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terça-feira, 28 de maio de 2013

Wayne Shorter - "Night Dreamer" (1963)



“Este disco é um marco para mim,
pois veio em um momento em que eu
 estava entrando em uma nova fase como autor.
E também eu sabia que
 em meu primeiro álbum para a Blue Note
eu teria que dizer algo substancial.”
Wayne Shorter,
no texto do encarte original


São inúmeros os discípulos de Miles Davis no universo do jazz. A lista vai de mestres geniais como Chick Corea, Herbie Hancock, Sonny Rollins, John McLaughlin e John Coltrane – para mim, o maior deles. Mas talvez o mais fiel aluno tenha sido outro genial jazzista: o saxofonista Wayne Shorter, lenda viva da música mundial. De estilo arrojado tanto nos improvisos quanto nas harmonias, Shorter começou na cena em 1959 na banda bebop de Art Blakey, a The Jazz Messengers, pela qual não só ajudou a gravar álbuns memoráveis, como, hábil e líder, tornou-se logo o diretor musical do grupo. Além disso, como todos da sua geração, foi fortemente influenciado pelo jazz em escalas do “divisor de águas” "Kind of Blue", de Miles (1959), passando, tempo depois, a formar o aclamado “segundo grande quinteto” do mestre, juntamente com Hancock, Ron Carter e Tony Williams. Tudo isso deu embasamento para Shorter, valendo-se de todas estas referências, gravar, em 1963, seu grande trabalho: o encantador “Night Dreamer”, onde se nota um compositor maduro e criativo, além de um instrumentista virtuoso.

Depois de três LP’s pelo selo Vee-Jay, onde ainda se percebe um artista em busca de identidade própria, “Night Dreamer”, seu primeiro pela mais cultuada gravadora do jazz, a Blue Note, é o acerto da medida: cool, sofisticado, intenso, coeso. Tudo favorecendo: a técnica de estúdio Rudy Van Gelder, a produção caprichada de Alfred Lion e esplêndida arte, na foto borrada de Francis Wolff e o design de Reid Miles. Campo preparado para um disco impecável. Como o título sugere, começa numa atmosfera de sonho com a arrebatadora faixa-título, em que o piano de McCoy Tyner anuncia, em acordes ondulantes e oníricos, a beleza da melodia modal que se forma a seguir com o restante da banda (e que banda!): Lee Morgan (trompete), Reggie Workman (baixo) e Elvin Jones (bateria). O chorus, sobre o andamento cadenciado e bluesy de Jones e dos dois tempos de quatro do piano, desenha um riff pegajoso que, entre leves ascendências e declives, surpreende pelas dissonâncias sem, contudo, se afastar do coração do ouvinte. Espiral como um sonho, volta, no fim da série, para o acorde inicial. A mesma ideia circular serve de concepção para os improvisos, momento em que Shorter dá um verdadeiro show de tempos, variações e groove. Há claras inspirações no fraseado econômico e certeiro de Miles, inclusive na repetição da famosa frase de trompete que antecede o solo histórico de Coltrane em "Freddie Freeloader", do “Kind of Blue”, que Morgan pronuncia rapidamente mas com exatidão, numa visível homenagem. No final, ao invés de toda a banda tencionar para cair junta, o mais comum à época, Shorter subverte, desfechando-a em pleno solo ascendente, em ritmo aberto.

Os anos como cérebro da The Jazz Messengers deram à Shorter a cancha de produzir adaptações tão primorosas como a de "Oriental Folk Song", uma canção tradicional chinesa em que o músico recria o tema original timbrística e harmonicamente, compondo um jazz novamente complexo em construção, mas orgânico a quem ouve. A introdução em tons orientais abre espaço para uma segunda e intermediária parte com o chorus de tempos longos e articulados. Porém, a música progride ainda mais, e uma terceira sequência atinge outra envergadura, subindo a gradação em uma interpretação vigorosa de toda a banda.

“Virgo”, uma das mais lindas baladas do cancioneiro jazz, vem em seguida, e aqui Shorter novamente arrebenta, mas não da forma carregada como nas primeiras faixas, mas, sim, em solos lânguidos e perfeitamente pronunciados. Sem pressa e repleta de sussurros, pausas e desvelos; sensual como uma transa apaixonada madrugada adentro. É tão incrível que, mesmo empunhando um saxofone tenor, há momentos em que parece estar tocando um sax alto, tamanho rebuscamento que extrai das notas graves e na modulação que atinge com o instrumento. Para arrematar, um breve solo enlevado à capela, só sax e ouvidos. Perfeita.

Embalada e não menos saborosa, “Black Nile” vem com toda a banda em altíssimo nível de performance. É, seguramente, a mais “agitada” do disco, que só veio a acelerar-se um pouco mais já na sua segunda metade. No entanto, o tom suave que perfaz o álbum é novamente demarcado em "Charcoal Blues", em que o saxofonista exercita pequenas variações sobre o riff, numa simplicidade mais uma vez com ares de Miles Davis, inclusive pelo visível apreço pelo blues. Nesta, McCoy Tyner merece atenção especial na manutenção da base e, principalmente, em seu solo.

Nada mais perfeito para terminar uma noite de fantasia do que com o próprio “Armageddon". Considerada por Shorter como o ponto focal do álbum, contém como mensagem a força da dualidade do ser humano na última batalha entre o bem e o mal. Por isso, as notas reflexivas e densas, mas nem por isso menos belas. Nela, sonho passa a significar utopia, alucinação. “A minha definição do julgamento final é um período de esclarecimento total que vai descobrir o que somos e por que estamos aqui", disse o compositor sobre esta obra. Não sei se um dia chegaremos a isso, mestre Shorter, mas certamente sua música nos eleva a um ponto que, mesmo que apenas como meros sonhadores de uma noite qualquer, talvez consigamos revelar algo tão profundo de nós mesmos.

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Corrijo em tempo um erro desta resenha: “Night Dreamer” não é O grande trabalho de Wayne Shorter, mas, sim, seu PRIMEIRO grande trabalho. Em plena atividade mesmo prestes a completar 80 anos, o músico lançou este ano um novo CD, o elogiado “Without A Net”. Mas para alguém dono de uma obra tão extensa e marcante, eleger apenas um disco como o melhor é tarefa impossível. Basta lembrar-se de outros grandes discos solo, como ”Ju-Ju” (1964), “Speak no Evil” e “The Soothsayer” (ambos de 1965), os trabalhos com uma das pioneiras do jazz-fusion, a Wheater Report, nos anos 70, ou as parcerias, como os que gravou com Milton Nascimento, Carlos Santana e Joni Mitchell.

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FAIXAS:
1. Night Dreamer - 7:15
2. Oriental Folk Song - 6:50
3. Virgo - 7:00
4. Virgo (alternate take 14) – 7:03
5. Black Nile - 6:25
6 Charcoal Blues - 6:50
7. Armageddon - 6:20

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Ouvir:



terça-feira, 27 de setembro de 2016

Robert Wyatt - “Shleep” (1997)



Pela primeira vez, eu revi meu passado
e parecia tão inacessível,
e tudo o que eu tinha feito
- mesmo tendo gravado
 neste meio tempo – 
parecia tão distante do que eu era agora,
 que era a primeira experiência
que eu já tive na minha vida de nostalgia.”
Robert Wyatt,
sobre Shleep



Os Jogos Paralímpicos, ocorridos recentemente no Rio de Janeiro, trouxeram à tona o velho questionamento – muitas vezes, retórico e demagogo – das dificuldades e enfrentamentos que deficientes físicos têm de passar em suas vidas. Na arte, mesmo em tempos modernos como os de hoje, as barreiras são semelhantes. Quando se pensa sobre artistas famosos com deficiência logo vem à mente Stevie Wonder e Ray Charles, dois cegos que passaram por cima de seu problema físico por mérito, perseverança e, claro, talento. Mas outra cabeça genial também se enquadra nessa lista de artistas deficientes que souberam suplantar esse aspecto tanto pela superação quanto, igualmente, pela capacidade criativa. Está se falando do inglês Robert Wyatt, fundador e integrante da Soft Machine e um dos principais representantes da chamada cena de Canterbury, grupo de bandas e músicos do final dos anos 60/início dos 70 que misturavam com muita propriedade rock progressivo, psicodelia e jazz. Mas não só isso quando se fala de um criador de alta estirpe como Wyatt.

A inventividade harmonia e rítmica que Wyatt tirava da bateria na Soft Machine já denotava algo que seria determinante em sua obra solo a partir de 1º de julho de 1973. Pois neste fatídico dia, numa festa regada a muita droga, Wyatt, numa crise depressiva, se atira do terceiro andar de um prédio. Resultado: fica paraplégico. O que seria trágico para quem tem de usar as pernas para operar seu instrumento por completo foi transformado por Wyatt. Com dor e sacrifício, ele se reinventa como pessoa e como músico. Se sua figura hoje lembra a de um mago – barba branca e espessa, sobrancelhas angulosas e olhar firme –, não é coincidência. A expressão guarda as marcas de alguém que, talvez inconscientemente, tenha tido que buscar nas profundezas mais místicas de si próprio uma forma de fazer nascer um novo homem e artista diante da condição limitadora que a cadeira de rodas impõe. Impossibilitado de tocar bateria, ele, em contrapartida, especializa-se em vários outros aparatos musicais, tornando-se multi-instrumentista. Sua musicalidade provou, assim, ir além do instrumento em si, pois é de sua natureza, independente do timbre que produza ou da técnica que precise usar. Dentro de uma extensa e profícua discografia (tanto solo quanto em outros projetos), “Shleep”, de 1997, é uma joia que condensa seus melhores predicados.

O brilhante afro-pop “Heaps Of Sheeps” abre o disco em alto nível. Uma levada de guitarra soul, um baixo bem marcado e uma base de teclados norteiam esta embalada melodia, repleta de percussões e efeitos de sintetizador. Ademais, “Shleep” conta com a produção do mais habilidoso profissional das mesas de estúdio do rock internacional: Brian Eno. Artista de formação plural, alia sua sensibilidade e conhecimento musical e artístico a serviço do conceito dos trabalhos que produz, tornando-se, não raro, um coautor não creditado como tal – assim como ocorrera em “Zooropa”, do U2, ou “Dream Theory in Malaya”, de John Hassell. Mesmo também não coassinando este, é visível sua interferência na estrutura do repertório, na arquitetura sonora e nas marcantes participações, seja de seus teclados e sintetizadores, vocais ou arranjos. Ouvindo “Heaps...”, por exemplo, é impossível não lembrar-se de outras faixas de abertura de projetos de Eno, como “Home” (em “Everything That Happens Will Happen Today”, com David Byrne), “Lay my Love” (de "Wrong Way Up", com John Cale) ou “No One Receiving” (“Before and After Science”, solo). E como não perceber no refrão o toque de Eno no coro com aquele ar étnico? O vocal de Wyatt, entretanto, é um elemento único. Sua quase sufocada voz transmite ao mesmo tempo sapiência e sofreguidão.

“Shleep” segue com a engenhosidade harmônica das duas linhas de piano de “The Duchess” – uma em tempo 1 x 2 e outra 3 x 3, mas meticulosamente dessincronizadas –, que dão-lhe um caráter quase atonal. Lembra bastante a obscuridade da The Residents – banda, aliás, bastante influenciada por Wyatt. As frases do sax de Evan Parker, combinadas com uma flauta e o violino polonês de Wyatt, ao mesmo tempo emprestam dissonância e cores a esta canção de ninar macabra, que podia tranquilamente integrar a trilha de um filme de terror com criança. A atmosfera muda totalmente em “Maryan”, quando o trompete de Wyatt, sobre o dedilhar de um violão, começa a canção serpenteando acordes hispano-árabes. O djembê africano de Gary Azukx e o violino oriental de Chikako Sato adicionam-se. World music in natura. É quando entra a intrincada melodia de voz de Wyatt, a qual inclui a da esposa e parceira musical Alfreda Benge, formando a provavelmente mais complexa e bela canção do disco. Isso sem mencionar o solo de guitarra de outro fera que participa das gravações: o mestre Phil Manzanera. Tudo, claro, orquestrado pela maestria de Wyatt.

De fato, a inteligência musical de Wyatt sempre foi além do óbvio. Ligado às artes plásticas (é de sua autoria as pinturas e desenhos que ilustram todas as capas de seus discos), sua visão de arte vai além apenas dos sons. Por isso, sua música é tão completa e complexa. Do rock progressivo ele faz suscitar o dodecafonismo e a eletroacústica; sua leitura do jazz engloba a avant-garde e projeta o pós-jazz; a psicodelia não fica somente nos clichês, mas vai em busca de texturas próximas do concretismo, do minimalismo e do microtonalismo; as referências exóticas não se restringem apenas à música indiana ou oriental, mas bebem nos timbres e ritmos da Espanha muçulmana e da África negra e egípcia. “Was A Friend”, nessa proposta politonal e polirrítimica, é um jazz dissonante que quebra novamente o ritmo da sequência de faixas, o que, em termos de conceito de obra, é um expediente empregado por Eno na construção temática dos álbuns que produz afetuosamente aos amigos (“Everything...”, com Byrne, e “Outside”, com David Bowie, por exemplo, respeitam essa ordem).

Noutro destaque, a emocionante “Free Will And Testament” (“Livre vontade e testamento”), dá para captar na voz sentida e em registro agudo de Wyatt (de difícil afinação) o sofrimento pela condição da paraplegia, bem como a culpa pelo ato suicida que ainda o rondava mesmo quase 25 anos depois do acidente. “Vou ter a minha liberdade, mas dentro de certos limites/ Eu não posso desejar para mim ilimitadas mutações/ Eu não posso saber o que eu seria se não fosse ele/ Posso apenas imaginar a mim mesmo”. Um lamento do fundo da alma que gerou uma canção excepcional. Mudando de sintonia de novo, o pós-jazz “September The Ninth” remonta a Chick Corea de "Mad Hatter", a Carla Bley de “Escalator Over the Hill” e até ao microtonalismo de Harry Partch na ópera-lóki “Revelation in the Courthouse Park”.

“Alien”, composição de Wyatt e Alfreda, tem claramente o dedo de Eno no arranjo. Basta notar os característicos teclados espaciais ao fundo, os mesmos que se ouvem lá em "Low", de Bowie, e em outros vários trabalhos de Eno, principalmente os de ambient music. Aos belos vocais longilíneos de Wyatt somam-se percussões africanas bastante rítmicas e um baixo alto e bem marcado, revelando aos poucos outra grande faixa do álbum – a qual retraz, agora, a pegada world music experimentada por Eno com os Talking Heads em "Remain In Light", de 1979.

“Out Of Season”, intensa, também interliga vários pontos díspares: música de teatro, atonalismo, Debussy, jazz modal. E como se tudo estivesse propositadamente disperso, fora da estação. Porém, na montanha-russa proposta pelo autor, logo há uma nova tentativa de encontro de um centro tonal (e emocional) mais acolhedor, o que se nota na colorida – mas não menos dispersa –  “A Sunday in Madrid”. Aqui, Wyatt narra uma onírica e viagem à capital espanhola, numa letra de grande teor literário: “Pa chega à cidade das portas fechadas/ É recebido por mineiros das Astúrias/ Sua limusine estriada guarda as últimas brilhantes gavetas-caixas gigantes/ Amontoados para o calor/ Ele é depositado em sua câmara interna/ Mais tarde, Pa encontra o urso representando uma árvore/ Para confundir sentido de cheiro dos cães dos portões do inferno...”

Mais uma ótima é “Blues In Bob Minor”, um blues embalado que é levado numa base de órgão. O canto ininterrupto de Wyatt conta outra longa história, esta da existência sem sentido dos personagens Roger e Martha em meio à célere e burocrática vida urbana. Nessa, a guitarra carregada do ex-Roxy Music Manzanera faz um duo de improviso com a jazzística de Philip Catherine, noutro momento especial do disco. “The Whole Point Of No Return”, composição do amigo Paul Weller (Jam e Style Council), é uma pequena vinheta altamente lírica que encerra o disco numa versão tão personalizada que em nada lembra a original, de 1982. A base se sustenta num coro ao estilo do canto medieval, soturno e litúrgico, assinado pelo próprio Weller. O piano de Wyatt solta notas esparsas, dando a liberdade perfeita para seu trompete solar, que desfecha “Shleep” com a mesma complexidade e beleza que o perfazem desde o início.

Da discografia de Wyatt, muitos destacariam “Rock Bottom”, de 1973, como o pesquisador musical italiano Piero Scaruffi, que o coloca como o 2º maior álbum de rock de todos os tempos e entre dos 15 trabalhos mais importantes da música mundial na segunda metade do século XX. Não é para menos: gravado imediatamente após o acidente, é um registro fiel e pungente do então novo Robert Wyatt que o destino reservara (o título, pertinentemente quer dizer “fundo do poço”). Entretanto, o também celebrado “Shleep”, além de contar com a mão mágica de Eno na produção, é resultado de um artista, então aos 52 anos, maduro, tanto no que se refere à sua música e arte quanto a ele próprio enquanto pessoa e cadeirante. “Levei muito tempo para me recuperar do acidente”, confessou em entrevista na época do lançamento de “Shleep”. As questões da depressão estão igualmente presentes, bem como a reflexão de quem se é a busca de significados maiores. Se Wyatt chegou às respostas, só ele pode confirmar. O disco, no entanto, dá pistas desse olhar autocurador que ele lançou para dentro de si. Terapêutico para ele e um deleite para quem escuta.
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FAIXAS:
1. Heaps Of Sheeps (Alfreda Benge/Robert Wyatt) - 4:56
2. The Duchess - 4:18
3. Maryan (Philip Catherine/Wyatt) - 6:11
4. Was A Friend (Hugh Hoppe/Wyatt) - 6:09
5. Free Will And Testament - 4:13
6. September The Ninth (Benge/Wyatt) - 6:41
7. Alien (Benge/Wyatt) - 6:47
8. Out Of Season (Benge/Wyatt) - 2:32
9. A Sunday In Madrid - 4:41
10. Blues In Bob Minor - 5:46
11. The Whole Point Of No Return (Paul Weller) - 1:25

todas as composições de Robert Wyatt, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:






terça-feira, 7 de setembro de 2010

Miles Davis - "Kind of Blue" (1959)

"Quem é tocado por essa música [de Kind of Blue] muda para sempre. E se torna melhor do que é."
 Herbie Hancock



Fui convidado pelo autor deste blog a escrever a resenha sobre “Kind of Blue”, de Miles Davis, de 1959, simplesmente o disco de jazz de maior sucesso e vendagem de todos os tempos, tendo ultrapassado tranquilamente, mais de meio século depois de seu lançamento, a marca de 6 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. Volume este que continuará crescendo certamente, tendo em vista que diariamente exemplares de “Kind of Blue” são adquiridos por novos e antigos fãs. Eu mesmo sou mais um dentre esta multidão de admiradores.
 Então, diante de tal missão, perguntei-me: o que dizer deste fenômeno, uma obra que perdura a tanto tempo e da qual, principalmente, gosto tanto? Como dimensionar sua evidente inspiração a toda uma geração de artistas? Ou, ainda, explicar de que forma a gama de aspectos musicais e não musicais que “Kind of Blue” abarca, trazendo de vez para a música moderna as influências de culturas folclóricas, como os sons orientais, africanas ou hispânicos, e misturando tudo isso ao groove latino, à música erudita e a tradição negra americana? Como jornalista, uma das regras básicas da minha profissão é a de manter imparcialidade sobre o que se está analisando. O que fazer, então, quando se está na posição de crítico e amante ao mesmo tempo?
 A solução que achei foi a de me entregar à genialidade deste disco, perceptível a cada faixa, a cada solo, a cada fraseado de trompete, a cada base de piano, a cada vibração de corda do baixo, a cada ataque do saxofone. “Kind of Blue” já impressiona de cara pela “cozinha”. O quinteto formado por Miles tinha nada mais nada menos que o baixo seguro de Paul Chambers, a bateria swingada e elegante de Jimmy Cobb, o sax alto cheio de sentimento e alma gospel de Cannonball Adderley, o piano “branco” e mezzo-erudito de Bill Evans, o trompete genial e inteligentemente comedido do próprio Miles e o sax tenor do talentosíssimo John Coltrane, que, talvez, comporte todos esses elementos e mais um pouco. Trata-se da melhor banda de Miles, comparada somente a seu supertime de 1969, que contava com feras como Chick Corea, Herbie Hancock, Wayne Shorter e Ron Carter. O fato é que os quatro músicos que acompanharam Miles em “Kind of Blue” tornaram-se ou se solidificaram depois do álbum como alguns dos grandes nomes da história do jazz (incluindo aí Red Garland, que tocou piano em uma das faixas), mas principalmente Coltrane, que revolucionou o estilo, disco a disco, até a sua morte, em 1967.
 Mas e o disco? Bem, “Kind of Blue” começa com a célebre “So What”, um blues cadenciado e cheio de swing onde aparece pela primeira vez na história da música um negócio que Miles Davis vinha desenvolvendo (parte conscientemente e outra não) há mais ou menos uma década: o jazz modal. Embora se trate de uma invenção técnica, facilmente distinguida por músicos, para leigos como eu também não é difícil de reconhecer. Ou, pelo menos, “sentir” a diferença. O jazz modal – diferentemente da loucura criativa do be-bop, que aproveitava todas as escalas musicais ao extremo, ou do free-jazz, livre em concepção, como o título sugere – propunha uma, digamos, “simplificação programada” do jazz. Assim, as melodias eram compostas em escalas (por módulos = modal), o que gera uma base em que há poucas mudanças de notas mas, ao mesmo tempo, dá uma vasta liberdade aos solistas, que não precisam improvisar somente dentro do tradicional tempo 1-2-3-4. Um pequeno detalhe, mas uma verdadeira revolução que influenciou todo o jazz, soul, pop e rock que viria a seguir – isso, para ficar só nas contribuições à música, sem falar do cinema, artes plásticas, cênicas, etc.
 “So What”, com sua memorável abertura do diálogo entre baixo e piano, é, assim, um marco do jazz modal, formato que Miles e seu quinteto empregaram em todas as cinco faixas do álbum. E “So What” guarda ainda uma outra curiosidade. Nela, a visão pop do caleidoscópico Miles se evidencia: ouvindo com atenção, dá para perceber que sua base de sopros no chorus é idêntica a de “Cold Sweat” (veja o vídeo), de James Brown (a quem o jazzista admirava), considerado o primeiro funk da história. Porém, exceto por um detalhe: as notas estão na ordem inversa.
 O disco segue com outro jazz “blueseado”: “Freddie Freeloader”, tema que contém o talvez mais impressionante solo já tocado por Coltrane. Depois do número elegante de Miles, Trane entra literalmente rachando com toda emoção e potência, vazando o som do seu sax para todos os microfones do estúdio e obrigando o operador da mesa a reduzir o volume manualmente na hora. O que seria uma falha na gravação para um artista comum, fazendo com que se repetisse a sessão, por causa da sensibilidade de Miles ficou assim mesmo e assim se eternizou.
 A lindíssima balada “Blue in Green” vem na sequência, uma provável parceria de Miles com o Evans onde o pianista conduz a melodia. Bem, “melodia” não é bem o termo certo. Criada sob a linha modal de notas cool que variam em poucas escalas, e com claras influências eruditas emanadas do piano quase clássico de Evans, “Blue in Green” não tem uma melodia propriamente dita. Não fica evidente um acorde básico ou um riff. Mesmo assim, sua aura é tão palpável que quem a escuta jamais se esquece de como ela é.
 Outra pérola inesquecível de “Kind of Blue” é a hipnótica e sensual “All Blues”, na qual se veem nuanças hispânicas, afro e da vanguarda erudita. Nela, o piano mantém constantemente um trinado que parece com marimbas espanholas tremulando, enquanto os sopros executam o chorus lentamente, em longos e lânguidos riffs fraseados que definem a base do tema. Para matar a pau, o Miles inicia uma segunda frase melódica com um longa nota, que se estende, parecendo dar asas à canção. Ajudado pelo som de escovinhas raspando no tarol, o famoso som repetido do piano gera uma sensação mágica de circularidade, muito bem traduzida para o audiovisual pelas lentes de Spike Lee, no filme "Mais e Melhores Blues" de 1990.
 A obra-prima finaliza com outra de ares ibéricos: “Flamenco Sketches”, tão rica e densa musical e conceitualmente que serviu de inspiração não para mais uma música, mas para um disco inteiro de Miles Davis chamado “Sketches of Spain”, de 1960. É mole ou quer mais?

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 Antes e depois de “Kind of Blue”, Miles Davis revolucionou a música moderna uma porção de vezes. Por isso, vale destacar pelo menos duas obras que se incluem nesta lista e que foram importantes na formação do jazz modal que desembocaria em “Kind of Blue”: “Walkin’” e “The Birth of the Cool”, ambos de 1954.

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 Como todo grande disco, um “The Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd, ou “Exile on Main Street”, dos Rolling Stones, “Kind of Blue” carrega lendas. Uma delas – e que se constatou ser verdade quase 40 anos depois – é a de que a gravação impressa em milhões de exemplares e que se popularizou no mundo todo por décadas estava milésimos de segundo mais lenta que o normal, pois se tratava da cópia extraída de uma master com um leve defeito. Hoje, é possível adquirir a versão corrigida, mas muitos veem nesta falha um toque divino, mantendo-se fiéis ao registro “original”.

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O livro sobre a história da obra-máxima
de Davis
O autógrafo do mestre Hermeto
no livro do 'parceiro' Miles
 Para finalizar, dia desses encontrei no Aeroporto de Porto Alegre o compositor e multi-instrumentista brasileiro Hermeto Pascoal. Pedi-lhe um autógrafo no primeiro papel que vi, meu livro, o que ele prontamente atendeu. Para não lhe dar a impressão de que gastaria tinta em qualquer papel, eu, na minha ignorância, comentei que estava lhe dando para assinar uma obra que abordava o tema música: era “Kind of Blue: A História da Obra-prima de Miles Davis”, do jornalista americano Ashley Kahn. Afinal, jazz e Hermeto Pascoal é quase a mesma coisa, né? O “albino Hermeto” (que de fato não enxerga muito bem, como disse Caetano Veloso), comentou-me, então, com toda simplicidade que conhecera Miles Davis no final dos anos 60, e que tocara junto com ele. (!) Não só: que justo o para mim tão mitológico Miles havia gravado duas canções dele, Hermeto, em um disco que ele não lembrava ao certo o título e de quando datava (vejam só!). Enfim, estupefato pelo desapego do genial Hermeto busquei no Google e encontrei o tal disco: chama-se “Live Evil”, de 1967, considerado por alguns como um álbum “demoníaco”. Quem quiser conhecer, benza-se antes de ouvir. Cruz-credo!

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Ouça:
Miles Davis Kind Of Blue



por Daniel Rodrigues





Daniel Rodrigues é jornalista formado pela PUC/RS, curioso e pesquisador de música, é aberto a todos os estilos demonstrando, contudo, especial interesse e conhecimento pelo jazz. Também, por incrível que possa parecer, direciona grande parte de suas atenções ao punk-rock, suas origens e vertentes, estilo sobre o qual inclusive baseou o tema de sua tese de diplomação relacionando-o com a evolução da moda.
Daniel além de tudo isso é meu irmão e foi integrante comigo da banda 'punk-putaria-core', HímenElástico.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Airto Moreira - "Seeds of the Ground" ou "The Natural Sounds of Airto" (1971)



Capa original, de 1971, e a da reedição
em CD, de 1994
“Airto tem um curto período de tempo [nos Estados Unidos] e já tem um impacto importante aqui. Sua influência, expressões criativas e sons inovadores têm sido fortemente sentidos por muitos de nossos principais músicos. O som único de Airto beneficia-se fortemente da compreensão da necessidade de melhores métodos de comunicação – uma necessidade que ele sente que pode ser respondida através da música”. 
Bob Small, produtor musical

A virada dos anos 60 para os 70 foi um momento especialmente frutífero para músicos brasileiros no mercado internacional. Após uma primeira leva de compositores, cantores, instrumentistas e arranjadores descobertos pelos gringos por conta da bossa-nova, vários outros aproveitaram o prestígio já estabelecido da musica brasileira no exterior para abrir novas frentes. O principal destino: Estados Unidos. É quando talentos como Hermeto Pascoal, Dom Um Romão, João Donato e Eumir Deodato, entre outros, partem de mala e cuia para residir naquele que é maior mercado da música no mundo.

Caso de Airto Moreira. O já experiente percussionista catarinense, que, no Brasil, havia integrado os célebres trios Sambalanço (com César Camargo Mariano e Humberto Cláiber) e Sambrasa – ao lado de Hermeto e Cláiber –, além do igualmente icônico Quarteto Novo – novamente ao lado do “Bruxo”, mas também contando com Theo de Barros e Heraldo do Monte. Em 1967, participa do III Festival de Música Popular Brasileira, acompanhando Edu Lobo e Marília Medalha na interpretação da vencedora "Ponteio", a qual coassina com Edu o arranjo. Êxitos obtidos, o negócio era, agora, alçar outros voos.

Dono de um tempo rítmico que abarcava a sutiliza harmônica da bossa nova ao arrojo do jazz moderno, Airto, já em terras yankees, foi impulsionado definitivamente no disputado meio do jazz com a participação no referencial “Bitches Brew”, de Miles Davis, em 1969. Foi em apenas uma faixa (“Feio”), mas o suficiente para pô-lo no rol dos músicos da primeira linha. Tanto é que, um ano depois, veio o primeiro disco solo: “Natural Feelings”, pela Buddah Records, uma joia do jazz fusion com a cara daquilo que só um artista brasileiro é capaz de conceber mesmo longe de casa. Tão melhor que o álbum de estreia, no entanto, é “Seeds of the Ground”, de 1971, onde Airto, acompanhado do inseparável Hermeto (piano, teclados, violão e flauta), responsável pelas composições e arranjos, da magnífica Flora Purim aos vocais, do mago do baixo acústico Ron Carter e a maestria de Sivuca (violão e acordeom), deságua toda a sua inventividade enraizada na cultura brasileira mas conectada com a vanguarda internacional. E ali eram o lugar e a hora perfeitas para deixar fluir esta nova música.

“Andei”, que abre “Seeds...” (também intitulado como "The Natural Sounds of Airto"), deixa bem clara a proposta. Trata-se de um baião nordestino, que inicia com o som característico do Brasil: o de um berimbau. Em seguida, a potente bateria de Airto entra, carregando consigo toda a banda e os próprios vocalizes, formando uma sonoridade cheia e quase funkeada. O baixo de Ron, brasileiríssimo, dialoga com o berimbau. Ainda, a flauta de Hermeto completa a intensa atmosfera com aqueles solos que somente ele sabe extrair. Um “cartão de visitas” irrepreensível. Além disso, como classificar uma peça ímpar como esta? Um baião-fusion? Um brazilian-groove? Ou um ethnic-funk? É o talento do músico brasileiro dando um nó no sempre tão inovador jazz.

A incrível “O Sonho” traz pela primeira vez no disco a voz de Flora, esposa de Airto. A abertura onírica e dissonante, que remete ao abstratismo de Gil Melle e Don Cherry, logo se resolve em um jazz modal em que Airto e Hermeto estão especialmente afinados, um na bateria e o outro no piano elétrico – este último que, aliás, manda ver num longo e inspirado improviso. E Flora, então?! Que performance! Sua voz desenha com naturalidade a complexa e variante linha melódica, mudando de escalas e tons e, principalmente, dando unidade a este devaneio sonoro. Além de tudo isso, Flora ainda inventa de soltar gritos e sussurros pra lá de sensuais ao final da faixa. Caramba! De arrepiar.

Airto como a esposa e cantora Flora Purim e o parceiro
Hermeto: união de craques da música brasileira nos EUA
Na sequência, vem a bucólica e soturna “Uri”, que, pela atmosfera sertaneja e idílica, bem poderia compor a trilha de algum filme ou peça teatral baseada em uma obra da Guimarães Rosa. O violão sustenta a base, enquanto Airto intercala diversos instrumentos de percussão (chocalhos, tímpano, temple block e outros). A voz do coautor Googie e a de Flora, especialmente, que vai do agudo ao grave num lance, convivem com contracantos, gritos e vocalizes. Outro craque brasileiro vivendo na terra de Charlie Parker, Sivuca, em uma de suas participações, solta notas densas do acordeom, ampliando o clima sombrio e contemplativo. Mais uma mostra da contribuição sui genneris do Brasil para a música moderna que se produzia no exterior àqueles idos.

O baião aparece novamente em “Papo Furado”, em que Airto, brilhante na instrumentalização da percussão junto com outro ilustre convidado, Dom Um Romão, divide vocais com Hermeto, este, segurando todas no violão. O mesmo pode-se dizer de Carter, que parece ter vestido gibão e entrado no forró. A romântica “Juntos”, noutro clima, exige mais uma vez de Flora habilidades vocais – as quais ela, claro, mostra dominar totalmente dado a grande cantora que é. O tom baixo, que pede cuidado na afinação, dá um charme todo especial ao número, o qual conta, como em “Andei”, com o solo de flauta de Hermeto. Uma febril balada jazz, que faz remeter a Sarah Vaughan dos anos de Columbia.

“Seeds...” encerra com duas versões de “O Galho da Roseira”, composição de Hermeto originalmente de 1941, que era cantada por seus pais durante os trabalhos da roça em sua infância no interior de Alagoas. Porém, não se trata apenas de dois takes lançados ao final do disco com pequenas diferenças entre si, haja vista que ficam quase irreconhecíveis de uma para a outra. A parte 1, bem fiel à estrutura original – visto que arranjada pelo próprio Hermeto –, traz já de início o acordeom de Sivuca em solfejos serenos junto com as vozes de Hermeto e Flora. Até que, então, entra o restante do time, com Ron impressionando em suas modulações típicas no braço do baixo, Dom Um diversificando as texturas (sinos, chocalho, reco-reco, temple block) e Hermeto fazendo suas “bruxarias”, como transformar um violão em rabeca. Mas em termos de violão, a criatividade da turma não para por aí, porque contam com as mãos mágicas de Sivuca, que larga a gaita para pegar a viola caipira, num dos solos mais brilhantes do disco. Hermeto, no entanto, não fica atrás em um novo improviso, agora, no eletric harpsichord, articulando um momento modal ao tema tipicamente rural.

“O Galho...”, que recebeu da crítica o título de uma das melhores de 1971, ganha, na versão 2, caráter de um típico jazz fusion, como o que Airto contribuiria a partir daquele ano na banda Return to Forever ao acompanhar o pianista norte-americano Chick Corea em um de seus melhores momentos da carreira. Airto, como na faixa anterior, deixa tudo para os companheiros Ron, Hermeto, Sivuca e Dom Um, que se soltam, fechando o disco com uma pegada mais jazzística impossível.

Depois de “Seeds...”, vieram outros projetos de prestígio de Airto, a contratação pelo cultuado selo CTI, a participação na legendária Weather Report e a formação de uma nova banda. Bastante ativo nas décadas seguintes e ainda hoje vivendo nos Estados Unidos, Airto virou, merecidamente, uma lenda do calibre de Wayne Shorter, Herbie Hancock, Stanley Clarke, Keith Jarrett, George Benson, Jaco Pastorius e George Duke, parceiros com quem tocou. Mas o fato é que, por obra natural do destino, a fenomenal banda responsável por “Seeds...” nunca mais voltou a tocar junta. Isso faz com que o disco ganhe ainda mais importância por ter registrado um momento especial da música brasileira em que esta nada devia a qualquer outra que estivesse sendo produzida àquela época. Pelo contrário: estava dando exemplo e ensinando ao mundo um pouco de ginga, que só um brasileiro é capaz de oferecer.

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FAIXAS:
1. Andei (I Walked) - 2:40 
2. O Sonho (Moon Dreams) - 7:45 (Ray Evans/ Jay Livingston)
3. Uri (Wind) - 6:10 
4. Papo Furado (Jive Talking) - 3:29 
5. Juntos (We Love) - 3:22 (Hermeto/ Flora Purim)
6. O Galho Da Roseira (The Branches Of The Rose Tree) - 7:54
7. O Galho Da Roseira (The Branches Of The Rose Tree) Part II - 8:21
Todas as composições de autoria de Hermeto Pascoal, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Airto Moreira - "Seeds of the Ground"

Daniel Rodrigues

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Winston McAnuff & Fixi – Festival MIMO – Praça Tiradentes – Ouro Preto/MG (30/08/2014)




Os três mandando ver
na histórica Praça Tiradentes
Sabe aquelas lances da vida que te surpreendem porque tu não tinhas prestado atenção na mensagem que o destino já tinha te dado? Pois a cenográfica Ouro Preto foi-me cenário para uma ocasião dessas. Afinal, só o destino explica porque Leocádia e eu cruzamos com aquela figura horas antes de iniciar o show que nos inebriaria e não o tenhamos reconhecido. Sim: topamos a centímetros com Winston McAnuff na histórica Praça Tiradentes durante uma de nossas caminhadas vespertinas pelas ruas da cidade. E mais: ele ficou nos mirando debruçado sobre uma mureta, com seus óculos escuros azuis e cabelos dread, como se nos convidasse para uma conversa, e... não o identificamos. Nem sequer puxamos a máquina fotográfica, que estava conosco!

Pois a nossa falta de oportunidade – e de informação –, talvez, não tenha sido à toa. Não sabíamos que aquela entidade negra que nos olhara tão de perto no local onde a plateia fica – e que, horas depois, seria por nós olhado daquele mesmo ângulo sobre o palco –, tratava-se de uma das lendas do reggae jamaicano, com passagem pela banda Inner Circle e de carreira solo consistente desde o final dos anos 70. Soma-se a isso o fato de que o jazzista Chick Corea, principal atração do Festival MIMO e motivo maior de termos ido até lá naqueles dias, cancelara seu show por não ter conseguido sair da Argentina em virtude da greve geral naquele país. Ou seja: não havíamos nos preparado para nenhuma outra programação. Mas, em contrapartida, se já soubéssemos o que presenciaríamos naquela noite não seria uma gratíssima surpresa assistir ao “Electric Dread”, como é apelidado, juntamente com outros dois (apenas dois!) músicos: o multi-instrumentista francês Fixi e o percussionista Marc Ruchmann. Somando, apenas três no palco. Mas tinham muitos ali, com certeza. Apoiado pelo espírito de Jah, a quem McAnuff invocou no começo da apresentação, eles deram um show memorável.
Fixi comandando a banda 
com seu acordeom

O show é baseado no álbum “A New Day”, projeto de McAnuff em colaboração com Fixi, de 2013. Aí começa a operar a benfeitoria do destino, pois tivemos a chance de ouvir as músicas do repertório primeiramente ao vivo, visto que, no estúdio, se não chegam a ser decepcionante, é bem menos impactante. Isso porque, ao vivo, o que se viu foi um trio totalmente tomado pelos sons, cada um a seu estilo, cada um com suas preciosidades.

Começando por Ruchmann, que mais parecia um monge tocador. Sentado ao fundo do palco de pernas cruzadas, ele combinava beat-box vocal com dois aparatos de bateria eletrônica e um prato em sua volta. Apenas. O suficiente para dar a impressão de que tinha todo o Olodum ali. Sua precisão e capacidade rítmica conseguiam imprimir com desenvoltura os mais variados climas e ritmos, indo do reggae ao dub, do punk rock ao trance. Já Fixi, arranjador e centro harmônico da banda, alternava piano, teclado e acordeom. Mas que acordeom! Parecia sair dali uns 20 instrumentos diferentes, de tão bem explorados o fole, o teclado e o diapasão. Além disso, o cara vibrava, dançava, girava alucinadamente a cabeça. Era contagiante sua entrega. E melhor: mantinha a base e não saía do tom jamais.

E o que falar de Winston McAnuff, então? Nossa: que cantor. Daqueles que cantam com a alma negra, como um Ray Charles ou Ibrahim Ferrer, mas que, acima de tudo, conhece a projeção da voz no ambiente ao vivo, sabendo usar as reverberações e extensões da própria emissão como poucos. Performático, lembrava, inevitavelmente, Bob Marley, haja vista a força espiritual e a influência que o “pai do reggae” tem na Jamaica. Mas não fica só nisso. Múltiplo e aberto a todos os ritmos do mundo, fez, com Fixi, o skank de Mandeville e o folk francês de Paris se aproximarem da tecno de Londres, do blues de St. Louis, do jazz de Chicago, do soul de Detroit, da polca Tcheca e até do baião nordestino!

McAnuff no palco do MIMO
sob a luz de Jah
A cada execução, íamos nos surpreendendo cada vez mais. Era uma melhor atrás da outra! Em “Garden of Love”, música de trabalho do disco, McAnuff remete ao fraseado de Bob e Tosh enquanto Fixi imprime-lhe um ar de folclore escandinavo, o mesmo com “1, 2, 3”, cujo riff de gaita é tão perfeitamente mantido que parece eletrônico, tal como a batida da percussão. “You and I”, funk com seu riff curto e repetitivo, é um James Brown afrobeat com ares de Jamiroquai e PIL. “Wha Dem Say”, outra espetacular, cadenciada e lírica, permitiu a McAnuff soltar o gogó sobre uma performance quase jazzística da dupla de instrumentistas. Já “Johnny” (personagem recorrente nas canções regueiras) é um misto de reggae e blues que, mais uma vez, deu a McAnuff a oportunidade de pôr o groove pelos pulmões, o que conquistou de vez a parcela do público que ainda se intimidara com o frio da noite de Ouro Preto.

A partir dali, com o público definitivamente cativado, foi só manter a mesma qualidade e alma. Exatamente o que aconteceu com “Heart of Gold”, de construção esquisita mas altamente pop; “A New Day”, linda, sustentada só no piano; e “Let Him Go”, com a qual o vocalista chamou a plateia para acompanhar no canto e nas palmas. Ainda “Things Happen”, drum’n’bass bem jazzy e minimalista e, para cair ainda mais nosso queixo, “Don’t Give Up” na qual Fixi simplesmente mandou no piano, na abertura, os acordes de “O Guarani”, do compositor brasileiro erudito Carlos Gomes!

No bis, mais surpresas. Depois de uma balada emocionante, tocaram, com ciência do que estavam fazendo, “If You Look”, um lindo baião-Gonzaga, que cresce no seu decorrer para se transformar em um trance atmosférico e sideral. Que musicalidade, que energia, que multiplicidade de ritmos. Se existe a world music, é aquilo que vimos. Momento realmente especial ter vivido aquilo sob a neblina cinematográfica da noite de Ouro Preto, atmosfera que nos impele, inevitavelmente, a certa sensação de ilusão. Chegamos a nos perguntar: “foi verdade?”. “O que o destino, Deus, Jah, quis nos dizer com o cancelamento do show de Corea, com aquela identificação de olhares que tivemos com McAnuff à tarde, e para coroar, com o maravilhoso show que assistimos?” Talvez as respostas nos faltem. Mas que foi verdade, foi. E foi demais.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Música da Cabeça - Programa #202

 

Convenhamos: é infalível montar uma arte com as poesias do mestre Augusto de Campos, né? Celebrando os 90 anos do grande poeta concretista, mas também lamentando a partida da lenda Chick Corea, o MDC de hoje vem sem ziriguidum, mas com muita coisa boa. Luiz Melodia, Sex Pistols, Ely, Caetano Veloso e Cibo Matto estão entre elas. Ainda, os quadros e muito mais. Se o teu Carnaval não teve batucada, vem escutar o programa hoje, às 21h, na Rádio Elétrica, que vai dar samba. Produção, apresentação e tamborim guardado: Daniel Rodrigues.




segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Wayne Shorter - "JuJu" (1965)



“Quando escrevi a música 'JuJu', 
estava pensando na África. 
Sua estrutura é um pouco reminiscente da simplicidade de um canto africano”. 
Wayne Shorter


A cultuada banda formada pelo pianista McCoy Tyner, o baterista Elvin Jones e contrabaixista Jimmy Garrison ficou conhecida como o trio que acompanhou John Coltrane no seu período áureo por quase cinco anos. Mas, na prática, embora o êxito desse encontro e o longo período de parceria com o saxofonista autor de “A Love Supreme”, as coisas não eram assim tão exclusivas. Se e a afinidade musical fazia com que ganhassem essa marca junto a Coltrane, a mesma qualidade lhes garantia sucesso em outros projetos. Afinal, o período, primeira metade dos anos 60, era o de maior fertilidade do jazz pós-bop e, além do mais, os músicos da época conviviam e se trocavam sadiamente. Tanto que, praticamente a mesma banda, com ocasionais substituições, é responsável por discos como “Matador”, do guitarrista Grant Green (1964), “McCoy Tyner Plays Ellington”, de Tyner (1963), e outro magnífico álbum da época: “JuJu”, em que o grupo apoia outro mestre do sax alto: Wayne Shorter.

Com o mesmo vigor e brilhantismo que os faz ostentar a aura de melhor quarteto de todos os tempos do jazz, Tyner e Jones, desta feita acompanhados por outra fera do baixo, Reggie Workman, montam o palco ideal para a exibição de Shorter em “JuJu”. Numa estrutura parecida com seu disco imediatamente anterior, a obra-prima “Night Dreamer” (1964), que contava com esse mesmo time de músicos, “JuJu” inicia, assim como na abertura do outro disco, com uma intensa faixa-título. Trata-se de um bop modal em que ninguém fica para trás, nem band leader nem seus acompanhantes. O trio da “cozinha” não poupa, esbanjando inventividade nas variações sobre a escala. Tyner solta ataques abertos nas teclas brancas; Jones, polirrítmico, engendra um compasso 3/6 cheio de variantes; Workman, por sua vez, desliza os dedos em impulsos constantes sobre as cordas. Mas tudo, claro, a serviço do sopro de Shorter. Majestoso. Altivo. Carregado. Inspirado nos ritos religiosos da África ancestral (o ritual “voodoo” é a versão para “juju” no Haiti), é ele quem – com exceção do solo de Jones no meio do número – preenche do início ao fim a faixa unindo lirismo e ferocidade, disciplina e instinto.

O toque fugidio e aparentemente impreciso da abertura de “Deluge”, o tema seguinte, revela, assim que a melodia se define, que aqueles acordes eram, sim, sua assinatura. Jazz elegante e bluesy, tem um dos mais bonitos riffs criados por Shorter, exímio melodista autor de boa parte de seu próprio repertório e cujas músicas foram gravadas por vários outros artistas, de Miles Davis a Chick Corea. Assim como "Oriental Folk Song", também uma segunda faixa, no caso, no referencial “Night...”, “Deluge” guarda certo exotismo e mistério. Por contar apenas com o sax de Shorter como metal, assim como ocorre em todo o disco, a canção traz a marca forte do seu autor, que tem liberdade para desenvolver os improvisos sem “dividir” o tempo/espaço com outro solista (como em “Night...”, onde o trompete de Lee Morgan faz o segundo sopro). É Shorter brilhando livre com o rico amparo da estelar banda.

Caso da romântica “House of Jade", daquelas baladas dilacerantes de Shorter tal qual “Virgo”, igualmente terceiro número do disco anterior e cujo sentimentalismo é tão arrebatador quanto. Tyner está especialmente clássico, mostrando o quanto ele e outro genial pianista contemporâneo seu, Herbie Hancock, dialogavam. Nota-se Gershwin e Rachmaninoff no seu dedilhar onírico e inteligente, sabendo preencher o espectro sonoro com delicada precisão. Jones, capaz de oscilar da intempestividade à doçura, arrasta e bate a escovinha de leve, quando não solta a baqueta com mais intensidade nos pratos e na caixa. Workman, por sua vez, impecável ao extrair um blues triste do baixo, quase choroso. E Shorter, então?! Quanta beleza! Sopradas lânguidas, macias mas bem pronunciadas, variando das mais inventivas formas o tema central. A 3min30’, uma ligeira guinada para um blues mais embalado, quando se acelera levemente o compasso. Não o suficiente, contudo, para tirar-lhe o caráter lírico. Tyner, a pouco menos de 5min, ensaia um breve solo para, então, Shorter retornar e fechar com a mesma carga sentimental que rege “House of Jade".

Caso também de "Mahjong". Nesta, é a bateria que dá o tom, abrindo a faixa com variações de tan-tan e prato num ritmo sincopado, exótico. Tyner entra com um 3/2 modal como é sua especialidade. Aí, novamente, aparece a lindeza do riff de Shorter, em que as sonoridades orientais, tanto da Índia quanto do Extremo Oriente, se revelam mais presentes, igual o fez em "Charcoal Blues" de “Night...”. Após a abertura, Tyner, num dos momentos mais célebres do disco, engendra um solo de mão direita intrincado, enquanto sustenta com a esquerda a base. Parecem dois pianistas tocando – mas não é. Para responder a tal maravilha no mesmo nível, Shorter volta à carga para hipnotizar o ouvinte. Encadeamentos sobre uma escala de apenas 5 notas se dão em profusão, os quais vão se intensificando em figuras ora dissonantes, ora espirais. Totalmente a ver com a inspiração do tema, uma vez que o “mahjong”, um jogo de mesa de origem chinesa, tem peças que envolvem, justamente, imagens circulares.

A embalada “Yes or Not” já diz a que veio quando o sax Shorter larga soltando o riff. Depois, são quase 6min só de improviso, em que ele explora com agilidade escalas de tons inteiros formando relações diversas. No embalo, Tyner improvisa com igual desenvoltura valendo-se das mesmas premissas construtivas.

A talvez menos “espelhada” em relação a “Night...” seja, justamente, a música que encerra o álbum. Enquanto "Armageddon" finaliza aquele disco carregando na atmosfera avant-garde com dissonâncias e arroubos, a charmosa "Twelve More Bars to Go" é, como o próprio título diz, um passeio fagueiro pelas ruas de Nova York atrás de (mais 12) bares para se tomar um bourbon e ouvir um jazz. Bonito detalhe são os lances em que Shorter, na empolgação do improviso, acaba afastando o bocal do sax do microfone, gerando redução no volume da captação. O engenheiro de som, Rudy Van Gelder, com a habilidade e sensibilidade incomum que tinha, sabiamente não “corrige” a diferença nem durante a execução e nem depois. O que para muitos seria uma falha, nas mãos de Van Gelder vira um acerto divino.

Até mesmo a sonoridade límpida e equalizada dada por Van Gelder e a mais uma vez impecável arte de Reid Miles se repetem de “Night...” para “JuJu”, mostrando o quanto Shorter acertara neste conceito de obra, sua primeira pelo renomado selo Blue Note, o qual carrega toda a bagagem do hard-bop e que serviria de modelo para outros trabalhos igualmente inesquecíveis do artista logo em seguida, como “Speak no Evil”, “Etcetera” (ambos de 1965) e “Schizophrenia” (1967). No entanto, “JuJu”, tão mítico quanto estes, é, acima de tudo, um álbum único, haja vista todas essas suas qualidades, que o fazem chegar, bem dizer, à perfeição.

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FAIXAS:
1. "JuJu" - 8:28
2. "Deluge" - 6:49
3. "House Of Jade" - 6:49
4. "Mahjong" - 7:40
5. "Yes Or No" - 6:35
6. "Twelve More Bars To Go" - 5:26
Todas as composições de autoria de Wayne Shorter

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

4ª Feira de Vinil Gira Música - Casa da Polônia - Rio de Janeiro/RJ (1º/09/2019)



O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.

A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há  4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.

Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar

Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:



“Limite das Águas” – Edu Lobo (1976)
Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.


“Libertango” – Astor Piazzola (1974)
Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.



“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento” ou “Love and Passion”  Sarah Vaughn (1987)
A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.

“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”  Ryuichi Sakamoto (1983)
Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.


“Stories to Tell” – Flora Purim (1974)
Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?! 




“Amor de Índio” – Beto Guedes (1978)
Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa e fanpage Gira Brazil - Gira Música