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O belo e moderno autorretrato de 2002 |
“Zoravia faz arte como vive.”
Moacyr Scliar
Mais de um motivo levou
Leocádia e eu a irmos a vernissage da exposição
de
Zoravia Bettiol no Margs. O
primeiro e mais óbvio é a importância de sua obra para as artes visuais no Rio
Grande do Sul e no Brasil nos últimos 60 anos, tempo o qual está sendo
comemorado juntamente aos 80 de vida da artista admirada por gente como
Jorge Amado, Moacyr Scliar, Erico Verissimo, Mário Quintana, Mário Schemberg e o
próprio Vasco Prado, marido por quase três décadas e com quem compartilhara,
inclusive, admiração. Só isso, já justificaria a ida. Mas tem mais. Filha de
Iemanjá assim como Leocádia, a quem conhece e nutre amizade há pelo menos uma
década, Zoravia dedica, entre as 150 obras selecionadas de diversas fases,
técnicas e produções, algumas aos orixás e, obviamente, à Rainha dos Mares. Mas
não para por aí. Justamente uma das obras mais representativas e impactantes da
mostra, uma escultura em ferro fundido de cerca de 1 metro e meio chamada
exatamente de “Iemanjá”, de 1973, é do acervo pessoal de Leocádia, que a cedeu
para a rica exposição
“Zoravia Bettiol –
o lírico e o onírico”. Claro que estaríamos lá.
Tal foi nossa surpresa que a referida escultura encontra-se logo na
entrada das quatro salas que compõem a diversa e numerosa seleção feita pelos
curadores Paula Ramos e Paulo Gomes, a qual vasculha as variadas fases
criativas de Zoravia. Há desenhos, pinturas, gravuras, arte têxtil, objetos,
ornatos e joias, além de registros de performances. Disso, resulta uma
impressionante diversidade de técnicas e estilos, as quais Zoravia domina com
naturalidade, sem excetuar seu rigor de perscrutadora voraz e quase obsessiva. Além
da visível liberdade criativa e da utilização das cores, nota-se um exercício
permanente para encontrar a trama certa dos fios, a pincelada mais expressiva,
a textura ideal da impressão. Tudo intenso, em permanente ebulição.
Esse cuidado e labor extremos se notam muito nas xilogravuras, das
especialidades de Zoravia. O detalhismo do desenho se expressa lúdico na Série
“Circo”, de 1967, cujos traços refazem de os cordéis nordestinos,
principalmente na forma das figuras humanas. Na série que versa sobre os
pecados capitais, é possível identificar a textura do tramado da corda, vista
em trabalhos têxteis feitos à base desse material. O lúdico, igualmente, está
presente de maneira incisiva, caso das séries Namorados (1965) e as dedicadas
aos deuses gregos (1965-66/76), onde se nota, aliás, parecença com as imagens
do candomblé – o maravilhoso “Netuno”, tal um preto velho, não deixa dúvida
dessa universalidade. Desta cultura tão brasileira quanto universal, Zoravia
extrai outros trabalhos e séries, como a própria série “Iemanjá” (1973). Sobre
isso, Jorge Amado tem um depoimento sobre Zoravia destacado na mostra: “Como ninguém, Zoravia canta e transmite a
atmosfera desse universo infantil onde o maravilhoso é o cotidiano e onde o
insólito é a terra”.
Há também lindas obras como “Criança Adormecida” (xilo, 1961), em que o
traço do desenho mostra-se rigorosamente estudado na criação final, e “Meias
Amarelas”, da série Romeu e Julieta (1970) A temática sociopolítica, igualmente
forte em toda sua carreira, tem uma das longas paredes da mostra praticamente
dedicadas com exclusividade. “Só o povo pode fazer o novo” (acrílica sobre
madeira, 1984), carrega o espírito do período do clamor pelas Diretas a qual o
Brasil passava naquele então. Visto com o olhar de hoje, em que aquele grito
democrático parece ter perdido significado, lembrei-me dos realistas versos de
Nei Lisboa: “cada povo tem o novo que
merece”.
Adentrando a sala mais ao fundo, depara-se com o que talvez tenha mais
impressionado a mim e até a Leocádia, acredito: o conjunto completo de
xilogravuras para a lenda “A Salamanca do Jarau”, publicada por Simões Lopes
Neto em seu célebre “Lendas do Sul” (1913). Zoravia ilustrou o texto em 1959,
produzindo 27 imagens que estão sendo expostas pela primeira vez em sua
totalidade, acompanhadas por vários – e belos – estudos preparatórios. Cada
imagem é de uma riqueza impressionante. Para mim, que já vi algumas séries
baseadas em obras literárias, como as que
Dalí fez para a "Divina Comédia" ou
“Alice no País das Maravilhas”, esta não fica a dever em nada.
Uma exposição de absoluta diversidade, que instiga justamente por isso.
Como bem descreve o texto curatorial: “O
fato é que Zoravia Bettiol, ao contrário de muitos artistas de sua geração,
preocupados com a unidade estilística e fiéis a determinado meio expressivo,
buscou na diversidade parcelas dela mesma. Porém, em cada manifestação, em cada
trabalho, é sempre ela, Zoravia.”
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“Zoravia Bettiol – o lírico e o onírico”
onde: Margs - Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado
Malagoli
(Praça da Alfândega, s/n° Centro – Porto Alegre/RS)
quando: até 11 de dezembro, de
terça a domingo, das 10h às 19h
entrada: gratuita
curadoria: Paula Ramos e Paulo
Gomes
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Da série Circo, dos anos 60. |
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Obra da série Namorados. |
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Os Deuses Gregos em traços que remetem ao candomblé. |
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Netuno imponente sobre as águas |
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Estandarte de Oxóssi, da série Iemanjá. |
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A belíssima criança adormecida, dos anos 60. |
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Sensualidade na obra da série dedicada a Romeu e Julieta. |
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Política e causa social em acrílica sobre madeira. |
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Uma das mais belas séries, inspirada nos 7 Pecados Capitais, de 1987. |
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Zoravia desenhada pelo marido Vasco Prado a traços próximos aos de Picasso. |
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Uma das obras de 2005 em que a artista interage com diversas técnicas. |
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Capa da impressionante série dedicada à obra de Simões Lopes Neto. |
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Mais uma das xilos de A Salamanca do Jarau. |
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Outra das gravuras da série inspirada em Simões Lopes Neto. |
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As duas filhas de Iemanjá com a escultura em homenagem à orixá. |
por Daniel Rodrigues