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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Sex Pistols "Nevermind the Bollocks, Here's the Sex Pistols" (1977)



"Eu sou o anticristo
Eu sou um anarquista"
da letra de
"Anarchy in the U.K."



Um aquisição tardia, mas ainda muitíssimo válida foi a que fiz recentemente do clássico “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”. Já tivera por algum tempo o LP em minha casa mas não era meu, depois gravei numa fita cassete e adorava ouvir no walkman, agora finalmente o tenho em um formato decente, com qualidade, na versão remasterizada em CD.
Lançado em 1977, “Never Mind the Bollocks...” permanece ainda hoje como um dos álbuns mais importantes e influentes de todos os tempos, não se limitando à esfera musical; na qual diga-se de passagem, não teve grande contribuição técnica de qualidade, uma vez que os músicos eram extremamente amadores e fracos; mas estendeu-se a níveis até mesmo comportamentais e sociais; só que em dizendo-se que a música era pobre tecnicamente, não significa dizer eu não fosse boa. Pelo contrário. Os riffs simples, melodias criativas com três ou quatro notas, o peso, a crueza, a aspereza do som lhe conferiram o caráter eterno dentro do mundo da música. Legado valioso que permanece até hoje desde uma Lady GaGa até um Slipknot.
É certo que não foram os Pistols que criaram a fórmula. A coisa foi chegando até lá: Velvet, Doors, Stooges, Television, todos estes fizeram o caminho. Mas foi com o time do sagaz Johnny Rotten que se encontrou a química perfeita. “Nevermind the Bollocks...” tem a fúria, a sujeira, o sarcasmo e a audibilidade na medida certa.
O disco abre com sons de uma marcha de soldados, encaminhando “Holidays in the Sun” seguida da pedrada “Bodies” com sua letra crua sobre aborto. “Liar” é outra bomba, “Problems” é marcante principalmente pelo seu final maquinal, “EMI” é toda deboche à indústria fonogáfica, mas é em “Anarchy in the UK” que Johnny Rotten sintetiza toda a fúria punk quando cospe toda sua raiva vociferando “Eu sou o anticristo, eu sou um anarquista”. No fim das contas ouvindo a predição pessimista de “God Save the Queen”, é de se pensar o que teria sido do futuro sem ‘Nevermind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”?
Hoje sabemos. Ele precisava mesmo ter existido.
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FAIXAS:
01 - Holidays In The Sun
02 - Bodies
03 - No Feelings
04 - Liar
05 - Problems
06 - God Save The Queen
07 - Seventeen
08 - Anarchy In The U.K.
09 - Submission
10 - Pretty Vacant
11 - New York
12 - E.M.I

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Ouça:
Never Mind The Bollocks, Here The Sex Pistols


Cly Reis

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Morre Malcolm McLaren

E morreu Malcolm McLaren.
Um oportunista? Um visionário? Um filha-da-puta? Um gênio? Um talento?
Um pouco de tudo isso.
McLaren, entre tantas incursões no mundo pop, tentativas, sucessos, fracassos, teve sobremaneira, o mérito de inventar o Sex Pistols e dar uma cara para o punk.
Não, ele não criou um guarda-roupa, não criou um estilo, nem uma linguagem. Ela estava ali! A coisa toda era um porcesso. Ele só viu isso no momento certo e encontrou os "instrumentos" certos: quatro jovens de classe pobre, operéria, cheios de indignação e um líder-vocalista, cheio de fúria e verso rascante. Deu no que deu: Sex Pistols. E "Nevermind The Bollocks", deles, não só mudou a história da música, como também do comportamento. E Malcolm McLaren, por mais chato que fosse (e era), foi parte importantíssima de tudo isso.
Aos 64 anos e vítima de um câncer, McLaren foi fazer companhia a seu pupilo Syd Vicious.





C.R.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

The Sonics, The Wailers & The Galaxies - "Merry Christmas" (1965)


“Gozação com alegria e contemplação particular. A The Sonics capturou o espírito dessas duas atmosferas na contribuição para o álbum”.

“Em ‘Christmas Album’, eles [The Wailers] capturaram o clima que desejavam: a sensação de Natal em um novo estilo”.

“A The Galaxies expressa sons frescos e velozes como a neve do Natal” 
Textos da contracapa do disco

Convenhamos: não é todo mundo que gosta de Natal. Talvez até mais pessoas que se suspeite, porque tem um monte das que verbalizam não gostarem e aquelas que se entristecem nessa época, resgatando tudo de ruim que aconteceu na vida inteira assim que dezembro entra. Quem não tem um parente ou amigo assim, que jogue a primeira pedra. Pois foi celebrando essa desconformidade, esse descompasso com as festas natalinas que o selo alternativo norte-americano Etiquette Records lançou, em 1965, “Merry Christimas”, o qual reúne faixas de três grupos de seu cast: The Sonics, The Wailers e The Galaxies.

No álbum “descomemorativo” está a raiz daquilo que se fortaleceria a partir de então nos EUA e na Inglaterra: as garage bands. Psicodélicas e arraigadas no rock e no blues, elas passariam a ser chamadas de proto-punk anos mais tarde por terem aberto caminho – mesmo sem saberem que estavam fazendo isso – para que Sex Pistols, Ramones, The Clash, Dead Boys, Buzzcocks e outras reivindicassem de vez a anarquia punk. Pois as três bandas de “Merry...”, juntamente com contemporâneas como The Chocolate Watchband, The Seeds, Deviants, The Troggs, Monks e outras, já criavam, quase uma década antes da onda punk explodir em Nova York e Londres, um som inconformado, agressivo e fora dos padrões da grande indústria. O pop-rock eles deixavam para os astros Beatles, Rolling Stones, Byrds e cia. Eles queriam mesmo era dar sua mensagem de contrariedade e fazer barulho. Muito barulho. Filhos dos mesmos traumas e transformações sociais do pós-Guerra, cabia a eles escancarar o grito contra o establishment. Nada mais apropriado para se criticar, então, do que um dos símbolos do capitalismo: o Natal.

Nessa, sobrou, claro, para o Papai Noel. A desavença com o Bom Velhinho fica clara na primeira faixa: “Santa Claus”, dos Sonics. Na letra, o jovem roqueiro cheio de ilusões pergunta: “Papai Noel, onde você tem andado?/ Eu estive esperando aqui apenas para deixá-lo entrar/ Sim, Papai Noel, o que você tem nas suas costas?/ Existe algo para mim que dentro de saco?/ Eu quero um carro novo, uma guitarra twangy/ uma pequena bonita e muito dinheiro/ Papai Noel, você não vai me dizer, por favor?/ O que você vai colocar debaixo da minha árvore de Natal?”. A resposta não poderia ser mais insensível e decepcionante. “E ele simplesmente disse:/ "Nada, nada, nada, nada.”  Suficiente para suscitar a fúria juvenil. A guitarra fuzz rosnando, o riff básico quase "pogueante" e o jeito indolente de cantar do vocalista Gerry Rosie mostram o quanto a batata (ou o peru) do Papai Noel assou.

Num tom de rock embalado e romântico, a The Wailers vem com sua primeira do disco: “She's Comin' Home", em que o rapaz está implorando à garota para que volte para casa no Natal. A The Galaxies, por sua vez, abre a participação numa versão apimentada de "Rudolph the Red Nosed Reindeer", clássico do cancioneiro infanto-natalino, dando-lhe um ritmo entre a surf e o country rock. 

A The Wailers não só retoma o country ao estilo Bob Dylan na batida de violão encorpada e na sonoridade “rancheira”, como também a contrariedade ao “espírito natalino”. É "Christmas Spirit??", assim mesmo, com DUAS interrogações. O órgão mantém-se permanente, enquanto a letra critica, já naquela época, o consumismo da sociedade moderna que engole a todos no Natal: “Entre numa fila/ Compre uma grande bola de barbante/ Qualquer coisa que você possa colocar em suas mãos/ Não importa o que você dá/ Só tenho que pegar um presente/ Não sabe o que você está dando/ A única coisa que conta é a marca e o valor/ Que vem de uma loja cara”. 

Irascíveis, os Sonics voltam à carga contra o Papai Noel. Lembram do desaforo que ele fez deixando o cara na mão na música de abertura? Pois “The Village Idiot” é diretamente em homenagem a ele, o “Idiota da Aldeia”. Irônicos, dizem: “Como é divertido rir e cantar/ A canção hoje à noite num trenó”. A famosa melodia de “Jingle Bells” é totalmente avacalhada pela debochada turma. Gritos e alaridos de chacota acompanham o órgão, que desenha os acordes enquanto a bateria castiga as caixas e o bumbo. Tudo com doces sininhos tinindo ao fundo. Um desavisado poderia dizer tranquilamente que se trata de uma faixa de “The Great Rock ‘n’ Roll Swindle”, dos Sex Pistols, de 1979, haja vista a semelhança, inclusive, da galhofa de “Friggin’ in the Riggin’”. Subversiva ao extremo.

Cabe aos Sonics dar sequência, ou seja, uma nova pedrada: “Don't Believe in Christmas". Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa. Olha a letra: “Bem, mamãe e papai disseram que podíamos/ Então eu fiz o que deveria/ Eu pendurei minha meia em uma parede/ Eu não entendi nada/ Porque eu não recebi nada no ano passado/ Bem, ficando acordado até tarde/ Para ver Santa Claus voar/ Bem, com certeza você não sabe/ O gordo não apareceu”. Como se vê, o velho furão frustrou a Noite Feliz da galera mais uma vez. Com refrão pegajoso e ritmo alucinante, daqueles que dá vontade de entrar numa roda punk, lembra a versão de “Too Much Monkey Business”, de Chuck Berry, feita pelos pais das garage bands, a The Kinks.

Depois disso, Wailers e Galaxies intercalam as quatro últimas faixas: as baladas "Please Come Home for Christmas" e “Christmas Eve”, ambas da Galaxies; e "Maybe This Year" e "The Christmas Song", da Wailers, que também apostam em duas canções açucaradas para terminar a coletânea. Afinal, a mensagem já estava dada. Entendem agora quando os Garotos Podres cantam: “Papai Noel, velho batuta/ Aquele porco capitalista”? Pois é, a primeira pedra estava lançada lá, em 1965, por estes heróis da contracultura. Nada mais rock ‘n’ roll do que um Natal de contestação.

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FAIXAS:
1 – "Santa Claus"- The Sonics (Gerald Roslie) - 2:49
2 - "She's Coming Home" – The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 2:55
3 - "Rudolph The Red Nosed Reindeer" - The Galaxies (Johnny Marks) - 2:31
4 - "Christmas Spirit??" - The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 3:05
5 - "The Village Idiot" ("Jingle Bells") - The Sonics (J. Pierpont) - 2:35
6 - "Don't Believe In Christmas" - The Sonics (Gerald Roslie) - 1:41
7 - "Please Come Home For Christmas" - The Galaxies (C. Brown/G. Redd) - 3:04
8 - "Maybe This Year" - The Wailers (K. Morrill/N. Anderson/R. Gardner) - 3:15
9 - "Christmas Eve" - The Galaxies (R. Gardner) - 4:05
10 - "The Christmas Song" ("Chestnuts Roasting On An Open Fire") - The Wailers (M. Torme/R. Wells) - 3:09

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OUÇA
The Sonics, The Wailers & The Galaxies - "Merry Christmas"

Daniel Rodrigues
Agradecimento a João Carneiro pela dica

terça-feira, 2 de maio de 2017

Talking Heads – “77” (1977)



“Sem essa de Elvis, Beatles, ou Rolling Stones/
(...) Em 1977, eu espero ir para o céu.”
Da letra de “1977”, do The Clash


O ano de 1977 pode ser considerado o do nascimento oficial do punk-rock. As duas principais bandas da cena, Sex Pistols e The Clash, lançavam seus primeiros discos naquele ano, empestando o ar do Velho Mundo com o mau cheiro de um som cheio de fúria e crítica junto com Buzzcocks, Damned, Wire, The Stranglers e outros. Do outro lado do mundo, “Rocket to Russia”, do Ramones, tornava-se um clássico imediatamente que chegava às lojas; a dupla do Suicide trocava guitarras por teclados, forjando um som tão sujo quanto o de qualquer grupo de formação tradicional; “Marquee Moon”, do Television, espantava público e crítica pela inventividade de Paul Verlaine e Cia.; e Richard Hell, com “Blank Generation”, carimbava seu documento definitivo na história do rock. Decididamente, o espírito do “faça você mesmo”, surgido no underground norte-americano desde a segunda metade dos anos 60 – através da música, da moda, da arte gráfica, entre outros –, chegava, enfim, ao grande público. Sem mais Baetles, Rolling Stones ou Elvis Presley: a vez era do punk.

Porém, a contestação ao establishment, elemento chave da cultura punk, era nutrido de múltiplas interferências. Tanto que não era preciso necessariamente andar esfarrapado como Joey Ramone, arranjar confusão como os arruaceiros dos Dead Boys ou ser um junkie declarado como Syd Vicious. Havia aqueles que comungavam das mesmas ideias transgressivas, mas à sua maneira: sem briga, sem drogas e, universitários que eram, vestindo a roupa que seus pais lhe enviavam de presente no Natal. Com cara de bons moços, os Talking Heads contribuíam sobremaneira para a cena mandando ver, isso sim, no som.

Foi no hoje mítico bar CBGB, em Nova York, que David Byrne (voz, guitarra), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (guitarra e teclado) trouxeram a gênese do som que conquistaria o mundo pop por mais de uma década. Este rico embrião está num dos discos mais marcantes do ano de 1977, cuja história, hoje, transcorridos 40 anos, mostra não ser coincidência chamar-se justamente “77”. O debut da banda une a crueza da sonoridade punk a um estilo muito peculiar das composições, cujos elementos melódicos e harmônicos já apontavam claramente para referências além da combinação de três acordes do punk. Byrne, líder e principal compositor, já denotava preferências por harmonias fora do tempo, variações bruscas no compasso, a incursão de ritmos latinos e exóticos, a desaceleração em comparação ao ritmo frenético do tipo “hey, ho, let’s go!” e, claro, seu inigualável vocal, de timbre bonito e considerável alcance mas não raro propositalmente rasgado ou picotado. Resultado dessa química esquisita é um disco que abre portas para aquilo que viria na esteira do punk, a new wave.

Produzido por Lance Quinn e Tony Bongiovi – este último, responsável por dar corpo a outro marco do punk naquele mesmo ano, o já mencionado “Rocket to Russia” –, “77” traz uma sonoridade potente e muito bem equalizada, dando destaque a todos os instrumentos, que soam com vivacidade. "Uh-Oh, Love Comes to Town" abre mostrando que, além disso, eles não eram convencionais de fato na composição. Nada de batida acelerada e guitarras arrotando distorção. Os Heads dão seus primeiros acordes num funk estilo “I Want You Back“, dos Jackson Five, porém com as guitarras sujando o espaço sonoro e a voz de Byrne funcionando quase como um arremedo yuppie à do pequeno Michael Jackson.

Uma das joias do disco, “New Feeling”, por sua vez, já começa a apresentar a faceta atonal de Byrne e sua turma. As duas guitarras cumprem, cada uma num tempo, duas linhas melódicas diferentes. Isso fora o ritmo quebrado, que dá a sensação de desequilíbrio e descompasso que tanto explorariam em discos como “Fear of Music” (“Paper”, “Mind”), de 1979, ou “Speaking in Tongues” (“Swamp”), de 1983. A paródia militar "Tentative Decisions" – cuja ideia se verá noutras canções do grupo mais adiante, como “Thank You for Sending Me an Angel” e “Road to Nowhere” – abre caminho para uma canção mais linear, “Happy Day”, balada quase pueril que traz outras peculiaridades da banda, que são o refrão criativo – um dos motivos dos Heads se tornarem empilhadores de hits – e a guitarra “percutida”, em que as cordas são raspadas, friccionadas, extraindo do instrumento um som exótico, africanizado, diferente do tradicional.

“Who Is It?” retraz o funk, agora mais desengonçado (ou seria “com atitude punk”?) do que nunca. É muito interessante ver como Byrne desmembra os ritmos da raiz da música pop para, logo em seguida, reescrevê-lo à sua maneira. A faixa antecede uma das melhores do álbum e das principais sementes plantadas pelos Heads em termos de musicalidade: “No Compassion”. A exemplo de outros temas que a banda viria a escrever, como “Warning Sing” (1978) e “Give Me Back My Name" (1985), esta carrega uma atmosfera densa e que a faz naturalmente soar como um clássico desde que se ouvem os primeiros acordes. A batida forte e cadenciada de Frantz; o baixo de Tina impondo-se; a primeira guitarra de Harrison executando uma base dividida em dois tempos; a guitarra solo desenhando um riff sinuoso. A sonoridade é tão bem produzida que servirá de matriz para o que desenvolveriam junto a Brian Eno em “More Songs About Buildings and Food”, no ano seguinte. Além disso, é das poucas que tem momentos de punk-rock pogueado, mostrando que o Talking Heads estava, sim, muito próximo de seus companheiros de CBGB.

O segundo lado do formato vinil começa ainda melhor que o primeiro com "The Book I Read". A guitarra “percutida”, como um cavaquinho ou algo parecido, anuncia um riff um tanto dissonante. Mas o que se apresenta quando a banda e o vocal entram juntos é um belíssimo pop-rock em que Byrne dá um show de vocal – ao menos, a seu estilo, que vai do melódico ao rascante. Destaque especial para o baixo da competente Tina, que além da base muito bem executada é quem faz o “solo” num acorde de quadro notas junto com o cantarolar (“Na na na na”) de Byrne. Diz-se “solo” entre aspas pois, afinal, eles são uma banda punk, sem a habilidade dos dinossauros do rock de então, mas que sabiam resolver ideias com muita criatividade – o que, convenhamos, é até melhor em muitos casos.

Mais um exemplo típico da musicalidade diferenciada de Byrne é “Don't Worry About the Government”, canção cheia de sinuosidades, mas bastante melodiosa, visto que sua base é um toque semelhante ao de uma delicada caixa de música. Outra das brilhantes é "First Week/Last Week... Carefree", um rock com toques latinos e a cara do que os Heads formaram enquanto estilo ao longo dos anos haja vista várias outras músicas de semelhante ideia como: “Crosseyed and Painless” (1980), “Slippery People” (1983), "The Lady Don't Mind" (1985) e “Blind” (1988). Estão em “First Week...” elementos como os instrumentos afro-latinos (reco-reco, marimba), o canto gaguejado de Byrne, seus vocalizes malucos e o uso de metais, que lançam frases sonoras típicas de um “Ula Ula” havaiano.

Como todo grande disco, “77” tem seu hit. E neste caso é a imortal (com o perdão da expressão) "Psycho Killer". Engenharia de som perfeita: o baixo inicial e todos os outros instrumentos que entram são claramente notados, conjugando-se com a voz mais uma vez liberta de Byrne para um riff matador (sic) e uma melodia de voz daquelas que não desgrudam da mente – ou da psique. Tanto que é quase impossível os acordes tocaram e alguém não saber cantarolar o refrão: “Psycho killer/ Qu'est-ce que c'est/ Fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, far better/ Run, run, run, run, run, run, run, away”. Ouvem-se sem erro em “Psycho...” Gang of Four, P.I.L., Polyrock, Replacement e outras bandas advindas com o post-punk anos mais tarde. Além de um clássico, revela o estilo próprio da banda e porque ela foi/é tão influente a toda uma geração do rock.

A talvez mais punk-rock, a agitada “Pulled Up", encerra o disco, um dos grandes de estreia da história do rock – figura em 68º da lista dos 100 melhores primeiros álbuns pela Rolling Stone, entre os 300 dos 500 maiores da história da música pop, pela mesma revista, e entre os 1001 essenciais de se ouvir antes de morrer, conforme livro de Robert Dimery. “77” aponta a rota que a banda e, mais amplamente, a própria cena punk iriam tomar. Fora os já mencionados grupos post-punk, dá para dizer com segurança que um ano depois o álbum já se fazia essencial: a Devo, produzida por Eno, não existiria sem o exemplo dos Heads e nem o Blondie rumaria com tamanha assertividade a uma “popficação” de seu som sujo original. Junto ao que os também estreantes Sex Pistols, The Clash, Television, Richard Hell e outros, o Talking Heads assinalava aquele ano como um dos mais estelares da história do rock, um ano capitulado como “77”.

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Talking Heads - “Psycho Killer”



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FAIXAS:
1. "Uh-Oh, Love Comes to Town" – 2:48
2. "New Feeling" – 3:09
3. "Tentative Decisions" – 3:04
4. "Happy Day" – 3:55
5. "Who Is It?" – 1:41
6. "No Compassion" – 4:47
7. "The Book I Read" – 4:06
8. "Don't Worry About the Government" – 3:00
9. "First Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
10. "Psycho Killer" (Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth) – 4:19
11. "Pulled Up" – 4:29
Todas as faixas compostas por David Byrne, com exceção da indicada.

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OUÇA O DISCO


por Daniel Rodrigues

terça-feira, 24 de novembro de 2009

200 Melhores Músicas de Todos os Tempos

Saiu uma dessas listas da Rolling Stone com as 200 melhores músicas de todos os tempos.
Concordo com muitas, é lógico, discordo de alguma ordem que outra mas fundamentalmente me parece uma lista excessivamente conservadora. Só foi no certo. Não arrisca quase nada acima dos anos 80. Pode ser que o crítico, os críticos, os votantes, sei lá quem, realmente achem que não existe nada que valha a pena nos últimos tempos, mas assim parece uma lista de melhores até 1975, com raras exceções.
Exceção louvável é ver o Nirvana com justiça já figurar nas 10 primeiras posições.
Vale pela curiosidade:

1. Bob Dylan "Like a Rolling Stone" 1965
2. Rolling Stones "(I Can't Get No) Satisfaction" 1965
3. John Lennon "Imagine" 1971
4. Marvin Gaye "What's Going On" 1971
5. Aretha Franklin "Respect" 1967
6. Beach Boys "Good Vibrations" 1966
7. Chuck Berry "Johnny B. Goode" 1958
8. Beatles "Hey Jude" 1968
9. Nirvana "Smells Like Teen Spirit" 1991
10. Ray Charles "What'd I Say" 1959
11. The Who "My Generation" 1966
12. Sam Cooke "A Change Is Gonna Come" 1965
13. Beatles "Yesterday" 1965
14. Bob Dylan "Blowin' in the Wind" 1963
15. The Clash "London Calling" 1980
16. Beatles "I Want to Hold Your Hand" 1964
17. Jimi Hendrix "Purple Haze" 1967
18. Chuck Berry "Maybellene" 1955
19. Elvis Presley "Hound Dog" 1956
20. Beatles "Let it Be" 1970
21. Bruce Springsteen "Born To Run" 1975
22. The Ronettes "Be My Baby" 1963
23. Beatles "In My Life" 1966
24. Impressions "People Get Ready" 1965
25. Beach Boys "God Only Knows" 1966
26. Beatles "A Day in the Life" 1967
27. Derek and the Dominos "Layla" 1971
28. Otis Redding "Sitting on the Dock of the Bay" 1968
29. Beatles "Help!" 1965
30. Johnny Cash "I Walk the Line" 1956
31. Led Zeppelin "Stairway To Heaven" 1971
32. Rolling Stones "Sympathy For The Devil" 1968
33. Ike and Tina Turner "River Deep, Mountain High" 1966
34. Righteous Brothers "You've Lost That Lovin' Feelin'" 1964
35. The Doors "Light My Fire" 1967
36. U2 "One" 1991
37. Bob Marley and the Wailers "No Woman No Cry" 1974
38. Rolling Stones "Gimme Shelter" 1969
39. Buddy Holly and the Crickets "That'll Be the Day" 1957
40. Martha and The Vandellas "Dancing In The Street" 1964
41. The Band "The Weight" 1968
42. The Kinks "Waterloo Sunset" 1967
43. Little Richard "Tutti Frutti" 1956
44. Ray Charles "Georgia On My Mind" 1960
45. Elvis Presley "Heartbreak Hotel" 1956
46. David Bowie "Heroes" 1977
47. Simon and Garfunkel "Bridge Over Troubled Water" 1969
48. Jimi Hendrix "All Along The Watchtower" 1968
49. The Eagles "Hotel California" 1977
50. Smokey Robinson and the Miracles "The Tracks Of My Tears" 1965
51. Grandmaster Flash and The Furious Five "The Message" 1982
52. Prince "When Doves Cry" 1984
53. Sex Pistols "Anarchy In The UK" 1977
54. Percy Sledge "When A Man Loves A Woman" 1966
55. The Kingsmen "Louie Louie" 1963
56. Little Richard "Long Tall Sally" 1956
57. Procol Harum "Whiter Shade Of Pale" 1967
58. Michael Jackson "Billie Jean" 1983
59. Bob Dylan "The Times They Are A-Changin'" 1963
60. Al Green "Let's Stay Together" 1971
61. Jerry Lee Lewis "Whole Lotta Shakin' Goin' On" 1957
62. Bo Diddley "Bo Diddley" 1957
63. Buffalo Springfield "For What It's Worth" 1968
64. Beatles "The She Loves You" 1964
65. Cream "Sunshine of Your Love" 1968
66. Bob Marley and the Wailers "Redemption Song" 1968
67. Elvis Presley "Jailhouse Rock" 1957
68. Bob Dylan "Tangled Up In Blue" 1975
69. Roy Orbison "Cryin'" 1961
70. Dionne Warwick "Walk On By" 1964
71. Beach Boys "California Girls" 1965
72. James Brown "Papa's Got A Brand New Bag" 1965
73. Eddie Cochran "Summertime Blues" 1958
74. Stevie Wonder "Superstition" 1972
75. Led Zeppelin "Whole Lotta Love" 1969
76. Beatles "Strawberry Fields Forever" 1967
77. Elvis Presley "Mystery Train" 1956
78. James Brown "I Got You (I Feel Good)" 1965
79. The Byrds "Mr. Tambourine Man" 1968
80. Marvin Gaye "I Heard It Through The Grapevine" 1965
81. Fats Domino "Blueberry Hill" 1956
82. The Kinks "You Really Got Me" 1964
83 Beatles "Norwegian Wood" 1965
84. Police "Every Breath You Take" 1983
85. Patsy Cline "Crazy" 1961
86. Bruce Springsteen "Thunder Road" 1975
87. Johnny Cash "Ring of Fire" 1963
88. The Temptations "My Girl" 1965
89. Mamas And The Papas "California Dreamin'" 1966
90. Five Satins "In The Still Of The Nite" 1956
91. Elvis Presley "Suspicious Minds" 1969
92. Ramones "Blitzkrieg Bop" 1976
93. U2 "I Still Haven't Found What I'm Looking For" 1987
94. Little Richard "Good Golly, Miss Molly" 1958
95. Carl Perkins "Blue Suede Shoes" 1956
96 Jerry Lee Lewis "Great Balls of Fire" 1957
97. Chuck Berry "Roll Over Beethoven" 1956
98. Al Green "Love and Happiness" 1972
99. Creedence Clearwater Revival "Fortunate Son" 1969
100. Rolling Stones "You Can't Always Get What You Want" 1969
101. Jimi Hendrix "Voodoo Child (Slight Return)" 1968
102. Gene Vincent "Be-Bop-A-Lula" 1956
103. Donna Summer "Hot Stuff" 1979
104. Stevie Wonder "Living for the City" 1973
105. Simon and Garfunkel "The Boxer" 1969
106. Bob Dylan "Mr. Tambourine Man" 1965
107. Buddy Holly and the Crickets "Not Fade Away" 1957
108. Prince "Little Red Corvette" 1983
109. Van Morrison "Brown Eyed Girl" 1967
110. Otis Redding "I've Been Loving You Too Long" 1965
111. Hank Williams "I'm So Lonesome I Could Cry" 1949
112. Elvis Presley "That's Alright (Mama)" 1954
113. The Drifters "Up On The Roof" 1962
114. Crystals "Da Doo Ron Ron (When He Walked Me Home)" 1963
115. Sam Cooke "You Send Me" 1957
116. Rolling Stones "Honky Tonk Women" 1969
117. Al Green "Take Me to the River" 1974
118. Isley Brothers "Shout - Pts 1 and 2" 1959
119. Fleetwood Mac "Go Your Own Way" 1977
120. Jackson 5, "I Want You Back" 1969
121. Ben E. King "Stand By Me" 1961
122. Animals "House of the Rising Sun" 1964
123. James Brown "It's A Man's, Man's, Man's, Man's World" 1966
124. Rolling Stones "Jumpin' Jack Flash" 1968
125. Shirelles "Will You Love Me Tomorrow" 1960
126. Big Joe Turner "Shake, Rattle And Roll" 1954
127. David Bowie "Changes" 1972
128. Chuck Berry "Rock & Roll Music" 1957
129. Steppenwolf "Born to Be Wild" 1968
130. Rod Stewart "Maggie May" 1971
131. U2 "With or Without You" 1987
132. Bo Diddley "Who Do You Love" 1957
133. The Who "Won't Get Fooled Again" 1971
134. Wilson Pickett "In The Midnight Hour" 1965
135. Beatles "While My Guitar Gently Weeps" 1968
136. Elton John "Your Song" 1970
137. Beatles "Eleanor Rigby" 1966
138. Sly and the Family Stone "Family Affair" 1971
139. Beatles "I Saw Her Standing There" 1964
140. Led Zeppelin "Kashmir" 1975
141. Everly Brothers "All I Have to Do is Dream" 1958
142. James Brown "Please Please Please" 1956
143. Prince "Purple Rain" 1984
144. Ramones "I Wanna Be Sedated" 1978
145. Sly and the Family Stone "Every Day People" 1968
146. B-52's "Rock Lobster" 1979
147. Iggy Pop "Lust for Life" 1977
148. Janis Joplin "Me and Bobby McGee" 1971
149. Everly Brothers "Cathy's Clown" 1960
150. Byrds "Eight Miles High" 1966
151. Penguins "Earth Angel (Will You Be Mine)" 1954
152. Jimi Hendrix "Foxy Lady" 1967
153. Beatles "A Hard Day's Night" 1965
154. Buddy Holly and the Crickets "Rave On" 1958
155. Creedence Clearwater Revival "Proud Mary" 1964
156. Simon and Garfunkel "The Sounds Of Silence" 1968
157. Flamingos "I Only Have Eyes For You" 1959
158. Bill Haley and His Comets "(We're Gonna) Rock Around The Clock" 1954
159. Velvet Underground "I'm Waiting For My Man" 1967
160. Public Enemy "Bring the Noise" 1988
161. Ray Charles "I Can't Stop Loving You" 1962
162. Sinead O'Connor "Nothing Compares 2 U" 1990
163. Queen "Bohemian Rhapsody" 1975
164. Johnny Cash "Folsom Prison Blues" 1956
165. Tracy Chapman "Fast Car" 1988
166. Eminem "Lose Yourself" 2002
167. Marvin Gaye "Let's Get it On" 1973
168. Temptations "Papa Was A Rollin' Stone" 1972
169. R.E.M. "Losing My Religion" 1991
170. Joni Mitchell "Both Sides Now" 1969
171. Abba "Dancing Queen" 1977
172. Aerosmith "Dream On" 1975
173. Sex Pistols "God Save the Queen" 1977
174. Rolling Stones "Paint it Black" 1966
175. Bobby Fuller Four "I Fought The Law" 1966
176. Beach Boys "Don't Worry Baby" 1964
177. Tom Petty "Free Fallin'" 1989
178. Big Star "September Gurls" 1974
179. Joy Division "Love Will Tear Us Apart" 1980
180. Outkast "Hey Ya!" 2003
181. Booker T and the MG's "Green Onions" 1969
182. The Drifters "Save the Last Dance for Me" 1960
183. BB King "The Thrill Is Gone" 1969
184. Beatles "Please Please Me" 1964
185. Bob Dylan "Desolation Row" 1965
186. Aretha Franklin "I Never Loved A Man (the Way I Love You)" 1965
187. AC/DC "Back In Black" 1980
188. Creedence Clearwater Revival "Who'll Stop the Rain" 1970
189. Bee Gees "Stayin' Alive" 1977
190. Bob Dylan "Knocking on Heaven's Door" 1973
191. Lynyrd Skynyrd "Free Bird" 1974
192. Glen Campbell "Wichita Lineman" 1968
193. The Drifters "There Goes My Baby" 1959
194. Buddy Holly and the Crickets "Peggy Sue" 1957
195. Chantels "Maybe" 1958
196. Guns N Roses "Sweet Child O Mine" 1987
197. Elvis Presley "Don't Be Cruel" 1956
198. Jimi Hendrix "Hey Joe" 1967
199. Parliament "Flash Light" 1978
200. Beck "Loser" 1994

terça-feira, 3 de maio de 2016

The Modern Lovers – “The Modern Lovers” (1976)


A capa original de 1976,
só com o logo da banda e a da
reedição em CD, de 1989.
“The Modern Lovers
é a minha banda de rock favorita
 de todos os tempos”.
David Berson,
executivo da Warner

“Bem, algumas pessoas
tentam pegar as meninas/ 
E são chamados de cuzões/ 
Isso nunca aconteceria
com Pablo Picasso”
Jonathan Richman,
da letra de “Pablo Picasso”



Muito tem se falado sobre disco de estreia dos Ramones, o grande marco inicial daquilo que o mundo pop passou a conhecer como punk-rock e que está completando dignos 40 anos. Mas quem se embrenha um pouco mais na cena underground norte-americana sabe que este movimento e sua sonoridade rebelde e anti-establishment – que remetia à simplicidade do rock ‘n’ roll básico dos anos 50 e a culturas pop apreciadas por uma rapaziada contrária ao modo de vida padrão da sociedade – vinha sendo alimentado desde meados dos anos 60. Detroit, Boston, San Francisco e principalmente Nova York concentravam essa galera criativa e crítica que não admitia que o planeta Terra se configurasse daquele jeito que se anunciava: Guerra do Vietnã matando inocentes por nada, crises econômicas mundo afora, ascensão de ditaduras, repressão militar e os ecos de um inacabado 1968.

Uma das bandas fruto dessa efervescência é a The Modern Lovers. Liderados pelo inventivo Jonathan Richman, o grupo de Boston estava, assim como o Ramones, tão de saco cheio com o sistema político e social que seu discurso era, por pura ironia, totalmente apolítico. Nada de afrontamentos políticos ou denúncia das mazelas sociais. A maneira de protestarem era falar sobre aquilo que a sociedade não falava ou considerava coisa de moleque de classe baixa: comer as menininhas do bairro, a falta de grana, se chapar com a droga mais fuleira que tiver, andar de carro em alta velocidade (sem ter carro para isso) e paixões raramente retribuídas. Temas que não eram novidade no mundo jovem mas estavam esquecidos pelos grandes astros que a mídia havia criado. Com o espírito punk do “faça você mesmo”, o Modern Lovers e os tresloucados da cena punk revitalizaram tais questões com muita ironia, deboche e realismo. Nada de carrões, de levar lindas modelos para a cama e superequipamentos para superespetáculos em superestádios. O negócio era curtir um pouco daquela merda de vida que tinham, sonhar em comer a garota gostosa do bairro num motel barato e tocar em garajões fétidos de Nova York – como um em plena East Village, chamado CBGB. Eram aquilo que viviam e pensavam, e tudo isso está encapsulado no essencial “The Modern Lovers”, o qual, assim como o primeiro dos Ramones, também faz quatro décadas de seu lançamento.

A Modern Lovers mandava ver um som curto e grosso, mas com inventividade. Sem grandes habilidades técnicas, compunham um rock básico, vigoroso e pautado na realidade que vivenciavam nas ruas. Riffs magníficos saíam da cabeça do guitarrista e vocalista Richman e seus parceiros de ensaio e de punheta: Ernie Brooks (baixo), Jerry Harrison (teclados) e David Robinson (bateria). A produção do mestre underground John Cale avalizava aquele primeiro trabalho de estúdio da Modern Lovers, cujo título é tão irônico quanto autocrítico, haja vista que boa parte dos temas que abordavam era, justamente, a fragilidade e inadequação sexual e afetiva daqueles jovens dentro da sociedade moderna. Sem grana no bolso e longe de aparentarem os abastados roqueiros do rock progressivo, astros da época, era difícil ser mais do que um arremedo de “amante moderno”.

A nasalada e tristonha voz de Richman anuncia o que vem numa contagem até 6. É “Roadrunner" abrindo o disco, clássico do rock alternativo que a grande banda do punk britânico, o Sex Pistols, gravaria dois anos depois. Riff marcante e de acorde simples, apenas três notas. “Roadrunner, roadrunner/ Going faster miles an hour/ Gonna drive past the Stop 'n' Shop/ With the radio on”, canta Richaman com seu timbre bonito, algo entre o vocal de Joey Ramone e o de outro contemporâneo deles, Richard Hell. Bateria suja, guitarra e baixo e bem audíveis. A sonoridade proposta por Cale junta a secura das garage bands dos anos 60, a irreverência do New York Dolls e a atmosfera proto-punk do Velvet Underground com uma pitada daquilo que se chamaria anos depois de new wave. Isso muito ajudado pelos teclados moog de Harrison, numa influência direta do glam rock, mistura de punk e pop que este ajudaria a levar para outra banda referencial da cena de Nova York a qual formaria um ano depois: o Talking Heads.

Como Joey e Hell, Richman, guitarrista e líder da banda, era mais que um vocalista: era um dos porta-vozes daquela turma. Seus versos muitas vezes reproduziam as angústias e vontades daqueles jovens deslocados que não queriam ser certinhos nem hippies: queriam ser apenas eles mesmos. Com este substrato, Richman é capaz de criar versos verdadeiramente geniais, formando rimas cantaroláveis e cheias de expressividade. “Astral Plane” é um exemplo. Rockzão embalado, fala de um rapaz sozinho em seu quarto, prestes a enlouquecer, pois sente que nunca mais terá a garota que gosta. Seu desespero é tanto que já está aceitando até encontrá-la num outro plano imaterial e, digamos, “não-carnal” (“O plano astral para o escuro da noite/ O plano astral ou eu vou enlouquecer”).

Outro caso é o da clássica “Pablo Picasso”, em que, com criatividade e atrevimento, engendra uma rima de “asshole” (“cuzão”, em inglês) com "Picasso". Dentro da sua classificação estilística, este tipo de rima pode ser considerado como “rima rica”, quando a combinação é formada por vocábulos de classes gramaticais distintas entre si. Além desta, a rima de Richman também se enquadra no que se pode chamar de “rima preciosa”, ou seja, quando se combina em versos palavras de dois idiomas diferentes. Ele altera a pronúncia da palavra estrangeira para rimar com outra na língua vernácula da obra (inglês). Nos versos em questão, o sobrenome do artista plástico espanhol, o substantivo próprio de origem malaguenha "Picasso", é dito com uma leve distorção no seu último fonema, o que faz com que se equipare fonética e sintaticamente a “asshole”, um adjetivo originário da linguagem chula. Além disso, a letra em si é superespirituosa, pois endeusa a figura do autor da Guernica pelo simples fato de ser um nome público, como se por causa disso jamais ele passasse pelo vexame de não conseguir pegar as meninas como eles. Pura inventividade.

Fora a letra, “Pablo Picasso” é um blues ruidoso no melhor estilo Velvet, roupagem que Cale fez questão de dar ao intensificar a distorção das guitarras sobre uma base quase de improviso, a exemplo de "The Gift" e “European Son”. O produtor, inclusive, foi, um ano antes, o primeiro a gravá-la no clássico álbum “Helen of Troy”, apresentando ao mundo do rock aquele jovem criativo chamado Jonathan Richman. Com menos distorção mas de levada empolgante, “Old World”, “Dignified And Old” e “She Cracked” são daquelas gostosas até de poguear. Todas com um cuidado na linha dos teclados, inteligentemente utilizado com diferentes texturas por Cale, o que cria atmosferas próprias para as canções. “She Cracked”, em especial, que fala sobre o ciúme sentido por um rapaz em relação a uma mulher madura e independente, é outra de refrão pegajoso, das de cantar em coro com uma galera: “She cracked, I'm sad, but I won't/ She cracked, I'm hurt, you're right”. O riff é de um minimalismo quase burro: como uma “Waiting for the Man”, apenas uma nota sustenta toda a base.

Já na meio-balada “Hospital”, de Harrison, a figura feminina inatingível a um adolescente pobre do subúrbio está presente de novo: “Às vezes eu não suporto você/ E isso me faz pensar em mim/ Que eu estou envolvido com você/ Mas eu estou apaixonado por este poder que você mostra através de seus olhos”. Novo petardo: “Someone I Care About”, com sua combinação de 4 notas, lembra direto Ramones, mas com um toque mais apurado por conta da produção de estúdio. Reduzindo o ritmo novamente, a balada ”Girl Friend” volta a falar sobre as meninas desejadas mas… sem sucesso. A letra brinca com a sintaxe da palavra em inglês (olha aí Richman mais uma vez se esmerando na poesia) juntando os dois vocábulos (“girlfriend”, namorada) ou separando-os (“girl friend”, garota amiga, justamente com o que ele não se contenta, mas não tem coragem de confessar). Nesta, o teclado soa como piano, dando-lhe um ar ainda mais melancólico.

Mais uma acelerada, “Modern World”, mesmo não sendo das conhecidas, é um exemplo de rock bem feito: pulsação, melodia de voz eficiente, vocal honesto, guitarras rasgando sem precisar de excesso de distorção. E a letra é hilária: o rapaz, querendo convencer a garota a ir para a cama com ele, larga um papo de que aderiu ao “mundo moderno” e à liberdade sexual. “If you'd share the modern world with me/ With me in love with the U.S.A. now/ With me in love with the modern world now/ Put down the cigarette/ And share the modern world with me” (Se você quiser compartilhar o mundo moderno comigo/ Comigo no amor com os EUA agora/ Comigo no amor com o mundo moderno agora/ Largue o cigarro/ E compartilhe comigo o mundo moderno.”)

O álbum deu luzes à geração punk tanto nos Estados Unidos, como para Talking Heads, Blondie e Television, quanto na Inglaterra, como Sex Pistols, The Clash, Jam, Buzzcocks e The Stranglers, bandas nas quais se vê claramente toques da Modern Lovers. Várias outras, inclusive, da leva pós-punk, como The CureGang of FourPolyrock e P.I.L. beberiam também na fonte de Richman & Cia. Se os Ramones elevaram a ideologia do “faça você mesmo” ao showbizz, revolucionando para sempre a música pop, a The Modern Lovers, na mesma época, já dava a mensagem de que, o importante era fazer por si próprio, sim, mas que havia espaço para refinar um pouco aquela tosqueira toda.

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A versão em CD lançada pelo selo Rhino em 1989 pode ser considerada a definitiva deste álbum tão influente. Primeiro, por trazer o remaster das faixas originais do LP, evidenciando o trabalho inteligente de Cale na mesa de som e o vigor sonoro da banda. Segundo, porque traz faixas extras que, ao que se percebe, só não entraram na edição de 1976 por pura falta de espaço no vinil. Estas, aliás, são fruto da parceria do grupo com outro mestre da subversão, Kim Fowley. Ele produz duas das melhores músicas do disco: “I’m Straight”, rock de veia blues em que, hilariamente, um adolescente, fascinado pelo poder que rapaz tem para com as mulheres, tenta reafirmar sua masculinidade dizendo: “Eu sou hétero” (mais uma vez, uma maravilha de rima rica de Richman: “But I'm straight/ and I want to take his place”). Fowley vale-se do expediente de aumentar o microfone do vocal, fazendo com que se captem os mínimos suspiros. Junto, enche o timbre da caixa da bateria, que estronda alta. Guitarra e baixo, em escala média, soam, entretanto, bem audíveis, formando um som orgânico. Alguma semelhança com o estilo de sonoridade dada por Steve Albini ao Pixies ou Nirvana não é mera coincidência.

A outra assinada por Fowley é a também muito boa: “Government Center”, que desfecha-o CD num rock de ares de twist mas que, pela característica da produção (as palmas acompanhando o ritmo, o moog, a marcação no baixo), remete a The Seeds, The SonicsThe Monks e a outras garage bands norte-americanas.
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FAIXAS:
1. Roadrunner - 4:05
2. Astral Plane - 3:00
3. Old World - 4:03
4. Pablo Picasso - 4:21
5. I'm Straight - 4:18
6. Dignified And Old - 2:29
7. She Cracked - 2:56
8. Hospital (Jerry Harrison) - 5:35
9. Someone I Care About - 3:39
10. Girl Friend - 3:54
11. Modern World - 3:43
12. Government Center - 2:03
todas as composições de autoria de Jonathan Richman, exceto indicada.

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OUÇA O DISCO:




quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Alien Sex Fiend - "Acid Bath" (1984)

Comprei no último sábado, substituindo meu piratinha gravado, o 'Acid Bath' do Alien Sex Fiend.
Cara, Alien Sex Fiend não é nada demais mas é legal pra caramba! Som daquela cena dark do início dos 80 mas com mais elementos de eletrônica, uma  tendência ao industrial, influências de rockabilly e lógico um pé ainda no punk, que naquele momento já se esvaía mas deixava um pouquinho em quem quer que fosse montar uma banda. Tudo isso com um visual entre o Cure, os Pistols, o Cooper e os Cramps: cabelos espetados, roupas pretas esfarrapadas ou calças de couro, maquiagens zumbis e performances extremamente teatrais e terrificantes.
Em "Acid Bath" a sonzeira tem bases eletrônicas, sintetizadores, programações de bateria e guitarras pesadas e barulhentas corroendo tudo, compondo toda uma atmosfera sombria, com vocais cadavéricos e berrados, temas aterrorizantes e violentos, mas com muito bom humor e escrachamento.
O caos dos mortos-vivos!
Loucura total!
Meus destaques neste disco são a ótima abertura "In God We Trust (In Cars We Rust)"; "Dead and Re-Burried" com sua base bem eletrônica e guitarras despejadas como lava quente; a excelente "E.S.T. - Trip to the Moon", uma verdadeira viagem à lua com seus 9 minutos lisérgicos; e o doido rockabilly-eletro-gótico-techno-industrial "Boneshaker Baby", uma das 3 faixas extras da versão em CD.
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FAIXAS:
1. In God We Trust (In Cars We Rost?)
2. Dead and Re-Buried
3. She's a Killer
4. Hee-Haw (Here Come the Bone People)
5. Smoke My Bones
6. Breakdown and Cry (Lay Down and Die - Goodbye)
7. E. S. T. (Trip to the Moon)
8. Attack !!!!!! #2

extras do formato CD (não constavam no LP original)
9. Boneshaker Baby
10. I Am a Product
11. 30 Second Coma

Ouça:
Alien Sex Fiend Acid Bath
.
Pra quem quiser conhecer mais, ver discografia, curiosidades, informações, vale uma visita aos site dos caras:
Site Oficial ASF - 13th. Moon Demon

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Exposição "I'm A Cliché" - CCBB - Rio de Janeiro (18/09/2011)





Estive ontem, finalmente, na exposição "I'm a Cliché - Ecos da Estética do Punk" no CCBB, aqui no Rio, um retrato da estética do punk, na companhia do meu irmão, colaborador, jornalista e blogueiro, Daniel Rodrigues, que é tão amarradão no assunto quanto eu.
Muito legal a exposição!
Melhor do que eu imaginava.
da série "Rimbaud em
Nova York"
Destaque principalmente para os trabalhos dos fotógrafos Bruce Conner e David Wojnarowicz que me impressionaram muito positivamente, especialmente este último com a série "Rimbaud em Nova York".
No restante, muito legais os espaços do Velvet Underground com projeções de pequenos filmes do padrinho Andy Wahrol e a sala dos Sex Pistols com toda aquela identidade visual inconfundível dos puplilos de Malcolm McLaren.
entrada da exposição:
passeando entre LP's
Bacana também a entrada da exposição com um pórtico por onde se passa e se vê, ali, nas paredes capas de discos marcantes do movimento, enquanto os alto falantes tocam exemplares clássicos de punk-rock como Kennedy's, Television, New York Dolls e outros. Enquanto instalação de exposição, era até meio tosca pra falar a verdade, mas é sempre um barato passear entre as capas dos discos que nos marcaram e empolgam ao som daquela trilha sonora.
Entre Sid e Johnny
na sala dos Pistols
Punks, roqueiros e simpatizantes, apressem-se. A exposição só fica até 02 de outubro.

sábado, 2 de abril de 2011

The Stooges - "The Stooges" (1969)

"Então pensei: o lance é tocar
meu próprio blues simples (...)
Me apropriei de um monte de formas vocais deles
[os negros] e das linhas melódicas também
- ouvidas, ou mal ouvidas,
ou deturpadas, das canções de blues.
Assim, "I Wanna be Your Dog"
provavelmente é resultado da minha má interpretação
de "Baby Please Don't Go".
Iggy Pop

No embalo do lançamento do material raro dos Stooges, o duplo "Dirty Power", é bom não deixar passar o ensejo sem falar de um álbum verdadeiramente fundamental na história do rock. Estou falando do primeiro do “The Stooges", de 1969, e que leva o mesmo nome da banda que, aliás, proporcionou o aparecimento de Iggy Pop para o mundo do rock.
Disco importantíssimo para a formação do punk e para as gerações seguintes do rock dali para a frente. Com sua sonoridade crua, suja e barulhenta contribuiu grandemente para a identidade sonora daquele momento. Bandas como Velvet Underground, Doors, Television, artistas como David Bowie já vinham trilhando um caminho que levaria ao que se caracterizou depois como o punk rock, mas parece que com os Stooges o passo final da evolução do conceito tinha finalmente acontecido. Provas desta linhagem são os fatos, por exemplo de Iggy ter se estimulado a ter uma banda depois de ter visto um show do Doors, de John Cale ex-integrante do Velvet ter produzido o primeiro disco dos Stooges ou mesmo de Bowie ter sido parceiro e produtor de Iggy depois em carreira solo. Os Stooges traziam o minimalismo, a sujeira, a agressividade que faltava para que a coisa tomasse forma e a partir dali o caminho estava pavimentado para nomes como Ramones, e Sex Pistols aparecerem alguns anos depois.
Mas falando propriamente do disco, o negócio já começa detonando com a grande “1969”, um daqueles clássicos eternos do rock; na seqüência, sem sair de cima, já vem outra das fantásticas, “I Wanna Be Your Dog”, básica, ‘burra’, simples e matadora. Quatro acordes incansavelemente repetidos o tempo inteiro e um piano insistente ao fundo numa nota só. Cru e genial. “No Fun”, que viria a ser gravada depois pelos Pistols, é outra das grandes do disco, igualmente com uma concepção simplérrima e acordes muito básicos; destaque também para “Not Right” e para a excelente “Little Doll” que passa a régua e fecha a conta.
Na época o disco foi praticamente ignorado, vendeu mal até por conta dos problemas que teve antes do lançamento quando já concluído teve que voltar para a mesa de mixagem uma vez que a gravadora desaprovou o resultado da produção de John Cale atrasando o lançamento e então já saindo com um certo descrédito e desconfiança. Como muitas grandes obras, este álbum acabou só sendo reconhecido alguns anos depois de seu lançamento e só então se percebeu o quanto ele havia sido realmente ousado e pioneiro.
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FAIXAS:
1."1969" – 4:05
2."I Wanna Be Your Dog" – 3:09
3."We Will Fall" – 10:18
4."No Fun" – 5:15
5."Real Cool Time" – 2:32
6."Ann" – 2:59
7."Not Right" – 2:51
8."Little Doll" – 3:20

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Ouça:
The Stooges 1969



Cly Reis

terça-feira, 12 de julho de 2011

"I'm a Cliché - Ecos da Estética Punk" - CCBB - Rio de Janeiro












Patty Smith fotografada pelo marido,
Robert Mapplethrope, um dos
fotógrafos mais emblemáticos do
movimento.
Contracapa do clássico
"Nevermind The Bollocks..."
dos Sex Pistols: colagens
ao estilo carta de sequestro
Indo do espontâneo ao fabricado; do original ao consequente; do autêntico ao fake, a exposição "I'm a Cliché" que abriu hoje no CCBB aqui no Rio, mostra um pouco da cara, da estética, do modelo, do comportamento do movimento punk, viajando através de fotos, posters, capas de disco e outros elementos visuais daquela cultura, ou anticultura, ou contracultura que se manifestava no final dos anos 70 e que deixou 'irreparáveis danos' e heranças para as gerações seguintes.

 Grande pedida!
Vou lá conferir nos próximos dias.


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O Centro Cultural Banco do Brasil
fica na Rua Primeiro de Março, 66, Centro
e a exposição fica lá de
12 de julho a 02 de outubro
sempre de Terça a Domingo
das 9h às 21h
com Entrada Franca