerra o baita disco "Ptooff!", primeiro deles, de 1967. Nunca o samba soou tão psicodélico e garage band.
Jay Kay e sua turma são talhados em tudo que se refere ao jazz soul dos anos 70, inclusive a brasileira Azimuth. São eles a maior inspiração da Jamiroquai para esta música do celebrado "Travelling Without Moving", de 1996. Sopros e vocal perfeitos, além da percussão bem latina. Mas, convenhamos, também não é samba.
A célebre "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, foi o primeiro grande cartão de visitas da música brasileira pré-bossa nova, e por isso vários músicos daqui e de fora dela se apropriaram. Um deles, Keigo Oyamada, o Cornelius (mais um japonês!), compôs, em 2002, no disco "Point", essa reverência chamada, claro, de "Brazil". Indie eletronic de alta qualidade com a sua cara e, detalhe: domínio do violão como poucos, muito próximo à batida da bossa nova.
Mais um japa, mas não qualquer um, pois estamos falando do genial Ryuichi Sakamoto. O universal músico, conhecedor de perto da MPB e sabedor do que estava fazendo, compôs "Free Trading" em seu discaço "Neo Geo", de 1888. Bossa com toques orientais. Afinal, quem e que disse que samba não pode ter também esse sotaque?
Imagina Paul McCartney ou Brian Wilson caindo no samba? Ia dar em coisa boa certamente. Pois quem fez isso foi Ray Davies, da Kinks – o que significa praticamente a mesma coisa em termos de grandeza. Esta joia chamada “No Return”, do espetacular "Something Else" (1967) - grata lembrança do meu amigo Lucio Brancato -, é bossa nova no melhor estilo, e sem deixar a dever em nada o toque do violão. Os versos são em inglês, mas o som é brasileiríssimo.
Ok, ok, eu sei que é meio “migué” por a Ambitious Lovers nessa lista sendo o Arto Lindsay tão brasileiro quanto norte-americano. Mas considerando que Peter Scherer é inteiramente de lá e que a banda formou-se em Nova York, vale esse “jeitinho brasileiro”. “King”, essa joia do primeiro disco da dupla, “Greed”, de 1988, tempera na medida certa o rock underground e o ritmo das escolas de samba. Coisa de brasileiro - mas americano também.
A visão world music de Brian Eno não o deixaria fazer um samba convencional tal e qual o que ele ouviu aqui pelo Brasil. Ele até saberia, mas iria de fato resultar em algo reprocessado e personificado. Melhor exemplo é “Kurt's Rejoinder”, essa “samba de plástico” do brilhante álbum “Before and After Science”, de 1977.
Gabriel Yared - "Chili con Carne"
Para fechar, outros que há muito se rendem à música brasileira são os franceses. Na trilha sonora clássica do cult movie dos anos 80 "Betty Blue" o compositor Gabriel Yared versou a canção-tema, entre outros ritmos, também para a bossa nova. C'était magnifique!
OUÇA