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domingo, 9 de janeiro de 2022

DOSSIÊ ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2021




O velho Wayne de olho no trono dos Beatles
Chegou a hora da verdade! A hora dos número. Mais um ano se foi e é chegada a hora de fazer aquele habitual levantamento dos álbuns que entraram para a seleta galeria dos Fundamentais do Clyblog. Lembrando sempre que, na verdade, a seção não tem por objetivo promover disputa ou qualquer tipo de comparação entre artistas e obras, mas a gente mesmo fica curioso para saber quais as marcas e quantitativos e aí, então, levantamos e, em forma de ranking, passamos para vocês. 

2021 foi o ano do jazz nos ÁLBUNS FUNDAMENTAISÁLBUNS. Das 29 obras destacas na nossa seção de discos, 11 foram do refinado estilo norte-americano. Se aproveitando desse predomínio, neste período, o craque Wayne Shorter encostou definitivamente no pessoal de cima. Ainda não alcançou os Beatles, que continuam liderando, mas, junto com seu companheiro de sopro, Miles Davis, que também chegou nas cabeças, já começam a botar uma certa pressão nos rapazes de Liverpool. A propósito da Terra da Rainha, curiosamente no último ano, não tivemos NENHUM artista britânico teve discos incluídos na nossa seção. as ações ficaram basicamente divididas entre norte-americanos e brasileiros, com destaque para o primeiro japonês na lista, o versátil Ryuichi Sakamoto.

No que diz respeito aos brasileiros, Caetano Veloso que dividia a liderança com Jorge Ben, agora toma a frente isoladamente por conta pela participação no disco "Brasil", com João Gilberto, Bethânia e Gilberto Gil. Mas  a disputa está tão apertada quanto no internacional e qualquer disco aqui, disco ali, no ano que chega, pode mudar o panorama.

Entre as décadas com mais obras mencionadas, os anos 70 continuam imbatíveis, embora o ano que aparece mais vezes seja o de 1986. Chama atenção que cada vez mais é inevitável que seja reconhecida a qualidade e se projete a relevância de trabalhos recentes, o que faz com que venham aparecendo com mais frequência, em maior número e cada vez mais fresquinhos, como foi o caso do recém lançado "Carnivore", do Body Count, que mal nasceu  e já figura entre os melhores.

Então, vamos aos números que é o que interessa. Chegou a hora da verdade!


  • The Beatles: 6 álbuns
  • David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e John Cale*  **: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Lee Morgan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, Body Count, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 6 álbuns*
  • Jorge Ben: 5 álbuns **
  • Gilberto Gil*  **: 5 álbuns
  • Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
  • Gal Costa, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto*  ****: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns 

*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
**** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 19
  • anos 60: 96
  • anos 70: 138
  • anos 80: 116
  • anos 90: 89
  • anos 2000: 13
  • anos 2010: 15
  • anos 2020: 2


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 22 álbuns
  • 1977: 19 álbuns
  • 1969 e 1985: 17 álbuns
  • 1967, 1972, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
  • 1968 ,1970 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1971, 1979, 1980 e 1991: 14 álbuns
  • 1965, 1975 : 13 álbuns
  • 1965 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1964, 1966, 1987,1989, 1990 e 1994: 11 álbuns cada
  • 1978: 10 álbuns



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 192 obras de artistas*
  • Brasil: 139 obras
  • Inglaterra: 114 obras
  • Alemanha: 9 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
  • Japão, País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Música da Cabeça - Programa #233

 

Você, meu amigo e minha amiga, que não se representa nas mentiras ditas boca afora na assembleia da ONU, saiba: aqui você é representado. Não só você, mas também quem está com a gente na edição de hoje: Towa Tei, Philip Glass, Carole King, Roberto Carlos, Led Zeppelin e mais. Também tem uma homenagem aos 100 anos de Zé Keti e um "Cabeça dos Outros" com Jamiroquai. Representando a verdade, o MDC de hoje, 21h, vai ao ar na representativa Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues

E não deixem de votar no Música da Cabeça (Programa de Rádio) e em Daniel Rodrigues (Apresentador de Rádio) para o Prêmio Press! www.revistapress.com.br/premiopress/


Rádio Elétrica:

http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Philip Glass - "Glassworks" (1981)

 

“’Glassworks’ foi meu álbum de estreia em uma grande gravadora. Esta música foi escrita para o estúdio de gravação, embora várias peças logo tenham entrado no repertório do Philip Glass Ensemble. Uma obra de seis ‘movimentos’, ‘Glassworks’ pretendia apresentar minha música a um público mais geral do que estava familiarizado com ela até então”.
Philip Glass

O início dos anos 80 foi ao mesmo tempo desafiador e marcante para o compositor, pianista e maestro norte-americano Philip Glass. Reconhecido como um dos principais autores da esfíngica música contemporânea, o cara já tinha composto de um tudo àquelas alturas e nos mais variados formatos: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata e estudos, de instrumentos solo à grande orquestra. Entretanto, quanto mais produzia, mais parecia afastar-se do gosto comum. Na mesma proporção que quebrava barreiras da música tonal secular, mais seu trabalho se tornava complexo e intelectualizado. Duas de suas mais celebradas obras, “Music in 14 Parts“ (1971-74) e “Einstein on the Beach” (1976), por mais revolucionárias e arrojadas que sejam até hoje – não raro, servindo de influência para grupos de rock –, eram impossíveis de serem executadas no rádio, visto que têm, respectivamente, 4h e 3h20min de duração cada. Como sorver, então, ideias que às vezes soavam demasiado complexas ou até inaudíveis aos ouvidos populares? A resposta veio com “Glassworks”, de 1981.

Havia, entretanto, um bom caminho pelo qual Glass precisaria percorrer para desfazer a imagem de “cabeção”. Nascido em Baltimore, em 1937, estudou, nos anos 60, na Universidade de Chicago, na Juilliard School e em Aspen com Darius Milhaud. Tudo que qualquer músico adolescente e em formação gostaria, certo? Não para o subversivo Glass. Aspirando outras dimensões sonoras, como seus contemporâneos Terry Riley e Steve Reich, as vias tradicionais não lhe bastavam. Insatisfeito com grande parte do que então se passava na música moderna, não via em nada daquilo algo que compreendesse as referências a Stockhausen, Boulez, Cage e Lou Harrison, mas também ao rock, ao jazz e à música do Oriente. Mudou-se, então, para a Europa, onde estudou com a lendária pedagoga Nadia Boulanger (que também ensinou Aaron Copland, Virgil Thomson e Quincy Jones) e trabalhou em estreita colaboração com Ravi Shankar. Retorna a Nova York em 1967, aí sim sabendo o que queria: formou a famosa Philip Glass Ensemble – formada por sete músicos, ele aos teclados, e uma variedade de instrumentos de sopro, amplificados e alimentados por um mixer – e mudou para sempre a forma como se percebe música no Ocidente.

O novo estilo musical que Glass forjou acabou sendo apelidado de "minimalismo", termo ao qual o próprio nunca gostou. Ele prefere chamar-se de um compositor de “música com estruturas repetitivas”. Baseado na reiteração extensa de fragmentos melódicos breves e elegantes que se entrelaçam e saem de uma tapeçaria auditiva, sua música imerge o ouvinte em uma espécie de clima sônico que torce, gira, circunda e se desenvolve. Sua técnica composicional própria de variações engendra uma mudança rítmica constante, somando ou substituindo notas, e fazendo com que segmentos de uma frase se repitam para criar múltiplas dela mesma – duas, três, quatro, cinco, seis vezes – antes de se contrair a dimensões novamente administráveis, o que estabelece, igualmente, relações harmônicas muito peculiares. 

Porém, passadas quase duas décadas desde que se tornara um dos principais nomes de sua geração, Glass permanecia admirado pela crítica, mas um ilustre desconhecido. Até na música pop ele havia se ensaiado. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, Glass “apadrinhou” junto com este a new wave Polyrock, a quem produziu e fez participações. Dizem nos bastidores que o cérebro da banda era ele e não os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação do art rock da Polyrock com a sua música, quase uma versão baixo-guitarra-bateria-teclados do minimalismo glassiano. Porém, seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. Glass continuava, assim, na mesma encruzilhada – mas queria sair dela.

Foi então que Glass matutou, matutou e percebeu que o negócio era recorrer, exatamente, ao conceito daquilo que sua própria música continha em abissal quantidade: a síntese. Primeiro compositor desde Copland a ingressar no selo CBS Masterworks devido a seu prestígio, Glass não quis deixar essa oportunidade escapar para, enfim, se comunicar com um maior número de pessoas. A sacada foi condensar suas ideias em pequenos temas, como “peças performáticas” curtas em que conseguisse resumir suas intenções estético-filosóficas e preservasse a qualidade emocional proposta. Nasceu, assim, “Glassworks”, um sucesso de vendas para os padrões da música erudita, que celebra 40 de seu lançamento em 2021.

Capa da caixa "Glass Box", de 2008,
que conta com toda a obra de Glass
até então, incluindo "Glassworks",
em foto clássica de Chuck Close
Em apenas seis “movimentos”, as “‘Glassworks’ são uma excelente introdução às sonoridades nítidas e pesadas, densamente embaladas, padrões que mudam lentamente e fluxo linear aparentemente imparável deste aspecto importante da música contemporânea”, como bem definiu a Gramophone Magazine. A partir deste trabalho aparentemente menos expressivo se comparado com formatos grandiosos como a sinfonia e a ópera, Glass extraiu inúmeras vezes melodias, acordes, estruturas, trechos e combinações para outras de suas obras, fosse em cinema, câmara e performance ou, até mesmo, sinfonias e óperas. Nelas, Glass produz células sonoras maleáveis e adaptáveis, como um laboratório musical próprio, da qual seguidamente recorre a fórmulas já prontas para recriações em infinitas possibilidades plásticas. 

Metalinguístico, “Glassworks” abre com a lírica “Opening”, certamente uma das mais belas composições de todo o vasto cancioneiro do compositor. De uma intrincada construção, que conjuga curtos fluxos de cinco acordes do piano em compasso um ternário, “Opening” cria uma atmosfera onírica e etérea incomum, como se Chopin resolvesse inventar uma fantasia para aplicar hipnose. Capaz de alterar os sentidos, não à toa a música serve de base para “Truman Sleeps”, da trilha do filme “O Show de Truman” (1998), cuja trama percorre, justamente, os caminhos do inconsciente. 

Já “Floe” é uma das mais utilizadas pelo próprio Glass em obras subsequentes suas. Impossível não lembrar de “Something She Has to Do”, da trilha de “As Horas” (2003), da trilha sonora de “A Fotografia” (2000) ou da ópera ‘Akhnaten” (1983). Sua estrutura rítmica hipnótica parece colocar quem escuta numa corrida em alta velocidade em que as imagens vão se passando em frente aos olhos rápida e repetidamente. Como lhe é característico, porém, Glass vai construindo seus elementos sonoro-sensitivos aos poucos, e quando se percebe já se está distinguindo da massa sonora (composta por 2 flautas, 2 sax soprano, 2 sax tenor, 2 trompas e sintetizador) um saxofone, que emite notas em clara dissonância com o restante, como se, depois da vertigem, percebesse que podia admirar aquela transformadora viagem. A noção de tempo, característica central da música de Glass tanto no sentido formal quanto cronológico e, por conseguinte, estético-filosófico (além de ser um dos motivos que o aproximam do cinema, cuja linguagem lida com a passagem temporal permanentemente), se estabelece de uma maneira muito peculiar em temas como “Floe”. Em contrapartida, porém, são capazes de gerar uma série de subjetividades. É através da noção de rapidez que se percebe o quanto o tempo depende da perspectiva – material ou imaterial – de quem observa.

“Islands” é outra largamente usada por Glass em outros projetos, haja vista temas como “Tearing Herself Away” ou “Sheba & Steven”, das trilhas sonoras de “As Horas” e “Notas Sobre um Escândalo” (2006), respectivamente. Ambas iguais à sua melodia, só que com leves diferenças em andamentos, tempos e notas, que muito lembram o tema de outra trilha clássica do cinema, “Vertigo”, composta por Bernard Hermann, com sua construção cíclica que provoca uma sensação de espiral, muito propícia, não à toa, a trillers de cinema como os vários para os quais Glass escreve trilhas.

Com um conjunto de madeiras, metais e sintetizador, “Rubric” formula um jorro sonoro motorizado difícil de apreender – mas extasiante de se ouvir. Próprio da música de Glass, seu sistema de ostinatos rítmicos (motivos ou frases musicais sempre repetidos) funciona de modo a provocar uma sensação instintiva de aflição, o que explica ter usado tal expediente nos terceiros e quartos movimentos de sua “DancePieces” (1987) ou para uma das sequências de “Koyaanisqatsi” (1982) que mostram as vertiginosas cenas das multidões das metrópoles em velocidade mais acelerada que a realidade, mas metaforicamente próxima da vida frenética da sociedade capitalista. Novamente, a questão do tempo. Alex Ross, em seu essencial livro “O Resto é Ruído - Escutando o Século XX”, ao descrever essa característica fundamental dos minimalistas, diz saborosamente o seguinte: “Evocam a experiência de dirigir um automóvel por um deserto vazio, as repetições em camadas da música refletindo repetindo as mudanças que o olho percebe – sinais da estrada, uma cadeia de montanhas no horizonte, o som grave e contínuo do asfalto sob os pneus”.

Encaminhando-se para o fim, “Façades” reduz o ritmo de modo a facilitar a captação do ouvido. E se na anterior, assim como em “Floe”, o som eletrônico prevalece, aqui, tal “Opening”, a matriz sonora é basicamente orgânica através das violas e cellos. O andamento adagio carrega um ar de suspense, suave e imponente. Entra um solo pronunciado e de registro estendido de um sax, elegante em suas plasticidade e severidade. Sem pressa, aproveitando cada segundo de desenvolvimento, cada som emitido. Junta-se outro sax ao primeiro, que, em jogos de volumes e tempos, articula um duo. Coisa da cabeça de um gênio. Estrutura vista posteriormente em várias de suas trilhas sonoras cinematográficas, como para os filmes “Janela Secreta” (2004) e “O Ilusionista” (2006), mas também em peças como “Songs from Liquid Days” (1986) e a “Sinfonia nº 7” (2005).

Delicada e rigorosa, “Façades” abre caminho para, mais uma vez metalinguisticamente, Glass fechar, exatamente, com “Closing”. Trata-se da versão forjada para cordas e madeiras para a inicial “Opening”, mas que muito bem se adapta a conjuntos sinfônicos, fazendo com que até nisso “Glassworks” tenha servido de célula-base para outros projetos que o músico viria desenvolver, a exemplo das orquestrações das sinfonias “Low” e “Horoes” (1996) – criadas sobre a obra de David Bowie e Brian Eno –, temas como o do filme “Hambuerger Hill” (1987) ou óperas como “Galileo Galilei” (2001).

De uma obra gigantesca em quantidade e importância, Glass tornou-se, principalmente após “Glassworks”, um raro pop star da música clássica. O que talvez explique o agrado a gregos e troianos é o fato de, mais do que comunicar-se com outras formas artísticas - principalmente o cinema, que tanto lida com as emoções das pessoas -, a sua arte tem uma profunda relação com a essência da natureza. Os átomos, as células, a vida interna dos seres e das coisas emana dos sons que produz, quase numa leitura hinduísta de vida e morte, de nascer e renascer, de comunhão entre opostos. Talvez por isso sua música tenha tamanha identificação com elementos elementares da existência, como o tempo e o espaço. Na prática, a penetração do estilo glassiano está em qualquer propaganda de automóvel minimamente premium ou comerciais institucionais dos mais diversos tipos de produto. O mais impressionante é que Glass conseguiu isso fazendo o inverso do que geralmente é comum aos estetas: ao invés de desvelar uma obra mais ampla em excertos para outras menores, foi, justamente, da mais enxuta (as “Glassworks”, somadas, não passam de 41 min), que melhor destrinchou elementos essenciais para toda uma musicografia – viva, pulsante e profícua. Mais do que um gênio da música, Glass é um sabedor da arte da abreviação. 

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FAIXAS:
1. “Opening” - 6:25
2. “Floe” - 5:59
3. “Islands” - 7:40
4. “Rubric” - 6:05
5. “Façades” - 7:21
6. “Closing” - 5:59
Todas as composições de autoria de Philip Glass

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OUÇA O DISCO

Daniel Rodrigues

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Música da Cabeça - Programa #222

 

Vamos combinar: 222 não é número cabalístico, mas que dá uma boa impressão, dá. O ducentésimo vigésimo segundo MDC vem cheio de boas e variadas impressões, passeando do samba de Paulinho da Viola ao minimalismo de Philip Glass; do gothic punk da Bauhaus ao jazz-soul de Ed Motta. Isso, ainda contando com os quadros "Cabeça dos Outros", "Música de Fato" e "Palavra, Lê", todos impressionantemente musicais. Vai circular hoje o nosso expresso 222, que parte às 21h direto de Bonsucesso para a Rádio Elétrica. Produção, apresentação e pós-ano 2000: Daniel Rodrigues. (#JailBolsonaro #ImpeachmentJá)


 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Música da Cabeça - Programa #195

 

Se a pandemia cortou o barato até de se ouvir os fogos de fim de ano, não tem outra: o negócio é ouvir o MDC desta semana. No último programa de 2020, vai ter som muito melhor do que estouro de bomba. Saca só: tem Deee-Lite, Criolo, Tonho Crocco, Beach Boys, Philip Glass, Velha Guarda Da Portela e mais. No "Palavra, Lê" a gente ainda relembra Aldir Blanc, que partiu neste ano sem fogos. Mas também de muito MDC, como o de hoje, às 21h, na espoucante Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. #Feliz2021 e, antes que me esqueça: #ForaBolsonaro


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Lou Reed & John Cale - "Songs for Drella" (1990)


“Lou e eu tivemos uma conversa, e se tornou muito mais importante expor o que nós dois tínhamos [de relação com Andy Warhol], criando um show com apenas duas pessoas no palco, para que todos vissem nossa história. Achei que era mais importante – quase mais importante do que a música”.
John Cale

“O que você experimenta por meio desse registro é o relacionamento entre nós e Andy. Não se trata apenas de Andy; não é apenas, ‘oh! ele fez isso, ele fez aquilo’. Quando você experimenta ‘Drella’, é sobre John e eu, é sobre mim e Andy, e é sobre John e Andy. Queremos que você conheça melhor Andy Warhol, que você o sinta como John e eu o sentimos, para que você possa vivenciar a presença dessa pessoa única e incrível e se aproximar dela.” 
Lou Reed

Há quem contradiga o ditado de que “dois raios não caem no mesmo lugar”. Se for considerar a parceria entre Lou Reed e John Cale, essa máxima realmente não se aplica. Tanto pela raridade do fenômeno quanto por sua fugacidade, em todas as ocasiões em que os dois estiveram juntos ao longo de quase quatro décadas, o céu proporcionou um espetáculo irrefreável de belezas, mas também não demorou a se precipitar com violência. E isso, não apenas uma, mas duas, três vezes pelo menos. Tal como forças da natureza semelhantes e intensamente fortes, não suportam uma a outra pela tamanha atração que exercem entre si, repelindo-se mutuamente tão logo realizem seu feito. 

Foi assim com Reed e Cale desde sempre. Dois dos maiores talentos de sua geração de prodigiosos jovens artistas nascidos no pós-Guerra, são figuras essenciais para a cena da contracultura nova-iorquina, que mudou os rumos da vida social na segunda metade do século XX. Isso, contudo, não impediu que as desavenças se manifestassem. Pelo contrário, era-lhes como dar mais munição. Já na Velvet Underground, histórica banda que cofundaram com Moe Tucker e Sterling Morrison nos anos 60 e espinha dorsal do rock junto a Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones, isso já acontecia. Mesmo com a alta sinergia artística que os unia e os colocava como o principal núcleo criativo do grupo – capaz de inventar algumas das mais elevadas obras da música contemporânea, como “Heroin”, “Venus in Furs” e “Sister Ray” –, as diferenças falavam mais alto do que as semelhanças. A Velvet continuou com Reed até este partir para sua própria carreira no início dos anos 70, mas Cale, incomodado com o parceiro, não suportou mais do que dois discos e saltou fora um ano após a estreia no clássico "Disco da Banana" para voos solo e na produção musical.

Já veteranos, os integrantes da banda promoveram uma nova aproximação somente 25 anos, em 1993, para o memorável show “Live MCMXCIII”. A turnê comemorativa, que vinha emocionando fãs por onde passava, entretanto, mal havia começado e teve de ser subitamente interrompida por causa de brigas entre os dois líderes. De novo os iluminados raios se chocavam e faziam fechar o tempo, transformando a situação festiva em um dilúvio de ferozes descargas elétricas.

A Velvet com Nico: apadrinhados por Andy
Somente um milagre da natureza para fazer com que tanto talento (e ego) pudesse permanecer minimamente em harmonia por algum tempo, mesmo que curto, sem que se provocasse imediatamente mau-tempo. Esse milagre tinha nome e lhes era um velho conhecido desde os tempos das performances multimídia da Exploding Plastic Inevitable, nos primeiros anos da Velvet. Chamava-se Andy Warhol. Fazia já três anos que o pai da pop art e padrinho artístico da turma havia dado adeus, deixando neles uma sensação de dívida para com a figura que, junto com eles – mas também abarcando-os –, havia transformado os cânones da cultura mundial para sempre com sua proposta artística ousada e conectada com a pós-modernidade. No entanto, ainda precisou que um segundo raio teimasse em se lançar no mesmo ponto: praticamente um ano depois, a cantora e modelo alemã Nico, parceira do histórico primeiro disco da Velvet e musa musical de Cale por vários anos, também morria. A despedida de Nico, que dera voz a alguns das principais composições da dupla, como “All Tomorrows Parties” e “Femme Fatalle”, deixou a Cale e Reed mais do que evidente que aquele 1990 lhes trazia um aviso do firmamento. Sim, precisavam unir-se. Foi então que, entre tempestades e quietações, nasceu “Songs for Drella”, o qual completa 30 anos de lançamento.

Precavidos do próprio histórico, a combinação foi a seguinte: por três meses, os dois – e somente os dois –, suportariam o confinamento e baixariam a cabeça para comporem conjuntamente um repertório inteiramente novo em memória a Andy. Três meses apenas. O que talvez seja muito pouco tempo para alguns, foi mais do que suficiente para que os conflituosos, mas não menos experientes e afinados companheiros, compusessem uma obra-prima única em vários aspectos. A começar pela ocasião em si, para a qual Reed e Cale conceberam também algo especial, uma vez que sabiam da responsabilidade que lhes cabia: somente eles podiam cumprir aquela tarefa. Embora a vastidão da influência de Andy para a arte, estabelecendo nesta um "antes" e um "depois" de si, eram Reed e Cale seus verdadeiros herdeiros na música. Por isso, entendiam que a homenagem a Andy pedia pompas. Afinal, somente um indivíduo ímpar na humanidade poderia juntar Drácula com Cinderella (daí, o apelido “Drella”). Com isso, “Songs” saiu não apenas um disco, mas uma ópera-rock, que respeita toda a estrutura clássica tal como o rock havia incorporado ao narrar uma história de apogeu e miséria e final necessariamente trágico. Outra excepcionalidade é ter apenas os dois no recinto tocando, cantando, gravando, mixando e produzindo a si próprios. O resultado é um disco de sonoridade minimalista mas altamente expressiva, em que não há percussão, sopros, orquestra ou outras vozes, apenas as cordas vocais dos dois falando pela de Andy e intercalando-se e a de seus instrumentos: guitarras, baixo, viola e piano/teclados.

Cale, Reed e Andy em 1976: relação antiga e muito cúmplice

Para narrar a trajetória de Andy, Cale e Reed determinam, então, 15 movimentos em que se ouvem a sofisticação do art rock, a fúria do punk, a ousadia da vanguarda, a tradição clássica europeia e o palpável da canção pop. Tudo que Andy lhes legou em ideias e conceitos, desde a Velvet até as suas carreiras solo, era revisado e revisitado de forma altamente madura e concisa, mas também emocional e devota. Num teor erudito, a provocativa “Smalltown” começa como uma espécie de minueto ternário em allegro em que a voz de Reed faz resgatar o desejo do jovem Andy antes de mudar-se para a cosmopolita Nova Yprk nos anos 50. Gay, estranho e totalmente deslocado em sua Pittsburgh natal, ele tinha uma única certeza: a de que queria sair dali. “De onde é que Picasso vem/ Não há Michelangelo vindo de Pittsburgh/ Se a arte é a ponta do iceberg/ Eu sou a parte mais ao fundo“. 

A percepção de que o destino de Andy era mudar os padrões da sociedade começa a ser desenhada a partir do momento em que ele pisa na Big Apple, mais precisamente quando “abre a casa” na 81st Street, em Manhattan, para receber toda a fauna de artistas e doidões de uma Nova York em plena ebulição criativa. Era a Factory, seu lendário estúdio de onde a arte ocidental entrou de um jeito e saiu de outro para nunca mais ser a mesma. A dupla dá a este momento ares litúrgicos e ambientais, mas ao mesmo tempo recorre ao minimalismo nas três notas repetidas que formam o núcleo melódico de "Open House", o mesmo que usaram em "Waiting for the Man", outra sua do repertório da Velvet. 

Enquanto Cale canta a busca de Andy por patrocínio junto aos mecenas endinheirados, a quem apresenta um portfólio com suas embalagens de Brillo e uma tal banda chamada Velvet Underground (“Style It Takes”), Reed, na sequência, sob um ruidoso e minimalista rock, traz o artista em atividade (“Work”) fazendo lembrar o som hipnótico e sequencial de contemporâneos de anos 60, mas estes, da cena avant-garde da Califórnia, Philip Glass e Steve Reich. Logo começam, entretanto, os problemas. “Trouble With Classicists”, numa melodia neo-renascentista quase declamada por Cale, traz as idiossincrasias entre a arte moderna e classicismo, bem como o embate com os críticos.  

A efervescência nova-iorquina agora está nas veias de Andy. A intensa “Starlight”, com as guitarras distorcidas de Reed e o toque atonal do piano de Cale, fala da casa LGBT que abrigou seus pares: Ingrid, Viva, Little Joe, Baby Jane, Eddie S. “Starlight aberto/ Luz das estrelas abre sua porta/ Isso se chama Nova York/ Com filmes na rua/ Filmes com pessoas reais/ Que você recebe é o que você vê”. Desses personagens reais surgem as famosas fotografias e serigrafias como as que imortalizou de Marylin Monroe, Elvis Presley ou Truman Capote. O genial e inquieto rapaz do interior agora se encontra totalmente consigo mesmo. Criador e criaturas se homogeneízam. Para Andy, cantado no elegante timbre de Cale numa das mais brilhantes do disco, “rostos e nomes são tudo a mesma coisa”. Kitsch, celebridades, sexo, drogas, noite, ruas. Em "Faces and Names" a arte sai pelos poros, seja pela pintura, cinema, teatro ou música. São os “15 minutos de fama” e muito mais. Andy, no auge, prossegue formando novas figuras, como Reed canta noutra maravilha de “Songs”, “Images”. A viola ao estilo La Monte Young de Cale e a guitarra com efeitos de pedal de Reed formam um corpo dissonante só para registrar que, além do figurativo, o abstrato também integra o repertório pictórico do artista visual. 

A dupla em 1990 na rara
reunião para homenagear
o pai da pop art
Tanta exposição resulta na primeira grande crise, fato presente nas cinco faixas seguintes, que é a tentativa de assassinato que Andy sofreu da feminista radical Valerie Solanas, a qual se sentira ofendida com ele em razão de um desacerto profissional. A melodiosa “Slip Away (A Warning)” fala justamente do conselho de amigos para que fizesse o movimento inverso do que vinha procedendo: ao invés de “open house”, fechar seu estúdio. Pressentimento do pior. A barra segue pesada com “It Wasn't Me”, em que Andy tenta convencer Solanas a não se suicidar e de que ele não tinha culpa. O tiro, literalmente, saiu pela culatra: em 3 de junho de 1968, ela invade a Factory armada e desfere três tiros contra Andy, o que lhe deixou sequelas físicas e emocionais para o resto da vida. “I Believe”, outra ótima, narra com detalhes e urgência a cena do atentado, da chegada dela ao local à agonia de Andy no hospital. Solanas, que passou três anos na prisão pelo ocorrido, morreria 14 meses depois de Andy (e dois antes de Nico) em abril de 1988.

O belo country “Nobody But You” versa ainda sobre o traumático episódio (“Eu realmente me importo muito/ Embora pareça que não/ Desde que eu fui baleado/ Não há ninguém além de você”), encaminhando o musical para um desfecho, como se sabe, melancólico como em todas as óperas. Na discursiva e etérea “A Dream”, Cale traz sua veia new age e neoclássica captada junto a outros parceiros, como Terry Riley, Brian Eno e Kevin Ayers. A letra é um fluxo de pensamento de Andy, cuja descrição de um sonho traça um panorama de vários momentos de sua biografia: os primeiros anos, a Velvet, pessoas de convivência, a amizade com Reed e Cale, o incidente na Factory e as feridas que a vida lhe trouxe. A indagação: “Puxa, não seria engraçado se eu morresse neste sonho antes que eu pudesse inventar outro?”, quase ao final da faixa, denota o pressentimento de que os últimos traços de um artista sublime estavam sendo dados. 

A arquitetura narrativa de “Songs” - que mantém um exemplar equilíbrio entre densidade e leveza, tonalismo e dissonâncias, agitação e calmaria, classicismo e vanguarda, agressividade e lirismo - surpreende mais uma vez na virada da contemplativa e extensa “A Dream” para o blues ultramoderno “Forever Changed”, talvez a mais impactante de todo o álbum. Ciente da proximidade da morte, Andy compreende igualmente a sina de todo grande artista: a permanência do seu legado. “Eu fui”, mas tudo “mudou para sempre”. A consciência da eternidade. Se Cale emenda as duas anteriores, é Reed quem tem o privilégio de desfechar este réquiem. Isso porque, ao invés de prosseguirem a narrativa na terceira pessoa, como que falando pela voz de Andy, são as próprias palavras de Reed que compõem a letra de“Hello It's Me” numa emocionante carta de despedida. “Andy, sou eu, não te vejo há um tempo/ Eu gostaria de ter falado mais com você quando você estava vivo”, abre dizendo na singela balada, mais uma como “Femme Fatale” e “Sunday Morning” composta pelos dois em meio aos vários proto-punks raivosos e sinfonias ruidosas dos tempos de Velvet. 

Terminada a gravação, também não durou muito a turnê de “Songs”. Após algumas apresentações, Cale e Reed separaram-se novamente, como raios excelsos que entram em choque depois de mal se aproximarem. A última ocasião, o reencontro da Velvet, três anos dali, foi sentenciada com a partida de Sterling Morrison dois mais tarde e a do próprio Reed, em 2013. Antes da tormenta, contudo, o tempo colaborou para que registrassem este impecável e sui generis disco, que evidencia o quanto figuras como Andy Warhol fazem falta sempre. E por quê? Porque, como um Michelangelo, um Mozart, um Picasso, um Shakespeare, ícones revolucionários invariavelmente deixam lacunas impreenchíveis, simplesmente. Ouvir “Songs” hoje, a três décadas de seu lançamento, dá a dimensão do que existências como as de Andy, Reed, Nico e Morrison significam depois que partem e da importância dos que ficam, como Cale e Moe. Raios muito raros que, incrivelmente, caíram no mesmo lugar. Justo por isso que o disco tenha se concluído com estes versos: “Bem, agora Andy, acho que temos que ir/ Espero de alguma forma que você goste deste pequeno show/ Eu sei que é tarde, mas é a única maneira que eu sei/ Olá, sou eu/ Boa noite, Andy”.

Show de "Songs for Drella", de Lou Reed e John Cale (1990)


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FAIXAS:
1. “Smalltown” - 2:03
2. “Open House” - 4:16
3. “Style It Takes” - 2:54
4. “Work” - 2:36
5. “Trouble With Classicists” - 3:40
6. “Starlight” - 3:26
7. “Faces And Names” - 4:11
8. “Images” - 3:28
9. “Slip Away (A Warning)” - 3:04
10. “It Wasn't Me” - 3:29
11. “I Believe” - 3:17
12. “Nobody But You” - 3:44
13. “A Dream” - 6:33
14. “Forever Changed” - 4:49
15. “Hello It's Me” - 3:03
Todas as composições de autoria de Lou Reed e John Cale

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OUÇA O DISCO:





Daniel Rodrigues

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Música da Cabeça - Programa #159


Todo mundo que parou para dar pelo menos uma espiada no One World, hoje é convidados para fazer o mesmo, só que com o Música da Cabeça. E nosso cast de participantes não deixa nada a desejar pro evento da Lady Gaga! Confere: Milton Nascimento, Robert Johnson, Ratos de Porão, Philip Glass, Jorge Ben Jor, Bob Marley e mais. Tem ainda "Cabeção" com a eletro-indie Bent, mais "Música de Fato" e "Palavra, Lê". O MDC não é live, mas tá vivinho da silva na Rádio Elétrica, às 21h. Produção, apresentação: Daniel Rodrigues. #togetherathome


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Aimee Mann – “Magnolia – Music from the Motion Picture” (1999)



Acima, a capa original, de 1999,
e, abaixo, com os sapos,
da reedição de 2018.

“Aimee Mann é uma cantora e compositora maravilhosa. Provavelmente devo a ela uma tonelada de dinheiro pela inspiração que ela teve neste filme.” 
Paul Thomas Anderson

Esta resenha bem que podia ser sobre o filme. De certa forma é, haja vista que é impossível dissociar, neste caso, filme e trilha. Embora comum a associação entre imagem e música no cinema, nem sempre um resultado tão afinado como este acontece. Tem, claro, as trilhas clássicas, aquelas que basta ouvir meio acorde para lembrar do filme, caso do que John Williams fez com “Tubarão” e a saga “Star Wars” ou Nino Rota para com a trilogia “Chefão”. Igualmente, “Koyaanisqatsi”, dirigido por Godfrey Reggio e musicado por Philip Glass, é assim, mas num nível diferente, haja vista que, para tal, a criação da imagem depende da música para tomar forma e vice-versa. Com “Magnolia”, cuja trilha é escrita pela cantora e compositora norte-americana Aimee Mann, entretanto, essa relação é diferente. A ligação da canção com as imagens do filme se dá num estágio mais sensível de entendimento, tornando-se, por esta via, parte essencial da obra de uma maneira bastante subjetiva e profunda.

Assisti “Magnolia” no ano de lançamento, 1999, cujos 20 anos decorridos só o engrandeceram. O então jovem diretor Paul Thomas Anderson, grande revelação do cinema alternativo dos Estados Unidos dos anos 90 junto com Quentin Tarantino, vinha do ótimo “Jogada de Risco” e da obra-prima “Boogie Nights”. O aguardado “Magnolia”, cujas notícias a respeito davam conta de que trazia um elenco estelar, como Tom Cruise numa atuação elogiadíssima, Juliane Moore, idem, Philip Seymour Hoffman afirmando-se como um dos maiores de sua geração, entre outros destaques, carregava a expectativa de que o cineasta se superasse. E foi o que aconteceu. A trama coral ao estilo Robert Altman, que amarra como sensibilidade a vida de vários personagens, nos deixava boquiabertos e cientes de que estávamos presenciando um novo marco do cinema.

Mas o que aumentava ainda mais essa sensação era a trilha sonora de Aimee, a qual concorreu ao Oscar daquele ano na categoria Canção Original. Responsável por pontuar toda a narrativa, a música composta por ela cumpre o papel de atar a história, contando-a através de sons e poesia. Mas isso não é tudo, visto que a música é tão presente e embrenhada com a história que acaba sendo mais um personagem. São nove preciosidades de um pop cristalino entre o folk e o indie que, além de cumprir a função de banda sonora, funciona perfeitamente como um disco independente do filme que o inspirou. Dá para ouvir “Magnolia” e se deliciar tão somente com a qualidade musical que contém. Contribui para isso também o fato de todas as músicas terem cada uma sua melodia e universo, sem valer-se da comum prática de trilhas sonoras de se desenvolverem variações sobre um ou dois temas musicais centrais para várias faixas.

Mesmo que a audição do disco possa ser aproveitada a qualquer momento, é impossível a apaixonados pelo filme como eu dissociar sua música da memória imagética, pois a trilha faz se transportar para as cenas a cada faixa. Exemplo disso é o tema de abertura tanto do disco quanto do filme: a precisamente intitulada “One”. A quem, como eu, não vem à mente a imagem da flor se abrindo em alta velocidade e os letterings do título aparecendo na tela com a voz de Aimee cantando: “One is the loneliest number/ that you'll ever do/ Two can be as bad as one/ it's the loneliest number/ since the number one”? (“Um é o mais solitário número/ Que você irá encontrar/ Dois pode ser pior que um/ É um número solitário/ depois do número um”).

Após o arrebatador começo, Aimee não dá trégua, emendando uma canção tocante atrás da outra. “Momentum” inicia desconcertada e dissonante para, em seguida, tomar a forma de um country-rock embalado e com um refrão comovente em que a voz de Aimee expressa docilidade mas, igualmente, a força do feminino – elemento narrativo que o filme traz de forma central em vários níveis e aspectos. “Build That Wall”, um pop delicado sobre a sofrida e viciada personagem Claudia (Melora Walters), traz um belo arranjo com flautas Piccolo e a capacidade da compositora de criar melodias e refrões tocantes (“How could anyone ever fight it/ Who could ever expect to fight it when she/ Builds that wall”: “Como alguém pode combatê-la/ Quem poderia esperar para combatê-la quando ela/ Constrói esta parede”).

Outra das mais emocionantes, “Deathly”, sobre suicídio, abre com a voz de Aimee rasgando em uma balada sofrida e realista: “Agora que te encontrei /Você se incomodaria/ Se não nos víssemos mais?/ Pois eu não posso me permitir/ Subir sobre você/ Ninguém tem tamanho ego a gastar“. A letra fala também da dificuldade emocional da personagem Claudia (um reflexo de vários outros personagens, como o arrogante Frank, de Cruise, e o abusador astro da TV Jimmy Gator, vivido por Phillip Baker Hall) de aceitar o amor do oficial Jim (John C. Reilly), que pelas coincidências da vida, encontrou-a e se apaixona: “Nem comece/ Pois eu já tenho problemas demais/ Não me importune/ Quando um simples ato de bondade pode ser/ Mortal/ Definitivamente”.

“Driving Sideways”, linda, repete a fineza comovida das composições, Já a instrumental “Nothing Is Good Enough” dá uma ligeira trégua para, na sequência, mandar outra bomba sentimental: “You Do”, em que novamente Aimee solta a voz com tamanho trato e verdade que é impossível ficar alheio ao ouvir. A também bela “Nothing Is Good Enough” toca num ponto basal do longa, que são as relações familiares: “Era uma vez/ Esta é a maneira como tudo começa/ Mas eu serei breve/ O que começou com tal excitação/ Agora eu felizmente termino com alívio/ No que agora se tornou um motivo familiar”.

Se a carga emotiva já era grande, Aimee, acompanhando o desenrolar do filme, também a intensifica mais para o final. “Wise Up”, tema que marca a sequência logo após a célebre cena da chuva de sapos sobre Los Angeles, revela uma série de tomadas de consciência dos personagens, todos com suas aflições, dificuldades, culpas e medos. O contexto de vícios, desentendimentos, suicídio, incesto, fugas emocionais e rancores, que os personagens trazem cada um a seu grau, ganha a redenção depois daquele fenômeno surreal, o que lhes oportuniza um momento de autoesclarecimento e arrependimentos. Isso, por sua vez, é brilhantemente desenhado pelos acordes de “Wise Up”, que inicia com um leve toque de piano simulando o som da batida de um coração. Figura nada mais adequada. Quando a voz de Aimee surge, é como se aquela vida ainda existisse. Ainda há esperança! Aimee, aliás, mais uma vez, esbanja sensibilidade na melodia e no canto. E o refrão, inesquecível, diz: ”It's not going to stop/ It's not going to stop/ Till you wise up” (“Isso não vai parar/ Isso não vai parar/ Até você se tocar”).

Um desavisado que estivesse escutando apenas o disco poderia achar “Wise...” um final falso. No entanto, quem conhece o filme sabe que, além desta, ainda vem outra para desmanchar em lágrimas de vez qualquer um: “Save Me”. Literalmente, a “salvação” final. Como se a redenção divina expressa naquela sequência de acontecimento recaísse sobre os homens. Misto de country e balada pop, num de seus trechos, diz assim: “Você me pareceu tão banal como radium/ Como Peter Pan ou como o Super-Homem/ Você aparecerá para me salvar/ Venha e me salve/ Se você puder, salve-me/ Deste bando de loucos/ Que suspeitam que nunca irão amar ninguém”. A música, além de marcar a cena de encerramento do filme, representa, na figura da personagem Claudia, a tentativa humana de superar suas dificuldades e dar espaço para o amor. É o arrebatamento final que Aimee dá ao genial filme de P.T. Anderson.

Duas músicas da Supertramp, uma de Gabrielle e um tema orquestrado por Jon Brion ainda desfecham o álbum, mas é evidente que a trilha de “Magnolia” é, de fato, a parte de Aimee Mann. Num momento muito inspirado da carreira, ela consegue imprimir personalidade ao filme através da música e, ao mesmo tempo, compor um disco de igual personalidade quando ouvido separadamente da obra cinematográfica. As músicas dela, através de uma sintonia muito profunda com o filme, se adéquam às cenas muito menos por sua representação narrativa do que por uma afinação que apenas o sentimento imagem/som proporciona. Talvez seja isso que distinga “Magnolia” de outros soundtracks, mesmo os mais clássicos: a música faz remeter ao sentimento que o filme traz, e não à obra a qual está ligada. Pode parecer um detalhe, mas faz toda a diferença. A música de "Magnolia" é como mais um personagem, mas onipresente, imbricado dentro de todos eles: homens e mulheres como nós.

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Lançado em 2018, a versão intitulada "Magnolia - Original Motion Picture Soundtrack" traz, além de um disco com as músicas de Aimee Mann, outros dois com o Original Score composto pelo maestro Jon Brion.


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FAIXAS:
1. “One” (Harry Nilsson) - 02:53
2. “Momentum” - 03:27
3.  “Build That Wall” (Jon Brion/Aimee Mann) - 04:25
4. “Deathly” - 05:28
5. “Driving Sideways” (Michael Lockwood/Aimee Mann) - 03:47
6. “You Do” - 03:41
7. “Nothing Is Good Enough” - 03:10
8. “Wise Up” - 03:31
9. “Save Me” (04:35)
10. “Goodbye Stranger” – Supertramp (Rick Davies/Roger Hodgson) - 05:50
11. “Logical Song” – Supertramp (Davies/Hodgson) - 04:07
12. “Dreams” - Gabrielle (James Bobchak/Tim Laws) - 03:43
13. “Magnolia” - Jon Brion (Brion/ Mann) - 02:12
Todas as composições de autoria de Aimee Mann, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues