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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

"Verissimo", de Angelo Defanti (2023)


por Leocádia Costa

“Tudo em Verissimo – a emoção, o lirismo, o drama e até a erudição de quem leu, viveu, ouviu e assistiu do bom e do melhor – é contido e temperado pela autoironia e por um humor generoso e irresistível”. 
Zuenir Ventura – "Conversa sobre o tempo"

“A vida privada do brasileiro, contudo, é o seu forte – ou as comédias da vida privada, para dizer melhor. Os rituais do namoro e do casamento, o sexo, as infidelidades, o choque de gerações, tudo isso é um prato cheio para o escritor. Quanto ao humor de Verissimo, ele é de um tipo muito especial. Por mais incisivas que sejam, suas piadas nunca destilam raiva. Ele não procura o fígado do leitor nem professa um humor amargo, desiludido com a humanidade. Verissimo afirma que, à medida que envelhece, talvez esteja caminhando para um ceticismo terminal, daqueles que não dão desconto. Mas ainda não chegou lá.”
Revista Veja, em reportagem de capa sobre Luis Fernando Verissimo

“Superlativo já no nome, Verissimo possui dois instrumentos de audição, dois de visão, um, bifurcado, de olfato, um gustativo (exemplarmente cultivado) mas, homem cheio de dedos, é bom mesmo no tato. Humorismo nunca ninguém lhe ensinou. Ele se riu por si mesmo.” 
Millôr Fernandes - "Millôr Definitivo - A Bíblia do Caos"


Assistir ao filme do multiartista Luis Fernando Verissimo é vivenciar a passagem do tempo e a chegada da maturidade de um homem perto de completar os seus 80 anos de vida. 

O filme começa de uma forma muito bonita, revelando o dia a dia, a rotina desse escritor, a sua escuta permanente de todos os sons ao redor, a sua relação íntima com a família (com a esposa Lúcia, com os filhos Pedro, Mariana e Fernanda, com os netos Lucinda e Davi), a sua predileção apaixonada pelo time do coração, Internacional. Aliás, essa é uma das paixões, além da literatura, que temos em comum, pois também me tornei igualmente torcedora, de forma irreversível, após sucessivas experiências traumáticas: vestir uma camiseta pinicante do Grêmio quando criança, uma apreensiva ida ao estádio clássico da Medianeira e passar 90 minutos na iminência de receber um saco de urina na cabeça, e por fim, namorar um gremista... disso tudo  se salva somente a entrada do almoço do restaurante Mosqueteiro, que era “mara” e onde fui com meus pais algumas vezes ainda na primeira infância. 

Voltando ao filme: o documentário mostra uma série de relações que foram se estabelecendo no decorrer do tempo entre a sua produção literária, a sua produção jornalística e a sua forma de estar no mundo. É um filme que encanta a gente! Deixa-nos ver de forma tão íntima a rotina dele e nos permite encontrar um escritor com o corpo idoso, mas com uma mente superligada em tudo que está acontecendo. Verissimo tem uma incrível curiosidade, um senso de humor permanente, né? E de uma forma muito imediata, embarcarmos naquilo que a gente poderia dizer que é o imaginário dele, sabe? 

Momento de intimidade com os netos
No filme me chamou atenção a relação dele com a neta Lucinda, a mais velha entre os netos e muito parecida com ele. Os dois se entendem no olhar, se entendem nas pausas e se entendem nessa “maluquice do bem” que é vivenciar mundos paralelos diversos, enquanto inventam personagens, estórias e situações, só para se divertir, só por ser prazeroso, só por haver essa troca entre os dois. Avô e neta, escrevendo os dias – é tocante. 

O filme me fez lembrar também da primeira vez que eu entrei na casa dos Verissimo. Porque essa casa tem uma identidade muito forte: é uma casa que estrutura parte da história de uma família, desde a existência dos pais do cronista, o renomado Érico Verissimo e a Dona Mafalda. Interessante perceber que pai e filho souberam costurar o tempo em suas existências. Foi ali que o valioso núcleo familiar vivenciou e construiu suas vidas em Porto Alegre. Ver Luis Fernando ali, nesse ambiente tão fértil, e ao mesmo tempo, tão sólido, onde tudo continua existindo é, sim, parte dessa história. 

Lembrei-me da primeira e única vez que eu entrei, lá em 1997, quando eu fui entrevistá-lo para o meu Trabalho de Conclusão de Curso da PUCRS, em Comunicação Social – Publicidade intitulado: “Comédias da Vida Privada – uma produção ficcional na televisão brasileira”. Quem conseguiu o contato foi a minha queridona Gagá (Maria da Graça Dhuá Celente), que era amiga da família, coordenava o Departamento de Publicidade da FAMECOS/PUCRS, onde eu, estudante quase me formando, era sua monitora e na mesma instituição que eu havia sido sua aluna. Ela, com toda a gentileza, colocou-me em contato com a agente literária e com a esposa do Verissimo. Eles se conheciam acredito que dos tempos da publicidade em que Verissimo foi redator no Rio de Janeiro, mesma cidade em que conheceu sua esposa, Lúcia. Uma ponte muito amorosa se ergueu naquele momento, reverberando posteriormente na minha entrada em outros mundos literários. Gagá me ingressou na Publicidade e, de certa forma, me fixou na Literatura.

Em 09 de junho de 1997, foi apresentado o TCC para uma banca potente, com a cineasta Flávia Seligman, a Gagá e o professor Bob Ramos, além da minha orientadora, Ana Carolina Escosteguy. Falar nessa produção do “Comédias da Vida Privada”, que era muito contemporânea, ainda fresca e presente na televisão e que me deixava totalmente arrebatada, foi algo ousado, mas somente hoje, depois de 27 anos, é que percebo isso. Naquela ocasião, tinha o dever de concluir, em meio a tantos compromissos, uma faculdade. Percebi, muito jovem, esse trâmite entre a Literatura e o Audiovisual, e as entrevistas que se sucederam com Jorge Furtado e Carlos Gerbase me deram essa certeza de que estava com uma percepção fina da realidade.

Como leitora do Verissimo, eu vi verter das páginas que ele tinha escrito, diálogos para televisão com atores e atrizes de uma geração supertalentosa e muito bem dirigidos. Ao entrar naquela casa fui bem recebida pela Dona Lúcia e por ele, que chegou silenciosamente e timidamente sentou-se numa cadeira thonart em frente à minha. Ficamos os dois em cadeiras por alguns minutos ali. Um pouco tímida, fui fazendo perguntas para ele e ele me respondendo, algumas de forma mais breve e outras com o maior profundidade, com a maior atenção.

 O som da rua e o som do relógio estavam presentes naquele meu encontro com Verissimo, como se um estivesse conectado ao mundo externo e o outro marcasse o tempo interno. E no filme esse quase personagem constante se mostra pelo som, o que me trouxe a mesma sensação de quando entrei na casa.

O reservado Verissimo em seus momentos de retiro

Eu estava na frente de uma pessoa que eu admirava muito e simpática a mim, mas totalmente reservada. Ele escutava muito, e isso para mim, que sou super tagarela, foi me dando um senso maior de responsabilidade do que dizer sem ser óbvia ou burra. Mas o fato é que a entrevista foi muito boa, me rendeu algumas informações direto do autor daquela produção toda, que eu rapidamente adicionei no meu trabalho. Um tempo depois enviei uma cópia do TCC para ele ter/ler e fiquei muito surpresa quando soube que ele havia adicionado ao site que ele mantinha com indicações de obras, entre outros itens e indicações de trabalhos sobre a sua produção. Então, acabei concluindo que ele leu e gostou! 

No filme aparece uma cena poética desse respeito que ele tem com as pessoas que se dirigem a ele, como leitoras ou como referência, na espera de uma leitura daquilo que escrevem. O retorno que ele proporciona para quem abre esse diálogo sincero com ele é muito bonito! Um misto de gentileza com escuta, algo cada vez mais raro na sociedade em que se vive. Enquanto eu assistia ao filme tudo isso emergiu, revelando, inclusive, algumas pessoas importantes da minha biografia, além do próprio Verissimo e da Gagá. Relembrei que havia conhecido a Lúcia Riff (agente literária dele e de boa parte dos escritores brasileiros) não num trabalho da Casa de Cultura Mario Quintana, através do Sergio Napp e, sim, nesse momento aí, do TCC, sendo que a Lúcia até hoje é uma pessoa importantíssima em minha vida. Ela foi quem sempre me apoiou e me deu aval para que eu pudesse desenvolver vários trabalhos com a obra do Mario Quintana e foi muito bonito rever a nossa história a partir deste filme. Além dela, outras personagens importantes aqui da nossa cidade aparecem e se relacionam com a momentos da vida de Verissimo e da minha: o inventivo Cláudio Levitan, o poeta Mario Pirata e a pesquisadora Maria da Glória Bordini, pessoas que fazem parte da história de Porto Alegre. 

Foi muito emocionante para mim assistir Verissimo completar 80 anos através deste filme, pela TV após ter sido impedida de ver no cinema, em maio deste ano, em função das enchentes que atingiram não somente a programação da estreia mas a sala de cinema onde aconteceria a exibição. Verissimo sempre esteve muito presente na minha casa, era lido por meus pais, muito antes de eu ser sua leitora. Nestes mais de 40 anos que eu convivo com seus pensamentos e senso de humor muito lúcidos e geniais, volto a dizer que os artistas não deveriam se afastar dos seus ofícios. Sendo eternos mesmo quando se tornam um dia invisíveis à nossa percepção, a obra, o olhar e o recorte do tempo permanecerão imortais para quem os leu profundamente. O tempo é uma realidade com a qual precisamos saber lidar. Afinal, somos nós quem passamos por ele e, Verissimo faz isso de maneira suave, constante e inspiradora. 

Obrigada, Verissimo, por tanto! E agradeço também por esse encontro às sensíveis e generosas mulheres Gagá e as “Lúcias” Verissimo e Riff.

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tralier oficial de "Verissimo"


"Verissimo"
Direção: Angelo Defanti
Gênero: Documentário
Duração: 90 min.
Ano: 2023
País: Brasil
Onde encontrar: NET/Claro - Now


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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Debate "As Canções", de Eduardo Coutinho - Ciclo de Cinema Documentário - Clube de Cinema de Porto Alegre - Sala Redenção da UFRGS (14/08/24)


Com a realização ainda em curso do 52º Festival de Cinema de Gramado, onde estive dias antes de descer a Serra de volta para Porto Alegre, participei de outra atividade envolvendo a crítica de cinema, esta na Sala Redenção, na Reitoria da UFRGS. Foi um debate sobre o belo documentário “As Canções”, de 2011, do mestre Eduardo Coutinho, um de seus últimos filmes. A ocasião foi em virtude de um afetuoso convite do colega de Accirs Paulo Casa Nova, presidente do Clube de Cinema de Porto Alegre, o mais antigo clube do tipo no Brasil, fundado em 1948 pelo célebre cinéfilo gaúcho P. F. Gastal e que teve como membros em sua longa história nomes como Mario Quintana, Erico Veríssimo, Ítala Nandi, Carlos Reverbel, Carlos Scliar, Vasco Prado, Fernando Corona, entre outros. O mote: uma homenagem a Coutinho, a quem perdemos tragicamente há 10 anos vitimado pelo próprio filho. Ou seja: um convite irrecusável.

Com mediação da também colega de associação de críticos Kelly Demo Christ, Diretora de Comunicação do CCPA, pude, além de rever esta preciosa obra de Coutinho, debatê-la com o público presente, bastante interessado e, assim como eu, impressionado com a riqueza poética e artística do filme. O enredo é simples: 18 pessoas comuns selecionadas aleatoriamente através de anúncios em jornais relatam de frente para a câmera, num cenário com apenas uma cadeira para sentarem e cortinas escuras atrás, casos particulares relacionados a determinada música que lhes marcara a vida. Simples, contudo, é modo de dizer, pois é justamente dessa aparente simplicidade que Coutinho, hábil entrevistador e perscrutador da alma humana, extrai histórias quando não marcantes, ainda mais do que isso: impactantes e emocionantes.

Entre os aspectos que pude dividir com os presentes, um deles foi a visão de mundo de Coutinho, um marxista convicto que pautou sua obra - principalmente a documental, a qual passou a se dedicar exclusivamente partir dos anos 70 e pela qual ficou identificado - por um humanismo atravessado pela perspectiva da dialética como motor para o entendimento das relações de classe e, por isso, humanas. Esta característica, que surgiu com total potência em sua obra-prima, “Cabra Marcado para Morrer”, de 1983, ainda sob a égide da Ditadura Militar, se materializou em várias de suas realizações posteriores, principalmente a partir dos anos 90, quando se consolida de vez no documentário. Filmes como “Santo Forte”, “Moscou”, “Edifício Master” e “O Fim e o Princípio” carregam invariavelmente esta forma dual de enxergar o ser humano em sociedade, desvelando com uma sensibilidade ímpar sentimentos muito profundos por meio de uma investigação quase antropológica.

Em “As Canções”, valendo-se da máxima de que somente uma música é capaz de ter potência suficiente para guardar na memória sentimentos sublimes, este aprofundamento emocional se dá em vários momentos, seja nos tocantes depoimentos, seja nas interpretações das músicas (sim, cada pessoa canta pelo menos um pedaço da canção, mesmo não sendo cantores profissionais), seja no sensível trabalho de edição. A forma jornalística como o cineasta conduz as abordagens ganha, na montagem, traços “ficcionais”, que vão trazendo correlações, espelhamentos, divisões, coincidências.

trailer de "As Canções", de Eduardo Coutinho

O sentimento de abandono marital da platônica Sonia é o mesmo da inglesa Isabell e da sofrida Lídia, mas não que suas aparições se deem necessariamente numa sequência. Igual, viuvez, como nos relatos de Gilmar e de Ózio. Isso quando não se suscitam correlações ainda mais sutis: não seria tão fatal quanto pensar que, da forma como o militar João Barbosa confessa ter tratado a esposa ou a conturbação do relacionamento de Sílvia (mulher de olhar triste que encerra o filme noutra tocante fala) uma forma de morte também?

Diversos elementos que a obra de Coutinho nos leva a refletir, como o que pudemos fazer por algumas horas na sessão do Clube de Cinema. Um privilégio e um prazer.

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"As Canções"
Direção: Eduardo Coutinho
Gênero: Documentário
Duração: 90 min.
Ano: 2014
País: Brasil
Onde encontrar: Netflix
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Daniel Rodrigues


quinta-feira, 18 de abril de 2024

"Gilberto Braga: O Balzac da Globo - Vida e obra do autor que revolucionou as novelas brasileiras", de Artur Xexéo e Maurício Stycer - Ed. Intrínseca (2024)

 




por Márcio Pinheiro

"Ele [Artur Xexéo] era um profissional que eu admirava e respeitava, dez anos mais velho do que eu. Aceitei a proposta do Gilberto [Braga] de continuar com o trabalho iniciado pelo Xexéo porque, entre outros motivos, entendi que seria também uma homenagem a este jornalista que respeito tanto".
Maurício Stycer


É possível gostar de um livro e ao mesmo ficar decepcionado? Meu amigo João Carlos Rodrigues me ensinou que sim ao comentar a desilusão que teve ao concluir a leitura da biografia de João Gilberto feita por Zuza Homem de Mello. Foi a mesma sensação que tive ao concluir a leitura de "Gilberto Braga: O Balzac da Globo - Vida e obra do autor que revolucionou as novelas brasileiras". 

Obra que teve uma trajetória atribulada, com a morte do personagem (Gilberto Braga) e do autor inicial (o jornalista Artur Xexéo), o livro acaba refletindo esses desencontros. Acabou sendo concluído por outro jornalista, Maurício Stycer, e aí surge o primeiro problema: Xexéo, então, em muitas partes, passa a ser tratado como fonte, não mais como autor. Stycer assume a conclusão das entrevistas e se responsabiliza pela redação final.

Outra desilusão foi com relação aos capítulos. São curtos demais e quase todos centrados na obra de Gilberto, com poucas referências ao making of. São ainda quase sempre apresentados num formato semelhante: Gilberto tem a ideia, desenvolve-a, discute com o diretor, começa a gravação, se desespera (com algum ator/atriz, com o Ibope, com a pressão interna da emissora...), promete que aquele será o último trabalho e... volta a escrever uma próxima novela - que servirá de base para o próximo capítulo do livro. 

Pouco se fala dos bastidores. Ficamos sabendo da óbvia admiração de Gilberto pela sua patota: José Lewgoy, Malu Mader, Dennis Carvalho, Antonio Fagundes... e até as pouco lembradas Henriette Morineau e Jacqueline Laurence, mas o livro pouco desenvolve quem Gilberto NÃO gostava. Fala en passant dos desentendimentos com Luiz Fernando Carvalho e com Vera Fischer. E só. Daniel Filho e Boni, tão fortes no início de Gilberto em 1972, contrastam com a ausência de Walter Clark, ainda mais poderoso na época e tão pouco citado. São escondidas também pequenas (quem era o cantor que Gilberto não tinha nenhum disco e se apressou em adquirir quando o convidou para um jantar na sua casa?) e grandes fofocas (a maior delas: o misterioso Diplomata, hoje com mais de 90 anos, que teria tido um papel afetivo importantissimo na vida do novelista?).

O livro tem méritos. Recupera bem a fase de Gilberto pré-Globo, a vida como professor de Francês e, mais ainda, como crítico teatral. Mostra também com detalhes o entorno familiar - mais complicado do que qualquer novela do autor. Apresenta ainda Gilberto como uma pessoa insegura, com obsessão por dinheiro (isso se fala quase no início, quando ele ainda está preocupado com um teste vocacional e confessa que "não enxergava futuro algum como professor, não gratifica ninguém, nem monetária nem intelectualmente"), preocupado com a ascensão social (tema tão presente em seus textos) e até da inveja que ele nutriu de Mário Prata durante um período, pelo fato de ele, Mário, ter livre acesso à sala de Boni e ele, Gilberto, não.

A vida de Gilberto Braga deu num livro bom. Poderia ter sido uma novela ótima.


quinta-feira, 25 de maio de 2023

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial de 15 anos do Clyblog - Patife Band - "Corredor Polonês" (1987)

 





"Paulo Barnabé tem influência das técnicas de composição erudita contemporânea de onde surgem ritmos assimétricos, células atonais, séries dodecafônicas. Há também assumida influência de punk-rock, do jazz e ritmos brasileiros, o que torna a 'brincadeira' ainda mais interessante!"
descrição da banda
no site My Space



Clayton me convidou para participar desse blog o que me deixou muito envaidecido. Vão ler sobre meu gosto musical! 

Mas, por outro lado, recebi uma tarefa ingrata: como escolher um grande álbum musical. Um só? Como não falar de "Master of Reality", do Sabbath"Aracy canta Noel", ou o impecável diletantismo do grupo Rumo. Gente, "Estado de Poesia" do Chico César, "La Lhorona", da saudosa Lhasa de Sella... 

Ok, só um mesmo!

Decidi pelo que considero o grande álbum do rock Brasil dos 80: "Corredor Polonês", da Patife Band, de 1987. Não bastasse a presença de compositores do nível de Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Fernando Pessoa, temos músicos preciosos acompanhando Paulo Barnabé, inquieto compositor e músico. "Corredor Polonês" foi produzido por ninguém menos que Liminha. O cara sabe do negócio. Ainda hoje o disco me soa de um frescor ímpar. 

Porradaria estranha do começo ao fim. Flertes com o punk, noise rock e jazz fazem dessa obra uma preciosidade musical brasileira. E nem fico muito chateado pelo álbum não ter ficado tão conhecido pela mídia. Azar deles! Dá um gostinho de que é  meio nosso também.  Amo. Quem não ouviu, busque na Internet. Quem já conhece faça como eu, corre pra escutar novamente!



por  R O N I  V A L K


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FAIXAS:

1. Corredor polonês (4:00)
2. Pesadêlo (1:15)
3. Chapéu vermelho (3:40)
4. Tô tenso (3:15)
5. Poema em linha reta (2:08)
6. Teu bem (3:43)
7. Três por quatro (2:05)
8. Pregador maldito (2:23)
9. Vida de operário (3:30)
10. Maria Louca (2:51)

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Ouça:




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Roni Valk é professor, ator, diretor, cantor e compositor. Ama passarinhos.
Roni é integrante e diretor artístico do grupo musical-teatral Roni e As Figurinhas

        

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

4º Curta Caicó - Os Premiados


 
Rio Grande do Norte do Sul, ou do Sul do Norte, tanto faz. Essa foi a ponte que se ergueu através do generoso convite que a Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) fez à Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), a qual sou membro, para, como entidade irmã, integrar conjuntamente o júri da crítica das nove mostras do 4º Curta Caicó, festival de curtas-metragens realizado na cidade de Caicó, na região do Seridó Norte-rio-grandense. Juntamente com outros quatro integrantes gaúchos (Carlos André Moreira, Conrado Oliveira, Roberto Cotta e Rubens Anzolin), topei. Mesmo tendo recentemente participado da maratona de filmes para o júri da crítica do Festival de Cinema de Gramado, valia a pena achar um espacinho na agenda do dia e participar.

Em dupla com o simpático e competente Jonathan DeAssis, da ACCiRN, crítico de cinema de Natal que escreve o interessante Forma Fílmica no Instagram, coube a mim a análise da Sessão Especial, composto por filmes que dialogam com o fazer audiovisual e com a metalinguagem. Dos 10 títulos que avaliamos, todos bem pertinentes à proposta, dois nos saltaram mais à vista e nos motivaram a uma saudável troca de percepções: “Lua” e “Cabeça de Luz”, este segundo, o qual escolhemos como vencedor da mostra.
Imagens do universo plástico
e onírico da artista Lua

“Lua”, de Fábio Salvador (SP), embora não tenha me encantado numa primeira assistida, em razão de observações de Jonathan fez-me rever com outros olhos e apreciar suas qualidades. Trata-se de um documentário sensível e humano de uma jovem fotógrafa cujo nome astral dá título ao filme. Isso, através de uma montagem eficiente e uma fotografia bem condizente com o universo hiper-realista da paulistana Lua Morales. Em especial, a relação com a obra de Vincent Van Gogh e a perturbação mental que lhe era característica é bem interessante para a narrativa, visto que abre o curta com isso, quando ela está em uma plantação de girassóis fotografando um rapaz muito parecido com o pintor holandês. A ansiedade de Lua para captar a luz certa e tudo o que isso simboliza em termos psicológicos de certa forma conduz o filme através das inquietações artísticas e filosóficas dela.

Porém, o que nos pareceu melhor traduzir as intenções de um cinema autorreferenciado ao propor uma discussão instigante entre audiovisual e a forma como o espectador o recebe e o assimila foi, de fato, “Cabeça de Luz”. O filme potiguar de Carito Cavalcanti consegue, em pouco tempo de duração (8 min apenas) o feito que nem longas e nem curtas têm conseguido desde que a pandemia se instaurou, que é saber aproveitar a seu favor o cenário de confinamento de milhões de pessoas e a estética do “novo normal”. Privadas do mundo exterior e do convívio social, a arte – em especial o cinema – é uma das formas de transcender esse limite que se impõe aos corpos físicos. “Cabeça...” arranja um mosaico sensitivo em que vários depoimentos gravados e enviados via celular num ensaio que articula imagens de arquivo e de outras obras, trazendo-as para si e propondo-lhes novos significados, produzindo um fluxo de pensamento onírico cujo poder da imagem, dos sons e das palavras convidam o espectador ao sentir.

O impactante e poético "Cabeça de Luz": proveito da pandemia como linguagem

Ao contrário de todos os outros filmes ou produções televisivas que assisti feitos do ano passado para cá, quando o distanciamento social se impôs e impactou diretamente os processos de gravação, o filme de Cavalcanti não se vale disso como muleta, mas, sim, como proposta narrativa, assimilando os elementos visuais e psicológicos advindos deste período. Se noutras produções havia a tentativa de compensar esse gap realizando filmes com poucos atores e em espaços confinados (não raro, a casa do próprio realizador/protagonista) ou valendo-se dos recursos multitelas da vida cada vez mais virtual em que o mundo se viu obrigado a imergir – deixando, assim, evidentes as deficiências inerentes do momento a uma produção audiovisual minimamente ambiciosa – “Cabeça...” prova o quanto a sétima arte está, na verdade, na mente e nos corações das pessoas.

O festival ocorreu entre os dias 6 e 12 de setembro, então, não tem como se assistirem mais os filmes no momento. Mas quem quiser saber como foi a cerimônia de premiações desta categoria e das outras, dá pra acessar aqui.

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Mostra Nacional
Filme: Inabitável, de Matheus Farias e Enock Carvalho (PE)
Direção: Matheus Farias e Enock Carvalho, por inabitável (PE)
Roteiro: Matheus Farias e Enock Carvalho, por Inabitável (PE)
Fotografia: Gustavo Pessoa, por Inabitável (PE)
Som: Guilherme Cássio, por Tom (RS)
Interpretação masculina: César Ferrario, por Joana (PB)
Interpretação feminina: Luciana Souza, por Inabitável (PE)
Menção honrosa: Elemento Suspeito, de Gustavo Paixão (SP)
Menção Honrosa: Reexisto, de Lethicia Galo e Rodrigo Campos (SP)

Mostra Seridó:
Filme: Fole, de Lourival Andrade (RN)
Direção: Lourival Andrade, por Fole (RN)
Roteiro: Jailson Valentim dos Santos, por Corpos (In)visíveis – Entre o Lixão e o Frei Damião (RN)
Fotografia: Fernando Leão e Zezinho Vídeo, por Fole (RN); e Damião Paz, Henrique José e Meysa Medeiros, por O Photógrafo Zézelino (RN)
Som: Fernando Leão e Pedro Andrade, por Fole (RN)
Interpretação masculina: Mané do Fole, por Fole (RN); e Damião Paz, por O Photógrafo Zézelino. (RN)
Interpretação feminina: Maria das Graças (Gracinha), por Propósito (RN)
Menção Honrosa: Cores da Resistência, de Hylka Rachel (RN)

Mostra Potiguar
Filme: Vai Melhorar, de Pedro Fiúza (RN)
Direção: Pedro Fiúza, por Vai Melhorar (RN)
Roteiro: Pedro Fiúza, por Vai Melhorar (RN)
Fotografia: Pedro Medeiros, por A Terra me disse (RN)
Som: Herisson Pedro, por Nocaute (RN)
Interpretação masculina: Enio Cavalcante por Mais um João e pelo conjunto da obra (RN)
Interpretação feminina: Cássia Damasceno, por Vai Melhorar (RN)

Mostra Nordeste
Filme: Remoinho, de Tiago A. Neves (PB)
Direção: Élcio Verçosa Filho, por Vaudeville (AL)
Roteiro: Tiago A. Neves, por Remoinho (PB)
Fotografia: Diego Garcia, por Vaudeville (AL)
Som: Richard Soares, por Memórias Submersas (PE)
Interpretação masculina: Alexandre Guimarães, por Vaudeville (AL)
Interpretação feminina: Cely Farias, por Remoinho (PB)
Menção Honrosa: A Beleza de Rose, de Natal Portela (CE)
Menção Honrosa: Nossas Mãos São Sagradas, de Júlia Morim (PE)

Júri da Crítica: ACCIRN e ACCIRS
Mostra Nacional: Fragmentos ao Vento: 1945, de Ulisses da Mota (RS)
Mostra Nordeste: Vaudeville, de Elcio Verçosa Filho (AL)
Mostra Potiguar: Hashtag, de Kell Allen (RN)
Mostra Seridó: Propósito, de Adriano Dantas (RN)
Mostra Cine Alvorada: Sobre nossas cabeças, de Suzan Kalik e Thiago Gomes (BA)
Mostra Cine Pax: Rio das Almas e Negras Memórias, de Taize Inácia e Thaynara Rezende (GO)
Mostra Cine São Francisco: Atordoado, eu permaneço atento, de Henrique Amud e Lucas Rossi (RJ)
Mostra Cine Rio Branco: Mãtãnãg, A Encantada, de Shawara Maxakali e Charles Bicalho (MG)
Mostra Sessão Especial: Cabeça de Luz, de Carito Cavalcanti e Fernando Suassuna (RN)

Júri Popular
Mostra Nacional: De mim para você, de Rodrigo Peres (DF)
Mostra Nordeste: Distopia, de Lilih Curi (BA)
Mostra Potiguar: Hashtag, de Kell Allen (RN)
Mostra Seridó: Propósito, de Adriano Dantas (RN)
Mostra Cine Alvorada: 4 Bilhões de Infinitos, de Marco Antonio Pereira (MG)
Mostra Cine Pax: Rio das Almas e Negras Memórias, de Taize Inácia e Thaynara Rezende (GO)
Mostra Cine São Francisco: Elos Positivos, de Eduardo Oliveira (SP)
Mostra Cine Rio Branco: Como um peixe fora d´água, de Arthur Lombriga (BA)
Mostra Sessão Especial: Cine Aurélio, de Kennel Rogis (PE)

Prêmios Especiais
Prêmio de Aquisição Elo Company: Inabitável, de Matheus Farias e Enock Carvalho (PE)
Prêmio Cardume: Ser Feliz no vão, de Lucas Hossi (RJ); e O Homem das Gavetas, de Duda Rodrigues (SP)
Prêmio Místika de Pós-Produção: Vai Melhorar, de Pedro Fiúza (RN)
Prêmio CTAV de Mixagem de som: Vai Melhorar, de Pedro Fiúza (RN)
Prêmio Referência de Contribuição Artística: Zezita Matos e Biró Modesto.


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

CLAQUETE ESPECIAL 13 anos do ClyBlog - The Who - Live at Isle of Wight Festival 1970, de Murray Lerner (1996)


LOUCA PERSPECTIVA DA ILHA
por  E L E N I C E   M I C H E L O N



 
"Senhoras e senhores, 
desocupem os seus sacos de dormir 
e sejam bem vindos!"
Jeff Drexler, 
mestre de cerimônias do Festilval de Wight, 
convocando o público a acordar, às 4 da manhã,
e assistir ao show



Como dizia o grupo Língua de Trapo, “Foi no dia de São João Batista que conheci Deusdéti; naquele tempo eu já era Marxista e ela ainda ia em discoteque”. Posso dizer que conheci o The Who numa ilha, aos vinte e poucos anos, tendo já vivido várias utopias, algumas teorias e já abandonado algumas delas. Caiu-me nas mãos o DVD do Festival da Ilha de Wigth de 1970 através de um amigo.

Como diz o título, o que relato nestas linhas é minha louca perspectiva ao vivenciar, infelizmente não possuo uma máquina do tempo, o que até hoje minha razão insiste em negar. 

Primeiro ato: luzes apagadas, um vulto de branco corta rapidamente o palco; expectativa do público e minha. Eis que explode um som que invade meu cérebro como uma marreta, sendo a dor surpreendentemente agradável.

Me deparo com um guitarrista vestindo um macacão alguns números menores, creio que propositalmente, ou não... coisas de gênios. Em outra cena, desce um esqueleto marionete (em minha mente, juro que vi), Ás do baixo, coadjuvante digno de um Tony Awards.

Segundo ato: prefaciado por "I Cant’ Explain" e diante de uma platéia atônita, surge um deus de longos cabelos encaracolados, franjas balouçando aos seus movimentos, dorso quase nu; sem esforço algum, sem nada pedir, na fração de segundos em que minha retina capta sua visão, se torna meu sex symbol, pondo Robert Plant “no chinelo”, utilizando uma expressão popular. A voz incomparável ressoava pelo teatro/ilha ou vice versa.

Extasiada, sentidos aguçados, perscruto o tablado e emerge o ator principal; pensaram que o Tony estava garantido, ante minha eloquência ao falar de Roger Daltrey? Ledo engano... olhos insanos, baquetas incontroladas, porém dominadas a seu bel-prazer, trejeitos peculiares e autênticos, inteiramente entregue... talvez no decorrer desta existência fugaz, eu consiga definir o que senti e ficou incrustrado em meu ser, tamanha foi a intensidade de sua presença naquele show e os estilhaços de loucura que Keith Moon desferiu em minha alma; (uma pitada de poesia é necessária).

Terceiro ato: harmônica nos lábios do Roger e mais curtição por parte do Keith... Blues na medida para quem é exímia apreciadora desse gênero, dentre outros, como a música clássica. The Who soava como uma afinadíssima orquestra e certamente seriam ovacionados por Beethoven e sua trupe, destacando-se a saudação de Chopin, o mestre maior (preferência minha, ok?).

Quarto ato: não poderia faltar humor, o que ficou por conta do “gênio e o insano”, culminando com uma bofetada indolor. Após a delícia que foi presenciar tal cena, irrompem os vocais agudos de Apolo, na inesquecível "Water". Nesse instante, arrebatada por algo surreal, no despertar da Kundalini, senti-me transcender.

Os acordes de Jonh Entwistle transformaram o antes marionete, no próprio titereiro, tamanho controle exercido pelo seu dedilhar.

Como se não bastasse, me servem um aperitivo de Beatles e após um Southern Confort à la Janis; confesso que saboreei cada gole, enquanto Roger adicionava ao whisky seu gelo vocálico. Ah, desejava embriagar-me e queria mais. Atendida generosamente pelo Olimpo, solos de guitarra jorraram sem cessar, aliados às performances de seu criador Peter Thownshend.

Enquanto afinam seus instrumentos, permitam que lhes conte que nesse ano Gilberto Gil e Caetano Veloso, exilados, se apresentaram no Festival, representando a Tropicália. Não é à toa que são dois dos melhores artistas do Brasil e quiçá do mundo.

Último ato: Tommy não poderia deixar de comparecer, afinal, “ninguém” é tão especial quanto “ele”, ou marcou tanto, rendendo artigos à parte. Foi o ápice do Maior Espetáculo da Terra (recomendo o filme com esse mesmo nome).

As cortinas se fecham, gritos de “Bravo!!!” presos na garganta, aplausos contidos, não ouso levantar-me... Quedo-me, sorvendo o último gole.

John Entwistle, e sua indumentária cadavérica, com
o alucinado Keith Moon, destruindo tudo, lá atrás, na bateria.


Assista:
The Who - Live at Isle of Wight Festival -1970


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Elenice Michelon
tem 49 anos, mora em São Marcos/RS e tem duas filhas, Morgana e Heloiza.
É formada em Administração de Empresas, e por amor às palavras, atualmente cursa a faculdade de Letras Português/Inglês.
É apaixonada por poesia, principalmente Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Florbela Spanca, Pablo Neruda e Carlos Drummond de Andrade, curte rock, blues, música clássica, MPB e ópera, e aprecia as artes em geral, sem preconceitos de qualquer natureza.
Seus hobbies são artesanato (tricô, crochê), violão, ler e o contato com a Natureza.
Eterna aprendiz, busca conhecer um pouco de cada cultura, extrair e absorver o máximo do que lê, assiste e vivencia.
Futilidades não lhe interessam, pois aprecia conversas inteligentes que a façam pensar e que possam enriquecê-la, bem como a simplicidade das coisas, que, segundo ela "é onde reside o mágico, o belo e o segredo do universo...o Surreal".



"Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, -
até que padeçam de mim e me sujem de branco."
- Manoel de Barros






quinta-feira, 19 de março de 2020

10 Filmes de Epidemias e Contaminações em Geral





As gotículas de saliva livres ao ar no bom sul-coreano "A Gripe".

Essa onda toda de vírus, quarentena, isolamentos, incerteza faz, inevitavelmente vir à cabeça de um cinéfilo diversas vezes em que o cinema retratou situações desse tipo, em alguns casos com muita semelhança. Como fazer listinha de filmes é o que a gente gosta, vamos aqui com 10 filmes em que transmissão de algum tipo de vírus, mal, infecção, doença ou algo inexplicável rendeu um filme e nele causou caos, pânico, alarde, correria, mortes ou tudo isso junto.
Já que não dá pra sair de casa, o negócio é ficar na frente da TV e ver alguns dos filmes que indicamos aqui.
Isso, é claro, se você não for entrar em pânico.
Calma! Calma!
Sem pânico.
Senta na poltrona, saca o controle remoto e simbora catar os filmes da nossa lista no streaming.


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1. "Contágio", de Steve Soderbergh (2011) - Não tem como não começar a nossa listinha com esse que, nesses tempos de alto risco de contágio, virou praticamente uma febre (ops!) no streaming. Um dos grandes méritos do filme do diretor Steve Soderbergh é o fato de  ao fato de ser, possivelmente, o mais verossímil e realista do ponto de vista científico e procedimental. O filme mostra, dia a dia, o avanço de uma doença com características muito semelhantes à atual que estamos vivenciando com as consequências sociais, as ações das autoridades e a corrida contra o tempo e contra os números crescentes de vítimas dos pesquisadores e órgãos de saúde. A primeira tosse, o contato com parentes, amigos, a propagação da doença, o aumento vertiginoso de mortes, a impotência das autoridades, o esforço dos cientistas, a quarentena, o consumo histérico, o sensacionalismo de parte da imprensa, o caos... tudo está muito bem retratado em "contágio" e de maneira muito convincente. 
Além de pertinente, na atual situação, um ótimo filme que mantém o interesse e a tensão o tempo todo. Detalhe para as cenas em que o diretor faz questão de mostrar mãos em maçanetas, corrimãos, botões de elevador, barras de ônibus, que só nos fazem lembrar o quento estamos em perigo.




2. "Epidemia", de Wolfgang Petersen (1995) - Outro que vai mais ou menos na mesma linha que o anterior, mas que peca por ser excessivamente hollywoodiano. Neste, um macaco levado para os EUA para pesquisas militares apanhado de uma aldeia na África, que havia praticamente sido dizimada por uma doença possivelmente provocada a partir dele, é "desviado" por um funcionário de triagem ao chegar ao seu destino, nos Estados Unidos, desencadeando a partir daí uma epidemia local rápida e letal, fazendo com que a pequena cidade de Cedar Creek seja mantida em quarentena. O filme até é bom, tem ritmo, tem envolvimento, mas as americanices tipo, soldado bom / soldado mau, perseguições frenéticas (até de helicóptero) e uma solução excessivamente rápida, comprometem um pouco o produto final.

"Epidemia" - trailer




3. "A Gripe", Sung-Soo Kim (2013) - Em meio a todo o exagero e heroísmo característico do cinema de ação sul-coreano, "A Gripe", mantém uma boa coerência e um bom grau de verossimilhança. O filme começa expondo uma situação de trabalho semi-escravo em que imigrantes miseráveis de Hong Kong se sujeitam a  serem transportados dentro de um contêiner para a Coréia para servir de mão de obra barata. O problema é que um deles, lá dentro, já demonstrava pequenos sinais de uma gripe e, um ambiente daqueles, fechado com aglomeração, era a pedida perfeita para o vírus se desenvolver. Ao chegar ao destino, praticamente todos já estão mortos pela doença, com exceção de um que sobreviveu e que foge para a área urbana de Bundang, uma cidade próxima a Seul e espalha a doença. O pânico chega, o caos cresce, o governo isola a cidade e em meio a isso tudo, uma médica, In-hye, especialista em doenças infecciosas vê sua filha ser contaminada pelo novo vírus, para não abandoná-la entre os doentes entra na área de quarentena e, mesmo de lá, com a ajuda do bombeiro Ji-Goo, com as poucas informações e recursos que tem, procura respostas e uma solução para o caso. Meio exagerado, cheio de clichês mas até bastante aceitável no que diz respeito à origem, ao avanço e todo o desenrolar social da coisa toda. 
Se nada convenceu você a não sair de casa, as cenas das gotículas se espalhando no ar quando os infectados tossem, o farão.





4. "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles (2008) - Aqui a epidemia não traz mortes. Pelo menos, não diretamente. Mas talvez seja o mais assustador se pensarmos a que ponto de degradação moral o ser humano pode chegar. Uma cegueira repentina começa a se alastrar entre a população e, diante do quadro, com um crescente e incontrolável número de casos, as pessoas são levadas pelas autoridades para isolamentos. Neles, com o passar do tempo e com o número de doentes crescendo e os problemas de higiene, comida, comunicação aumentando, revelando da pior maneira possível os mais desprezíveis e abjetos comportamentos humanas. Dentro de um destes locais de quarentena, uma mulher não infectada, em solidadriedade e amor ao marido, é mantida com ele no sanatório e, para não revelar-se a única sã lá dentro, sujeita-se, com toda uma decepção humana e resiliência, a todas as situações que aquele confinamento acarreta. 
O filme do brasileiro Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago, com a aprovação do escritor, traz uma série de outras questões importantes mas, principalmente, escancara como o ser humano se comporta em uma situação crítica dentro de um grupo em um espaço restrito, num estado limite, e como nessas situações, ao invés de prevalecer o espírito de solidariedade, ordem, princípios, o que revela-se é a vaidade, anarquia e sobretudo, o egoísmo. O fato de um cidadão estocar comida, álcool gel e outros gêneros de necessidade, privando vários outros ter terem a possibilidade de adquirir tais produtos, é uma pequena mostra de que muito do que está nessa ficção, não passa muito longe da realidade.




5. "Sentidos do Amor", de David MacKenzie (2011) - Outro filme que explora os sentidos. Mas aqui as pessoas não perdem apenas um, mas todos. Às voltas com a investigação sobre uma aparente epidemia que leva à perda de olfato, uma epidemiologista envolve-se emocionalmente com um chef de cozinha e juntos, cada vez mais apaixonados, eles vão presenciando, vivenciando e sofrendo, em meio a memórias e questionamentos, a gradual perda dos demais sentidos. 
Interessante é que cada perda de sentido é precedida por uma crise emocional individual com choro, raiva, excessos, e um caos coletivo posterior a ela que leva a reações parecidas com a de "Ensaio Sobre a Cegueira", como violência, desordem, ganância, com a diferença que em "Sentidos do Amor", as pessoas, passado o desespero inicial, ao perderem um, meio que conformam-se e acabam meio que se adaptando aos sentidos que restam. "Não consigo cheirar, mas posso sentir o gosto da comida...", "Não consigo sentir o gosto, mas posso ver a cor...", "Não posso ver, mas posso sentir sua textura...", e assim por diante. Mas pelo progresso da epidemia, em breve não restará nenhum sentido e nisso, o filme do escocês David MacKenzie é mais otimista que o de Fernando Meirelles, sugerindo que, ao final, mesmo que percamos todos os sentidos, o amor persistirá. O mais importante  "sentido" de todos.
Muito bom filme. Bela condução, ótima fotografia e boas atuações do casal Eva Green e Ewan McGregor. Daqueles filmes que fui assistir não apostando nada, achando que seria só mais uma historinha romântica boba e me surpreendeu muito positivamente.





6. "[REC]", de Jaume Balgueró e Paco Plaza (2007) - Não tem como falar de epidemias e contágio em massa sem falar em filmes de terror que talvez seja o segmento, que à sua maneira, com a sua linguagem, mais explora o assunto. "[REC]", especificamente, tem uma situação peculiar que torna pertinente sua citação neste momento: o isolamento compulsório, a quarentena imposta por autoridades. Um prédio em Madrid é isolado pelas autoridades após o cão de um dos moradores apresentar, em uma clínica veterinária próxima, sinais de uma perigosa infecção que veio a levá-lo à morte mas, estranhamente, voltar à vida e agir de forma violenta e descontrolada. Só que dentro do prédio, uma dupla de jornalistas que acompanha, despretensiosamente, uma equipe do corpo de bombeiros em uma chamada a respeito de uma senhora que parece estar se sentindo mal ou algo do tipo e o que eles não sabem é que, não só a pessoa que os bombeiros vão atender, como outros moradores já tiveram contato com o animal, ou entre si e o vírus já se espalhou. Aí, véi..., o bicho pega! Como o mal é transmitido pela saliva, cada vez que um é mordido por outro infectado descontrolado e violento, a legião de zumbis aumenta dentro daquele pequeno edifício. E não tem pra onde fugir!
Filme alucinante! Correria escada acima, escada abaixo num espaço restrito sem muito pra onde correr. Um dos melhores filmes de terro e de zumbis dos últimos tempos. A situação não deixa de lembrar, de certa forma, a do navio de cruzeiro atracado no Recife, em quarentena, onde dois passageiros foram diagnosticados com o Covid-19. A mente do cinéfilo já fica pensando: "Imagina se fosse um vírus zumbi do '[REC]'...".




O parasita de laboratório saindo de um dos hospedeiros.
7. "Calafrios", de David Cronenberg (1975) - Mais um exemplo de um filme em que a epidemia começa a se propagar, inicialmente, dentro de um prédio mas que, aqui, inevitavelmente, seguirá mundo afora. Nesse caso, temos um parasita produzido artificialmente, em princípio com a ideia de substituir órgãos humanos, implantado numa cobaia humana, que, por uma mutação, desvia-se, por assim dizer da sua finalidade, e passa a estimular uma atitude sexual desenfreada e violenta no paciente. Sabedor do fracasso de sua intenção inicial e das consequências da ação daquele "órgão" num humano, o médico inventor mata sua cobaia, sua amante, uma adolescente ex-aluna, na intenção de destruir o organismo que criara e, em seguida se mata arrependido da criação e do crime. Mas o que ele não sabia é que a bela Annabelle não era mais popular do que imaginava naquele condomínio e o parasita já estava espalhado por aí.
O filme aborda, à maneira Cronenberg, com muito sangue, gosma e nojeira, as doenças sexualmente  transmissíveis e está entre os grandes clássicos do terror trash da história. Se a epidemia atual não tem a ver, necessariamente, diretamente, com sexo especificamente falando, embora, é claro, o toque, a saliva, a relação em si, possa transmitir, "Calafrios", especialmente seu final, reforça a necessidade de restringir ao máximo alcance de uma epidemia. Porque depois que ela sair do seu lugar de origem...




8. "Os 12 Macacos", de Terry Gillan (1995) - A propósito de cruzar fronteiras, a cena do embarque no avião com a valise cheia de ampolas com o vírus, nos dá uma noção de como uma epidemia passa de um país para o outro. É lógico que no filme foi proposital mas a coisa toda do trânsito é que faz com que essa cena em especial me venha à mente. "Os 12 Macacos"  é mais uma das geniais ficções distópicas de Terry Gillan e nela, em 2027 (olha aí a proximidade!!!), o mundo é devastado por um vírus e os sobreviventes são obrigados a viver no subsolo da Terra. Um prisioneiro é selecionado para voltar a 1996, o ano de início da epidemia, para recolher evidências para que cientistas, no futuro, investiguem suas causas e tentem encontrar uma cura que evite aquele futuro sombrio. Filme que já se tornou um cult, lembra muito visualmente e, um pouco conceitualemente, outros dois do diretor, "Teorema Zero" e "Brazil - O Filme".

cena final - "Os 12 Macacos"




9. "Fim dos Tempos", de M. Night Shyamalan (2008) - Sem dúvida, o pior desta lista! Menciono porque a primeira parte, na cidade, quando a epidemia se manifesta fazendo com que as pessoas se suicidem, é alucinante! Mas fica por aí. O filme é uma droga. Clichês, más atuações, roteiro ruim e tudo mais. O mote é que uma espécie de toxina espelhada no ar faz com que as pessoas percam seu senso de auto-preservação e, assim que em contato com aquele elemento, tirem automaticamente suas vidas. Ok! A coisa toda poderia servir se, além dos defeitos já enumerados, as soluções não fossem tão estúpidas, pífias e pouco plausíveis. Assim que a situação na cidade fica praticamente insustentável, nosso protagonista, Elliot Moore (Mark Wahlberg) um professor de ciências em crise no casamento, resolve fugir para outro o interior de trem com um colega do trabalho, a filha e a esposa, com quem vive uma crise conjugal. Ora, por que diabos aquela coisa se concentraria apenas em um lugar se está no ar? O que leva a crer que aqui você não está a salvo e ali está? Ok... Depois de muito "Acho isso", "Acho aquilo", parece que percebe-se que a toxina está na vegetação, nas plantas e eles que liberam o elemento que causa a perturbação mental responsável pelos suicídios. Mas aí que fica pior porque nosso grupo de sobreviventes, numa área rural passam a evitar a vegetação e a adivinhar qual é nociva ou não. Nem o ritmo ou o interesse se mantém, porque o argumento é tão estapafúrdio que, chega um momento que a gente quer mais é que acabe de uma vez.
O filme é péssimo de um modo geral, mas os personagens fugindo do vento e se escondendo numa casa como se o ar não pudesse entrar por uma fresta, um vão, etc, é o fim dos tempos.




10. "Epidemic", de Lars Von Trier (1997) - Vai um filme de arte aí pra completar a lista? Um escritor e um diretor pressionados para cumprir um prazo para um filme, percebem que o roteiro em que trabalharam durante um ano inteiro está perdido e não poderá ser recuperado, assim o recomeçam e o ao novo projeto dão o nome de Epidemia. Nele, contam a história de um país infectado por uma epidemia, cujos governantes são médicos. Os homens do poder estão em segurança enquanto as pessoas, de um  modo geral sofrem com a doença, mas um deles, um dos médicos-governantes, resolve sair para para combater o mal. Eles terminam este novo roteiro em poucos dias e durante o jantar de apresentação do trabalho para o produtor, um hipnotizador, que aparece de surpresa no local, parece aproximar a ficção criada por eles da realidade, pois logo após a visita inusitada, o roteirista começa a mostrar sinais da doença que escrevera para o filme. 
Filme pouco conhecido do polêmico Lars Von Trier, é estrelado por ele e faz parte da trilogia Europa completada por "Elemento do Crime" e "Europa". Naquela época, um trabalho do ainda promissor Lars Von Trier.

O médico, do filme dentro do filme, saindo de seu gabinete e
indo tentar levar a cura à população.







por Cly Reis
colaboração: Daniel Rodrigues
e Vagner Rodrigues