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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

cotidianas #53 - "Incompatibilidade de Gênios"


Dotô,
jogava o Flamengo, eu queria escutar.
Chegou,
Mudou de estação, começou a cantar.
Tem mais,
Um cisco no olho, ela em vez de assoprar,
Sem dó falou,
sem dó falou, que por ela eu podia cegar.
Se eu dou,
Um pulo, um pulinho, um instantinho no bar,
Bastou,
Durante dez noites me faz jejuar
Levou,
As minhas cuecas pro bruxo rezar.
Coou,
Meu café na calça prá me segurar
Se eu tô
Devendo dinheiro e vem um me cobrar
Dotô,
A peste abre a porta e ainda manda sentar
Depois,
Se eu mudo de emprego que é prá melhorar
Vê só,
Convida a mãe dela prá ir morar lá
Dotô,
Se eu peço feijão ela deixa salgar
Calor,
Mas veste o casaco prá me atazanar
E ontem,
Sonhando comigo mandou eu jogar
No burro,
E deu na cabeça a centena e o milhar
Ai, quero me separar

"Incompatibilidade de gênios"
João Bosco/Aldir Blanc
*************
Ouça:
João Bosco Incompatibilidade de Gênios

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Música da Cabeça - Programa #161


Não só Marias, Clarices, Leonores ou Dagmares que choram a despedida de Aldir Blanc. Hoje, vamos homenagear no programa o autor de inúmeras preciosidades da música brasileira, que também vai ter The Beatles, Kraftwerk, Fernanda Abreu, THE 5.6.7.8´s, Francisco Alves com Mário Reis, Syd Barrett, e mais. Também tem "Cabeça dos Outros" no quadro móvel. Vamos servir uísque com guaraná no MDC hoje, às 21h, sob a luz grená filtrada do cabaré da Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Tão servidos?



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 11 de julho de 2012

“Futebol no País da Música", de Beto Xavier – Ed. Panda Books (2009)


"Uma coisa é certa: no Brasil a música brota em todas as partes, como o futebol. Basta ter uma caixa de fósforos ou uma bola de meia, que dá samba ou dá jogo."
Beto Xavier


Mais um daqueles maravilhosos presentes que ganho dos meus irmãos. Desta vez foi minha irmã, Karine, que conhecendo-me bem, sabendo que minhas duas grandes paixões são futebol e música, tratou de me dar, no último Natal, um livro que une essas duas predileções, juntando-as com uma terceira que é a leitura. Trata-se de “Futebol no País da Música” de Beto Xavier, um gostoso passeio pela história do futebol desde sua chegada ao Brasil com Charles Miller, sempre marcando sua relação com a música mesmo que de maneira mínima ou sutil, como foi o caso do próprio Miller, introdutor do esporte no Brasil, que por sua vez tinha uma esposa pianista. A relação já começou ali.
E, convenhamos, que a idéia do autor de abordar estes dois temas em conjunto não poderia ser mais feliz, ainda mais em se tratando de Brasil onde os dois elementos tem uma ligação tão íntima, tão intrínseca, tão próxima, sobretudo quando se fala em samba. Aí sim, tem tudo a ver! O gingado, a malandragem, o dom, a malícia. Predicados típicos do brasileiro e que ele aplica com a mesma qualidade tanto nos campos quanto nos palcos, com a bola ou com o violão.
E nessas modalidades em comum, música e futebol, alguns nomes não poderiam deixar de ser mencionados e aparecem com o merecido destaque nas páginas do livro deste jornalista gaúcho, como a clássica tabelinha João Bosco e Aldir Blanc com seus nomes sugestivos alusivos a futebol (“Linha de Passe”, “De Frente pro Crime”, “Gol Anulado”); as inúmeras composições de Jorge Ben sobre o tema (“Ponta de Lança Africano”, “Zagueiro”, “Camisa 10 da Gávea”, a famosa “Fio Maravilha” e mais tantas outras); ou ainda a paixão e as freqüentes citações à bola do praticante ‘craque amador’ Chico Buarque, como “minha cabeça rolando no Maracanã” de “Pelas Tabelas”, “tem as pernas tortas e se chama Mané” de “Pivete”, ou ainda em “Deus me deu perna comprida e muita malícia prá correr atrás de bola e fugir da polícia” em “Partido Alto”, e composições belíssimas como aquela que leva, nada mais nada menos, que o nome do esporte mais amado pelos brasileiros: “O Futebol”.
Mas tem mais. Tem muito mais que isso: tem Noel querendo saber qual foi o resultado do futebol, tem a partida de futebol do Skank, tem o amor de Elza e Mané, tem as camisetas de clubes dos Engenheiros do Hawaii, as inúmeras homenagens ao rubro-negro carioca, os temas da Seleção Canarinho, os hinos de Lamartine Babo, o canal 100, o time dos Novos Baianos , Pelé cantando,... Ufff! Tem coisa que não acaba mais.
Muito legal, Karine. Adorei o presente. Livro que a gente lê cantando, ou melhor, lê jogando bola. Ou talvez, joga lendo, ou... Bom, tudo isso um pouco.
O que que eu posso falar desses irmãos? Sempre me brindando com agradáveis surpresas.
Golaço, Kaká! Golaço!



Cly Reis

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Ivan Lins - "Modo Livre" (1974)

 

"Mas elas [as músicas] começaram a ficar mais políticas a partir de 1973, por aí, quando a gente sentiu mesmo a barra pesar com o Médici, e aí elas realmente assumiram o aspecto político. Até por uma questão pessoal mesmo, eu tive problemas, tive que fazer terapia, me revoltei contra a família, contra o governo, contra TV Globo e editoras, gravadoras." 
Ivan Lins

Há motivos para que a grandeza de Ivan Lins não seja ainda totalmente reconhecida ainda hoje. Isso remonta aos tempos da Ditadura Militar no Brasil, período não só crucial para o artista como aquele em que este melhor desenvolveu a sua música. O pivô desse dissabor? A esquerda. Assim como calhou recair sobre as cabeças de gente como Elis Regina e Wilson Simonal julgamentos pesados de que estariam favorecendo os milicos em razão de episódios até hoje mal explicados, com Ivan Lins a patrulha política também não perdoou. Nem a convivência constante com "malditos" como Gonzaguinha e Aldir Blanc, jovens universitários dos tempos da faculdade de Engenharia Química na Federal do Rio de Janeiro, aliviaram-lhe a pecha de alienado ou entreguista quando sua ufanista "Meu Amor É Meu País" conquistara o segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1970 - música que integraria seu disco de estreia, "Agora", de um ano depois. 

Para piorar: a mesma música foi adotada pela Varig, àquela época um orgulho nacional do mesmo patamar que Petrobras, como tema oficial dos voos internacionais da companhia. Mas tudo que é ruim pode piorar. A coisa azedava de vez quando se olhava para a genealogia de Ivan, que era filho de Geraldo Lins. Almirante Geraldo Lins. Se havia ranço, isso fazia com que os pelos dos detratores se ouriçassem.

Acontece que, assim como vaiaram a velada canção de exílio "Sabiá" no FIC de 1968 por esperarem de Chico Buarque, um de seus autores junto com Tom Jobim, uma canção tirada direto do Livro Vermelho de Mao, "Meu Amor É Meu País" também passou longe de ser compreendida. Nacionalista? Sim, mas com certa melancolia, como que captando a maravilha de pertencer àquela nação recentemente tricampeã mundial, mas de uma sociedade profundamente dividida e infeliz. Metáforas como: "Não importa qual seja a dor/ Nem as pedras que eu vou pisar" soaram deveras fracas para demonstrar que aquilo não se tratava de propaganda para o governo linha-dura de Médici e, sim, um ensaio para os inúmeros versos contundentes contra a Ditadura que Ivan musicaria pouco tempo dali. 

O “cancelamento” por parte da esquerda, compreensível dado o contexto sufocante da Ditadura, funcionou. Mesmo com o sucesso de sua de "Madalena" na voz de Elis, parceria com Ronaldo Monteiro de Souza, em 1971, Ivan precisou, naquele momento, recolher-se para se reinventar. "Quem Sou Eu?" perguntava a si mesmo no disco de 1972. O questionamento veio com ação: rompeu o contrato com a gravadora Phillips e assinou com a RCA Victor, brigou com a Globo, onde apresentou por um tempo com Elis o programa Som Livre Exportação, e se desentendeu até em casa. Chutou o (necessário) balde. A auto-resposta veio dois anos depois e, parafraseando outro título de álbum seu, acionando o "Modo Livre". Como uma autoproclamação. Liberto tanto da esquerda quanto da direita, Ivan encontra na rebuscada musicalidade, no elaborado arranjo de Arthur Verocai e nas letras políticas o caminho que era seu. 

Ivan achou, depois do autoexílio existencial, o discurso e a forma de dizê-lo em letra e música, formando aquele que é certamente o mais corajoso e desafiador cancioneiro de toda a MPB a favor da liberdade de seu país, liberdade que havia sido sequestrada há exatamente 10 anos desde o Golpe Militar de 1964. Ninguém na música popular brasileira ousou dizer tantas verdades ao regime e de forma tão incisiva, seja em palavras tristes e desesperadas, seja em figuras de linguagem repletas de duplos sentidos que, às vezes, de tão inteligentemente invocadas, pareciam literais. Talvez por isso passavam ilesas do carimbo da censura. "Nunca tive problemas com a censura, sou um privilegiado. Só lamento que ela ainda exista", disse em entrevista à revista da USP em 1978. Enquanto Chico, o amigo Gonzaguinha, Milton Nascimento e até Odair José enfrentavam dificuldades com o SCDP, Ivan aproveitava a descendência familiar para lançar mais do que um disco, mas um projeto modulado pela liberdade de expressão que duraria anos. 

Parceiro de outras canções e autor de outros gritos contra a Ditadura (como “Pesadelo”, “Minha Missão” e “Aviso aos Navegantes”), Paulo César Pinheiro assina com Ivan o samba de abertura: "Rei do Carnaval". Óbvio que o “rei” a que se referiam não era o momo e que o “carnaval” se revestia de cinismo para denunciar o cenário nada festivo de então. “O rei chegou/ Mas pra nosso desespero/ O rei mandou/ E era a voz do rei guerreiro”. Que começo! Um marco da “virada de chave” na vida e na obra de Ivan. Até mesmo o jeito de cantar é influenciado pelo “projeto Modo Livre”, uma vez que havia ficado pra trás a impostação da voz dos primeiros trabalhos para um canto mais natural e, sendo redundante, livre. Ivan percebera que sua voz afinada e de timbre doce estava menos para Toni Tornado e mais para Caetano Veloso.

Estava dada a mensagem inicial: Ivan não ia se calar. Havia decidido que diria o que precisava. Tanto é que, na sequência, emenda com um clássico do seu repertório, sucesso um ano antes na voz da cantora e compositora Claudya: “Deixa eu Dizer”. Bastante conhecida do público de hoje por conta do sample de Marcelo D2 para a sua “Desabafo”, de 2008, é outra parceria com Ronaldo Monteiro das seis que têm no disco. Quem não conhece os versos: “Deixa, deixa, deixa/ Eu dizer o que penso dessa vida/ Preciso demais desabafar”? Porém, na voz do seu autor, este samba-canção ganha outra potência, pois carregada de teor político. “E você não tem direito/ De calar a minha boca/ Afinal me dói no peito/ Uma dor que não é pouca”. Que coragem de dizer isso em plenos Anos de Chumbo!

Não somente nas letras, mas a própria sonoridade de Ivan se encorpa a partir de “Modo Livre”. Filho musical da bossa-nova, pianista harmônico como seu ídolo Tom, Ivan, experenciado na música desde a adolescência, une com talento único o samba, o jazz e a soul music, sempre com um refinamento próprio dos grandes. Tanto que sua música encontra semelhanças com a da turma do Clube da Esquina, em especial a de Toninho Horta e de seu outro ídolo, Milton. Com essa amplitude de referências Ivan musica a brejeira “Avarandado”, de Caetano, dando cores mais cintilantes à bossa-nova quase silenciosa que João Gilberto fizera no seu disco de um ano antes. 

“Tens no meu sorriso tua agonia.” Com uma sentença forte como esta, Ivan inicia "Tens (Calmaria)", aviso aos militares que eles podem ter “no quarto um cão vigia” e a “valentia”, mas que, resistente, “só na minha morte então terás tua calmaria”. Com o apoio luxuoso da MPB-4 a partir da segunda metade, esta fantasia se torna um samba-canção, cadenciado no ritmo de um bumbo triste. E isso, como diz a música seguinte, “Não tem Perdão”. Clara referência às torturas promovidas pela Ditadura, esta bossa-nova espelha a arte da capa do disco, em que o músico está com o corpo inteiramente submerso na água e só com a cabeça para fora e um olhar de soslaio que parece humilhado. “Não vou deixar/ Nem você nem ninguém/ Me envolver/ Me arrastar e me rasgar/ E espalhar/ Meus retalhos pelo mundo afora”. Quanto esforço de Ronaldo Monteiro para dar duplo sentido e fazer com que esses versos passem a ideia de se tratar apenas de um amor dissolvido.

“Modo Livre” representa ainda outro marco na carreira de Ivan e na história da música popular brasileira moderna, que é o seu encontro com Vitor Martins. Letrista da maioria de suas composições e com quem escreveria diversos clássicos da MPB a partir de então, como “Aos Nossos Filhos” (1978), “Começar de Novo” (1979) e “Novo Tempo” (1980), é deles, no disco, "Abre Alas". E nada melhor que começar uma parceria com um sucesso. Regravada por diversos artistas nacionais e internacionais, entre eles Sarah Vaughan, George Robert, Quarteto em Cy e Tânia Maria, este samba tem na força do refrão (“Abre alas pra minha folia/ Já está chegando a hora”) sua marca. Porém, nem por isso deixa de, assim como o repertório todo, cutucar os repressores: “A vida não era assim, não era assim/ Não corra o risco de ficar alegre/ Pra nunca chorar”.

O ritmo é de bossa-nova, mas a melodia vocal alta contrasta com a harmonia refinada, provocando uma verdadeira dissonância. Também pudera para uma música que se chama “Chega”. Novamente recorrendo a um suposto caso de amor para denunciar os crimes de tortura, Ivan canta versos como: “Chega/ Você não vê que eu estou sofrendo?/ Você não vê que eu já estou sabendo?/ Até onde vai esse seu desejo”. E continua de forma autoavaliativa, que responde tanto aos militares quanto ao Partidão: “Chega, preciso estar com pessoas/ Falar coisas ruins e coisas boas/ Botar meu coração na mesa/ As pessoas tem que gostar de mim/ Como eu sou e não como você quer que eu seja”.

Com lindo arranjo de Verocai, “Espero”, a qual contém na letra o termo que dá título ao disco (“E mergulhando em meu peito/ Um modo livre que foi desfeito/ Com o tempo”) não dá respiro no grito libertário e denunciativo a que o artista se propôs. Canta um tempo que aguarda ansiosamente que chegue, ou seja: que o pesadelo da Ditadura acabe. O fantástico samba-jazz “Essa Maré” (“Eu que queria e só queria/ Ser feliz, feliz um pouco/ E já não posso mais”) tem na flauta do trio Celso, Copinha e Jorginho um alívio para tanto padecer. O que não alivia é a jobiniana “Desejo”, de pura melancolia: ”Quando você/ Por ai me encontrar/ Esqueça do fim, venha/ E faça de mim desejo/ Seus risos, seus ais/ Nas noites, no cais”.

Ivan encerra o álbum como começou: com metáforas. Desta vez, ele pega sambas antigos e os ressignifica, trazendo-os para a realidade dura de então. Caso de “General da Banda”, clássico na voz de Blecaute, em 1949, “A Fonte Secou”, sucesso com Monsueto em 1954, e “Recordar”, esta, gravada por Gilberto Mendes em 1955. Versos como “Eu não sou água/ Pra me tratares assim”, ou “Chegou o general da banda”, aparamentes inocentes, ganham novos sentidos na sua voz. Ivan não precisa nem recorrer às próprias palavras para dizer o que estava implícito. 

Seja por desatenção ou ignorância dos censores, a música fortemente denunciadora de Ivan não se limitou apenas a este disco, mas a uma série irrepreensível produzida ao longo de 6 anos. Não se estranhe que "Chama Acesa", de 1976, "Somos Todos Iguais Nesta Noite", 1977, "Nos Dias De Hoje", 1978, e "A Noite", 1979, apareçam aqui como álbuns fundamentais à medida que, como “Modo Livre” em 2024, completem 50 anos de lançamento. Afinal, são obras marcantes em proposta e qualidade de um dos maiores nomes da música brasileira, reconhecido internacionalmente pela crítica e por gente do calibre de Ella Fitzgerald, George Benson, Ed Motta, Quincy Jones e Barbra Streisend, mesmo alguns que (ainda) lhe torçam o nariz em terras tupiniquins. 

O tempo se passou e Ivan, como não poderia deixar de acontecer, distendeu a corda a partir dos anos 80 de Diretas Já!. A tal "chama", que intitula o disco sucessor de "Modo Livre", havia, se não apagado, naturalmente diminuído. Porém, o que ele fez naquela segunda metade de anos 70, um dos períodos mais sombrios para o Brasil enquanto nação, está gravado na história da música brasileira como um ato guerrilheiro. Foi como se o artista, "entre espadas e rodas de fogo”, pegasse em armas e tomasse para si aquela batalha em nome do povo, de seus irmãos, a qual tivera em "Modo Livre" o primeiro tiro disparado. 

*********
FAIXAS:
1. "Rei do Carnaval" (Ivan Lins, Paulo César Pinheiro) - 2:31
2. "Deixa Eu Dizer" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:12
3. "Avarandado" (Caetano Veloso) - 3:15
4. "Tens (Calmaria)" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:03
5. "Não Tem Perdão" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:45
6. "Abre Alas" (Ivan Lins, Vitor Martins) - 3:12
7. "Chega" (Ivan Lins) - 3:27
8. "Espero" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:23
9. "Essa Maré" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:14
10. "Desejo" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:19
11. Potpourri - 2:32
11a. "General Da Banda" (José Alcides, Sátiro de Melo, Tancredo Silva)
11b. "A Fonte Secou” (Marcléo, Monsueto Menezes, Tufic Lauar)
11c. "Recordar" (Adolfo Macedo, Aldacir Louro, Aluisio Marins)

*********
OUÇA O DISCO:
Ivan Lins - "Modo Livre"


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Música da Cabeça - Programa #195

 

Se a pandemia cortou o barato até de se ouvir os fogos de fim de ano, não tem outra: o negócio é ouvir o MDC desta semana. No último programa de 2020, vai ter som muito melhor do que estouro de bomba. Saca só: tem Deee-Lite, Criolo, Tonho Crocco, Beach Boys, Philip Glass, Velha Guarda Da Portela e mais. No "Palavra, Lê" a gente ainda relembra Aldir Blanc, que partiu neste ano sem fogos. Mas também de muito MDC, como o de hoje, às 21h, na espoucante Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. #Feliz2021 e, antes que me esqueça: #ForaBolsonaro


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 25 de junho de 2015

cotidianas #378 - Escândalos



Ilustração de Chico Caruso
para a crônica
no livro "Um Cara Bacana na 19ª"
Dois caras bem vestidos conversavam num restaurante de luxo. Um tem uma empreiteira. O outro é advogado ilustre: defende traficantes e donos de escolas particulares.
- Tô chateado...
- Problemas no negócio?
- Não, não. Fiz prótese de silicone e nunca mais...
- Não tava falndo do Braúlio, pô!
- Ih, desculpe. Cê tá vendo o estado da minha cabeça? Os negócios vão bem. Esse é que é meu grande problema.
- Como assim?
- Não tô metido em nenhum escândalo, tudo limpeza.
- Ora, meus parabéns! Só lamento não ter a oportunidade de defendê-lo.
- Pois é. Mas acontece que meus colegas de profissão estão pê da vida com isso. Me olham com ar de superioridade, como se eu fosse amador. As crianças sofrem pressões na escola. Os amiguinhos apontam pra elas cochichando pelos cantos: "São filhos do honesto". Minha mulher me deu um ultimato: ou meu nome aparece no Caso Sivam ou devo considerar tudo acabado entre nós.
- Tsk, é uma sensação horrível, né? Já defendi um sem-terra e sei por experiência própria. No Brasil, não há nada mais solitário do que ter razão. Graças a Deus, agora represento as escolas particulares e  vamos aumentar as mensalidades de maneira exorbitante,fora da lei, uma vergonha.
- Você é que é feliz!

**************
da crônica "Escândalos"
de Aldir Blanc

domingo, 13 de abril de 2014

cotidianas #285 - Linha de Passe



Toca de tatu, lingüiça e paio e boi zebu
Rabada com angu, rabo-de-saia
Naco de peru, lombo de porco com tutu
E bolo de fubá, barriga d'água
Há um diz que tem e no balaio tem também
Um som bordão bordando o som, dedão, violação
Diz um diz que viu e no balaio viu também
Um pega lá no toma-lá-dá-cá, do samba
Um caldo de feijão, um vatapá, e coração
Boca de siri, um namorado e um mexilhão
Água de benzê, linha de passe e chimarrão
Babaluaê, rabo de arraia e confusão...
Eh, yeah, yeah . . .
(Valeu, valeu, Dirceu do seu gado deu...)
Cana e cafuné, fandango e cassulê
Sereno e pé no chão, bala, camdomblé
E o meu café, cadê? Não tem, vai pão com pão
Já era Tirolesa, o Garrincha, a Galeria
A Mayrink Veiga, o Vai-da-Valsa, e hoje em dia
Rola a bola, é sola, esfola, cola, é pau a pau
E lá vem Portela que nem Marquês de Pombal
Mal, isso assim vai mal, mas viva o carnaval
Lights e sarongs, bondes, louras, King-Kongs
Meu pirão primeiro é muita marmelada
Puxa saco, cata-resto, pato, jogo-de-cabresto
E a pedalada
Quebra outro nariz, na cara do juiz
Aí, e há quem faça uma cachorrada
E fique na banheira, ou jogue pra torcida
Feliz da vida
Toca de tatu, lingüiça e paio e boi zebu
Rabada com angu, rabo-de-saia
Naco de peru, lombo de porco com tutu
E bolo de fubá, barriga d'água
Há um diz que tem e no balaio tem também
Um som bordão bordando o som, dedão, violação
Diz um diz que viu e no balaio viu também
Um pega lá no toma-lá-dá-cá do samba
Do samba, do samba, do samba, do samba
***********************************************
"Linha de Passe"
(letra: Aldir Blanc, música: João Bosco)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Lucas Brum Big Band - Espaço 373 - Porto Alegre/RS (10/02/2022)

 

Paulo Moreira fazendo as vezes de mestre-de-cerimônias 
para a estreia da Lucas Brum Big Band
No último dia 10, fui ao Espaço 373, em Porto Alegre, gerenciado pela Silvana Beduschi e pelo Sepeh de los Santos, ver a estreia da Lucas Brum Big Band, um grupo de 16 músicos - quatro trompetes, três trombones, cinco saxofones e guitarra, piano, baixo e bateria, a maioria da novíssima geração - que encarou a bronca de fazer música em Porto Alegre numa formação dessas. A ideia veio do guitarrista Lucas Brum, ele próprio um guitarrista de mão cheia. Já tivemos, uns anos atrás, a The Brothers Orchestra, uma big band que se apresentava todas as segundas-feiras no InSano Pub, na Lima e Silva, com quem eu atuava apresentando a banda e fazendo rápidos comentários sobre o repertório. Ficamos por lá por mais de cinco anos mas a dificuldade econômica de manter uma formação dessas acabou por encerrar as atividades. Isso é tudo o que eu NÃO desejo à LBBB. 

Pela estreia, o negócio é muito sério, tanto musical quanto profissionalmente. Com um repertório diversificado que teve "Straight Ahead", da orquestra de Count Basie, passando por "Bala com Bala", de João Bosco e Aldir Blanc, homenageando os tenoristas Joe Henderson com "Inner Urge" e John Coltrane com "Central Park West" e encerrando com uma explosiva "Caravan", de Duke Ellington, na qual o baterista Bruno Braga mostrou porque é um dos grandes talentos de seu instrumento na cidade.

Outros destaques foram o sax tenor Ronaldo Pereira. o sax alto e flautista Cleomenes Jr., o líder na guitarra e, para mim, uma surpresa: o trompetista Bruno Silva, que não tinha visto tocar anteriormente e que me deixou a melhor das impressões, mas a banda inteira é de altíssima qualidade  Quem não viu, terá duas oportunidades em 8 e 9 de abril. no Espaço 373 (Rua Comendador Coruja, 373). Parabéns aos guris pela maravilhosa música e para o Sepé e a Silvana por terem a ousadia de abrir suas portas em pleno verão para uma big band em sua estreia.





texto: Paulo Moreira
fotos: Nilton Santolin

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Aquisições porto-alegrenses

Quem me acompanha nas redes sociais vê que vira e mexe estou escutando alguma coisa “na vitrola”. Embora tenha uma boa coleção, sabe como é, né? Colecionador de discos está sempre de olho em outros para comprar. Não é comum eu ir aos sebos de Porto Alegre (ainda mais agora na pandemia), até por causa dos horários comerciais, durante os quais geralmente estou ocupado, e porque, afinal, acaba sendo mais um gasto. Mas quando surgem boas oportunidades, é impossível resistir. Pois dias atrás, vi uma postagem do antenado e generoso amigo Juarez Fonseca sobre um amigo seu que estaria, em suas palavras, “se desfazendo de sua coleção de discos de vinil. Tem Chico, Caetano, Gil, Milton, Elis, Mercedes Sosa, Jaime Roos, Jimi Hendrix, muita coisa de jazz e raridades da música gaúcha. Uma mina de ouro.” E Juarez arremata o post alertando: “todas as capas estão reproduzidas no Facebook.”

Não deu outra: com tamanha propaganda, fui conferir. O amigo era Raul Boeira, músico, compositor e violonista de Porto Alegre com mais de 50 anos de estrada. E realmente: centenas de ótimos títulos em LPs e todos visivelmente bem cuidados por Raul, que me confessou posteriormente em troca de mensagens fazer cerca de 10 anos que não mais tinha toca-discos e que não havia “razão para esse som todo ficar aprisionado aqui no armário”. Não demorou muito para eu saber que outros dois colecionadores como eu, os também amigos Marcello Campos e Lucio Brancato, já estavam empenhados em alforriar tamanha qualidade musical. Diante do desprendimento e simpatia de Raul – e, claro, do meu desejo – adquiri sete unidades da encarcerada discoteca, os quais descrevo aqui brevemente um a um. Alguns já foram parar direto na vitrola:


“Do Romance ao Galope Nordestino”,
 Quinteto Armorial (1974)

Um dos fenômenos mais originais da história da moderna música brasileira, o Quinteto Armorial representa mais do que música, mas um conceito de brasilidade. Com a benção de Ariano Suassuna, líder intelectual do movimento Armorial, que buscava criar bases brasileiras para todas as formas de arte - entra as quais, a música - a banda que lançou o hoje famoso Antonio Nóbrega, em seu primeiro disco, traz sua sonoridade sui generis que alia clássico medieval e barroco aos sons formativos do Nordeste. E o que é essa capa de Gilvan Samico?! Uma obra-prima por dentro e por fora.



“Nice Guys”,
Art Ensemble of Chicago (1979)
A banda de Lester Bowie, Malachi Favors Maghostut, Joseph Jarman, Roscoe Mitchell e Don Moye num de seus mais celebrados discos. Os inventores do pós-jazz passeiam pelo bop, avant garde, blues, fusion, reggae e art music em sua musicalidade intergaláctica. “É possivelmente o mais representativo álbum da banda, uma vitrine variada que ilustra muito do que eles fazem de melhor”. Isso não sou eu quem digo, mas a Down Beat. Destaque para “Já”, "Folkus" e "Dreaming of the Master" . E a arte caprichada da capa e contra! Impecável como qualquer produto ECM. 



“Lilás”,
Djavan (1984)
Já totalmente inserido no mercado norte-americano, Djavan lançava em grande estilo, com produção gringa caprichada, um de seus discos de maior sucesso lá e aqui no Brasil. Embora tenha recebido certas críticas pelo excesso de elementos eletrônicos à época, o disco, sexto do artista, praticamente repete o antecessor “Luz”, pois é daqueles álbuns de carreira que parecem coletânea: a faixa-título, “Íris”, “Esquinas” e “Infinito” integram o repertório, por exemplo. Suingue, complexidade harmônica, arranjos ricos, vocais grandiosos. Um luxo.




“Jogos de Dança”,
Edu Lobo (1983)
Imagino que quando convidaram Edu Lobo - que já havia coescrito com Chico Buarque para o Balé Guaíra o clássico "O Grande Circo Místico" dois anos antes - uma nova trilha para dança somente instrumental ele, afeito muito mais à música do que ao canto, vibrou com a oportunidade. O resultado é um dos melhores discos da discografia do autor de "Disparada", que antecipa em pelo menos 10 anos o conceito de trilhas que o Grupo Corpo adotaria: artistas nobres da MPB compondo para balé trabalhos especiais e que vão além dos palcos: são música para se ouvir dançando ou parado.




“Tempo Presente”,
 Edu Lobo (1880)
Outro lindo disco de Edu Lobo que consagra sua década mais produtiva, os anos 70. Junto com “Missa Breve”, “Limite das Águas” e “Camaleão”, forma a quadra de álbuns em que o legítimo filho musical de Tom Jobim passeia pelos variados estilos, da bossa nova ao baião, do jazz ao clássico. Parcerias principalmente com Cacaso e Joyce, primor de arranjos, produção caprichada de Sérgio de Carvalho. Edu, assim, em plena fase criativa é ouro em pó.





“Bandalhismo”,
João Bosco (1980)
Dos discos de Boscão da fase com Aldir Blanc que não tinha. Além da arte sempre magistral de Elifas Andreato, que aproveita cortes e dobraduras diferentes, “Bandalhismo” é mais um documento da resistência à ditadura militar e a opressão social que o Brasil vivia como os vários que a dupla compôs nessa época. Abre com a sarcástica “Profissionalismo é Isso Aí”, mas também guarda joias como “Siri Recheado e o Cacete” e “Sai Azar”, que também são deste repertório.





“Atlantis”,
Wayne Shorter (1985)
Único da leva de compras que não tenho conhecimento de como é. Disco dos anos 80 de um dos imortais do jazz, que nunca decepciona. O que se sabe de antemão é que traz ritmos brasileiros e funk em várias faixas em arranjos muito bem elaborados. São 11 músicos em estúdio contando com Shorter revezando numa instrumentação entre o elétrico e o acústico. Boas expectativas.







**********

+ 2

Além dos LPs que adquiri, generosamente ganhei do próprio Raul Boeira em CD dois de seus discos: “Raul Boeira: Volume 1”, de 2009, e “Cada Qual com Seu Espanto”, dele e de Márcia Barbosa, de 2016. Assim como o Shorter, ainda não tive tempo de soltá-los na vitrola, mas não demorará.



Daniel Rodrigues

domingo, 14 de agosto de 2016

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL DIA DOS PAIS - Elis Regina - "Elis" (1980)







COMUNHÃO



“A vida é boa te digo eu/
A mãe ensina que ela é sábia/
O mal não faço, eu quero o bem/
A nossa casa reflete comunhão.”
da música “Comunhão”,
de Fernando Brant e Milton Nascimento,
criada para o musical Missa de Quilombo, 1982



Meu pai e eu éramos muito ligados. Nem todos os filhos sentem-se assim ligados aos seus pais. Muitos de nós passamos parte da vida lamentando o berço familiar, a descendência e tudo o que existe dentro de uma família.

Comigo não foi assim.

Cresci até os 4 anos com um pai muito feliz, animado e parceiro de aventuras. Cresci no Centro da cidade de Porto Alegre após nascer no Bom Fim. Nas imediações do Centro eu e ele íamos ao parquinho que ficava no Largo da Epatur. Eu viajava nos discos voadores, andava de charrete e montava nos cavalinhos do carrossel. Ele ficava me cuidando e fotografando ao mesmo tempo.

Meu pai curtia revelar as imagens e organizar nos álbuns, que naquele tempo eram feitas em câmera com negativo quadrado e a imagem final dependia das condições técnicas do fotógrafo – ele tinha talento! Todas as fotos aprovadas iam para um álbum-pasta que por anos nos acompanhou. Dono de um gênio forte, por vezes temperamental, sempre se percebia amor nele e alegria nestes momentos.

Assim cresci: parte saindo rumo aos parques, praças e ruas do bairro e por outras tive meus momentos de estar em casa. Lá brincava comigo de gravar a voz. Eu adorava. Vez em quando cantava ou contava do meu dia na escola.

Faz um tempo que recebi uma “cutucada”, como se diz no dialeto estranho das redes sociais, dos editores do ClyBlog para escrever sobre uma das maiores cantoras brasileiras, Elis Regina. O que isso tem a ver comigo e com a minha relação paterna? Tudo! Mas confesso que o convite me deixou atordoada, sem saber por onde começar. Elis está em muitos momentos da minha vida representando transformação.

Eu e Marcelo na abertura da exposição
A Aventura de Criar - Galeiria Duque, maio 2015
Comecei escutando Elis Regina em casa. Meu pai foi seu fã até o dia em que recebeu, junto com milhões de brasileiros, a notícia da sua morte. No auge da carreira artística, quando Elis já havia se consagrado num grande nome da música, uma estrela de maior grandeza. Meu pai não a perdoou por sair de cena tão cedo. Neste período, em plena década de 80, escutávamos sem parar os LPs da Elis em nossa vitrola CCE, que era muito bem equipada com duas caixas de som grandes para uma família de classe média. 

Depois de tantas audições no lar, eu já sabia as letras, os tempos e as paradas que a cantora fazia. Então, apresentava a dublagem nas reuniões de final de ano e nos aniversários à família. E me achava a segunda melhor cantora daquele momento por conta dessa total sintonia que tínhamos. Eu tinha de 7 para 8 anos de idade.

Nunca me rendi somente à voz, mas a toda atmosfera como intérprete que Elis criava para cada canção. A emoção, a quebra das palavras, o respirar das frases, a cadência de cada arranjo tornava cada faixa do LP única. Realmente algumas canções são “inescutáveis” se a intérprete não for Elis Regina.

O LP que mais tocou em mim é este, de 1980, que tem as faixas inesquecíveis: “Rebento” de Gilberto Gil; “Nova Estação“ de Luiz Guedes e Thomas Roth; “O Medo de Amar é o medo de ser livre” de Beto Guedes e Fernando Brant; “Aprendendo a jogar” e “Só Deus é quem sabe”, ambas de Guilherme Arantes; além da arrebatadora “Trem Azul”, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, hino em minha vida. Quem escutava Elis recebia a melhor produção musical do momento.

Acervo de Elis da CCMQ
Jornal Zero Hora - 22/09/2005
Fui compreender seu universo e sua enorme contribuição a jovens compositores anos mais tarde, quando, adolescente, lendo matérias, vendo artigos e escutando amigos me dei conta do movimento, da visibilidade e da força que ela deu a uma galera referência até hoje na música brasileira.

O tempo passou e meu pai acabou perdoando a morte de Elis Regina, voltou a escutar sua voz e vez em quando ele comentava: “Mas ela canta como ninguém mais poderia interpretar essa canção!”, e então se recolhia ao silêncio respeitoso de escutá-la.

Em 2005, tive a alegria de ser convidada por Sergio Napp, então Diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, a criar o Acervo Elis Regina da CCMQ. Nesta época, mergulhei em todas as informações que recolhemos de acervos doados e de livros editados sobre ela. Lembro-me do impacto que tive com a análise do mapa astral de Elis, por um dos maiores astrólogos do país, Antônio Carlos “Bola” Harres, que anos mais tarde foi meu cunhado e que apresenta a configuração astral de Elis de uma forma que compreendemos os conflitos, o fluxo das emoções e as nuances talentosas da cantora.

Elis era uma mulher com força impulsiva e, ao mesmo tempo, com alta sensibilidade. Opostos atuando sempre ao mesmo tempo. Essa análise me ajudou a compor com os arquitetos Carlos e Lizete Jardim as cores, a atmosfera e a forma de apresentar os conteúdos do Acervo. Nesta época também conheci mais profundamente o repertório de Elis e a sua estreita relação com compositores que embalaram minha mesma infância, tais como: Milton Nascimento/Fernando Brant, Gil, Beto Guedes, Guilherme Arantes, Ronaldo Bastos, Lô Borges, João Bosco/Aldir Blanc, Ivan Lins, entre outros.

Durante todo o tempo de pesquisa sobre o Acervo meu pai me incentivou com orgulho de ver aquela escuta de anos atrás se transformar em um espaço físico homenageando a intérprete e a cantora, que mesmo sendo um dos maiores nomes da música brasileira, se achava brega perto de outras cantoras da sua época, a exemplo de Rita Lee.

Meses após termos aberto o Acervo Eis Regina, fui apresentada por Luiz Carlos Prestes Filho em Porto Alegre a Fernando Brant, compositor e letrista da mais alta qualidade musical e humana. Ele ficou muito feliz com o Acervo, que conheceu numa vista a CCMQ quando estava na fase de implementação da sede da União Brasileira de Compositores na capital gaúcha.  Ficamos amigos.

Eu e Fernando Brant na inauguração do UBC
em Porto Alegre em 2006
Em 2011, numa visita a Belo Horizonte, cidade onde Fernando morava, fomos ao show de Milton Nascimento que abria o novo espaço da cidade. Fazia poucos meses que Fernando havia participado do projeto Coleção Mario Quintana para a Infância, volumes IV e V, realizado por minha empresa Aprata. Todo faceiro com a chegada da Coleção (que levei pessoalmente a ele em agradecimento por tanta generosidade), ele me recebeu com esse convite irrecusável: “Vamos assistir o Bituca, Leo? Ele fará um show no teatro recém-inaugurado aqui após reforma pelo SESC e vai homenagear a Elis. Você tem que estar lá porque vais representar Porto Alegre nesse momento. Vamos?” Como é que eu diria não?

Fomos então direto para o teatro e lá chorei por 90 minutos do show, segurando a mão do Fernando, que emocionado com a audição de suas composições, enchia os olhos de água e dava longos suspiros sorrindo. Um dos maiores presentes que recebi da vida: reunir neste dia os compositores e a carga musical que tenho em minha bagagem relacionada a Elis.

Depois desse dia, só falei com ele por telefone e e-mail. Foi a nossa despedida amiga em grande estilo envolvidos pela atmosfera musical que ele construiu de tanta beleza e com a homenagem à mulher que, segundo ele, foi a maior incentivadora da carreira de todo aquele Clube da Esquina e os outros tantos desgarrados que até então buscavam uma oportunidade para persistir na música.

Quando voltei a Porto Alegre, contei a meus pais e os dois se emocionaram muito com essa vivência em Beagá. Tentei escrever sobre todos estes momentos, mas não conseguia elencar os fatos, porque a emoção me invadia e desorganizava a escrita. Comecei a escrever o texto com meu pai e Fernando ainda vivos. Porém foi somente com a partida de ambos, Fernando em junho de 2015, e meu pai, em junho de 2016, que me senti serena para contar essa história de total sintonia entre nós.

Obrigado meu pai por não proibir a escuta, mesmo doendo demais a ausência de Elis.

Obrigado Fernando por essa amizade inesquecível.

Obrigado Elis por esse sentimento de comunhão, por trazer até todos nós em forma de Arte - essa vibração prateada, brilhante e sonora, que foi sua passagem por esse planeta e que tanto nos liga amorosamente.

Saudade de tudo que vivemos e hoje é memória viva em mim!

Gratidão, Amor e Luz para vocês.


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Elis Regina - "Aprendendo a Jogar" - programa Fantástico (1980)

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FAIXAS:
1. "Sai Dessa" (Ana Terra/Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth/Luiz Guedes)
4. "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre" (Beto Guedes/Fernando Brant)
5. "Aprendendo a Jogar" (Guilherme Arantes)
6. "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô Borges/Ronaldo Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo Borges/Márcio Borges)
9. "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel /Paulo Garfunkel)

faixas bônus do relançamento em CD 
1. "Tiro ao Álvaro" (Adoniran Barbosa / Osvaldo Molles) – Com Adoniran Barbosa
2. "Se Eu Quiser Falar com Deus" (Gilberto Gil)
3. "O que Foi Feito Devera (de Vera)" (Milton Nascimento/Fernando Brant/Márcio Borges) – Com Milton Nascimento
4. "Outro Cais" (Marilton Borges/Duca Leal) – Com Os Borges

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OUÇA O DISCO