Nico Nicolaiewsky no Açorianos 2013
por Leocádia Costa
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sábado, 8 de fevereiro de 2014
Quatro Vezes Com Nico: Cada Vez Mais Perto, Mas Nunca de Fato
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Nico - "Chelsea Girl" (1967)
FAIXAS:
1 - The Fairest of The Seasons
2 - These Days
3 - Little Sister
4 - Winter Song
5 - It Was a Pleasure Then
6 - Chelsea Girls
7 - I'll Keep it with Mine
8 - Somewhere There's a Feather
9 - Wrap your Troubles in Dreams
10 - Eulogy to Lenny Bruce
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Ouça:
Nico Chelsea Girl
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
The Velvet Underground & Nico - "The Velvet Underground & Nico" (1967)
No embalo da exposicão de Andy Warhol aqui no Rio, aproveito pra destacar aqui nos FUNDAMENTAIS um dos discos mais influentes de todos os tempos, "The Velvet Underground and Nico" de 1967. Como uma espécie de 'tentáculo' musical do projeto multimídia de Warhol, que também incluía artes plásticas, cinema, moda e literatura, o Velvet Underground apadrinhado pelo gênio da pop-art, era composto por músicos extremamente inventivos, ainda que nem todos brilhantes, como eram os casos da limitada percussionista Maureen Tucker e do esforçado Sterling Morrisson, por outro lado destacavam-se especialmente o guitarrista e vocalista Lou Reed com suas influências folk, suas levadas pesadas e letras cáusticas; e o multi-instrumentista criativíssimo John Cale, cara técnico, metódico mas aberto a todas as possibilidades e experimentações musicais. No entanto o projeto musical de Warhol ficaria completo mesmo com o acréscimo da modelo alemã Nico, agregando aos vocais da banda sua voz singela e aveludada, cheia de sotaque e sex-appeal apesar de toda a relutância inicial de Lou Reed. O resultado de tudo isso, Warhol+Velvet+Nico, foi um álbum brilhante, notável, uma referência musical e artística, um dos discos mais influentes da hstória do rock.
O produtor (na verdade, financiador) Andy Wahol |
"Venus in Furs", a melhor do álbum e uma das maiores da história do rock, é um épico arrastado com uma batida marcial, pontuada pela viola elétrica de Cale e com Reed, desta vez, cantando de maneira quase hipnótica.
"Heroin" outra das grandiosas do disco vai serpenteando como uma montanha-russa sonora com variações de aceleração, intensidade, ênfases e ruídos como fundo para que Reed conte detalhadamente o uso e as sensações causadas pela droga, com a bateria de Mo Tucker chegando a parecer desordenada em determinados momentos e com tudo culminando numa loucura instrumental total e o violino alucinado de Cale 'bagunce' tudo de vez num final caótico-apoteótico. Aliás, bagunça mesmo (num bom sentido), é o que não falta em "European Son" que chega a ficar praticamente inaudível tal a aceleração, a mistura de sons, as microfonias, a distorção que alcança; mas afinal o que seria do Sonic Youth, do Jesus and Mary Chain, do My Bloody Valentine sem isso?
Nico, a vocalista que Warhol praticamente impôs mas que deu grande contribuição |
De resto tem também a galopante e elétrica "Run Run Run", tem outra interpretação bárbara de Reed em "There She Goes Again" falando sobre prostituição, tem outra vez o violino esquizofrênico de Cale em "The Black Angel's Death Song", cara... todas demais, porra!
O disco na época não foi lá muito apreciado; vendeu mal e não obteve grande sucesso. Sua importância foi sendo notada aos poucos e já na década seguinte se sentiria sua influência com a explosão do punk rock. Mas foi só um pouco depois ainda, com o passar do tempo, que se reconheceu definitivamente seu justo status de obra-prima.
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FAIXAS:
- "Sunday Morning" (Reed, Cale) - 2:56
- "I'm Waiting for the Man" - 4:39
- "Femme Fatale" - 2:38
- "Venus in Furs" - 5:12
- "Run Run Run" - 4:22
- "All Tomorrow's Parties" - 6:00
- "Heroin" - 7:12
- "There She Goes Again" - 2:41
- "I'll Be Your Mirror" - 2:14
- "The Black Angel's Death Song" (Reed, Cale) - 3:11
- "European Son" (Reed, Cale, Morrison, Tucker) - 7:46
The Velvet Underground & Nico 1967
sábado, 28 de julho de 2018
"The Velvet Underground and Nico", de Joe Harvard - Coleção O Livro do Disco - ed. Cobogó (2014)
Não sei se, realmente, cada livro que leio da coleção O Livro do Disco é melhor do que o anterior, ou se é apenas uma sensação por estar diante de uma leitura tão empolgante que faz com que a sensação se renove sempre com entusiasmo. "The Velvet Underground and Nico", de Jon Harvard, o último que li não foi diferente disso. Às primeiras páginas já exclamava para mim mesmo que aquele era o melhor livro da coleção. Talvez por não ser um jornalista e por não ter sido um fã imediato do Velvet Underground, tendo percebido aos poucos que a sonoridade da banda estava em tudo o que ouvia e gostava, o trabalho soe com uma sinceridade e uma admiração mais verdadeiras do que de costume em ensaios desta natureza. Joe Harvard, músico, produtor e um dos fundadores do famoso estúdio Forte Apache onde já gravaram nomes como Pixies, Radiohead e Hole, faz questão de em toda sua pesquisa, de dar a real dimensão do que o projeto do Velvet Underground com o artista multimídia Andy Warhol representou não somente para a música mas também para o comportamento e costumes a partir de seu lançamento. A sonoridade inovadora, o experimentalismo, as concepções musicais, as letras literárias e explícitas com suas temáticas incomuns e delicadas, todos são elementos que a banda, sob o estímulo de Warhol, um badalado artista em seu apogeu, que compartilhava de toda aquela profusão criativa, apresentava de forma inédita e ainda hoje, incrivelmente, permanecem impactantes. Quem iria imaginar que em 1967 um grupo de jovens patrocinados por um artista plástico pudesse falar de forma tão aberta (e lírica) sobre o uso de heroína, ou fosse descrever de maneira quase escandalosa sessões de sado-masoquismo? Pois eles o fizeram. E Harvard, o autor, faz questão de mostrar o tamanho disso, o quanto esses temas eram tabus, o quanto o grupo foi ousado na atitude e o quanto foi inovador na linguagem e na intenção artística ao propor estes temas. "Sim, o Velvet Underground escreveu canções sobre heroína, orgias, metanfetamina, servidão e punição, submissão física e emocional, violência, transgêneros, travestis, transexuais e marginais com violência nas ruas, envolvidos com um ou todos os ingredientes acima. Por que? Porque ninguém havia feito isso antes, e porque essa coisas são interessantes." afirma o autor. E continua, "Em 1966, quando ningué falava - e muito menos cantava - sobre tais assuntos proibidos, eles eram ainda mais interessantes, e inclui-los nas letras das músicas com o objetivo de serem consumidos não era mais um truque barato: era uma atitude corajosa e arriscada. E fácil escalar uma montanha depois que os verdadeiros pioneiros passaram 35 anos abrindo uma trilha até seu cume. Em 1966, era preciso ter colhões.". Pois é... E tudo isso, como se não bastasse, embalado por uma proposta sonora altamente original, pensada artisticamente música a música e com conceitos nada aleatórios. Ou seja, um disco como poucos.
O livro desfaz o mito de que a participação de Warhol na produção do disco tenha sido tão irrisória quanto se afirma, revelando que embora não tivesse atuação efetiva na parte técnica, contribuía decisivamente de forma artística na concepção do trabalho. Lou Reed, vocalista e um dos principais compositores, declarou certa vez: "Andy fez questão de garantir que em nosso primeiro álbum a linguagem permanecesse intacta: 'Não Mude as palavras só porque é um disco". Acho que Andy estava interessado em chocar, em dar um solavanco nas pessoas..." e mais, "Ele apenas tornou possível que fôssemos nós mesmos e seguíssemos adiante, ois ele era Andy Wahrol.".
Numa trabalho bastante rico e bem embasado com relatos antigos dos integrantes da banda, matérias da época em jornais e revistas, e entrevistas com pessoas ligadas à banda, o autor destaca ainda a resistência, especialmente de Reed, em aceitar a modelo e cantora alemã Nico, sugerida por Warhol, no projeto, e "prova" que o cantor estava errado nesta relutância; revela que "Sunday Morning" fora escrita originalmente para Nico mas que, mesquinho, egoísta e vaidoso, Reed a reivindicou e não abriu mão de colocar seus vocais na canção; que a marcante caixa de música na mesma música fora uma sacada casual e genial de John Cale, a outra cabeça pensante do grupo; descreve a sintonia de Reed e Cale nas composições e em suas afinações inusitadas; traz à tona novamente a acusação, na época, de que "Heroin" estimulava o uso de drogas; e ajuda a entender por que "Venus In Furs" garantiu a eles a imagem de depravados.
Um disco que não recebeu o devido reconhecimento em sua época e, mesmo depois, demorou para que sua verdadeira dimensão fosse percebida, mas que mesmo assim chega aos dias de hoje (acredito que agora sim) entendido como um dos mais importantes e influentes de todos os tempos e ao qual um livro como este, muito bem escrito e organizado, faz plena justiça e a devida homenagem. Curiosamente, como o próprio autor salienta, "Uma coisa é certa: poucas bandas - se é que alguma - deixaram um legado tão duradouro com uma ajuda tão inexpressiva da indústria.". Talvez, no fim das contas, por linhas tortas, tenha sido melhor assim.
domingo, 8 de março de 2020
7 discos feitos para elas cantarem
Eles compõem. Mas a voz é delas
Michael Jackson e Diana Ross: devoção à sua musa |
Cale e Nico: sintonia |
A recente parceria de Gil e Roberta Sá |
Nesta linha, então, em homenagem ao Dia da Mulher, selecionamos 7 trabalhos da música em que autores homens criaram obras especialmente para as suas “musas” cantarem. De diferentes épocas, são repertórios totalmente novos, fresquinhos, dados de presente para que elas, as cantoras, apenas pusessem suas vozes. “Apenas”, aliás, é um eufemismo, visto que é por causa da voz delas que essas obras existem, pois, mais do que somente a característica sonora própria da emissão das cordas vocais, é o talento delas que preenche a música. Elas que sabem revelar o mistério. “Música” é uma palavra essencialmente feminina, e isso explica muita coisa.
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Elizeth Cardoso – “Canção do Amor Demais” (1958)
Compositores: Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes
"Rua Nascimento Silva, 107/ Você ensinando pra Elizeth/ As canções de 'Canção do Amor Demais'", escreveu Tom Jobim na canção em que relembra quando, jovens, ele e o parceiro Vinicius compuseram um disco inteirinho para a então grande cantora brasileira: Elizeth Cardoso. Eram tempos de pré-bossa nova, movimento o qual este revolucionário disco, aliás, é o responsável por inaugurar. Mesmo que o gênero tenha ficado posteriormente conhecido pelo canto econômico por influência de João Gilberto e Nara Leão, o estilo classudo a la Rádio Nacional da “Divina” se encaixa perfeitamente às então novas criações da dupla, que havia feito recente sucesso compondo em parceria a trilha da peça “Orfeu da Conceição”, de 3 anos antes. Um desfile de obras-primas que, imediatamente, se transformavam em clássicos do cancioneiro brasileiro: “Estrada Branca”, “Eu não Existo sem Você”, “Modinha” e outras. O próprio João, inclusive, afia seus acordes dissonantes em duas faixas: a clássica “Chega de Saudade” e a talvez mais bela do disco “Outra Vez”.
FAIXAS
1. "Chega de Saudade"
2. "Serenata do Adeus"
3. "As Praias Desertas"
4. "Caminho de Pedra"
5. "Luciana"
6. "Janelas Abertas"
7. "Eu não Existo sem Você"
8. "Outra Vez"
9. "Medo de Amar"
10. "Estrada Branca"
11. "Vida Bela (Praia Branca)"
12. "Modinha"
13. "Canção do Amor demais"
OUÇA
Compositores: Burt Bacharach e Hal David
Raramente uma cantora começa uma carreira ganhando um repertório praticamente todo novo (cerca de 90% do disco) e a produção de uma das mais geniais duplas da história da música moderna: Burt Bacharach e Hal David. Mais raro ainda é merecer tamanho merecimento. Pois Dionne Warwick é esta artista. A cantora havia chamado a atenção de David e Bacharach, que estavam procurando a voz ideal para suas sentimentais baladas. Não poderia ter dado mais certo. Ela, que se tornaria uma das maiores hitmakers da música soul norte-americana – inclusive com músicas deles – emplaca já de cara sucessos como "Don't Make Me Over", "Wishin' and Hopin'", "Make It Easy on Yourself", "This Empty Place".
FAIXAS
1. "This Empty Place"
2. "Wishin' and Hopin'"
3. "I Cry Alone"
4. "Zip-a-Dee-Doo-Dah" (Ray Gilbert, Allie Wrubel)
5. "Make the Music Play"
6. "If You See Bill" (Luther Dixon)
7. "Don't Make Me Over"
8. "It's Love That Really Counts"
9. "Unlucky" (Lillian Shockley, Bobby Banks)
10. "I Smiled Yesterday"
11. "Make It Easy on Yourself"
12. "The Love of a Boy"
Todas de autoria David e Bacharach,, exceto indicadas
OUÇA
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
"Até que a Sbórnia nos Separe", de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr. (2014)
A história nos é contada através de um narrador, Dimitrius, que rapidamente se revela filho de Kraunus (Hique Gomes), um músico que se apresenta nas noites sbórnianas junto com Pletskaya (Nico Nicolayewski), seu grande amigo, formando um dueto um tanto quanto "estranho", porém muito talentoso.
Vemos como viviam os habitantes da pequena Sbórnia, um pais que tinha um enorme muro que o mantinha isolado do mundo, até certo dia, durante uma partida de machadobol (o esporte mais popular da Sbórnia) a bola acaba saindo do estádio e derruba o enorme muro, aí realmente começa o filme. A modernidade se aproximando da Sbórnia com seus automóveis, o violento choque cultural que atinge o país, a interferência do continente é enorme, tudo muda, nem mesmo o bizuwin (uma erva local que os habitantes do país utilizam para fazer uma bebida parecida com o nosso chimarrão), consegue escapar, pois um empresário que foi passar uma noite neste novo país acabou se apaixonando pela bebida e resolve exportá-la para o resto do mundo.
Kraunus e Pletskaya, os melhores, mais divertidos e
mais esquisitos músicos da Sbórnia.
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A trama principal do filme é essa, Kraunus Sang lutando contra a industrialização da Sbórnia, como descendente de um dos idealizadores do muro e seguidor do anarquismo hiperbólico, acha que manter sua família longe da modernidade irá lhes manter a salvo. Ele é um personagem intrigante, com seu jeito mal humorado. Se em palavras ele não demonstra o sentimento que tem por sua família (até porque ele praticamente não fala), em suas atitudes ele tenta mostrar esse amor, mas sua entrega a luta em resistência ao novo, acaba o afastando de sua família, que quer aproveitar as novidades, não querem ficar presos as tradições como Kraunus.
Pletskaya e Cocliquot, um casal apaixonado
e apaixonante
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Por mais que os dois personagens principais não evoluam ao longo da trama, começam de um jeito e terminam do mesmo jeito, isso não chega a ser um grande problema para o filme, claro atrapalha um pouco o ritmo da obra, ela fica lenta repetitiva em alguns momentos, pode incomodar um pouco os pequenos, porque apesar da classificação ser 10 anos, é um ritmo bem mais lento do que as animações focadas para o publico desta idade que temos hoje, mas não prejudica o resultado final. Nas cenas finais volta a ação, filme ganha um gás extra e termina lindamente.
A rápida transformação que ocorre na ilha após a queda do muro
(isso me lembra algum outro muro que caiu em 1989)
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Se você já assistiu a peça, assista também o filme, se não viu, assista o filme do mesmo jeito, acompanhe de perto como a Sbórnia se reaproximou do continente e logo depois o Istmo foi destruído e ela passou a navegar pelos mares do mundo! Mares do mundo! Mares do mundo! Mares do mundo!
Baaaaaaaah!!!
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
Lou Reed & John Cale - "Songs for Drella" (1990)
Foi assim com Reed e Cale desde sempre. Dois dos maiores talentos de sua geração de prodigiosos jovens artistas nascidos no pós-Guerra, são figuras essenciais para a cena da contracultura nova-iorquina, que mudou os rumos da vida social na segunda metade do século XX. Isso, contudo, não impediu que as desavenças se manifestassem. Pelo contrário, era-lhes como dar mais munição. Já na Velvet Underground, histórica banda que cofundaram com Moe Tucker e Sterling Morrison nos anos 60 e espinha dorsal do rock junto a Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones, isso já acontecia. Mesmo com a alta sinergia artística que os unia e os colocava como o principal núcleo criativo do grupo – capaz de inventar algumas das mais elevadas obras da música contemporânea, como “Heroin”, “Venus in Furs” e “Sister Ray” –, as diferenças falavam mais alto do que as semelhanças. A Velvet continuou com Reed até este partir para sua própria carreira no início dos anos 70, mas Cale, incomodado com o parceiro, não suportou mais do que dois discos e saltou fora um ano após a estreia no clássico "Disco da Banana" para voos solo e na produção musical.
Já veteranos, os integrantes da banda promoveram uma nova aproximação somente 25 anos, em 1993, para o memorável show “Live MCMXCIII”. A turnê comemorativa, que vinha emocionando fãs por onde passava, entretanto, mal havia começado e teve de ser subitamente interrompida por causa de brigas entre os dois líderes. De novo os iluminados raios se chocavam e faziam fechar o tempo, transformando a situação festiva em um dilúvio de ferozes descargas elétricas.
A Velvet com Nico: apadrinhados por Andy |
Precavidos do próprio histórico, a combinação foi a seguinte: por três meses, os dois – e somente os dois –, suportariam o confinamento e baixariam a cabeça para comporem conjuntamente um repertório inteiramente novo em memória a Andy. Três meses apenas. O que talvez seja muito pouco tempo para alguns, foi mais do que suficiente para que os conflituosos, mas não menos experientes e afinados companheiros, compusessem uma obra-prima única em vários aspectos. A começar pela ocasião em si, para a qual Reed e Cale conceberam também algo especial, uma vez que sabiam da responsabilidade que lhes cabia: somente eles podiam cumprir aquela tarefa. Embora a vastidão da influência de Andy para a arte, estabelecendo nesta um "antes" e um "depois" de si, eram Reed e Cale seus verdadeiros herdeiros na música. Por isso, entendiam que a homenagem a Andy pedia pompas. Afinal, somente um indivíduo ímpar na humanidade poderia juntar Drácula com Cinderella (daí, o apelido “Drella”). Com isso, “Songs” saiu não apenas um disco, mas uma ópera-rock, que respeita toda a estrutura clássica tal como o rock havia incorporado ao narrar uma história de apogeu e miséria e final necessariamente trágico. Outra excepcionalidade é ter apenas os dois no recinto tocando, cantando, gravando, mixando e produzindo a si próprios. O resultado é um disco de sonoridade minimalista mas altamente expressiva, em que não há percussão, sopros, orquestra ou outras vozes, apenas as cordas vocais dos dois falando pela de Andy e intercalando-se e a de seus instrumentos: guitarras, baixo, viola e piano/teclados.
Cale, Reed e Andy em 1976: relação antiga e muito cúmplice |
Para narrar a trajetória de Andy, Cale e Reed determinam, então, 15 movimentos em que se ouvem a sofisticação do art rock, a fúria do punk, a ousadia da vanguarda, a tradição clássica europeia e o palpável da canção pop. Tudo que Andy lhes legou em ideias e conceitos, desde a Velvet até as suas carreiras solo, era revisado e revisitado de forma altamente madura e concisa, mas também emocional e devota. Num teor erudito, a provocativa “Smalltown” começa como uma espécie de minueto ternário em allegro em que a voz de Reed faz resgatar o desejo do jovem Andy antes de mudar-se para a cosmopolita Nova Yprk nos anos 50. Gay, estranho e totalmente deslocado em sua Pittsburgh natal, ele tinha uma única certeza: a de que queria sair dali. “De onde é que Picasso vem/ Não há Michelangelo vindo de Pittsburgh/ Se a arte é a ponta do iceberg/ Eu sou a parte mais ao fundo“.
A percepção de que o destino de Andy era mudar os padrões da sociedade começa a ser desenhada a partir do momento em que ele pisa na Big Apple, mais precisamente quando “abre a casa” na 81st Street, em Manhattan, para receber toda a fauna de artistas e doidões de uma Nova York em plena ebulição criativa. Era a Factory, seu lendário estúdio de onde a arte ocidental entrou de um jeito e saiu de outro para nunca mais ser a mesma. A dupla dá a este momento ares litúrgicos e ambientais, mas ao mesmo tempo recorre ao minimalismo nas três notas repetidas que formam o núcleo melódico de "Open House", o mesmo que usaram em "Waiting for the Man", outra sua do repertório da Velvet.
Enquanto Cale canta a busca de Andy por patrocínio junto aos mecenas endinheirados, a quem apresenta um portfólio com suas embalagens de Brillo e uma tal banda chamada Velvet Underground (“Style It Takes”), Reed, na sequência, sob um ruidoso e minimalista rock, traz o artista em atividade (“Work”) fazendo lembrar o som hipnótico e sequencial de contemporâneos de anos 60, mas estes, da cena avant-garde da Califórnia, Philip Glass e Steve Reich. Logo começam, entretanto, os problemas. “Trouble With Classicists”, numa melodia neo-renascentista quase declamada por Cale, traz as idiossincrasias entre a arte moderna e classicismo, bem como o embate com os críticos.
A efervescência nova-iorquina agora está nas veias de Andy. A intensa “Starlight”, com as guitarras distorcidas de Reed e o toque atonal do piano de Cale, fala da casa LGBT que abrigou seus pares: Ingrid, Viva, Little Joe, Baby Jane, Eddie S. “Starlight aberto/ Luz das estrelas abre sua porta/ Isso se chama Nova York/ Com filmes na rua/ Filmes com pessoas reais/ Que você recebe é o que você vê”. Desses personagens reais surgem as famosas fotografias e serigrafias como as que imortalizou de Marylin Monroe, Elvis Presley ou Truman Capote. O genial e inquieto rapaz do interior agora se encontra totalmente consigo mesmo. Criador e criaturas se homogeneízam. Para Andy, cantado no elegante timbre de Cale numa das mais brilhantes do disco, “rostos e nomes são tudo a mesma coisa”. Kitsch, celebridades, sexo, drogas, noite, ruas. Em "Faces and Names" a arte sai pelos poros, seja pela pintura, cinema, teatro ou música. São os “15 minutos de fama” e muito mais. Andy, no auge, prossegue formando novas figuras, como Reed canta noutra maravilha de “Songs”, “Images”. A viola ao estilo La Monte Young de Cale e a guitarra com efeitos de pedal de Reed formam um corpo dissonante só para registrar que, além do figurativo, o abstrato também integra o repertório pictórico do artista visual.
A dupla em 1990 na rara reunião para homenagear o pai da pop art |
O belo country “Nobody But You” versa ainda sobre o traumático episódio (“Eu realmente me importo muito/ Embora pareça que não/ Desde que eu fui baleado/ Não há ninguém além de você”), encaminhando o musical para um desfecho, como se sabe, melancólico como em todas as óperas. Na discursiva e etérea “A Dream”, Cale traz sua veia new age e neoclássica captada junto a outros parceiros, como Terry Riley, Brian Eno e Kevin Ayers. A letra é um fluxo de pensamento de Andy, cuja descrição de um sonho traça um panorama de vários momentos de sua biografia: os primeiros anos, a Velvet, pessoas de convivência, a amizade com Reed e Cale, o incidente na Factory e as feridas que a vida lhe trouxe. A indagação: “Puxa, não seria engraçado se eu morresse neste sonho antes que eu pudesse inventar outro?”, quase ao final da faixa, denota o pressentimento de que os últimos traços de um artista sublime estavam sendo dados.
A arquitetura narrativa de “Songs” - que mantém um exemplar equilíbrio entre densidade e leveza, tonalismo e dissonâncias, agitação e calmaria, classicismo e vanguarda, agressividade e lirismo - surpreende mais uma vez na virada da contemplativa e extensa “A Dream” para o blues ultramoderno “Forever Changed”, talvez a mais impactante de todo o álbum. Ciente da proximidade da morte, Andy compreende igualmente a sina de todo grande artista: a permanência do seu legado. “Eu fui”, mas tudo “mudou para sempre”. A consciência da eternidade. Se Cale emenda as duas anteriores, é Reed quem tem o privilégio de desfechar este réquiem. Isso porque, ao invés de prosseguirem a narrativa na terceira pessoa, como que falando pela voz de Andy, são as próprias palavras de Reed que compõem a letra de“Hello It's Me” numa emocionante carta de despedida. “Andy, sou eu, não te vejo há um tempo/ Eu gostaria de ter falado mais com você quando você estava vivo”, abre dizendo na singela balada, mais uma como “Femme Fatale” e “Sunday Morning” composta pelos dois em meio aos vários proto-punks raivosos e sinfonias ruidosas dos tempos de Velvet.
Terminada a gravação, também não durou muito a turnê de “Songs”. Após algumas apresentações, Cale e Reed separaram-se novamente, como raios excelsos que entram em choque depois de mal se aproximarem. A última ocasião, o reencontro da Velvet, três anos dali, foi sentenciada com a partida de Sterling Morrison dois mais tarde e a do próprio Reed, em 2013. Antes da tormenta, contudo, o tempo colaborou para que registrassem este impecável e sui generis disco, que evidencia o quanto figuras como Andy Warhol fazem falta sempre. E por quê? Porque, como um Michelangelo, um Mozart, um Picasso, um Shakespeare, ícones revolucionários invariavelmente deixam lacunas impreenchíveis, simplesmente. Ouvir “Songs” hoje, a três décadas de seu lançamento, dá a dimensão do que existências como as de Andy, Reed, Nico e Morrison significam depois que partem e da importância dos que ficam, como Cale e Moe. Raios muito raros que, incrivelmente, caíram no mesmo lugar. Justo por isso que o disco tenha se concluído com estes versos: “Bem, agora Andy, acho que temos que ir/ Espero de alguma forma que você goste deste pequeno show/ Eu sei que é tarde, mas é a única maneira que eu sei/ Olá, sou eu/ Boa noite, Andy”.