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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Iggy Pop - "Brick by Brick" (1990)


 

"Trabalhar com David Bowie é um prazer, mas uma tortura também. Ele é um músico incrível e um grande produtor, tem ideias excelentes, mas os álbuns acabam soando 50% Bowie e 50% Iggy. Eu queria um disco apenas com ideias minhas."
Iggy Pop

"Esta canção tem a melhor letra que já ouvi."
Butt-Head, da série Beavis & Butt-Head, sobre “Butt Town”

O camaleão é um réptil capaz de fazer com que sua pele mude de aspecto. Não à toa, este era o apelido de David Bowie pela incrível capacidade que este teve de se transformar com total desenvoltura em diversos personagens, como Ziggy Stardust, Major Tom e Alladin Sane. Porém, outra espécie também é mestre em camuflagem e disfarces: a iguana. Muito próximo de Bowie desde os anos 70, Iggy Pop merece, com certeza, esta alcunha. Não somente pela derivação nominal, afinal, quem surfou pela garage band, pelo punk, hard rock, industrial, pós-punk, new wave, heavy metal e por aí vai, só pode mesmo ser considerado um ser de várias aparências. O eterno líder da Stooges e dono de uma obra que perpassa tudo o que foi produzido no rock desde os anos 60 tem estofo para isso. Em 1990, após pouco mais de 20 anos de carreira, o junkie provocativo tornava-se um homem maduro (humm... talvez, nem tanto) e realiza o disco que melhor resume a sua extensa e variante trajetória: “Brick by Brick”, que completa 30 anos de lançamento em 2020.

No entanto, dúvidas quanto ao talento de Iggy Pop pairavam àquela época. Ele vinha de um novo sucesso em anos após alguns de ostracismo com “Blah Blah Blah”, de 1986, coescrito e produzido por Bowie. Sua gravadora de então, A&M, queria repetir a fórmula, mas o que o rebelde Iggy fez, ao lado do sex pistol Steve Jones, foi, sim, um álbum que pode ser classificado como “Cold Metal”, o representativo título da faixa inicial de “Instintic”, de 1988. O preço por seguir os próprios instintos custou caro a Iggy, que foi dispensado do selo. Foi então que o veterano roqueiro olhou para si e percebeu que algo estava errado. No espelho, James Osterberg viu, na verdade, um artista prestes a completar duas décadas de carreira sem ter, de fato, uma obra inteiramente sua com respeito de crítica e público. Iggy deu-se conta que todos os seus êxitos até então haviam sido divididos com outros: na Stooges, com o restante do grupo; nos discos de Berlim dos anos 70 e em “Blah...”, com Bowie; em “Kill City”, de 1977, com James Williamson, fora outros exemplos. Por incrível que parecesse, o cara inventou o punk, que liderou uma das bandas mais revolucionárias do rock, que colaborou para o engendro da música pop dos anos 80 era ainda olhado de soslaio. Foi com este ímpeto, então, que, desejoso de virar uma importante página, ele assina com a Virgin para realizar um trabalho essencialmente seu.

Produzido pelo experiente Don Was (Bob Dylan, Rolling Stones, George Clinton e outros papas da música pop), “Brick...” é rock ‘n’ roll em sua melhor acepção: jovem, pulsante e melodioso. A começar, tem na sua sonoridade forte e impactante, a exemplo de grandes discos do rock como “Album” da PIL e os clássicos da Led Zeppelin, um de seus trunfos. Igualmente, parte da banda que acompanha o cantor é formada por Slash, na guitarra, de Duffy McKagan, no baixo, nada mais, nada menos do que a “cozinha” da então mais celebrada banda da época, a Guns n’ Roses, além de outros ótimos músicos como o baterista Kenny Aronoff, o guitarrista Waddy Wachtel e o tecladista Jamie Muhoberac. Isso, aliado ao apuro da mesa de som, potencializava a intensidade do que se ouvia. Garantida a parte técnica, vinha, então, o principal: a qualidade das criações. Nunca Iggy Pop compusera tão bem, nunca estivera tão afiado em suas melodias e no canto, capaz de variar da mais rascante vociferação ao elegante barítono.

Com o parceiro de várias jornadas Bowie: Iggy busca a emancipação artística

Se em discos anteriores Iggy às vezes se ressentia de coesão na obra, como os bons mas inconstantes “Party” (1981) e “New Values” (1979), em “Brick...” ele mantém o alto nível do início ao fim. E olha que se trata de um disco extenso! Mas Mr. Osterberg estava realmente em grande fase e imbuído de pretensões maiores, o que prova na canção de abertura: a clássica “Home”. Rock puro: riff simples e inteligente; refrão que gruda no ouvido; pegada de hard rock de acompanhar o ritmo batendo a cabeça; vocal matador; guitarras enérgicas; bateria pesada. Não poderia começar melhor. Já na virada da primeira faixa para a segunda, a grandiosa balada “Main Street Eyes” – das melhores não só do disco como do cancioneiro de Iggy –, percebe-se outra sacada da produção: interligadas – tal os álbuns de Stevie Wonder ou o mitológico “Sgt. Peppers”, dos Beatles –, as músicas se colam umas às outras, dando ainda mais inteireza à obra. 

Assim é com I Won't Crap Out”, na sequência (noutra ótima performance dele e da banda), e aquele que é certamente o maior hit da carreira de Iggy Pop: “Candy”. Dividindo os vocais com Kate Pearson (B52’s), a música estourou à época com seu videoclipe (28ª posição na Billboard e quinta na parada de rock) e ajudou o disco a vender de 500 mil de cópias. Como classifica o jornalista Fábio Massari, trata-se de um “perfect pop”. Tudo no lugar: melodia envolvente, refrão perfeito, conjugação de voz masculina e feminina e construção harmônica irretocável. Um clássico do rock, reconhecível até por quem não sabe quem é Iggy Pop e que, ao chamar Kate para contrapor a voz, “deu a morta” para a R.E.M. um ano depois fazer o mesmo na divertida e de semelhante sucesso “Shiny Happy People”.

Unindo a experiência de um já dinossauro do rock com um poder de sintetizar suas melhores referências, Iggy revela joias, como as pesadas "Butt Town", com sua letra desbocada e crítica, e "Neon Forest", onde faz as vezes de Neil Young. Também, as melodiosas "Moonlight Lady" e a faixa-título, puxadas no violão e na sua bela voz grave, bem como a animada “Stary Night”. Don Was, que manja da coisa, intercala-as, dando à evolução do disco equilíbrio e garantindo que o ouvinte experimente todas as sensações: da intensidade à leveza, da agressividade à doçura. Por falar em intensidade, o que dizer, então, do heavy “Pussy Power”, em que, resgatando o peso do seu disco imediatamente anterior, faz uma provocativa ovação ao “poder da buceta”. Iggy Pop sendo Iggy Pop.

Mas não é apenas isso que Iggy tinha para rechaçar de vez a desconfiança dos críticos. O Iguana revela outras facetas, sempre pautado no melhor rock que poucos como ele são capazes de fazer. Novas aulas de como compor um bom rock ‘n’ roll: "The Undefeated" – daquelas que viram clássicos instantâneos, emocionante no coro final entoando: “Nós somos os invictos/ Sempre invictos/ Agora!” –; "Something Wild" e a parceria com Slash "My Baby Wants To Rock And Roll". Não precisa dizer que esta última saiu um exemplar à altura de dois músicos que escreveram hinos rockers como “No Fun” e “Sweet Child O’Mine”. 

O disco termina com outra balada, "Livin' On The Edge Of The Night", do premiado músico Jay Rifkin, que figura na trilha de “Chuva Negra”, filme de sucesso de Ridley Scott e estrelado por Michael Douglas e Andy Garcia, das poucas que não têm autoria do próprio Iggy entre as 14 faixas de um disco irreparável. Iggy Pop, finalmente, consegue ser ele mesmo sendo os vários Iggy Pop que há dentro de sua alma versátil e liberta. E se havia alguma dúvida de que tinha competência de produzir uma obra autoral sem a ajuda dos parceiros, “Brick...” é a prova cabal. Literalmente, não deixa “pedra sobre pedra” e nem muito menos “tijolo por tijolo”.

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Clipe de "Candy" - Iggy Pop e Kate Pierson


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FAIXAS:
1. "Home" – 4:00
2. "Main Street Eyes" – 3:41
3. "I Won't Crap Out" – 4:02
4. "Candy"(partic.: Kate Pierson) – 4:13
5. "Butt Town" – 3:34
6. "The Undefeated" – 5:05
7. "Moonlight Lady" – 3:30
8. "Something Wild" (John Hiatt) – 4:01
9. "Neon Forest" – 7:05
10. "Starry Night" – 4:05
11. "Pussy Power" – 2:47
12. "My Baby Wants To Rock And Roll" (Iggy Pop/Slash) – 4:46
13. "Brick By Brick" – 3:30
14. "Livin' On The Edge Of The Night" (Jay Rifkin) – 3:07
Todas as músicas de autoria de Iggy Pop, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

domingo, 8 de março de 2020

7 discos feitos para elas cantarem

ESPECIAL DIA DA MULHER
Eles compõem. Mas a voz é delas

por Daniel Rodrigues
com colaboração de Paulo Moreira

Michael Jackson e Diana Ross:
devoção à sua musa
Mestre Monarco disse certa vez que, embora a maioria quase absoluta de sambistas compositores sejam homens, nada sairia do zero sem a autoridade das pastoras. Se aquele samba inventado por eles entrasse numa roda de pagode e as cantoras da quadra não o "comprassem", ou seja, não o considerasse bom o suficiente para ser entoado, de nada valia ter gasto tutano compondo-o. Era como se nem tivesse sido escrito: pode descartar e passar para o próximo. Isso porque, segundo o ilustre membro da Velha Guarda da Portela, são as cantoras da comunidade que escolhem os sambas, que fazem passar a existir como obra de fato algo até então pertencente ao campo da imaginação. A voz masculina, afirma Monarco, não tem beleza suficiente para fazer revelar o verdadeiro mistério de um samba. A da mulher, sim.

Cale e Nico: sintonia
Talvez Monarco se surpreenda com a constatação de que seu entendimento sobra a alma da música vai além do samba e que não é apenas ele que pensa assim. Seja no rock, no pop, no jazz ou na soul music, outros compositores como ele partilham de uma ideia semelhante: a de que, por mais que se esforcem ou também saibam cantar (caso do próprio Monarco, dono de um barítono invejável), nada se iguala ao timbre feminino. Este é o que casa melhor com a melodia. Se comparar uma mesma canção cantada por um homem e por uma intérprete, na grande maioria das vezes ela é quem sairá vencendo.

A recente parceria de Gil
e Roberta Sá
Isso talvez não seja facilmente explicável, mas é com certeza absorvível pelos ouvidos com naturalidade. Por que, então, o Pink Floyd poria para cantar "The Great Gig in the Sky" Clare Torry e não os próprios Gilmour ou Waters? Ou Milton Nascimento, um dos mais admirados cantores da música mundial, em chamar Alaíde Costa especialmente para interpretar "Me Deixa em Paz" em meio a 20 outras faixas cantadas por ele ou Lô Borges em “Clube da Esquina”? Ao se ouvir o resultado de apenas estes dois exemplos fica fácil entender o porquê da escolha.

Nesta linha, então, em homenagem ao Dia da Mulher, selecionamos 7 trabalhos da música em que autores homens criaram obras especialmente para as suas “musas” cantarem. De diferentes épocas, são repertórios totalmente novos, fresquinhos, dados de presente para que elas, as cantoras, apenas pusessem suas vozes. “Apenas”, aliás, é um eufemismo, visto que é por causa da voz delas que essas obras existem, pois, mais do que somente a característica sonora própria da emissão das cordas vocais, é o talento delas que preenche a música. Elas que sabem revelar o mistério. “Música” é uma palavra essencialmente feminina, e isso explica muita coisa.

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Elizeth Cardoso – “Canção do Amor Demais” (1958)
Compositores: Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes

"Rua Nascimento Silva, 107/ Você ensinando pra Elizeth/ As canções de 'Canção do Amor Demais'", escreveu Tom Jobim na canção em que relembra quando, jovens, ele e o parceiro Vinicius compuseram um disco inteirinho para a então grande cantora brasileira: Elizeth Cardoso. Eram tempos de pré-bossa nova, movimento o qual este revolucionário disco, aliás, é o responsável por inaugurar. Mesmo que o gênero tenha ficado posteriormente conhecido pelo canto econômico por influência de João Gilberto e Nara Leão, o estilo classudo a la Rádio Nacional da “Divina” se encaixa perfeitamente às então novas criações da dupla, que havia feito recente sucesso compondo em parceria a trilha da peça “Orfeu da Conceição”, de 3 anos antes. Um desfile de obras-primas que, imediatamente, se transformavam em clássicos do cancioneiro brasileiro: “Estrada Branca”, “Eu não Existo sem Você”, “Modinha” e outras. O próprio João, inclusive, afia seus acordes dissonantes em duas faixas: a clássica “Chega de Saudade” e a talvez mais bela do disco “Outra Vez”.

FAIXAS
1. "Chega de Saudade"
2. "Serenata do Adeus"
3. "As Praias Desertas" 
4. "Caminho de Pedra"
5. "Luciana" 
6. "Janelas Abertas"
7. "Eu não Existo sem Você"   
8. "Outra Vez" 
9. "Medo de Amar" 
10. "Estrada Branca" 
11. "Vida Bela (Praia Branca)" 
12. "Modinha"  
13. "Canção do Amor demais"
OUÇA

Dionne Warwick‎ – “Presenting Dionne Warwick” (1963)
Compositores: Burt Bacharach e Hal David 


Raramente uma cantora começa uma carreira ganhando um repertório praticamente todo novo (cerca de 90% do disco) e a produção de uma das mais geniais duplas da história da música moderna: Burt Bacharach e Hal David. Mais raro ainda é merecer tamanho merecimento. Pois Dionne Warwick é esta artista. A cantora havia chamado a atenção de David e Bacharach, que estavam procurando a voz ideal para suas sentimentais baladas. Não poderia ter dado mais certo. Ela, que se tornaria uma das maiores hitmakers da música soul norte-americana – inclusive com músicas deles – emplaca já de cara sucessos como "Don't Make Me Over", "Wishin' and Hopin'", "Make It Easy on Yourself", "This Empty Place".



FAIXAS
1. "This Empty Place"
2. "Wishin' and Hopin'"  
3. "I Cry Alone"  
4. "Zip-a-Dee-Doo-Dah" (Ray Gilbert, Allie Wrubel)
5. "Make the Music Play"
6. "If You See Bill" (Luther Dixon)
7. "Don't Make Me Over"
8. "It's Love That Really Counts"
9. "Unlucky" (Lillian Shockley, Bobby Banks)
10. "I Smiled Yesterday"
11. "Make It Easy on Yourself"
12. "The Love of a Boy"
Todas de autoria David e Bacharach,, exceto indicadas
OUÇA

Nico – “The Marble Index” (1968)
Compositor: John Cale

Diferente de Dionne, Nico já era uma artista conhecida tanto como modelo, como atriz (havia feito uma ponta no cult movie “La Dolce Vita”, de Fellini) como, principalmente, por ter pertencido ao grupo que demarcaria o início do rock alternativo, a Velvet Underground, apadrinhados por Andy Wahrol e ao qual Cale era um dos cabeças ao lado de Lou Reed. Já havia, inclusive, gravado, em 1967, um disco, o cult imediato “Chelsea Girl”. Porém, coincidiu de tanto ela (que não gostara do resultado do seu primeiro disco) quanto Cale (de saída da Velvet) quererem alçar voos diferentes e explorar novas musicalidades. Totalmente composto, produzido e tocado por Cale, “Marble”, predecessor do dark, é sombrio, denso, enigmático e exótico. A voz grave de Nico, claro, colabora muito para essa poética sonora. A parceria deu tão certo que a dupla repetiria a mesma fórmula em outros dois ótimos discos: “Deserthore” (1970) e “The End” (1974).

FAIXAS
1. "Prelude"
2. "Lawns of Dawns"
3. "No One Is There"
4. "Ari's Song"
5. "Facing the Wind"
6. "Julius Caesar (Memento Hodié)"

7. "Frozen Warnings"
8. "Evening of Light"


Aretha Franklin – “Sparkle” (1976)
Compositor: Curtis Mayfield 


Na segunda metade dos anos 70, quando a era disco e a black music dominavam as pistas e as paradas, foi comum a várias cantoras norte-americanas gravarem discos com esta atmosfera. Aretha Franklin fez a seu modo: para a trilha sonora de um filme inspirado na história das Supremes, chamou um dos gênios da soul, Curtis Mayfield, para lhe escrever um repertório próprio. Deu em um dos melhores discos da carreira da Rainha do Soul, álbum presente na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame. As gingadas “Jump” e “Rock With Me”, bem como as melodiosas ‘”Hooked on Your Love”, “Look into Your Heart” e a faixa-título, não poderiam ter sido compostas por ninguém menos do que o autor de “Superfly”.



FAIXAS:
1. "Sparkle" 
2. "Something He Can Feel" 
3. "Hooked on Your Love" 
4. "Look into Your Heart" 
5. "I Get High" 
6. "Jump" 
7. "Loving You Baby"
8. "Rock With Me"


Diana Ross – “Eaten Alive!” (1985)
Compositor: Barry Gibb



Já que lembramos das Supremes, então é hora de falar da mais ilustre do conjunto vocal feminino: Diana Ross. Com uma longa discografia entre os discos com a banda e os da carreira solo, em 1985 ela ganha de presente do amigo e admirador Barry Gibb, líder da Bee Gees, baladas e canções pop esculpidas para a sua voz aguda e sentimental. De sonoridade bem AOR anos 80, o disco tem, além de Gibb, a da devoção de outro célebre músico à sua idolatrada cantora: Michael Jackson. Seu ex-parceiro de palcos, estúdios e de cinema, o autor de “Thriller” coassina a esfuziante faixa-título para a sua madrinha na música. Merecida e bonita homenagem.



FAIXAS:
1. “Eaten Alive”
2. “Oh Teacher” 
3. “Experience” 
4. “Chain Reaction”
5. “More And More” 
6. “I'm Watching You”
7. “Love On The Line” 
8. “(I Love) Being In Love With You” 
9. “Crime Of Passion” 
10. “Don't Give Up On Each Other”


Gal Costa – “Recanto” (2011)
Compositor: Caetano Veloso

A afinidade de Caetano e Gal é profunda e vem de antes de gravarem o primeiro disco de suas carreiras juntos, em 1966, “Domingo” – quando ele, aliás, compôs as primeiras músicas para a voz dela, como as célebres “Coração Vagabundo” e “Avarandado”. Ela o gravaria várias vezes durante a longa carreira, não raro com temas escritos especialmente. “Recanto”, disco que já listamos em ÁLBUNS FUNDAMENTAIS e entre os melhores da MPB dos anos 2010, é, de certa forma, a maturidade dessa relação pessoal e musical de ambos. “Recanto Escuro” e “Tudo Dói” são declarações muito subjetivas de Caetano tentando perscrutar a alma de Gal, o que vale também para o sentido inverso. Referência da música brasileira do início do século XXI, o disco, que tem a ajuda fundamental de Kassin e Moreno nos arranjos e produção, é, acima de tudo, a cumplicidade entre Caê e Gal, estes dois monstros da música, vertida em sons e palavras.

FAIXAS
1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda


Roberta Sá – “Giro” (2019)
Compositor: Gilberto Gil 


Talvez este seja o único caso entre os listados em que a cantora não está à altura do repertório que recebeu. Não que Roberta Sá não tenha qualidades: é afinada, graciosa e tem lá a sua personalidade. Mas que sua interpretação fica devendo à qualidade suprema da música do mestre Gil fica. “Giro”, no entanto, é bem apreciável, principalmente faixas como “Nem”, “Afogamento”, “Autorretratinho” e “Ela Diz que Me Ama”, em que a artista potiguar consegue reunir novamente Gil e Jorge BenJor, num samba-rock típico deste último: os contracantos, o coro masculino como o do tempo do Trio Mocotó e a batida de violão intensa, a qual Gil – conhecedor como poucos do universo do parceiro –, se encarrega de tocar.




FAIXAS
1. “Giro”
2. “O Lenço e o Lençol”
3. “Cantando As Horas”
4. “Ela Diz Que Me Ama”
5. “Nem”
6. “Fogo de Palha”
7. “Autorretratinho”
8. “A Vida de um Casal”
9. “Xote da Modernidade”
10. “Outra Coisa”
11. “Afogamento”

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Steve Winwood - "Steve Winwood" (1977)



"Eu queria fazer um álbum em que não tivesse que discutir com ninguém sobre quais músicas fazer e como fazer.”
Steve Winwood, em 1977 para a Rolling Stone

Instado pelo colega e amigo Carlos Guimarães, este é um dos discos da minha lista de 10, 15, 20 ou mais discos preferidos da casa. Em especial, esse aqui me traz lembranças de janeiro de 1978, quando eu recém havia passado no vestibular e resolvi me dar de presente dois LP's que comprei no Zaffari Ipiranga (velhos tempos em que a discoteca do supermercado tinha coisas muito boas). O primeiro já coloquei numa lista anterior, "Pirão de Peixe com Pimenta" do Sá & Guarabyra. O outro foi o primeiro disco solo do Steve Winwood, que levava o nome dele, de 1977.

O álbum foi massacrado pela crítica americana, mas eu acho que eles se equivocaram. É um baita trabalho com as participações dos ex-Traffic, o baterista e cantor Jim Capaldi, e o percussionista Reebop Kwaku Baah. Tem ainda o Willie Weeks no baixo, Andy Newmark na batera e o guitarrista do Bob Marley, Junior Marvin, numa música.

A voz maravilhosa, guitarra e teclados de Winwood dominam o disco, que tem uma balada demolidora chamada "Let Me Make Something in Your Life" e um groove que tocou no rádio na época, "Time is Running Out".

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FAIXAS:
1. "Hold On" - 4:32
2. "Time is Running Out" - 6:30
3. "Midland Maniac" (Winwood) - 8:32
4. "Vacant Chair" (Winwood, Vivian Stanshall) - 6:54
5. "Luck's In" - 5:23
6. "Let Me Make Something in Your Life" - 5:33
Todas as composições de autoria de Steve Winwood e Jim Capaldi, exceto indicadas


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OUÇA O DISCO:
Steve Winwood - "Steve Winwood"  


por Paulo Moreira

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Exposição "Jean-Michel Basquiat - Obras da Coleção Mugrabi" - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro/RJ



O bom senso jornalístico sugere que se use com muita parcimônia o termo “gênio” para classificar alguém. A explicação é bem lógica, como ironizou certa vez Ariano Suassuna: se for empregar o adjetivo a alguém como Chimbinha – tal como irresponsavelmente o fizeram para com o apenas esforçado guitarrista de brega music brasileiro –, o que resta para um Mozart ou Shakespeare? Raras são as personalidades na humanidade que atingiram esse status e que, por consenso, podem ser tidas de geniais. Caso de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), o artista visual nova-iorquino que, em seus meteóricos 27 anos de vida, edificou uma obra gigantesca em quantidade e simbologias, assemelhando-se, a seu modo, a outros gênios das artes visuais como Michelangelo, Picasso ou Cézanne. Um pouco de sua extensa e marcante obra pude conferir, juntamente com Leocádia Costa e Cly Reis, na exposição de retrospectiva no CCBB do Rio de Janeiro.

Duas coisas me impressionaram sobremaneira na mostra, até pelas lógicas praticamente antagônicas de ambas, mas, justamente, oriundas da mesma natureza: a brutal naturalidade com que Basquiat criava sua arte, quase instintiva e sem travas, e, ao mesmo tempo, uma igualmente brutal força interna, esta, capaz de transformar o natural aparentemente banal em algo grandioso, acima da média. Motivações grandiosas, como a crítica à Igreja ou a condição do negro norte-americano, dividem espaço com temas aparentemente vulgares, como personagens de desenho animado, produtos descartáveis e “rabiscos” infantis “despretensiosos” (“Tiranossaurus”, “A House Build by Frank Lloyd Wright for his Son“), Mas que, de modo feroz, expressam a mais profunda intenção artística. Há, por exemplo, quadros inteiros com apenas o uma frase escrita, como em “A Shadow in his Space”. E é de encher os olhos.

A brutal simplicidade do traço da criança
Basquiat era muitos e ao mesmo tempo uno. Como outros gênios, incorporou as ondas e tensões de sua época e as traduziu em arte. Sua obra personifica o caráter de Nova York nos anos 1970/80, quando a mistura de empolgação e decadência criou um espaço importante de criatividade. Estava tudo no ar: a Guerra Fria, a questão dos negros e dos imigrantes, a cultura pop, as ditaduras sangrentas na África e América, a era Reagen/Tatcher,  o rap enquanto música de protesto e de reelaboração da cultura negra, a publicidade dos anos yuppie, a tradição da arte clássica e o desmonte desta pela arte moderna. Tudo estava em Basquiat, à flor da pele, a cada jato de spray, a cada pincelada, a cada borrão, a cada palavra escrita ou rasurada, a cada ironia ou protesto. A intensidade do traço, compulsão expressiva, a obsessiva reelaboração da ideia – peculiar de uma mente inquieta e criativa –, o uso instintivo da palheta cromática, as camadas ora de tinta, ora de colagens ou mesmo do suporte da tela, bem como os escritos poéticos e multilíngues e as figuras cadavéricas e não menos constrangidas pela vida.

A Mesquita, de 1982, multiplicidade de técnicas
e de signos
Tudo é de um impacto tamanho, que se demora a elaborar internamente.

Estou fazendo isso até agora. Não sei com que grau de maldade, discriminação ou simples ignorância veículos de imprensa noticiaram esta mesma mostra, quando ocorrida em São Paulo, no início do ano, classificando Basquiat como “grafiteiro”. Basta apreciar algumas das 80 quadros, desenhos e gravuras expostos para perceber o quão desrespeitoso se é ao reduzi-lo como se fosse um mero vândalo urbano. A quantidade de técnicas e suportes que se utilizava para montar uma obra eram extremante variados, indo das mais tradicionais, como a pintura a óleo ou acrílica, a outras mais pop e adequadas à sua realidade, como colagem, tinta spray, xerox ou serigrafia. “A Mesquita” (1982), “Coelho Vermelho” (1982) e “Bracco di Ferro” (1983).

Igualmente, impressiona o domínio de Basquiat do desenho. Mesmo sem uma formação tradicional, como se “exige” de artistas visuais para serem aceitos no metiê, Basquiat não apenas suplantou isso pela qualidade como, inovador, adicionou-lhe elementos estéticos e simbólicos ao que se convencionou chamar de neoexpressionismo. Há momentos em que na sua obsessão pela estrutura humana, vista nas repetições de esqueletos e ossos (dos negros como ele, segundo ressaltava o próprio) e nas figurações distorcidas, há traços tão elegantes quanto um Picasso de "As senhoritas de Avignon" ou dos cartazes publicitários de Tholouse-Lautrec, ambas as referências do início do século XX. Mais atual, porém anterior a Basquiat, o alemão Joseph Beuys, de quem comungava do mesmo sarcasmo e olhar crítico, e Andy Wahrol, também uma forte inspiração, tanto que motivou a ambos amigarem-se e a trabalharem juntos na segunda metade dos anos 80, produzindo quadros brilhantes – embora a crítica, ignorante, tenha virado a cara à época. Na sala especialmente reservada a esta fase, podem ser vistas obras em que o talento de um não se sobressai ao do outro, impulsionando-se mutuamente. A serigrafia e o traço elegante de Wahrol – algo que ele não fazia desde os anos 60 – convive com as intervenções espontâneas de Basquiat.

Rosto cujos traços lembram Picasso primitivo
A sensação que se sai de uma exposição tão rica e instigante como esta é que qualquer um pode expressar-se artisticamente – ainda mais a quem, como nós três, têm facilidade no traço .“Por que não nos aventuramos mais na pintura, no desenho?” Saímos nos questionando. Por outro lado, a percepção de que, independente do que fizermos, jamais atingiremos o que um Basquiat produziu, e essa é um sentimento de profunda admiração e gratidão. No caso dele, o fato de ter sido um totem de motivações histórico-sociais, que introjetou e reelaborou as tensões do seu tempo, não explicam na totalidade o porquê da qualidade daquilo que legou. Afinal, para se tornar um ícone não basta apenas a atribuição externa: tem que ser intimamente capaz disso. E Basquiat o foi, mesmo que inconscientemente. Mais do que isso, Basquiat foi aquilo que explica tudo o que se viu: um gênio. Assim mesmo, adjetivo superlativo.

Confira um apanhado de algumas das obras expostas de "Jean-Michel Basquiat - Obras da Coleção Mugrabi":

"Braccio di Ferro", impressionante e sua complexidade

"Elefante Rosa com Caminhão de Bombeiros", de 1984, das melhores

Peça com a assinatura estilística de Basquiat

Frank Lloyd Wright ficaria orgulhoso de seu filho

Foto de uma das intervenções assinadas como SAMO na NY do final dos 70

"Coelho Vermelho", das peças mais impactantes da mostra

A construção fragmentada dos quadrinhos e da televisão em "Old Cars", de 1981

Detalhe de "Old Cars"

Díptico de duas das principais referências de Basquiat, o negro e a músico dos negros

"Cantor", de 1980-85, lápis de cor e crayon sobre papel

Música da Cabeça versão Basquiat

"Moisés Jovem", outro soco tomado de sagacidade e bom-humor

Detalhe de "Quatro Grandes", de 1982, religiosidade, sexo e ídolos

Basquiat e Wahrol, união de talentos dialogando numa linguagem ultramoderna
"Ovos", de 1986, Wahrol, com seu inconfundível traço, voltando a pintar depois de 20 anos por causa do amigo

Precisa mais que isso para ser arte?

"Natchez", profusão e sobreposições que remetem à multitela, profetizando a era do mobile

Detalhe de "Natchez" com os escritos repetidamente obsessivos do artista

"Fifty Nine Cents" (1983), acrílico sobre tema, a influência da publicidade e a ironia ao capitalismo

Cly e eu tentando desvendar a lógica deste "Xadrez" tão fora dos padrões

Convivência da elegância do traço no rosto abaixo e da inquietude logo acima

Ironia metalinguística na era dos fakes: de Basquiat  falsificando a si próprio

As raízes africanas expostas em cores e símbolos na obra do final de carreira

Admiração e espanto de quem vê um Basquiat ao vivo que chega a dar um passo pra trás ("Sem Título", 1981)

As impressionantes cerâmicas desenhadas com caneta de tinta permanente
e
O coração jazzístico de Basquiat
Quem não enxerga aí crítica à Igreja e à condição do negro não entendeu nada

Obra que nos leva a questionar, por que não fazer a própria arte?

Cultura pop, religião, violência, ecologia e capitalismo: caldeirão ideológico

Mais uma vez a influência da publicidade e da sociedade de consumo

Pura genialidade em "Ciclista", de 1984, das mais poéticas da mostra

"Venus 2000 B.C.", de 1982, simplicidade genial que se conecta ao alemão Joseph Beuys

Colagem, spray, óleo, pintura: várias técnicas de Basquiat sobre suas figuras geralmente cadavéricas

Merece até um abraço por tamanho assombro que causa

A referência aos HQs e o universo dos super-heróis  de "Il Flash" (1984) atraiu a criançada presente no CCBB

Absorvendo a paulada desta obra até agora...

Das obras do final da carreira nos fez questionar: onde iria parar a arte Basquiat se vivo?

Os cabelos de Basquiat e meus

texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa

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exposição "Jean-Michel Basquiat:
Obras da Coleção Mugrabi"
local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
endereço:Rua Primeiro de Março, 66 - Centro
visitação: de quarta a segunda, das 9h às 21 horas.
período: até 7/01/2019
entrada: gratuita