No alto, a capa original e
abaixo a capa da reedição de 1972.
"Controle de solo para Major Tom...
Controle de solo para Major Tom..."
início de "Space Oddity"
E David Bowie desembarcava na Terra.
A odisséia mutante de Bowie exibindo toda sua versatilidade começava verdadeiramente ali. Apesar de já ter um álbum em sua discografia, foi com "Space Oddity" de 1969, que aquele rapaz inglês de olhos diferentes se consolidava como artista respeitado e estabelecia as bases para a própria obra dali para a frente.
As levadas marcantes de violão, a influência folk, o rock sofisticado, a beleza cósmica e a melancolia chapada da maravilhosa "Space Oddity"; todo o clima de descontração e improvisação jam do final de "Unwashed and Somewhat Dazed"; a brincadeira divertida da vinhetinha "(Don't Sit Down)", mais tarde retirada de edições posteriores do disco; a leveza de "Letter to Hermione"; a interpretação emocionante de "Cygnet Committee"; o rock gostoso de "Janine"; o primor da balada "An Ocasional Dream"; o refrão quebrado da brilhante "God Knows I'm Good"; o arranjo notável de "Wild Eyed Boy From Freecloud"; e a magnitude da peça psicodélica monumental "Memory of a Free Festival", crescente, somando elementos, até culminar num final apoteótico.
Um disco que afirmava Bowie como artista altamente criativo e logo em seguida o confirmaria como um dos grandes nomes da história do rock, preparando para a chegada da nave de seu Ziggy Stardust e sua explosão definitiva no universo pop. A grande viagem espacial só estava começando.
"Trabalhar com David Bowie é um prazer, mas uma tortura também. Ele é um músico incrível e um grande produtor, tem ideias excelentes, mas os álbuns acabam soando 50% Bowie e 50% Iggy. Eu queria um disco apenas com ideias minhas."
Iggy Pop
"Esta canção tem a melhor letra que já ouvi."
Butt-Head, da série Beavis & Butt-Head, sobre “Butt Town”
O camaleão é um réptil capaz de fazer com que sua pele mude de aspecto. Não à toa, este era o apelido de David Bowie pela incrível capacidade que este teve de se transformar com total desenvoltura em diversos personagens, como Ziggy Stardust, Major Tom e Alladin Sane. Porém, outra espécie também é mestre em camuflagem e disfarces: a iguana. Muito próximo de Bowie desde os anos 70, Iggy Pop merece, com certeza, esta alcunha. Não somente pela derivação nominal, afinal, quem surfou pela garage band, pelo punk, hard rock, industrial, pós-punk, new wave, heavy metal e por aí vai, só pode mesmo ser considerado um ser de várias aparências. O eterno líder da Stooges e dono de uma obra que perpassa tudo o que foi produzido no rock desde os anos 60 tem estofo para isso. Em 1990, após pouco mais de 20 anos de carreira, o junkie provocativo tornava-se um homem maduro (humm... talvez, nem tanto) e realiza o disco que melhor resume a sua extensa e variante trajetória: “Brick by Brick”, que completa 30 anos de lançamento em 2020.
No entanto, dúvidas quanto ao talento de Iggy Pop pairavam àquela época. Ele vinha de um novo sucesso em anos após alguns de ostracismo com “Blah Blah Blah”, de 1986, coescrito e produzido por Bowie. Sua gravadora de então, A&M, queria repetir a fórmula, mas o que o rebelde Iggy fez, ao lado do “sex pistol” Steve Jones, foi, sim, um álbum que pode ser classificado como “Cold Metal”, o representativo título da faixa inicial de “Instintic”, de 1988. O preço por seguir os próprios instintos custou caro a Iggy, que foi dispensado do selo. Foi então que o veterano roqueiro olhou para si e percebeu que algo estava errado. No espelho, James Osterberg viu, na verdade, um artista prestes a completar duas décadas de carreira sem ter, de fato, uma obra inteiramente sua com respeito de crítica e público. Iggy deu-se conta que todos os seus êxitos até então haviam sido divididos com outros: na Stooges, com o restante do grupo; nos discos de Berlim dos anos 70 e em “Blah...”, com Bowie; em “Kill City”, de 1977, com James Williamson, fora outros exemplos. Por incrível que parecesse, o cara inventou o punk, que liderou uma das bandas mais revolucionárias do rock, que colaborou para o engendro da música pop dos anos 80 era ainda olhado de soslaio. Foi com este ímpeto, então, que, desejoso de virar uma importante página, ele assina com a Virgin para realizar um trabalho essencialmente seu.
Produzido pelo experiente Don Was (Bob Dylan, Rolling Stones, George Clinton e outros papas da música pop), “Brick...” é rock ‘n’ roll em sua melhor acepção: jovem, pulsante e melodioso. A começar, tem na sua sonoridade forte e impactante, a exemplo de grandes discos do rock como “Album” da PIL e os clássicos da Led Zeppelin, um de seus trunfos. Igualmente, parte da banda que acompanha o cantor é formada por Slash, na guitarra, de Duffy McKagan, no baixo, nada mais, nada menos do que a “cozinha” da então mais celebrada banda da época, a Guns n’ Roses, além de outros ótimos músicos como o baterista Kenny Aronoff, o guitarrista Waddy Wachtel e o tecladista Jamie Muhoberac. Isso, aliado ao apuro da mesa de som, potencializava a intensidade do que se ouvia. Garantida a parte técnica, vinha, então, o principal: a qualidade das criações. Nunca Iggy Pop compusera tão bem, nunca estivera tão afiado em suas melodias e no canto, capaz de variar da mais rascante vociferação ao elegante barítono.
Com o parceiro de várias jornadas Bowie: Iggy busca a emancipação artística
Se em discos anteriores Iggy às vezes se ressentia de coesão na obra, como os bons mas inconstantes “Party” (1981) e “New Values” (1979), em “Brick...” ele mantém o alto nível do início ao fim. E olha que se trata de um disco extenso! Mas Mr. Osterberg estava realmente em grande fase e imbuído de pretensões maiores, o que prova na canção de abertura: a clássica “Home”. Rock puro: riff simples e inteligente; refrão que gruda no ouvido; pegada de hard rock de acompanhar o ritmo batendo a cabeça; vocal matador; guitarras enérgicas; bateria pesada. Não poderia começar melhor. Já na virada da primeira faixa para a segunda, a grandiosa balada “Main Street Eyes” – das melhores não só do disco como do cancioneiro de Iggy –, percebe-se outra sacada da produção: interligadas – tal os álbuns de Stevie Wonder ou o mitológico “Sgt. Peppers”, dos Beatles –, as músicas se colam umas às outras, dando ainda mais inteireza à obra.
Assim é com I Won't Crap Out”, na sequência (noutra ótima performance dele e da banda), e aquele que é certamente o maior hit da carreira de Iggy Pop: “Candy”. Dividindo os vocais com Kate Pearson (B52’s), a música estourou à época com seu videoclipe (28ª posição na Billboard e quinta na parada de rock) e ajudou o disco a vender de 500 mil de cópias. Como classifica o jornalista Fábio Massari, trata-se de um “perfect pop”. Tudo no lugar: melodia envolvente, refrão perfeito, conjugação de voz masculina e feminina e construção harmônica irretocável. Um clássico do rock, reconhecível até por quem não sabe quem é Iggy Pop e que, ao chamar Kate para contrapor a voz, “deu a morta” para a R.E.M. um ano depois fazer o mesmo na divertida e de semelhante sucesso “Shiny Happy People”.
Unindo a experiência de um já dinossauro do rock com um poder de sintetizar suas melhores referências, Iggy revela joias, como as pesadas "Butt Town", com sua letra desbocada e crítica, e "Neon Forest", onde faz as vezes de Neil Young. Também, as melodiosas "Moonlight Lady" e a faixa-título, puxadas no violão e na sua bela voz grave, bem como a animada “Stary Night”. Don Was, que manja da coisa, intercala-as, dando à evolução do disco equilíbrio e garantindo que o ouvinte experimente todas as sensações: da intensidade à leveza, da agressividade à doçura. Por falar em intensidade, o que dizer, então, do heavy “Pussy Power”, em que, resgatando o peso do seu disco imediatamente anterior, faz uma provocativa ovação ao “poder da buceta”. Iggy Pop sendo Iggy Pop.
Mas não é apenas isso que Iggy tinha para rechaçar de vez a desconfiança dos críticos. O Iguana revela outras facetas, sempre pautado no melhor rock que poucos como ele são capazes de fazer. Novas aulas de como compor um bom rock ‘n’ roll: "The Undefeated" – daquelas que viram clássicos instantâneos, emocionante no coro final entoando: “Nós somos os invictos/ Sempre invictos/ Agora!” –; "Something Wild" e a parceria com Slash "My Baby Wants To Rock And Roll". Não precisa dizer que esta última saiu um exemplar à altura de dois músicos que escreveram hinos rockers como “No Fun” e “Sweet Child O’Mine”.
O disco termina com outra balada, "Livin' On The Edge Of The Night", do premiado músico Jay Rifkin, que figura na trilha de “Chuva Negra”, filme de sucesso de Ridley Scott e estrelado por Michael Douglas e Andy Garcia, das poucas que não têm autoria do próprio Iggy entre as 14 faixas de um disco irreparável. Iggy Pop, finalmente, consegue ser ele mesmo sendo os vários Iggy Pop que há dentro de sua alma versátil e liberta. E se havia alguma dúvida de que tinha competência de produzir uma obra autoral sem a ajuda dos parceiros, “Brick...” é a prova cabal. Literalmente, não deixa “pedra sobre pedra” e nem muito menos “tijolo por tijolo”.
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Clipe de"Candy" - Iggy Pop e Kate Pierson
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FAIXAS: 1. "Home" – 4:00 2. "Main Street Eyes" – 3:41 3. "I Won't Crap Out" – 4:02 4. "Candy"(partic.: Kate Pierson) – 4:13 5. "Butt Town" – 3:34 6. "The Undefeated" – 5:05 7. "Moonlight Lady" – 3:30 8. "Something Wild" (John Hiatt) – 4:01 9. "Neon Forest" – 7:05 10. "Starry Night" – 4:05 11. "Pussy Power" – 2:47 12. "My Baby Wants To Rock And Roll" (Iggy Pop/Slash) – 4:46 13. "Brick By Brick" – 3:30 14. "Livin' On The Edge Of The Night" (Jay Rifkin) – 3:07
Todas as músicas de autoria de Iggy Pop, exceto indicadas
Por incrível que possa parecer, não é todo mundo que sabe que Tony Tornado foi cantor e, por sinal, não um cantorzinho qualquer, mas um baita cantor. Quem só o conhece dos papéis na TV, em séries, novelas e filmes, não faz ideia de que logo no início de sua carreira, em 1970, aquele negro imponente, com seu vozeirão trovejante ganhava o concorridíssimo Festival Internacional da Canção, à época, o grande evento musical do país, com a soul tristonha "BR-3", derrubando adversários como Gonzaguinha, Ivan Lins, Martinho da Vila, Wanderléa, entre outros.
A vencedora "BR-3", de interpretação precisa e marcante de Tony, acompanhado do Trio Ternura, que alternava um tom melancólico com ênfases explosivas veio a integrar seu primeiro álbum de 1971, que levava simplesmente seu nome, com "i", na época, "Toni Tornado". O disco, altamente influenciado pela música negra norte-americana traz baladas amorosas, como a composição de Roberto e Erasmo, "Não Lhe Quero Mais", peças ao estilo gospel americano, bem caracterizadas por "Juízo Final" e "Eu Disse Amém", uma mistura das duas coisas, o romantismo e a religiosidade, na balada 'Uma Canção para Arla", ritmos bem embalados como em "Um Vida" e "Breve Loteria", e funkões poderosos ao melhor estilo James Brown, como é o caso de "Dei a Partida" e "O Jornaleiro".
Tony só viria a lançar mais um álbum, um ano depois, e depois dedicar-se-ia à exitosa, embora pouco protagonista, carreira de ator. Foram apenas dois discos mas ambos de alta qualidade sendo responsáveis, bem como os trabalhos de Tim Maia, por grande parte da assimilação dos ritmos negros americanos dentro da música brasileira.
Você que só conhecia o Tony Tornado do "Roque Santeiro", do "Agosto" ou da "Malhação", agora já sabe: Tony Tornado foi, sim, um cantor. E, por sinal, não um cantorzinho qualquer.
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FAIXAS:
1. Juízo final (Renato Corrêa/ Pedrinho) 2. Não lhe quero mais (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos) 3. Dei a partida (Getúlio Côrtes) 4. Uma canção para Arla (Major/ Tony Tornado) 5. Breve loteria (Fafi) 6. Eu disse amém (Getúlio Côrtes) 7. BR-3 (Tibério Gaspar/ Antônio Adolfo) 8. Uma vida (Arnoldo Medeiros/ Dom Salvador) 9. Papai, não foi esse o mundo que você falou (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos) 10. Me libertei (Tony/ Frankye) 11. O repórter informou (Hyldon) 12. O jornaleiro (Major/ Tony Tornado)