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quinta-feira, 16 de junho de 2022

Chrome - "Inworlds" (1981)

 

"Tomando dicas de Suicide, Can, Pink Floyd, Jimi Hendrix, The Residents e qualquer um que já fez fitas caseiras em seu quarto, os densos e caóticos épicos de ficção científica da dupla são pesadelos vívidos de vinil  – uma mistura espessa de ruídos mecânicos, filtrados, vozes distorcidas e letras fantásticas e bizarras – que dão vida a um mundo assustador ao mesmo tempo absorvente e repelente." 
Revista nova-iorquina Trouser Press, especializada em rock alternativo, sobre a Chrome

O industrial é, se não o mais criativo subgênero do rock n roll, o que carrega as referências mais instigantes em sua concepção. Sociohistoricamente falando, gera-se nos anos 70 na tensão capitalista da decadência da industrialização e a iminência ao mundo digital. A revolução industrial do século XIX não só havia desgastado e viciado o sistema fordista como, igualmente, não deixava no seu lugar um futuro promissor para o homem num mundo pós-Guerra/Guerra Fria. Talvez, para as máquinas, mas não para o homem. Esse contexto sombrio contamina toda a estética decadentista do industrial rock, que, dessa forma, bebe indistintamente em diversas vertentes, que vão do punk à eletrônica, do heavy metal ao futurismo, do gótico ao fantástico, do pós-punk ao minimalismo. Características que, juntas, não raro levam o gênero a aproximar-se das vanguardas musicais, seja da eletroacústica ou do atonalismo.

Claro que tamanha confluência de estéticas só poderia advir das profundezas do underground. Se bandas como Nine Inch Nails e Ministry tornaram-se as mais conhecidas do rock industrial, certamente todas elas devem a uma dupla ainda mais alternativa do que eles: a Chrome. Surgida na San Francisco em plena efervescência do movimento punk, a dupla Damon Edge (voz, teclados, bateria, sintetizador, tapes e arte) e Helios Creed (guitarra, baixo, programação e backing) entendeu antes de todo mundo que caminho iria dar toda aquela cena explosiva encabeçada por Ramones e Sex Pistols. Antes mesmo da Pere Ubu e da Throbbing Gristle, reconhecidos precursores do estilo, a Chrome, embora quase nunca lembrada por isso, já praticava a inversão dialética que os eletropunks da Suicide intuíam instintivamente: desafiar a máquina diante da condição humana - e não o contrário, como a era digital instituiu.

Da extensa discografia da Chrome, que tem discos tão desafiadores quanto experimentais e ruidosos como “Alien Soundtracks (1977), “Half Machine Lip Moves” (1979), "Anorther World" (1985) e "Feel It Like A Scientist" (2014), destaca-se, porém, aquele em que souberam valer-se do mínimo: o EP “Inworlds”, de 1981. São apenas duas faixas em que resumem a face criativa da dupla e onde eles conseguem expressar sua musicalidade de forma eficiente e marcante. “Danger Zone”, uma delas, guarda todos os predicados do melhor rock industrial: riff entre o punk e o metal, ritmo "pogueado", efeitos eletrônicos ruidosos e clima denso. A produção caprichada empresta ao contexto sonoro sujeira na medida certa, diferente dos primeiros álbuns, bastante mais carregados neste sentido. E a letra adensa ainda mais essa atmosfera da “tensão pré-milênio” como nos versos do refrão: “Totalmente sozinho/ Na zona de perigo”.

Já “In a Dream”, tema irmão de “Danger Zone”, traz uma melodia até parecida, porém numa cadência um pouco mais lenta, mas sem perder o clima vanguardista de cyberpunk. A Chrome consegue fazer lembrar num tempo Can, Killing Joke, Polyrock e The Residents. Aliás, a produção arrojada lhe dá ainda mais personalidade, com efeitos de mesa e de voz, sintetizadores sujando o arranjo e os instrumentos-base soando vivos, pulsantes. Para ouvidos mais apurados, dá para perceber de onde Herbert Vianna tirou o tipo de sonoridade que aplicou na produção dos discos da Plebe Rude poucos anos dali. 

De grande personalidade, a Chrome segue ativa até os dias de hoje, tendo lançando recentemente, o 26º álbum, “Scaropy”, de 2021, sem, contudo, jamais ter obtido sucesso comercial. Mas se as páginas da história do rock os obscureceram, os fãs ovacionam. Não é difícil encontrar nas redes sociais afirmações de que a Chrome é “a banda mais subestimada da história da música moderna” ou de que é ”a melhor banda de todos os tempos”. A melhor é difícil de afirmar, a mais subestimada, idem, mas que Damon Edge e Helios Creed conseguiram juntar as peças e forjar o gênero do rock mais múltiplo de todos, o industrial, isso é inegável. A história nem sempre é justa com seus pioneiros.

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FAIXAS:
1. "Danger Zone" - 05:32
2. ""In a Dream" - 05:11
Ambas as composições de autoria de Damon Edge e Helios Creed 

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Daniel Rodrigues

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Música da Cabeça - Programa #237

 

Tá cada vez mais rara a carne na casa do brasileiro, né? Se isso a gente não consegue resolver, pelo menos garantimos muita música boa no seu lar. O programa de hoje vem só com filé mignon: Dimitri Shostakovitch, Arnaud Rodrigues, Ministry, mundo livre s/a, Herbie Hancock e mais. No nosso quadro móvel, um "Sete-List" em homenagem ao Dia Do Poeta. Devidamente inspecionado, o MDC de hoje vai à mesa às 21h, na apetitosa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e melhores cortes: Daniel Rodrigues. E não te esquece de continuar votando na gente para o Prêmio Press: Música da Cabeça (Programa de Rádio) e em Daniel Rodrigues (Apresentador de Rádio): www.revistapress.com.br/premiopress/


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 25 de março de 2020

Música da Cabeça - Programa #155


Quem foi que disse que não dá pra dar uma bela saída mesmo estando em isolamento? Basta ouvir o Música da Cabeça, que a gente providencia esse passeio musical sem que você saia do conforto do lar. Damos uma passada na Inglaterra de Amy Winehouse e The Smiths, na Islândia de Björk, na Alemanha da Die Krupps, na Escócia da Cocteau Twins e noutros destinos. Ah, claro: não deixamos de fora os EUA de Bob Dylan e o quintal de casa, com Marisa Monte, Cazuza, Black Alien e mais. Sentiu aquela vontade louca de uma banda? Calma, a gente te ajuda. É só sintonizar às 21h na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. All abourd! #ficaemcasacomMDC


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sábado, 8 de julho de 2017

Einstürzende Neubauten - "Halber Mensh" (1985)



"O ponto de partida para Neubauten foi mesmo do fato que não tínhamos nada,
então eu realmente não tinha a opção de dizer
"Estou fazendo isso, estou fazendo aquilo,
ou talvez eu devesse tocar órgão".
Eu não tinha nenhuma dessas coisas
e eu não podia pagar nenhuma delas,
e tampouco não tinha ninguém para integrar o grupo.
Foi mais da conseqüência lógica do que podíamos ter, e foi nisso que deu.
Certamente, não começou como um conceito artístico para dizer
"vamos fazer algo diferente",
começou como uma extensão da situação de como vivíamos."
Blixa Bargeld,
vocalista, guitarrista e fundador do
Einstürzende Neubauten


O Einstürzende Neubauten tem uma obra tão consistente, coerente e qualificada que vários de seus trabalhos, como o brilhante álbum de estreia "Kollaps", o desconcertante "Haus Der Lüge", ou o ótimo "Tabula Rasa", poderiam ser mencionados em uma seção como a nossa de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, no entanto, destaco aqui o terceiro disco da banda, "Halber Mensh" de 1985, pelo fato de, na minha opinião, ser o mais sonoro da banda, no sentido musical. Não que isso seja um critério definitivo tampouco qualitativo para avaliar-se a obra de um grupo como este cuja transgressão sonora em muitos momentos talvez seja mais relevante que a musicalidade, mas o fato é que torna-se digno de maior admiração o fato de conseguirem conjugar de forma, muitas vezes tão improvável, um ruídos industriais quase indecifráveis à música tradicional bávara, por exemplo, ou até mesmo à música clássica.
O experimentalismo extremo, marca registrada da banda, está bem presente é claro, em "Halber Mensh", mas nele parece integrado de forma mais harmônica à música, sem deixar de ser, contudo, ainda extremamente perturbador e contundente.
Exemplo perfeito é a excelente "Der Tod Ist Ein Dandy", constituída a partir de uma barulheira infernal e incontrolável e, no entanto contraditoriamente, altamente sonora. Destaque também para a faixa título com seu trabalho vocal belíssimo e impressionantemente sinistro; para a teatral "Z.N.S" com sua condução no estilo de uma marcação de dança; para a "dançante" "Yü-Gung (Futter Mein Ego"; e para "Sand", que claramente contém elementos de música tradicional alemã e que, como curiosidade, aparece na trilha do bom filme "A Vida de David Gale", de Alan Parker.
Einstürzende Neubauten é aquele tipo de banda que qualquer disco é valioso no sentido artístico, nem que seja pela ousadia e experimentação, mas este, "Halber Mensh", além deste aspectos essenciais na trajetória da banda, pelo apuro técnico, pela qualidade, pela sonoridade, pela musicalidade superior dentro da discografia da banda, merece estar entre os nossos FUNDAMENTAIS.
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FAIXAS:
1 Halber Mensch 4:13
2 Yü-Gung (Futter Mein Ego) 7:14
3 Trinklied 1:15
4 Z.N.S. 5:40
5 Seele Brennt 4:05
6 Sehnsucht (Zitternd) 2:54
7 Der Tod Ist Ein Dandy 6:41
8 Letztes Biest (Am Himmel) 3:28
9 Das Schaben 9:21
10 Sand 3:30

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Ouça:
Einstürzende Neubauten Helber Mensh



Cly Reis

quarta-feira, 22 de julho de 2015

“Industrial Soundtrack for the Urban Decay”, de Amélie Ravalec e Travis Collins (2015)





O documentário “Industrial Soundtrack for the Urban Decay”, dirigido  por Amélie Ravalec e Travis Collins, lançado em 2015, pode ser visto como um complemento ao documentário Synth Britannia, produzido e exibido pela BBC inglesa, seis anos atrás. Os ângulos específicos, no entanto, são distintos: o primeiro tenta traçar uma genealogia crítica da música industrial, numa perspectiva fan-friendly, com muito ânimo e engajamento "do-it-yourself"; o segundo se dirige, prioritariamente, às estéticas decorrentes do uso do sintetizador na música pop (a partir daí, vários artistas e gêneros musicais são relacionados, do pós-punk em diante).
Apesar disso, há entre os dois filmes, de fato, uma conversa involuntária, uma certa linha de continuidades, um fluxo de recorrências e informações compartilhadas. Resulta daí – se os assistíssemos numa só sequência – um panorama útil de uma vertente criativa bastante operativa, rica e importante, tanto no underground quanto no mainstream da música popular massiva.
Cena do documentário sobre a Synth Britannia
“Industrial Soundtrack for the Urban Decay” não se destaca pela estrutura narrativa que adota – afinal, explora a mesma alternância "imagens de arquivo-entrevistas-imagens de arquivo" que vemos em muitos documentários. Pode também ter cometido alguns esquecimentos graves e alguns exageros no modo como cerca seu tema principal, encontrando ramificações e causas discutíveis, correlações forçadas, influências muito determinantes entre a música industrial e as vanguardas do começo do século passado – a influência situacionista, o Dadaísmo, o Futurismo, a devoção aos escritores William Burroughs e J.G. Ballard, o paralelo com o movimento punk.
De todo modo, há um vistoso trabalho de arquivo, há um ótimo resgate arqueológico: surgem registros de shows obscuros e mesmo de bandas pouco conhecidas. São imagens raras, de uma juventude inquieta numa Inglaterra em crise – eram os difíceis e convulsivos anos do governo Thatcher, nos inícios de 1980. Forjava-se ali, à saída e à semelhança das fábricas, mimetizando-se a sonoridade e o ambiente pesados da indústria siderúrgica, uma nova orientação à música e à cultura pop contemporâneas. Uma marca indelével, escrita, literalmente, a ferro e fogo.


trailer de "Industrial Soundtrack for The Urban Decay"






quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Marilyn Manson - "Antichrist Superstar" (1996)



Duas versões da capa do álbum
"Vejo meu trabalho como
sendo alguém que deve provocar as pessoas.
Não quero ser apenas mais um.
Não quero ser apenas um rosto risonho
que aparece na TV apresentando
algum tipo insípido de lixo de fácil digestão."
Marilyn Manson



O mundo do rock sempre teve seus palhaços. Desde que David Bowie inventou inventou um personagem extraterrestre, tirou as sombrancelhas, abusou da maquiagem e adotou um visual andrógino, o número de artistas do universo pop a aderirem a máscaras, maquigens, caras pintadas, personalidades paralelas, encenações, etc. só fez aumentar. New York Dolls, Kiss, Gwar, Alice Cooper, mais recentemente o Slipknot, e até os brasileiros dos Secos e Molhados são apenas alguns desses arlequins fantasiados que a cena musical nos apresentou o longo dos anos. Mas quando eu falo 'palhaços' não tenho a intenção de ser pejorativo. Acho legal essa coisa do personagem, da pose, da indumentária. Utilizo a figura mais pelo fato de esconderem-se atrás de um “rosto artificial”, criarem um determinado padrão de procedimentos pré-concebidos, e pela teatralidade que a proposta exige. Mas acho legal, acho que tem tudo a ver com rock. Muitos não valem nada, é verdade, são muita imagem, muita pose, muito efeito especial, pirotecnia, estardalhaço, mas música, que é bom, nada. Mas de vez em quando o mundo do rock nos sai com um desses bufões que valem a pena e um dos mais relevantes dos últimos tempos é um cara que combina um nome feminino de um dos maiores símbolos sexuais da história do cinema com o de um dos mais brutais e terríveis assassinos psicopatas de todos os tempos. A combinação sexo+cinema+violência+rock, acrescida de muito peso, doses equilibradas e precisas de tecnologia, somada a uma quase convincente teatralidade, resulta em um dos personagens musicais mais interessantes do cenário nas últimas décadas: eu falo de nada mais nada menos que Marilyn Manson.

Escabroso, satânico, pervertido, sádico, bizarro, escatológico? Pode ser tudo isso e pode não ser nada também, mas o fato é que o cidadão nascido Brian Hugh Warner, trazia no meio da década de 90 com a banda que leva seu nome artístico, um industrial vibrante, renovado, cheio de peso e tecnologia, apadrinhado por um dos mestres do gênero, Trent Raznor, do Nine Inch Nails, que produziu seu álbum de estreia de 1994, “Portrait of an American Family” e seu brilhante segundo álbum, “Antichrist Superstar” uma pequena ópera rock que, de forma mais perfeita, coesa e técnica que seu antecessor, funde elementos eletrônicos, metal e pop.

Numa época em que o CD já mandava no pedaço e os álbuns não podiam contar mais com a divisão lados A e B para marcar características diferentes dentro de uma mesmo álbum, como em "Low" do já citado Bowie, "Autobahn" do Kraftwerk, o "V" da Legião Urbana, “Antichrist Superstar”, sem este recurso, é dividido em 'ciclos', “O Hierofante”, “A Inauguração do Verme” e “A Ascenção do Desintegrador”, com características musicais sutilmente diferente entre si, referindo-se cada uma delas a fases da vida/carreira do artista e reforçando a intenção conceitual da obra.

Se tematicamente o trabalho é repleto de referências filosóficas, especialmente em relação a Nietzsche, e discute questões como a formação de mitos, da exposição de mídia e do pensamento coletivo, sonoramente o disco é uma pedrada com inserções eletrônicas, samples, e um trabalho minucioso, cuidadoso e preciso de Trent Raznor na mesa de produção. A abertura com “Irresponsible Hate Anthem”, é incendiária; “The Beautiful People” com seu início galopante é um tijolaço; a provocativa “Mister Superstar”, detona; e a faixa que dá nome ao disco e que abre o último ciclo, “A Ascenção do Desintegrador”, com seus gritos que sugerem uma espécie de saudação nazista, abordando exatamente a idolatria cega a devoção a falsos líderes, soa messiânica e monumental.

Não dá pra deixar de destacar também o metal bem pop “Dried Up...”; a ótima “Wormboy”; a bomba "Angel with the Scabbed Wings"; a muito bem elaborada "Kinderfeld"de ótimo trabalho de produção; e a levada funkeada do baixo de “Minute to Decay”.

Muitos fãs levam a sério toda a imagem que Marilyn Manson tenta passar e, sendo justo com ele, tenho que admitir que o cara se esforça um pouco mais do que outros similares para dar credibilidade ao seu personagem. Mas particularmente prefiro me ater mesmo ao som que foi uma das coisas mais revigorantes no cenário metal dos últimos tempos com a fúria e o peso que o gênero exige, mas com um toque pop e uma teatralidade que acabaram por ser os diferenciais de MM.

Satanismo, autodeformações físicas, perversões, maltratos a animais? Hum... Não sei. Acredite se quiser. Eu recomendo apenas ouvir. Na dúvida, apenas ouça.
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FAIXAS:
  • Ciclo I - O Hierofante
1. "Irresponsible Hate Anthem" - 4:17
2. "The Beautiful People" - 3:38
3. "Dried Up, Tied and Dead to the World" - 4:16
4. "Tourniquet" - 4:29 


  • Ciclo II - A Inauguração do Verme
5. "Little Horn" - 2:43
6. "Cryptorchid" - 2:44
7. "Deformography" - 4:31
8. "Wormboy" - 3:56
9. "Mister Superstar" - 5:04
10. "Angel with the Scabbed Wings" - 3:52
11. "Kinderfeld" - 4:51


  • Ciclo III - A Ascensão do Desintegrador

12. "Antichrist Superstar" - 5:14
13. "1996" - 4:01
14. "Minute of Decay" - 4:44
15. "The Reflecting God" - 5:36
16. "Man That You Fear" - 6:10
99. "Track 99" - 1:31
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Ouça:




por Cly Reis


sexta-feira, 25 de março de 2011

Nine Inch Nails - "Broken" (1991)


"Este é o primeiro dia dos meus últimos dias"
primeiro verso de "Wish"



O som conhecido como metal industrial, por misturar elementos de metal e hardcore com os de música eletrônica, incluindo samples, bases pré-gravadas e ruídos cotidianos da vida moderna, salvo raras exceções era extremamente barulhento e pouco técnico tirando o prazer ou a apreciação de uma audição, ou às vezes, ao contrário, mostrava-se excessivamente mecânico porém pouco pesado, pedindo mais contundência sonora, mais agrassividade. Mas "Broken" , um EP, dos Nine Inch Nails, de 1991, aparecia como um dos poucos que conseguiam encontrar o meio-termo exato do gênero, e com uma mistura perfeita e planejada de barulho, tecnologia e qualidade produzia então uma das melhores obras da categoria.
A própria banda, na pessoa de seu membro-único, Trent Reznor, multi-instrumentista de formação clássica, recém ganhador do Oscar de trilha original por "A Rede Social", havia se aventurado pela floresta de sintetizadores e máquinas em "Pretty Hate Machine", seu álbum de estreia com um resultado bem interessante porém, para mim, carente de 'pegada'. O disco até tinha peso nas entrelinhas, nas letras, nas interpretações vocais, nas batidas altas e aceleradas mas faltava vida, faltavam guitarras, e foi isto principalmente que ele colocou no segundo trabalho; e como o próprio Sr. NIN definiu na época era 'um disco baseado em guitarras'.
Senhores, e elas explodem!
A introdução crescente da vinheta de abertura, 'Pinion", desemboca direto na demolidora "Wish", uma bomba, um petardo destruidor com uma tempestade de guitarras que vem em resposta aos vocais desesperadores de Reznor, até terminar repentinamente com o ouvinte já provavelmente sem ar. Mas a pausa é curta pra se recuperar e "Last" já chega de sola com uma guitarra alta e pesadíssima. A segue a instrumental sufocante "Help Me I'm in Hell", menos pesada mas não menos impressionante com sua atmosfera densa lembrando uma abertura de filme de terror.
"Happyness in Slavery" que vem a seguir, então, quebra tudo de vez! Entra arrebentando um vocal gritado, um 'confronto' de sintetizadores que  introduzem para uma base bem eletrônica que  lembra muito o disco anterior, mas aqui soando muito mais poderosa ajudada por um eventual baixo distorcidaço que aumenta ainda mais o caos. A música é pesada, a letra a pesada e o vídeo é tão pesado que sua execução pública foi totalmente proibida. Nele, o artista performático, Bob Flanagam aparece se despindo e prende a si próprio numa máquina de torturas que perfura, corta, dilacera seu corpo enquanto seu rosto vai mesclando sensações de dor e prazer. E não é mais ou menos esta a ideia do disco? "Broken" é um misto de deleite musical com uma constante estupefação pela intensidade sonora. Ao mesmo tempo que fica evidente toda a criatividade, técnica e qualidade de Trent Reznor, ele faz questão de nos 'incomodar' com sua estrondosa barulheira.

Nine Inch Nails: Happiness In Slavery (Uncensored) (1992) from Nine Inch Nails on Vimeo.

Depois de "Happyness..." ter deixado quase que apenas destroços, ainda sobra alguma coisa pra "Gave Up" vir com um ritmo alucinado bem hardcore para encerrar a obra.
Não?
Ôpa!
Surpresa! O CD ainda corre silenciosamente até a faixa 98 para nos apresentar mais duas faixas: "Physical", cover interessante de Adam Ant, bem cadenciada mas com bom peso; e "Suck", versão bem eletrônica com levada bem quebrada para a música do Pig Face, banda do excelente batarista Martin Atkins, ex- PIL, que a propósito, empresta sua qualidade, fúria e técnica à excelente "Wish" e à acelerada "Gave Up".
A linguagem de "Broken" daria rumo ao, também, ótimo trabalho posterior, "The Downward Spiral", que é assunto pra outra hora, mas por si só, este EP representa um dos marcos do gênero industrial, um dos divisores de águas da estilo e um dos melhores discos dos anos 90.
Pela evolução sonora da proposta do próprio Nine Inch Nails e pelo resultado alcançado até mesmo no âmbito geral da categoria metal-industrial na qual é importantíssimo, "Broken", mesmo sendo um EP não podia ficar de fora aqui dos Álbuns Fundamentais.
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FAIXAS:
1."Pinion" – 1:02
2."Wish" – 3:46
3."Last" – 4:44
4."Help Me I Am in Hell" – 1:56
5."Happiness in Slavery" – 5:21
6."Gave Up" – 4:08
.
.
.
98."Physical" (Adam Ant) – 5:29 *
99."Suck" (Martin Atkins, Paul Barker, Trent Reznor, Bill Rieflin) – 5:07 *

todas as músicas compostas por Trent Reznor, exceto as indicadas
todas as músicas tocadas integralmente por Trent Reznor, exceto faixas 2 e 6 com bateria de Martin Atkins e Cris Vrenna

*não estão listadas na relação original do EP
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Ouça:
Nine Inch Nails Broken


Cly Reis

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

The Young Gods - "L'Eau Rouge" (1989)

"...porque o som é algo que realmente você não pode controlar."
Franz Treichler,
vocalista e líder do
The Young Gods



Em 1989, na escolha anual da Revista Showbizz, aparecia lá um tal de "L'Eau Rouge" de uma banda suíça chamada The Young Gods como disco internacional do ano escolhido pela crítica. Não fazia a menor ideia do que se tratava a tal da banda e, na verdade, não procurei conhecer imediatamente, ainda que tivesse ficado um bocado curioso. Só fui procurar ouvir anos depois, já na época em que os downloads eram bem comuns e encontrar coisas como esta já era bastante fácil. Baixei então o tal "L'Eau Rouge" sem a menor ideia do que iria encontrar, não procurei sequer saber o gênero, a linha ou o tipo se som. Como, costumeiramente, as escolhas da crítica da revista eram bem criteriosas, imaginei que encontraria algo, no mínimo interesante, bacana, legal. Mas "L'Eau Rouge", já ao iniciar, mostrava que superaria minhas expectativas, e efetivamente o fez. Era uma espécie de som industrial mas como eu nunca tinha ouvido antes, com inserções de orquestra, de bandas folclóricas, de ritmos tradicionais, com samples inusitados e originais, tudo com muita agressividade sonora e embalado por uma voz rouca e rasgada cantando todas as faixas em francês.
Quando começa "La Fille de La Mort", com suas graciosas repetições à boulevard, não se pode imaginar que venha a se transmutar numa trilha sonora de um pesadelo, num caos sonoro, num clímax barulhento e apocalíptico conduzindo a um final fantástico e arrasador. Emenda, já na sequência, com "Rue des Tempêtes" abrindo com uma breve introdução de violinos que logo descambam para samples de guitarras enlouquecidas e viscerais.
A faixa que dá nome ao disco traz uma batida bem marcada, e por sua vez também explode em guitarras barulhentas no refrão; "Charlotte" dá um alívio no peso e remete às músicas tradicionais francesas com um interessantíssimo sampler de acordeão; "Longe Route" é um foguete devastador; a ótima "Les Enfants" deixa bem evidente a proposta de integração do eletrônico industrial com a música clássica, numa composição intensa recheada de elementos orquestrais pré-gravados trabalhados minuciosamente em estúdio; e pondo o ponto final de maneira explêndida vem a destruidora "Pas Mal" carregada de barulhentas colagens de guitarras.
Ouvi o "L'Eau Rouge" tardiamente em relação a seu lançamento, mas analisando retroativamente fica evidente a enorme influência do som dos caras na música pop de um modo geral, mas sobretudo no cenário do metal-industrial e da música eletrônica, admitida por nomes como Chemical Brothers, Ministry e Nine Inch Nails e até pelo mestre Bowie.
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FAIXAS:
  1. "La Fille de la Mort" (Young Gods) – 7:58
  2. "Rue des Tempêtes" (Young Gods) – 2:51
  3. "L'Eau Rouge" (Young Gods) – 4:20
  4. "Charlotte" (Young Gods) – 2:02
  5. "Lougue Route" (Young Gods) – 3:41
  6. "Crier les Chiens" (Young Gods) – 3:15
  7. "Ville Nôtre" (Young Gods) – 4:07
  8. "Les Enfants" (Young Gods) – 5:32
  9. "L'Amourir" (Young Gods) – 4:17
  10. "Pas Mal" (Young Gods) – 2:45
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Ouça:
The Young Gods L'Eau Rouge



Cly Reis