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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Djavan - "Alumbramento" (1980)




“Embora ele defina grande parte de seu estilo através do chamativo 'pop' dos Estados Unidos, sua música mantém raízes nas correntes cruzadas dos ritmos africanos, ritmos extraídos de maneira incomum e com efeitos de acordes assombrosos, que são tão autenticamente brasileiros quanto os sons suaves e oscilantes que muitos fãs do gênero tradicional esperam”. 
George W. Goodman, para o New York Times, em 1984

“Djavan é foda!”
Caetano Veloso

Brasileiro é, definitivamente, um bicho torto. A subserviência ao que vem de fora e a famigerada “síndrome de vira-latas” prejudicam sobremaneira a aceitação de uma identidade brasileira. Isso, é claro, recai sobre a cultura. Na música, por exemplo, quantas vezes já seu viu um músico brasileiro ser ignorado no próprio país e só passar a ser valorizado quando os gringos, livres dessas amarras psicológicas, dão o seu aval? Outro fator determinante vem também se aglutinar a isso: a abundância de talentos. São tantos, mas tantos talentos, que o brasileiro, mal-aceito consigo mesmo, nem acredita. Não acredita que seus pares são capazes, então prefere achar que o bom mesmo vem de fora. É mais fácil. Talvez por isso artistas incríveis como Djavan, um monstro sagrado em qualquer país em que tivesse nascido, não recebam a idolatria que mereçam dentro de casa. Se Djavan fosse, digamos, natural da Dinamarca, ele viveria num trono. Não precisa nem ir ao Velho Mundo, haja vista que deuses da música como Quincy Jones e Stevie Wonder são dois dos que se renderam a Djavan imediatamente ao escutá-lo.

Este alagoano, aliás, tem musicalidade já no nome: apenas uma vogal, a letra “A”, a mais latina de todas, repetida duas vezes, que se entremeia a quatro consoantes, formando uma marca altamente artística, forte e de fácil assimilação: Djavan. Mas a sua originalidade não é só na teoria. Dono de uma alma que transpira suingue e hábil em criar inusitadas divisões rítmicas, carrega igualmente a precisão e a complexidade dos acordes certos da linhagem jobiniana. Músico completo desde sempre, veio a público pelas mãos do midas da MPB Aloysio de Oliveira, que lhe produziu o primeiro disco, em 1976, “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”. O canto de timbre macio e anasalado denota profundo trabalho vocal, o qual se alia à assombrosa capacidade compositiva. Igualmente, seu toque do violão supera a tradição do samba e o dedilhado da bossa nova para lhe adicionar o jazz, o blues e a soul norte-americanas, além dos ritmos latinos. E, claro, um punhado de tonalidades brasileiras: o baião, o samba de roda, a toada, o batuque.

Em seu terceiro álbum, “Alumbramento”, que completa 40 anos de lançamento, Djavan está mais aperfeiçoado musical e mercadologicamente, visto que incrementa parcerias que se tornariam algumas das mais celebradas da história da música braseira. Produzido por Mariozinho Rocha, o disco tem a participação ainda de mestres como Aldir Blanc, Cacaso e Chico Buarque, três dos mais importantes letristas da música brasileira, que se rendem às quebradas rítmicas do autor de “Meu bem querer”. Esta, aliás, letra e música dele que, se hoje é um clássico, à época foi o grande sucesso do álbum, entrando imediatamente para o rol de clássicos do cancioneiro brasileiro.

Quanto às parcerias, Djavan se vale da saborosa pegada carioca de Aldir em “Tem Boi Na Linha”, que abre o disco num samba suingado irresistível e com a linguagem barroco-suburbana típica de Aldir (“Café com pão no Vera Cruz/ Jejum limão em Japeri/ A bolsa e a vida dançam nesse trem/ Te cuida!/ Sacola, cabaço, futuro, tutu/ Tem boi na linha, seu Honório Gurgel”). Das ruas do Rio de Janeiro para o coração de Minas Gerais. Assim é “Lambada De Serpente”, esta, escrita com Cacaso. Reflexiva, interiorana, muito mineira: “Cuidar do pé de milho/ Que demora na semente/ Meu pai disse: ‘meu filho/ Noite fria, tempo quente’/ Lambada de serpente/ A traição me enfeitiçou/ Quem tem amor ausente/ Já viveu a minha dor”.

É com Chico, no entanto, que o diálogo entre músicos parece ir ainda mais fundo. Primeiro, pela coautoria da faixa que dá título ao disco e na qual o autor de “Olhos nos Olhos” parece querer mergulhar no universo de Djavan. “Curioso é como a canção conta a história do alumbramento do próprio Djavan: a descoberta da verdadeira relação de amor, que é a parceria de trabalho, e a descoberta de uma relação mais aberta com a música brasileira, para além do seu próprio universo poético musical”, escreveu o crítico musical e autor da biografia de Djavan Hugo Sukman. É, de fato, uma canção especial onde cada um dispõe um pouco de si, numa verdadeira comunhão. Djavan tira do violão uma bossa nova vagarosa, sensual, que se esgueira em acordes de uma preguiça satisfeita. Chico, por sua vez, lança as palavras exatas para esse universo onírico e amoroso do tema: ”Deve ser bem morna/ Deve ser maternal/ Sentar num colchão e sorrir e zangar/ Tapear tua mão/ Isso sim, isso não/ Deve ser bem louca/ Deve ser animal”.

Tamanha conexão não poderia ficar em apenas uma faixa, e é aí que entra o delicioso samba “A Rosa”. Tradução da nova e empodeirada figura feminina a qual Chico já percebia àquela época, ambos cantam em versos hilários (mas não menos cronistas) o encantamento incondicional de um homem por sua musa, esta, por sua vez, totalmente independizada e emancipada das amarras sociais que recaem sobre as mulheres. Rosa é amoral, não deve satisfação pra ninguém e comprometida consigo mesma antes de mais nada: carinhosa, mas muda de humor e de opinião sem constrangimento e explicação;  gosta de sexo, mas não necessariamente só com o parceiro; é “do lar” quando quer, mas não titubeia em pegar as coisas e sair de casa sem aviso prévio. O homem, por seu turno, totalmente desarmado, é incapaz de enxergar defeitos nela e a admira cada vez mais. Os engraçados versos iniciais comprovam: “Arrasa o meu projeto de vida/ Querida, estrela do meu caminho/ Espinho cravado em minha garganta/ Garganta/ A santa às vezes troca meu nome/ E some/ E some/ Nas altas da madrugada”. Somente de Chico, a música tem tanta cara de Djavan, que é normal confundirem se tratar de uma coautoria.

Mas quem é mestre como Djavan sabe se virar muito bem sozinho. Sé dele são o delicado samba-canção “Sim e Não” e a lúdica “Dor e Prata”, assim como o samba sincopado de alta maturidade melódica “Sururu de Capote”, esta última, tão emblemática do estilo de Djavan que se tornou, a partir de então, o nome da banda que o acompanharia nos palcos. Haveria lugar ainda para mais um samba em parceria com Aldir,“Aquele Um”, e para a influência do Clube da Esquina com "Triste Baía de Guanabara", de Casaso e Novelli.

Já no trabalho seguinte a “Alumbramento”, “Seduzir”, de um ano adiante, Djavan seria gravado por Roberto Carlos, o que o tornaria, definitivamente, popular em terras brasileiras. Dois anos depois, em “Luz”, gravado em Los Angeles, Quincy Jones o produz e o mundo do jazz norte-americano se rende a seu talento. Mas parece pouco. Mesmo com o sucesso internacional e empilhando hits anos 80 afora, como “Samurai”, “Açaí”, “Flor de Lis”, “Lilás”, “Capim”, “Oceano” e outros, até hoje parece haver um descompasso. É tão normal no Brasil uma obra gigantesca em qualidade como a de Djavan considerando a existência de vários monstros sagrados da MPB como Chico, Caetano, Gil, Tom Jobim, Milton Nascimento e outros, que ocorre uma espécie de amortecimento. Sabe-se da qualidade, mas não se tem condições para se admirar suficientemente. Pelo contrário: parte do público brasileiro, incapaz de apreciar com um pouco de profundidade, ainda imputa-lhe a pecha de inventor de letras “sem sentido”. Para piorar a situação, o próprio Djavan recentemente veio a público manifestar-se a favor do atual Governo, desgostando muitos fãs e contrariando toda uma ideologia de respeito aos direitos humanos que alguém que escreveu músicas como “Soweto” e popularizou as tranças rastafari no Brasil parecia acreditar. Mesmo assim, nada atinge a excelência de sua música. Se fosse na Dinamarca, seu trono estaria garantido.


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FAIXAS:
1. "Tem Boi Na Linha" (Djavan/Aldir Blanc/Paulo Emílio) - 2:39
2. "Sim ou Não" - 3:16
3. "Lambada de Serpente" (Djavan/Cacaso) - 3:27
4. "A Rosa" - com Chico Buarque (Chico Buarque) - 4:24
5. "Dor e Prata" - 2:54
6. "Meu Bem Querer" - 3:26
7. "Aquele Um" (Djavan/Aldir Blanc) - 3:07
8. "Alumbramento" (Djavan/Chico Buarque) - 3:32
9. "Triste Baía de Guanabara" - (Novelli/Cacaso) - 2:59
10. "Sururu de Capote" - 2:54
Música de autoria de Djavan, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Djavan - "Alumbramento"


Daniel Rodrigues

sábado, 21 de maio de 2022

Djavan - Turnê "Vesúvio" - Teatro Bourbon Country - Porto Alegre/RS (07/05/2022)

 


Que maneira de voltar aos shows! Depois de quase 3 anos sem sair para ir a uma casa de espetáculos e ver um artista presentemente, seja pela pandemia ou pelo período que a antecedeu sem nada que nos mobilizasse fortemente (ah, se soubéssemos o que viria pela frente...), o retorno foi triunfal para conferir um dos monstros sagrados da música brasileira ao qual nunca havíamos assistido ao vivo: Djavan. E não foi qualquer arranjo que fez com que Leocádia e eu tivéssemos essa oportunidade! Minha irmã, Karine, produtora cultural lá no Rio de Janeiro, fez a ponte com um colega seu em Porto Alegre, que nos disponibilizou generosamente duas cortesias para irmos ao Teatro Bourbon Country "djavanear o que é de bom". Uma programação, aliás, que nem sabíamos que ocorreria, visto que os ingressos restavam esgotados desde 2020, quando o show havia sido anunciado, mas precisou ser adiado em razão da pandemia, vindo a ocorrer somente agora. 

Competente do início ao fim, o show foi mais do que somente isso: foi emocionante. Cenário, luz, repertório, qualidade do som, tudo perfeitamente funcionando para que o divino alagoano despejasse seus quase 40 anos de carreira e experiência no palco – recinto o qual, aliás, ele domina como poucos. E que performer! Djavan canta com afinação invejável, dança com graciosidade e suingue, comunica-se com a plateia, toca violão e guitarra (como poucos na MPB), cumprimenta o público do “gargarejo”. Domina o palco. As luzes todas se concentram nele, embora a irretocável banda (Felipe Alves, bateria; Arthur de Palla, baixo; Torcuato Mariano, violão e guitarra; e Renato Fonseca e Paulo Calasans, piano e teclados) acompanhe o altíssimo nível de seu front man.

Ainda um pouco desaquecido no começo, na bela “Viver é Dever” – do repertório do disco “Vesúvio”, seu último e motivo da turnê – e na clássica “Eu te Devoro”, entretanto, mal Djavan sentiu o retorno do público, já se soltou. Os sugestivos versos (“Teus sinais/ Me confundem da cabeça aos pés/ Mas por dentro eu te devoro...”) foram cantados de cabo a rabo por toda a plateia na primeira em que fez o teatro vir abaixo. Isso por que depois desta vieram muitos hits. Muito bem montado, o set list não deixou de apresentar consistentemente o trabalho novo, reservando-lhe 8 faixas, como a intrincada “Solitude”, a graciosa bossa-nova djavanesca “Orquídea”, a hispânica “Madressilva” e o estupendo tema-título. Mas, essencialmente, o músico privilegiou aquelas que a galera mais se identifica.

Djavan - trecho de "Eu te Devoro"
Teatro Bourbon Country - Porto Alegre (07/05/2022)

Aí, foi só emoção, com sequências de saltar o coração da boca, seja pela poesia rica em figuras de suas letras e fraseado, seja pela sonoridade única que tem, seja pela presença de palco ou pela produção técnica impecável. No que se refere à música, a gente fica com o mesmo embasbacamento que o midas da black music Quincy Jones teve ao ouvir desavisadamente Djavan pela primeira vez. É assombrosa a natural mistura que suas harmonias e ritmos, que carregam de samba, jazz, soul, bossa nova, blues, reggae e sonoridades caribenhas. E tudo com muito, mas muito suingue. De construção harmônico-melódica complexa, sua música, no entanto, é trazida, por conta de seu talento absurdo, para uma superfície pop que se comunica com todo mundo. Tudo se hibridiza de tal forma que, numa oportunidade como a que estivemos, de ver Djavan cantando e dançando e se entregando no palco, é possível entender que a música está integralmente dentro dele.

Bonito de perceber também a poética do artista. Os amores arrebatados (“Mesmo por toda riqueza dos sheiks árabes; Não te esquecerei um dia/ Nem um dia” ou “De tudo que há na terra/ Não há nada em lugar nenhum/ Que vá crescer sem você chegar”), as referências a símbolos da feminilidade (“Mal-me-quer.../ A vida segue seu lamento/ um tanto flor” ou “De estrelas perdidas no mar/ Pra chover de emoção/ Trovejar”) e a sensualidade (“um leito de rio/ no cio/ um cheiro de amor” ou “Insiste em zero a zero, e eu quero um a um”) fazem com que Djavan tenha uma forte identificação com o público feminino. Mas não de uma maneira forçada, e, sim, muito orgânica.

Foram quase 3 horas de um desfile da mais alta classe da música brasileira e mundial, que percorre a extensa e assertiva carreira do artista. Cantamos juntos e nos emocionamos juntos com clássicos como “Topázio” (“Kremlin, Berlim/ Só pra te ver/ E poder rir”), “Acelerou” (“Quando te vi/ Aquilo era quase o amor/ Você me acelerou, acelerou/ Me deixou desigual”), “Linha do Equador” (“Luz das estrelas/ Laço do infinito/Gosto tanto dela assim”), “Samurai” ("Ai.../ Quanto querer/ Cabe em meu coração”), “Sina” (“O luar, estrela do mar/ O sol e o dom”)... Caramba! É interminável a sucessão de sucessos deste hitmaker, que correm pelas últimas quatro décadas no Brasil, seja pelas rádios, novelas, na tevê ou no cinema. São canções que estão no imaginário do brasileiro, aquelas que pode por pra rodar em qualquer lugar que dificilmente não se sairá cantando junto. 

Já falei aqui num antigo texto que escrevi sobre Djavan: se ele tivesse nascido em qualquer país tipo escandinavo ou germânico ele teria um trono, seria um intocável. Estender-se-iam tapetes vermelhos onde quer fosse. Naquela noite porto-alegrense, estávamos entre os milhares que minimamente fizemos isso: estendemos-lhe o tapete. Que presente: os ingressos, a volta aos shows e poder ver a olhos nus um artista do calibre de Djavan em vida. A se ver por este show, sabe-se lá quanta vida ele ainda tem pra dar!






Daniel Rodrigues


sexta-feira, 14 de maio de 2021

Aquisições porto-alegrenses

Quem me acompanha nas redes sociais vê que vira e mexe estou escutando alguma coisa “na vitrola”. Embora tenha uma boa coleção, sabe como é, né? Colecionador de discos está sempre de olho em outros para comprar. Não é comum eu ir aos sebos de Porto Alegre (ainda mais agora na pandemia), até por causa dos horários comerciais, durante os quais geralmente estou ocupado, e porque, afinal, acaba sendo mais um gasto. Mas quando surgem boas oportunidades, é impossível resistir. Pois dias atrás, vi uma postagem do antenado e generoso amigo Juarez Fonseca sobre um amigo seu que estaria, em suas palavras, “se desfazendo de sua coleção de discos de vinil. Tem Chico, Caetano, Gil, Milton, Elis, Mercedes Sosa, Jaime Roos, Jimi Hendrix, muita coisa de jazz e raridades da música gaúcha. Uma mina de ouro.” E Juarez arremata o post alertando: “todas as capas estão reproduzidas no Facebook.”

Não deu outra: com tamanha propaganda, fui conferir. O amigo era Raul Boeira, músico, compositor e violonista de Porto Alegre com mais de 50 anos de estrada. E realmente: centenas de ótimos títulos em LPs e todos visivelmente bem cuidados por Raul, que me confessou posteriormente em troca de mensagens fazer cerca de 10 anos que não mais tinha toca-discos e que não havia “razão para esse som todo ficar aprisionado aqui no armário”. Não demorou muito para eu saber que outros dois colecionadores como eu, os também amigos Marcello Campos e Lucio Brancato, já estavam empenhados em alforriar tamanha qualidade musical. Diante do desprendimento e simpatia de Raul – e, claro, do meu desejo – adquiri sete unidades da encarcerada discoteca, os quais descrevo aqui brevemente um a um. Alguns já foram parar direto na vitrola:


“Do Romance ao Galope Nordestino”,
 Quinteto Armorial (1974)

Um dos fenômenos mais originais da história da moderna música brasileira, o Quinteto Armorial representa mais do que música, mas um conceito de brasilidade. Com a benção de Ariano Suassuna, líder intelectual do movimento Armorial, que buscava criar bases brasileiras para todas as formas de arte - entra as quais, a música - a banda que lançou o hoje famoso Antonio Nóbrega, em seu primeiro disco, traz sua sonoridade sui generis que alia clássico medieval e barroco aos sons formativos do Nordeste. E o que é essa capa de Gilvan Samico?! Uma obra-prima por dentro e por fora.



“Nice Guys”,
Art Ensemble of Chicago (1979)
A banda de Lester Bowie, Malachi Favors Maghostut, Joseph Jarman, Roscoe Mitchell e Don Moye num de seus mais celebrados discos. Os inventores do pós-jazz passeiam pelo bop, avant garde, blues, fusion, reggae e art music em sua musicalidade intergaláctica. “É possivelmente o mais representativo álbum da banda, uma vitrine variada que ilustra muito do que eles fazem de melhor”. Isso não sou eu quem digo, mas a Down Beat. Destaque para “Já”, "Folkus" e "Dreaming of the Master" . E a arte caprichada da capa e contra! Impecável como qualquer produto ECM. 



“Lilás”,
Djavan (1984)
Já totalmente inserido no mercado norte-americano, Djavan lançava em grande estilo, com produção gringa caprichada, um de seus discos de maior sucesso lá e aqui no Brasil. Embora tenha recebido certas críticas pelo excesso de elementos eletrônicos à época, o disco, sexto do artista, praticamente repete o antecessor “Luz”, pois é daqueles álbuns de carreira que parecem coletânea: a faixa-título, “Íris”, “Esquinas” e “Infinito” integram o repertório, por exemplo. Suingue, complexidade harmônica, arranjos ricos, vocais grandiosos. Um luxo.




“Jogos de Dança”,
Edu Lobo (1983)
Imagino que quando convidaram Edu Lobo - que já havia coescrito com Chico Buarque para o Balé Guaíra o clássico "O Grande Circo Místico" dois anos antes - uma nova trilha para dança somente instrumental ele, afeito muito mais à música do que ao canto, vibrou com a oportunidade. O resultado é um dos melhores discos da discografia do autor de "Disparada", que antecipa em pelo menos 10 anos o conceito de trilhas que o Grupo Corpo adotaria: artistas nobres da MPB compondo para balé trabalhos especiais e que vão além dos palcos: são música para se ouvir dançando ou parado.




“Tempo Presente”,
 Edu Lobo (1880)
Outro lindo disco de Edu Lobo que consagra sua década mais produtiva, os anos 70. Junto com “Missa Breve”, “Limite das Águas” e “Camaleão”, forma a quadra de álbuns em que o legítimo filho musical de Tom Jobim passeia pelos variados estilos, da bossa nova ao baião, do jazz ao clássico. Parcerias principalmente com Cacaso e Joyce, primor de arranjos, produção caprichada de Sérgio de Carvalho. Edu, assim, em plena fase criativa é ouro em pó.





“Bandalhismo”,
João Bosco (1980)
Dos discos de Boscão da fase com Aldir Blanc que não tinha. Além da arte sempre magistral de Elifas Andreato, que aproveita cortes e dobraduras diferentes, “Bandalhismo” é mais um documento da resistência à ditadura militar e a opressão social que o Brasil vivia como os vários que a dupla compôs nessa época. Abre com a sarcástica “Profissionalismo é Isso Aí”, mas também guarda joias como “Siri Recheado e o Cacete” e “Sai Azar”, que também são deste repertório.





“Atlantis”,
Wayne Shorter (1985)
Único da leva de compras que não tenho conhecimento de como é. Disco dos anos 80 de um dos imortais do jazz, que nunca decepciona. O que se sabe de antemão é que traz ritmos brasileiros e funk em várias faixas em arranjos muito bem elaborados. São 11 músicos em estúdio contando com Shorter revezando numa instrumentação entre o elétrico e o acústico. Boas expectativas.







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+ 2

Além dos LPs que adquiri, generosamente ganhei do próprio Raul Boeira em CD dois de seus discos: “Raul Boeira: Volume 1”, de 2009, e “Cada Qual com Seu Espanto”, dele e de Márcia Barbosa, de 2016. Assim como o Shorter, ainda não tive tempo de soltá-los na vitrola, mas não demorará.



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 8 de março de 2023

Música da Cabeça - Programa #309

O poeta disse que, se a gente abre uma clareza dendela, encontra uma escureza ainda muito mais bela. No Dia da Mulher, o MDC, que é feito de muitas clarezas e escurezas, é dedicado a elas. Mais que representante, Sueli Costa, a quem perdemos esta semana, é homenageada no nosso "Cabeção". E ainda tem Pato Fu, Wayne Shorter, Little Richard, Djavan  e mais. Se música e cabeça são feminino, então casa com a gente às 21h na Rádio Elétrica - que também se escreve no feminino. Produção e apresentação dela: Daniel Rodrigues
(poesia de Ricardo Aleixo e arte de Cly Reis)
#diainternacionaldamulher
#diadamulherétododia


www.radioeletrica.com 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Caetano Veloso - Teatro da Ospa - Porto Alegre (1992)


O conhecimento que adquiri sobre cultura é, hoje, para um adulto de 42 anos, bem mais assimilável diante dos olhos alheios do que quando eu era jovem. Naquela época, meu gosto e entendimento por cinema e música causavam espanto, visto que não correspondiam com o de muito adulto, quanto menos ao de outros jovens da minha idade. Como um guri de 13 anos, negro e de classe média é capaz de gostar (e entender!) daquilo que somente a classe média alta (e branca) detém? Enfim, não se escapa ileso disso no Brasil. Considerando a devida bagagem adquirida de lá para cá, posso dizer que, na juventude, já me mostrava interessado e conhecedor de muita coisa – principalmente, em comparação a pessoas então da minha idade, muito mais preocupados em ter grana para gastar na balada do fim de semana. Eu, um ET entre meus pares, queria saber mesmo era de filmes e de música. Meus gastos se voltavam a locadoras, discos e a conhecer coisas.

Caso de Caetano Veloso, a quem havia descoberto fazia alguns anos mas que, naquele 1992, completando 50 anos de vida, se revelava fortemente a mim através do seu então novo disco, “Circuladô”. Pela MTV, via seguidamente o ótimo clipe da música de trabalho “Fora da Ordem”. Mas, principalmente, minha curiosidade se despertava por causa da antenada Rádio Ipanema. Pela rádio, minha escola musical-cultural, ouvia não apenas esta música, mas também outras joias daquele disco, como a pedrada crítico-social “O Cu do Mundo”. Fui atrás do disco, óbvio. Adquiri-o em K7, trabalho que se tornou, até hoje, um dos meus preferidos de Caetano e sobre o qual já falei aqui no blog. Assim. quando o baiano anunciou que vinha a Porto Alegre para a turnê do álbum, não pestanejei. Sem ninguém tão empolgado quanto eu para ir ao show, fui sozinho.

Seria o primeiro sem a companhia de ninguém, nem pais, nem irmão, nem amigo. Só eu. Era comum ir às sessões especiais de cinema sozinho, mas a um show, que acabaria tarde da noite, nunca. E longe de onde era minha casa, na zona Sudeste de Porto Alegre. De ônibus, por cerca de 1 hora, me desloquei até o alto do Bom Fim/Independência em direção ao antigo e hoje desativado Teatro da Ospa, onde ocorreria o show. Com a devida preocupação de minha mãe, fui. Lembro que tinha fila Av. Independência afora, passando pela frente da casa da Cruz Vermelha, uma novidade para mim, que não frequentava aquelas imediações. Já ali, minha figura impressionava aqueles que assistiriam junto comigo dali a algumas horas o memorável show de Caetano. Lembro-me claramente que um senhor de meia-idade, de óculos e provavelmente fã do músico desde quando era adolescente, perguntou a mim com admiração que idade eu tinha.

Caetano e a grande banda comandada por Jaques Morelenbaum
Já lá dentro, na plateia superior esquerda, num bom lugar para quem não tinha dinheiro suficiente para pagar o valor para se assistir lá de baixo, posso dizer que foi naquela feita que me deparei pela primeira vez com a maestria do pessoal dessa geração (ele, Chico, Paul, Milton, Stevie, Bethânia, Stones, Gil, etc.). Não apenas a qualidade musical, mas a maestria de saber montar set-lists. Cruzes! “Circuladô”, o disco, já trazia músicas que garantem uma apresentação de alto nível se entremeadas com sucessos antigos e outras canções mais populares, o que normalmente se faz repertórios de shows. Mas essa “turma” sabe ir além disso. Caetano e sua ótima banda (Luiz Brasil, guitarra, violão e Synthaxe; Marcos Amma e Welington Soares, percussões; Dadi, baixo; Marcelo Costa, bateria; e Jaques Morelenbaum, cello, além da produção do show) articulam um show cujo encadeamento das músicas é tão bem construído que virou, não à toa, referência na obra do próprio Caetano. 

Equilibrando hits, clássicos, versões, textos, letra de idiomas diferentes e releituras suas e de outros compositores, além das faixas do disco que motivava a turnê, o show é uma sequência de tirar o fôlego de qualquer fã ou aspirante a isso, como eu o era ali. Momentos mais enérgicos, outros, mais cândidos; outros, ainda, mais populares ou mais conceituais. Mas sem jamais perder o ritmo narrativo. Aliás, como não se embasbacar com uma sequência inicial como esta?: Abre-se com a clássica “A Tua Presença” num novo e magnífico arranjo; engata uma versão bossa-nova “banquinho-violão” de “Black or White”, de Michael Jackson, expediente que o próprio Caetano já inovara poucos anos antes ao fazer o mesmo com “Billie Jean”, também autoria do Rei do Pop, mas que, ali no show, pegava todo mundo de surpresa; e uma virada sem pausa para um rock minimalista com o texto inédito “Os Americanos”, este, não cantado, mas lido por seu autor, que, além da qualidade inequívoca de compositor, é também um escritor de mão cheia.
Não lembro bem onde entrava no show “Fora da Ordem”, mas com certeza era na primeira metade em se tratando de música de trabalho do disco novo. O fato é que, logo em seguida, emenda-se outra sequência incrível e inesperada: a linda “Um Índio” – em uma versão melhor que a original dos Doces Bárbaros –, a novelística "Queixa" e uma assombrosa "Mano a Mano", clássico tango de Carlos Gardel com Morelenbaum ao cello e Caetano apavorando no vocal. Mas não terminava aí: só na voz e violão, vêm uma trinca com a assertividade dissonante de "Chega de Saudade"; uma surpreendente versão de "Disseram que eu Voltei Americanizada", do repertório de Carmen Miranda; e “Quando eu Penso na Bahia", em que Caetano torna Ary Barroso muito caymmiano.

A bela arte da capa do disco ao vivo,
que fazia cenário para o show visto
na Ospa
Intercalando um que outro dos ótimos temas de “Circuladô” – como “A Terceira Margem do Rio" (das raras dele e de Milton Nascimento), “Itapuã” e a já citada “O Cu do Mundo” –, Caetano traria ainda outras pérolas consagradas (“Você é Linda”, “Os Mais Doces Bárbaros", “Sampa”) e mais surpresas. Uma delas, é a versão para "Oceano", então recente sucesso de Djavan que emocionou a galera. Outra: uma estupenda versão para “Jokerman”, de Bob Dylan, ponto alto do show e que lhe confere o começo de uma segunda e derradeira parte. Mas não terminava ali (Caramba!). Tinha mais coelhos naquela cartola, pois o espetáculo trazia também duas revelações. Primeiro, a de que a querida “O Leãozinho” havia sido escrita, nos anos 70, justamente para um dos integrantes daquela banda, Dadi, o que resultou numa execução desta somente com o seu contrabaixo acompanhando a voz de Caetano. A outra revelação também é relativa aos anos 70, mas consideravelmente mais melancólica visto que resultante dos reflexos da Ditadura Militar. Antecipando o que traria em seu livro-ensaio “Verdade Tropical”, de 1997, Caetano conta para a plateia, antes de cantar “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, que Roberto e Erasmo Carlos a escreverem em sua homenagem, e que conheceu a canção recém-composta numa visita de Roberto a ele e Gil no exílio, em Londres, ocasião aquela em que se emocionou muito.

Para mim, que conhecia de cabo a rabo “Circuladô”, ficou claro por que, de todas, tanto“Ela Ela”, arranjada e tocada em estúdio com Arto Lindsay, como “Lindeza”, com Ryuichi Sakamoto aos teclados, igualmente sui generis, cada qual com suas particulares performances irreproduzíveis à altura sem esses músicos específicos, não se executaram. Além de compreensíveis ausências, ambas nem de longe fizeram falta ao show, que, antes de tudo, foi um show de repertório. Tão marcante foi tal apresentação, que se tornou o primeiro de uma série de discos ao vivo de Caetano, o CD duplo “Circuladô Vivo”, algo que passou a acontecer com regularidade a partir de então após cada disco de estúdio lançado. A qualidade técnica da gravação, que se tornava disponível à época no Brasil pós-Collor, certamente colaborou para isso. Porém, antes de qualquer coisa, o tratamento dado pela também iniciante parceria entre Caetano com Jaques Morelenbaum é crucial para o sucesso do álbum ao vivo, um dos mais celebrados da carreira de Caetano. Se no estúdio os Ambitious Lovers Arto e Peter Scherer vinham numa ótima tabelinha com o baiano desde “O Estrangeiro”, de 1989, o que se adensaria em “Circuladô”, no palco, era a mão versátil do maestro líder da Banda Nova de Tom Jobim que ditava a musicalidade. Por influência dele, "Terra" (que ficou de fora do CD, assim como outra clássica, "Baby"), talvez a melhor melodia de Caetano, ganhou no show a talvez sua melhor versão das várias que o autor já registrara ao longo da carreira.

Não tenho idade para ter ido a shows célebres de Caetano em Porto Alegre, como o da turnê do disco “Cinema Transcendental”, em 1979, ou o de 1972, no Araújo Vianna, de onde, após encantar a plateia, partiu com figurino e tudo rumo ao histórico e único encontro que teve com Lupicínio Rodrigues, no Se Acaso Você Chegasse, na Cidade Baixa. Mas a ver pela repercussão que este show de 1992 teve, tanto com o lançamento e sucesso do CD ao vivo como também de um especial para a TV Manchete e um documentário dirigidos por Walter Salles Jr. e José Henrique Fonseca – à época, em VHS –, era impossível Caetano não conquistar de vez aquele pré-adolescente da periferia porto-alegrense, que, encantado com o que vira, nem se abalou por andar sozinho tarde da noite de volta para casa. Aliás, ele nem lembra como e quando chegou em casa. Mas que chegou, chegou – para alívio de sua mãe. Se não, ele não estaria aqui agora, redigindo este texto recordado da grande noite em que viu Caetano Veloso pela primeira vez ao vivo.

Show "Circuladô Vivo" (1992)

Documentário "Circuladô Vivo" (1992)


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #342

 

Essa abóbora de Halloween tá meio diferente, hein... Isso porque no MDC a gente não escolhe por doces ou por travessuras: aqui, a gente opta pelos dois! Afinal, quanta doçura vem embalada na melodia de Isaac Hayes ou de Djavan! Mas também aquela atravimento maroto que só os bons roqueiros como New Order e Erasmo Carlos ou o sambista Bezerra da Silva têm. No quadro móvel, outra surpresa tirada do caldeirão. Mas não tenha medo: basta abrir a porta para o programa às 21h, na horripilante Rádio Elétrica, que só coisas boas vão lhe acontecer. Produção, apresentação e bruxaria musical: Daniel Rodrigues.


www.radioeletrica.com

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Música da Cabeça - Programa #199

 

Bernie Sanders passou a semana esperando sentado só pra ouvir o MDC. Então, chegou a hora, senador! Hoje teremos conterrâneos seus como Tracy Chapman, Beck e Angelo Badalamenti, mas também os britânicos da Chemical Brothers e Cocteau Twins e brasileiros, representados por Ronnie Von, Milton Nascimento e Gilberto Gil. Além disso, tem "Cabeça dos Outros" e "Palavra, Lê" com letra de Djavan - que prometemos compreendê-la. Isso às 21h, na paciente Rádio Elétrica. Produção, apresentação e toneladas de leite condensado: Daniel Rodrigues (#BolsonaroGenocida)


Rádio Elétrica:

http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Chico Buarque - Show "Caravanas" - Auditório Araújo Vianna - Porto Alegre/RS (17/08/2018)


Muito já se disse sobre os três dias de shows de Chico Buarque de Hollanda em Porto Alegre nos dias 17, 18 e 19 de agosto. Meu amigo Juarez Fonseca fez um texto com muita propriedade sobre o que ele – e eu – vimos num dos dias, mas tenho algumas impressões pessoais a registrar.  Chamou-me a atenção que Chico não se utiliza da linguagem pop da MPB em nenhum momento. Cheguei a comentar com o Raul Ellwanger no final do show que Chico é dos poucos cantores/compositores que ainda pratica os gêneros de canção brasileira anteriores à bossa-nova: bolero, fox-trot, sambas em todos os andamentos, chorinho, etc. Ao contrário de seus contemporâneos Caetano e Gil e dos representantes da geração seguinte, Djavan e os nordestinos Alceu Valença, Zé Ramalho e Lenine, Chico não se deixa seduzir pelos sons das guitarras e bloops-blips da modernidade. O baixo elétrico no seu espetáculo é discreto, assim como os timbres de teclados de Bia Paes Leme. Já o pianista João Rebouças chega a tocar um bandolim em vários momentos.

Chamou também a atenção que as famosas músicas de “dor-de-cotovelo” ("Trocando em Miúdos" e "Olhos nos Olhos", por exemplo) não estivessem presentes no roteiro. Uma das poucas canções que entram neste rol e que estava no show é a lírica "Todo o Sentimento", parceria com o pianista Cristóvão Bastos. Como bem disse o Juarez, o discurso é outro e não está nos intervalos entre as músicas. Está nas letras das canções. Artista maduro, Chico não atendeu os anseios dos seus detratores, que desejavam um discurso defendendo suas posições políticas para se refestelar nos gritos de "comunista", "vermelho" e outras sandices. Isso tem hora e lugar, como fez ao visitar Lula em Curitiba.

Chico com sua banda: fiel à música
brasileira em suas diversas vertentes
No palco, a história é outra e os "comentários" vem embalados em belas melodias com o auxílio luxuoso de sua banda. Destaque especial para o percussionista Chico Batera, que tocou marimba e vibrafone, instrumentos não usuais em espetáculos de MPB. Vi o show ao lado do empresário musical João Mário Linhares, que confirmou que o roteiro foi totalmente criado e montado pelo compositor. Ao contrário do que queria um colunista da praça, que acha que o artista não deve evoluir, a base do espetáculo foi o disco "Caravanas" com incursões pontuais ao passado ("Homenagem ao Malandro", "Partido Alto", Sabiá", "Geni e o Zeppelin", "Retrato em Branco e Preto" e "Gota D'Água"). Em mais de duas horas e 30 músicas, Chico Buarque calou a boca de seus "inimigos de Facebook" com a cabal demonstração de que continua sendo o maior compositor brasileiro vivo.




Texto: Paulo Moreira
Fotos: Guilherme Ricacheski

domingo, 3 de dezembro de 2023

Festival Zumbi dos Palmares - Parque Marinha do Brasil - Porto Alegre/RS (26/11/2023)

 

Uma despretensiosa saída de casa para um solzinho no fim de tarde levou Leocádia e a mim a uma agradável programação, que ocorria no Parque Marinha do Brasil, praticamente ao final de nossa rua. O dia bonito garantiu que muita gente aproveitasse o parque e a Orla, sempre lotada de pessoas fazendo esporte, caminhando, correndo, passeando e... assistindo apresentações! Foi o nosso caso, que, após uma visita à pista de skate, que sempre gostamos de ver a galera fazendo manobras e aproveitando o espaço público, deparamo-nos com um pequeno festival, o Zumbi dos Palmares, que ocorria do outro lado da av. Edivaldo Pereira Paiva, a antiga Av. Beira-Rio, ao lado da Orla. Celebrando a cultura afro, o festival ornou o ambiente com flores e ganhou de presente um lindo pôr-do-sol do Guaíba no final de tarde.

Ali pudemos parar para dar uma descansada da caminhada e assistir a agradável Tereza, A Banda, uma turma cheia de suingue e brasilidade inspirada, claro, em Jorge Ben e seu clássico samba-rock “Cadê, Tereza”. Com um repertório que ia de Djavan a Rita Lee, passando, obviamente, pelo Babulina, tivemos uma agradável surpresa, principalmente pela qualidade vocal de sua cantora, Vitória Viegas, de voz potente e muito musical. Toda a banda, aliás, de bons músicos, talvez ainda um pouco crus em relação a suas próprias musicalidades, que creio que devem seguir percebendo que têm cada um como crescer ainda mais na liberdade de tocar. Mas isso passa longe de ser uma crítica, afinal, o que vimos, gostamos. Tomara nos deparemos de novo com a Tereza, A Banda por aí.

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O agradável ambiente de fim de tarde no Marina


Um pouquinho de Tereza, a Banda no palco


Este casal que vos fala curtindo o festival



texto;
Daniel Rodrigues
fotos e vídeo: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa

domingo, 25 de junho de 2023

Liniker - Tim Music Rio - Praia de Copacabana - Rio de Janeiro /RJ (28/05/2023)

 



Liniker, poderosa, imponente, inteiramente dona do palco.
Ano passado, quando estive no Tim Music, lembro de ouvir de Criolo, ao receber Liniker no palco, como convidada de sua apresentação, que aquela mulher merecia um show só dela. O carisma, a simpatia, a competência, a qualidade atestaram isso com a verdadeira comoção que a cantora causou no palco em apenas quatro ou cinco músicas dividindo o palco com, Criolo, que era a principal atração daquele dia.

Eis que em 2023 a justiça foi feita! Liniker, um dos maiores nomes da nova geração da música braseira, ganhou seu papel de destaque. Um show todinho dela. E nada mais merecido pois ela está cada vez melhor. Cantando ainda melhor, mais fluidez, espontaneidade, mais presença de palco, um repertório afiado e maduro, ou seja, um baita show.

Tenho que admitir que sou, na verdade, ainda, muito mais um admirador do que um fã e, desta forma, embora a ouça e me impressione com seu talento a cada audição, não conheço todo o repertório, não  sei exatamente o nome da maioria das canções, ainda que já as tenha escutado mais de uma vez e até cante junto o refrão, lá no meio da galera. Mas dentre os pontos altos do show, com todos os méritos e elogios a seu maravilhoso repertório próprio, cujas letras impressionam pela poesia cotidiana carregada emotividade e de uma sensualidade urgente e selvagem, não  há como não destacar a interpretação, a homenagem da artista a Djavan, segundo ela mesmo, uma de suas principais influências, cantando "Oceano". Meus Deus! Aquilo foi fenomenal. De arrepiar. Me arrepio, de novo, agora mesmo, escrevendo. Uma versão poderosa, emocionante, quase uma recriação de uma canção que, por si só, já é uma joia da música brasileira, e com uma interpretação dessa, então, fica ainda mais gigantesca.

Só esse momento já teria válido o show mas ele foi ainda mais que isso é Liniker cada vez confirma mais sua condição de uma das artistas mais significativas dos novos tempos da nossa música. Ave, Liniker!

trecho da música "Baby 95"

Outro dos pontos altos do show: "Baby 95", um dos grandes sucessos da cantora, 
entoado pelo público. Consagração!



Cly Reis 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Stevie Wonder - “Songs In The Key Of Life” (1976)





“Songs In The Key Of Life’é apenas
um aglomerado de pensamentos
no meu subconsciente que meu Criador
decidiu me dar como força,
amor + amor – ódio = energia do amor capaz de fazer 
o possível para
trazer 
à minha consciência 
uma ideia.
Uma ideia para mim
é um pensamento formado
 no subconsciente,
o desconhecido e, 
por vezes,
aquilo que se procura no impossível.” 
Stevie Wonder
texto do encarte original



Chegou a hora de falar de um monumento da música do Século XX e que vai ficar pra sempre na vida de todo mundo: “Songs In The Key Of Life”, de Stevie Wonder. Conheci este disco nas ondas da Continental Superquente 1120, em 1976. A rádio começou a tocar o primeiro de muitos hits do disco, "Isn't She Lovely". E aí me apaixonei. Comprei o disco em 1979 e começou uma longa história de amor e devoção com este disco com D maiúsculo.

Ele começa com um gospel wonderiano de arrepiar chamado "Love's in Need of Love Today". Nela, todos os instrumentos são tocados por ele - especialmente os sintetizadores -, a não ser uma percussão incidental. Os vocais também são todos de Stevie, que se esmera em criar um efeito de coral de igreja batista norte-americana. Um começo de impacto. O Stevie religioso se manifesta com "Have a Talk With God", na qual novamente está no comando de todos os instrumentos. Nela, SW diz: "Quando você achar que a vida está muito difícil/ apenas tenha uma conversa com Deus". Religiosidade sem pregação. "Village Ghetto Land" mostra o lado de preocupação social. Os sintetizadores - uma obsessão wonderiana na época - tão o tom sombrio de um gueto cheio de violência, lixo e descaso das autoridades.

Na sequência, uma das surpresas do disco: uma faixa instrumental chamada "Contusion". Uma espécie de homenagem de Stevie ao guitarrista Jeff Beck, que participou de vários discos dele durante a década de70 e recém havia lançado o também monumental "Blow by Blow". "Contusion" não ficaria mal como bonus track do disco de Beck. Comandada pela guitarra de Michael Sembello (que faria sucesso no começo dos anos 80 com "Maniac", lembram?) a música ganha os vocais de SW e outros vocalistas e se transforma em um fusion soul. Só ele mesmo poderia fazer algo do gênero. Pra fechar o Lado 1, um tributo ao mestre Duke Ellington e ao jazz: "Sir Duke" tem um naipe de sopros que faz lembrar a big bands de Duke e Count Basie, entre outros. O arranjo esperto de SW faz a gente bater o pé numa batida irresistível. Uma delícia!

No formato vinil, o lado 2 começa com Stevie recordando seus tempos de criança em Detroit, já cego em "I Wish". Nela, SW manda ver na bateria, base de todo o arranjo. Tirando o baixo de Ben Watts e os sopros, Stevie comanda o show dizendo "Eu gostaria que aqueles dias pudessem voltar uma dia / Eu gostaria que aqueles dias nunca tivessem desaparecido". Uma evocação da infância difícil, mas de muita luta. Foi lá que ele começou a tocar os primeiros instrumentos. Depois deste momento balançado de memória, vem a minha música preferida por motivos sentimentais: "Knocks Me Off My Feet". Uma balada tendo o piano como base, mas a letra é que dá o tema: "Não quero te incomodar/mas tem alguma sobre o teu amor/ que me faz fraco e me deixa fora de mim", numa tradução nada literal. Linda canção e que me emociona sempre que a ouço. E vendo ouvindo há mais de 30 anos. Isso é o que se pode chamar de uma música que fica contigo. Lembranças sentimentais à parte, vem "Pastime Paradise", cujo riff de sintetizadores imitando cordas virou a base de "Gangsta Paradise" de Coolio na década de 90. Novamente, as preocupações sociais de Stevie Wonder afloram: segregação, exploração, mutilação são os problemas que ele aponta. A solução deve ser integração, consolação, salvação para a paz no mundo. Tudo temperado com coro de Hara Krishnas e de uma igreja de Los Angeles.

É neste disco que Stevie dá vazão à suas indagações sobre o mundo. Contextualizando: os Estados Unidos tinham passado por uma tempestade social com o caso Watergate, a crise do petróleo e o crescimento da violência urbana, especialmente nos guetos. Estes fatos iriam desembocar nos anos 80 com o surgimento do rap e do hip hop, levando adiante a mensagem de Wonder. "Summer Soft" inicia como mais uma balada de SW, mas se transforma na segunda parte, quando o destaque fica com o órgão pilotado pelo grande Ronnie Foster (cuja importância para a música brasileira acontece em 1982, quando produz "Luz", o grande disco de Djavan). "Ordinary Pain" também tem uma ligação com a MPB. Em 84, no seu disco "Fullgás", Marina Lima fez uma versão da primeira parte desta música ("Pé na Tábua") . Mas SW foi engenhoso. Faz uma música de amores perdidos e a divide em duas, apresentando a versão masculina, suave, e a feminina, uma funkeira cantada por Shirley Brewer.

O Lado 3 começa com Aisha, a filha recém nascida de Wonder chorando. Esse choro se transforma na batida irresistível de "Isn't She Lovely", uma das canções mais conhecidas dele. O solo de harmônica desta canção é das melhores performances instrumentais que eu já ouvi. Um mega hit merecido e cantado até hoje nos shows, onde Stevie apresenta Aisha já adulta - e maravilhosa! "Joy Inside My Tears" traz SW outra vez no comando de todos os instrumentos, excetuando os teclados de Greg Phillinganes. Esta é daquelas canções que vão te pegando aos poucos. São necessárias várias audições pra entrar no clima. Mas depois te garanto, tu vais sair na rua cantando o refrão "You, you, you / have made life history / You brought some joy inside my tears".

"Black Man" é a epítome da preocupação de Wonder em integrar todas as raças. Ele traz para o final da música um professor que pergunta aos alunos questões sobre aventureiros, descobridores, políticos que tiveram grande feitos e as crianças respondem a raça de cada um deles. Brancos, negros, índios, todos mencionados e mostrando que somos iguais. Uma bela mensagem de integração numa base funk. Fechando o disco, o lado 4 abre com uma preciosidade: "Ngiculela", onde Wonder canta uma história de amor em uma língua africana, em espanhol e em inglês, sobre uma base instrumental feita somente por ele. Mágico, assim como a próxima faixa. "If It's Magic" é outra surpresa. O arranjo traz Dorothy Ashby na harpa e Wonder no vocal e na harmônica somente no final. Suavidade e beleza num momento de reflexão.

Na sequência, Stevie traz ninguém menos que Herbie Hancock pra pilotar o piano elétrico Fender Rhodes em "As", outra música de amor onde ele declara sua paixão dizendo que "Eu sempre te amarei/ Até que os arco-íris queimem o céu/ Até que os oceanos cubram todas as montanhas/ Até que a Mãe Natureza diga que seu trabalho está pronto". Nada vai impedir Stevie de sentir este amor por uma mulher, pelas crianças e pela humanidade. E se você conseguir ficar parado nesta canção, é porque está morto!!! Fechando o disco original, vem um petardo dançante chamado "Another Star" com as participações de George Benson na guitarra e Bobbi Humphrey na flauta. Stevie compreende o ideário pop e faz a gente cantar o tempo inteiro com um coro de backing vocais entoando apenas "lálálá". Impressionante o comando que ele tem das formas musicais que formam o que se convencionou chamar de "música pop". E o tempo todo em "Songs in The Key of Life” somos surpreendidos pelas sacadas geniais que ele arma, transformando e transmutando as formas do soul, do jazz, do funk, do gospel. Uma hora com um grupo convencional de guitarra, teclados, baixo,bateria e percussão. E em outra fazendo dos sintetizadores uma orquestra de cordas ou um órgão de igreja para passar sua inquietação sobre os destinos do mundo. Tudo isso em 1976!

No disco original ainda vinha um compacto duplo (vocês sabem o que é isso? Um disquinho de vinil com duas músicas de cada lado). A primeira é "Saturn", na qual tirando duas guitarras e um teclado, ele toca todos os instrumentos e faz todas as vozes. "Ebony Eyes" tem sabor de bubblegum pop com a novidade daquele momento, o talk box, que Peter Frampton tinha popularizado em seu disco "Frampton Comes Alive". Destaque também pro solo de sax de Jim Horn. "All Day Sucker" é um funkão que traz três guitarras (!!) fazendo a base para Stevie e os backing vocais de Carolyn Denis. E o compacto termina com ma faixa que se poderia chamar de balada jazzy chamada "Easy Goin' Evening (My Mama 's Call)”. O Fender Rhodes e a harmônica tocam a melodia, enquanto Nathan Watts faz a base para este final sereno de um totem da música de todos os tempos. Se você não conhece, aqui vai um presentinho do tio Paulo Moreira: logo abaixo um link para o disco completo. Desculpem o tamanho do texto, mas um disco desses merece!

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FAIXAS:
1. "Love's in Need of Love Today” - 7:06
2. "Have a Talk with God" (Wonder, Calvin Hardaway) - 2:42
3. "Village Ghetto Land" (Wonder, Gary Byrd) - 3:25
4. "Contusion" - 3:46
5. "Sir Duke" - 3:54
6. "I Wish" - 4:12
7. "Knocks Me Off My Feet" - 3:36
8. "Pastime Paradise" - 3:28
9. "Summer Soft" - 4:14
10. "Ordinary Pain" - 6:23
11. "Saturn" (Michael Sembello, Wonder) – 4:54
12. "Ebony Eyes” – 4:11
13. "Isn't She Lovely?" - 6:34
14. "Joy Inside My Tears" - 6:30
15. "Black Man" (Wonder, Byrd ) - 8:30
16. "Ngiculela” “(Es Una Historia)” “(I Am Singing)" - 3:49
17. "If It's Magic" - 3:12
18. "As" - 7:08
19. "Another Star" - 8:28
20. "All Day Sucker" – 5:06
21. "Easy Goin' Evening (My Mama's Call)" – 3:55

todas de Stevie Wonder, exceto indicadas

(ordem da versão em CD)

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OUÇA: