Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por data para a consulta john lennon. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta john lennon. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de junho de 2021

“Sergio Mendes no Tom da Alegria”, de John Scheinfield

 

E dizer que eu virava a cara para Sergio Mendes... Visão totalmente equivocada a minha, como se, para ser músico, precisasse necessariamente ser um prolífico compositor. De fato, esso não é o caso de Mendes, pianista que erigiu sua carreira em grande parte sobre o repertório de outros autores elaborando engenhosos arranjos que unem sofisticação harmônica à satisfação pop. Foi isso que ele fez com maestria em temas como “Mais Que Nada”, do Jorge Ben, “Água de Beber”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e "Fool on the Hill", dos Beatles, por exemplo, para citar três clássicos de seu cancioneiro. Mas parecia-me insuficiente, pois dava-me a impressão de que tanto sua obra era menor por causa disso quanto seu êxito se dava justamente pelo critério muitas vezes simplista do público norte-americano. Superados meus preconceitos e já admirador da obra de Mendes há algum tempo, assisti com muito prazer a “Sergio Mendes no Tom da Alegria”, documentário dirigido e roteirizado por John Scheinfield, premiado documentarista norte-americano afeito aos registros audiovisuais de músicos como John Coltrane, Herb Albert, John Lennon e Bing Crosby.

A produção gringa, no caso de Mendes, se justifica plenamente. Desde que o Regime Militar o afugentou do Brasil dias após o Golpe de 1964, o músico, que já tinha contatos e nutria certo respeito na terra de Charlie Parker já da época em que a bossa nova estourara por lá no início dos anos 60 (havia gravado, em 1963, por exemplo, um disco em parceria com Cannonball Adderley), decide fazer as malas e seguir carreira por lá. E dá muito certo. Depois de alguma batalha inicial na nova terra, sua inteligência musical o condicionou a criar a Brasil 66, banda que contava com músicos brazucas e ianques e com a qual gravou nove discos entre 1966 e 1971 de estrondoso sucesso. Com o grupo, Mendes juntava a brasilidade do samba e a levada do jazz e da soul, criando um híbrido até então inédito que virou cult. Os gringos, desde então, o reverenciam - até mais do que os brasileiros. Nessa lista de admiradores, estão Quincy Jones, Herb Albert, Lani Hall, John Legend e Black Eyed Peas.

Mendes e sua Brasil 66:a música
brasileira ganha os EUA
A abordagem do documentário se dá pelo olhar estrangeiro, mas mantém o tempo todo ligação com o Brasil. Isso porque, mesmo tendo se integrado tão bem ao mercado norte-americano, sua música e referências sempre foram essencialmente brasileiras e latinas. Aliás, isso é o que lhe diferenciou num momento pós-bossa nova em meados dos anos 60, quando mundo ansiava por uma continuidade ao caminho aberto por Tom, João Gilberto e outros. Como dizem Nelson Motta e Boni em depoimento, o sentimento com relação à Mendes à época em que ele começara a fazer sucesso nos Estados Unidos era o de que ele havia “vencido”, ou seja: um brasileiro que conseguira achar a química certa para levar a cultura do Brasil mundo afora sem deturpá-la, e sim, adaptando-a. Entre os feitos de Mendes está o de praticamente ter sido o primeiro artista do mítico selo A&M Records, então iniciante e pelo qual o próprio Tom gravaria anos mais tarde discos históricos da segunda fase da bossa nova.

No que toca ao filme, essa visão de fora tem suas vantagens e desfavorecimentos. O que não é tão bom é o tom meio didático, principalmente do início da fita, quando é necessário explicar “o que é bossa nova” ou “o que foi o Golpe Militar”, o que, ao invés de ampliar o entendimento, resultam numa generalização um tanto superficial. Não que um documentário não deva explicar, mas é possível partir de um ponto menos simplório. Porém, nada que comprometa, até porque as virtudes do longa compensam, como a disponibilidade de um rico material audiovisual e fotográfico – o apreço documental que norte-americanos têm muito mais em relação a várias outras nações, a começar pela brasileira – e, principalmente, o acesso a entrevistados. Não que seja impossível a uma equipe brasileira chegar a fontes estrangeiras – vejam-se os docs “Milton Nascimento: Intimidade e Poesia” e "O Dia que durou 21 Anos", exitosos nesta ponte EUA-Brasil – mas, convenhamos: quem mais conseguiria com facilidade que alguém como o ator Harrison Ford (responsável, no início da carreira, pela construção do estúdio de Mendes em Los Angeles) desse depoimento que não fosse conterrâneo seu? Fora isso, é mais fácil agregar à obra fontes do Brasil estando nos Estados Unidos do que o contrário.

“Sergio Mendes no Tom da Alegria” - trailer

Essa fronteira entre EUA e Brasil que o filme se põe ao documentar um artista com um pé em cada extremo da América também traz coisas curiosas. A visão dos norte-americanos é a principal delas. Muito bonito de ver, por exemplo, a reverência de Quince e Will.I.Am ao colega brasileiro. Este último, inclusive, faz um comentário interessante próximo ao fim do longa, quando, falando da longevidade do trabalho de seu ídolo, diz que, durante sua trajetória, vários presidentes entraram e saíram e ele continua ativo. Will.I.Am´, porém, está referindo-se a presidentes dos Estados Unidos e não do Brasil, raciocínio que, obviamente, só poderia vir de um norte-americano.

Numa narrativa um tanto comum, mas eficiente, “Sergio Mendes no Tom da Alegria” faz uma louvação aos então 80 anos que o artista completara em 2020, pontuando momentos em que este, um apaixonado pela música, reinventou-se. Invariavelmente com um sorriso cativante no rosto, é o próprio Mendes que conta sobre a adaptação inicial a outro país e mercado, a composição do megassucesso AOR “Never Gonna Let You Go”, cantada por Joe Pizzulo e Leza Miller nos anos 80 (sim, é de Mendes!), o renascimento com o disco “Brasileiro”, nos anos 90, a sua redescoberta pela nova geração dos últimos 20 anos para cá e a indicação ao Oscar de Melhor Trilha Sonora por "Rio". Tudo feito com um homenageado em vida, participativo e lúcido, outro bom exemplo que podíamos copiar mais dos norte-americanos.

Sergio Mendes e seu sorriso contagiante: 80 anos de amor pela música


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ao mestre, com carinho

Gil e a imagem de um de seus mestres
homenageados: Bob Marley
É comum que músicos reverenciem seus mestres. Intérpretes e mesmo os compositores gostam de, invariavelmente, recuperar temas ou referências daqueles em quem se inspiram, muitas vezes intercalando-os com suas próprias autorias seja em discos ou em shows. Não raro veem-se, inclusive, artistas consagrados, a certa altura da carreira, gravarem aquele disco só de versões dos outros. No rock, isso é bem recorrente: John Lennon, Siouxsie & The Banshees, R.E.M., Rage Against the Machine, Titãs e Ira! são casos típicos para ficar em alguns exemplos dos inúmeros possíveis.

Mas um artista autoral abrir mão de composições suas para se dedicar apenas ao repertório do seu mestre, aí já é mais raro. No entanto, fomos atrás e listamos alguns trabalhos assim: aprendizes homenageando seus mestres. Não valem aqui discos de intérpretes, por melhor que sejam as obras, como Gal Costa em seu "Gal Canta Caymmi" ou Sarah Vaughn com seu "Plays Beatles", por exemplo. Álbuns memoráveis estes, mas de cantoras fazendo aquilo que melhor sabem, que é interpretar. Também não entram aquelas “homenagens” ou shows especiais, mesmo que de apenas um artista para outro. Não caberia, por exemplo, “Loopicinio” (2005), em que o músico Thedy Correa faz um exercício de modernização ao samba-canção “dor de cotovelo” de Lupicinio Rodrigues. Válido, mas sabe-se que Lupi não é bem O “mestre” para quem formatou sua carreira no pop rock beatle com como Thedy.

Aqui, a proposta é outra e até mais desafiadora a quem está acostumado a escrever as próprias músicas. O mergulho na obra de quem o inspirou é, desta forma, duplamente instigante: manter a autoexigência do que costuma produzir e, no mesmo passo, fazer jus à obra daquele que reverencia. Chega a ser um exercício de desprendimento. Tanto é diferente este tipo de projeto, que não é extensa a listagem, não. Pelo menos, daquilo que encontramos. Se os leitores identificarem novos trabalhos semelhantes, o espaço está aberto para aumentarmos nossa lista de álbuns dos seguidores aos seus mestres.


Eric Clapton
– “Me and Mr. Johnson” (2004) 

Para Robert Johnson

Vários roqueiros já gravaram Robert Johnson, de Rolling Stones a Red Hot Chili Peppers. Mas quem pode ser considerado um filho artístico do pioneiro do blues do Mississipi é Clapton. Já resenhado nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, este poderoso disco do mais seminal blues rock é o encontro do céu com o inferno: Deus, como Clapton é apelidado, e o Diabo, com quem dizem Johnson ter feito um pacto para que tivesse tanto talento. Se foi ação do bem ou do mal, o fato é que funcionou tanto para ele quanto para seu maior aprendiz. Só podia dar num disco essencial.





FAIXAS:
01. "When You Got a Good Friend" 
02. "Little Queen of Spades"  
03. "They're Red Hot"  
04. "Me and the Devil Blues" 
05. "Traveling Riverside Blues" 
06. "Last Fair Deal Gone Down" 
07. "Stop Breakin' Down Blues" 
08. "Milkcow's Calf Blues" 
09. "Kind Hearted Woman Blues" 
10. "Come on in My Kitchen" 
11. "If I Had Possession Over Judgement Day" 
12. "Love in Vain" 
13. "32-20 Blues" 
14. "Hell Hound on My Trail"  


Velha Guarda da Portela
– “Homenagem a Paulo da Portela” (1988)
Para Paulo da Portela

Celeiro de alguns dos melhores compositores do samba brasileiro, como Alberto Lonato, Candeia, Manaceia, Mijinha e Chico Santana, a Velha Guarda da Portela reuniu-se para homenagear aquele que considera o maior deles: Paulo da Portela. E o faz com time completo: Monarco, Casquinha, Argemiro, Jair do Cavaquinho e as pastoras originais. Se o padrinho do conjunto é merecidamente Paulinho da Viola, é o outro Paulo o que ocupa o lugar de principal referência de compositor para a turma da escola a qual levou no próprio nome com autoridade.




FAIXAS:
01. Linda Guanabara
02. Homenagem ao Morro Azul / Para que Havemos Mentir
03. Teste ao Samba
04. Conselho
05. Deus te Ouça
06. O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento
07. Quem Espera Sempre Alcança
08. Linda Borboleta
09. Cocorocó
10. Este Mundo é uma Roleta
11. Ópio 
12. Cantar para Não Chorar


Gilberto Gil
 – “Kaya N'Gan Daya” (2002)
Para Bob Marley

O múltiplo Gil, mesmo na época da radicalização do Tropicalismo, nunca escondeu que seus mestres eram Luiz Gonzaga, João Gilberto e Bob Marley. Ao primeiro ele dedicou o conceito e regravações na trilha de “Eu Tu Eles” e em “Fé na Festa”, mas aos outros dois rendeu discos completos com o que mais lhe fazia sentido em suas obras. Para o Rei do Reggae criou um disco de ótimos arranjos, juntando letras no inglês original ou versões muito bem traduzidas, como a faixa-título e “Não Chore Mais” (“No Woman, no Cry”), tal como ele havia pioneiramente versado em “Realce”, de 1979. A sonoridade, aliás, não fica somente no reggae, mas também dialoga muitas vezes, justamente, com o baião de Gonzagão. 




FAIXAS:
01. "Buffalo Soldier"  
02. "One Drop" 
03. "Waiting in Vain" 
04. "Table Tennis Table" 
05. "Three Little Birds" 
06."Não Chore Mais (No Woman, No Cry)"
07. "Positive Vibration" 
08. "Could You Be Loved" 
09. "Kaya N'gan Daya (Kaya)" 
10. "Rebel Music (3 O'Clock Road Block)"  
11. "Them Belly Full (But We Hungry)" 
12. "Tempo Só (Time Will Tell)"  
13. "Easy Skankin'"   
14. "Turn Your Lights Down Low"  
15. "Eleve-se Alto ao Céu (Lively Up Yourself)" 
16. "Lick Samba"


Zé Ramalho
– “Tá Tudo Mudando” (2008)
Para Bob Dylan

O músico paraibano sempre reverenciou o autor de “Like a Rolling Stone”. Neste álbum, contudo, fez como só ele poderia: arranjos entre o rock e a música brasileira, sotaque nordestino e as letras em português. Difícil traduzir um Nobel de Literatura? Sim, mas Ramalho, com talento e conhecimento de fã, acerta em cheio. Magníficas "O Homem Deu Nome a Todos Animais" (“Man Gave Names to All the Animals”), regravada por Adriana Calcanhotto em seu “Partimpim 2”, e, a versão para a clássica “Knockin' on Heaven's Door”, provando pros tupiniquins com “síndrome de vira-lata” que criticaram à época, que soa muito melhor um refrão com os versos "Bate bate bate na porta do céu" do que "Knockin' knockin' knockin' on heaven's door". Perto da solução achada por Ramalho, a original nunca mais deixou de soar cacofônica. "I'm sorry, mr, Dylan".



FAIXAS:
01. "Wigwam / Para Dylan" 
02. "O homem deu nome a todos animais (Man Gave Name To All The Animals)" 
03. "Tá tudo mudando" 
04. "Como uma pedra a rolar"  
05. "Negro Amor (And it's All Over Now, Baby Blue)" 
06. "Não pense duas vezes, tá tudo bem (Don't Think Twice, It's All Right)" 
07. "Rock feelingood (Tombstone Blues)" 
08. "O vento vai responder"  
09. "Mr. do pandeiro (Mister Tambourine Man)"  
10. "O amanhã é distante" 
11. "If Not for You" 
12. "Batendo na porta do céu - versão II" 


Rita Lee
– “Bossa ‘n Beatles” (2001)
Para The Beatles

Quando Ramalho gravou seu “Tá Tudo Mudando”, já havia um antecedente de 7 anos antes na discografia brasileira de artista que versou outro monstro sagrado do rock como Dylan dando-lhe caracteres brasileiros. Depois de uma via crúcis para pegar autorização com Yoko Ono para versar a obra do seu ex-marido, Rita conseguiu, finalmente, juntar duas paixões as quais domina como poucos: o rock libertário dos Beatles e as ricas harmonias da bossa nova. Tão filha musical dos rapazes de Liverpool quanto de João Gilberto, somente Rita pra prestar uma homenagem como esta.




FAIXAS:
01. "A Hard Day's Night"
02. "With A Little Help From My Friends"
03. "If I Fell"
04. "All My Loving"
05. "She Loves You"
06. "Michelle"
07. "'In My Life"
08. "Here, There And Everywhere"
09. "I Want To Hold Your Hand"
10. "Lucy In The Sky With Diamonds"
Faixas bônus:
11. "Pra Você Eu Digo Sim (If I Fell)"
12. "Minha Vida (In My Life)"


The The
– “Hanky Panky”
(1995) 
Para Hank Williams

O talentoso “homem-banda” Matt Johnson é um cara fiel às suas origens. Depois de relativo sucesso na metade dos anos 80, ele capturou o amigo de adolescência Johnny Marr, guitarrista recém-saído da The Smiths, para gravar os dois melhores álbuns da The The. Porém, o autor de “This is the Day” queria ir ainda mais a fundo nas autorreferências e foi achar a resposta no músico country “vida loka” Hank Williams. Embora bem arranjado por Johnson e D. C. Collard, “Hanky...”, já sem Marr na banda, por melhor que seja, deixa, no entanto, aquela interrogação para os fãs: “não teria sido ainda melhor com Marr?”





FAIXAS:
01. "Honky Tonkin'"
02. "Six More Miles"
03. "My Heart Would Know"
04. "If You'll Be A Baby To Me"
05. "I'm A Long Gone Daddy"
06. "Weary Blues From Waitin'"
07. "I Saw the Light"
08. "Your Cheatin' Heart"
09. "I Can't Get You Off of my Mind"
10. "There's a Tear in My Beer"
11. "I Can't Escape from You"


Gilberto Gil
– “Gilbertos Samba”
(2014)
Para João Gilberto

12 anos depois de prestar tributo a Bob e de referenciar Luiz Gonzaga em mais de uma ocasião, Gil fecha, então, a trinca de seus mestres musicais. O repertório é lindo, uma vez que, homenageando João, a sua batida e seu estilo de cantar, escola para toda a geração pós-bossa nova a qual Gil pertence, outros artistas importantes para o baiano também são contemplados, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e Caetano Veloso, todos compositores incorporados no cancioneiro de João. Mas por melhor que seja a produção e por mais lindo que seja o violão de Gil, diferentemente de “Kaya...”, quando a sua voz estava ainda "ok ok ok", os anos comprometeram-na. Rouca e de alcance bastante prejudicado, se perto da voz do próprio Gil saudável já é covardia, imagina, então, comparar com a o do homenageado? Projeto lançado, uma pena, tardiamente.



FAIXAS:
01. "Aos Pés da Cruz" 
02. "Eu Sambo Mesmo"  
03. "O Pato" 
04. "Tim Tim por Tim Tim" 
05. "Desde Que o Samba é Samba"  
06. "Desafinado"  
07. "Milagre"  
08. "Um Abraço no João"  
09. "Doralice"  
10. "Você e Eu"  
11. "Eu Vim da Bahia" 
12. "Gilbertos"  

Daniel Rodrigues
com colaboração de Cly Reis

sábado, 16 de janeiro de 2021

Paul McCartney - Up And Coming Tour - Estádio Beira-Rio - Porto Alegre/ RS (Novembro/2010)

 

Imagina se Shakespeare viesse à tua cidade para a sessão de autógrafos de, digamos, “Hamlet”. Imagina se Michelangelo um dia fosse convidado para pintar um mural público e permanecesse aqui para uma temporada de residência artística. Ou se Galileu Galilei ganhasse o título de honoris causa pela universidade local e desembarcasse nestes pagos para a homenagem. Os jornais estampariam: “Ele está entre nós”. Afinal, não é todo dia que gênios da humanidade descem à terra e se juntam aos mortais. Posso dizer que vivi isso. Paul McCartney, o beatle, o hitmaker, o multi-intrumentista, o maestro, o produtor, o Cavaleiro da Rainha, o ativista, o recordista da Billboard... sim: ele esteve entre nós. Na noite de 7 de novembro de 2010, no domingo, dia em que teoricamente os deuses descansam, uma reencarnação de São Paulo despencou dos céus e trocou as vestes de santo pelas de um músico de rock ‘n’ roll para jogar encantamento sobre milhares de fiéis com sua arte redentora. E melhor de tudo: diferentemente de um Shakespeare, Michelangelo, Galileu – ou Picasso, Pitágoras, Mozart, Newton –, Paul está vivo e pertence ao meu tempo.

Por falar em céus, o firmamento esteve envolvido o tempo todo com este show, desde antes deste começar, aliás. Quando houve o anúncio de que Paul viria a Porto Alegre para a turnê “Up And Coming”, enlouqueci. Tinha que vê-lo. No que começaram a ser divulgadas as primeiras notícias sobre valores de ingresso, minha animação se transformou em apreensão. Primeiro, pelo valor, que chegava a astronômicos patamares para a época. Mas, principalmente, pelo acesso. Os 50 mil ingressos se esgotaram após as duas primeiras horas de vendas, ocorrida um mês antes do show. Afora isso, não tinha nem cartão de crédito àquela época, o que dificulta sobremaneira a se obter esse tipo de coisa. Toda a Porto Alegre aguardava ansiosa pela chegada de Paul à cidade. Nos dias que antecederam o show, o próprio artista fazia questão de responder ao chamado das pessoas na rua, como quando saiu do hotel e uma multidão o aguardava. O clima era este: de comoção.

Paul na primeira e inesquecível apresentação 
em Porto Alegre: ele esteve entre nós
Mas os céus atenderam minhas preces. Uma ordem veio lá de cima e acionaram um anjo aqui embaixo. Minha amiga Andréia – que hoje se encontra no mesmo céu do qual um dia veio, visto que faleceu em 2019 –, sabendo de minha vontade, soube de outro amigo que tinha ingresso a mais e fez a articulação para que eu ficasse com aquela sobra: um lugar na plateia superior do Beira-Rio. Déia, aliás, alcançou-me com a bondade de um verdadeiro ser divino, visto que lhe paguei apenas o valor que havia saído o ingresso, suficiente para cobrir o custo de quem tinha comprado a mais. Estava garantida a minha entrada temporária no paraíso, e na parte mais alta do estádio. A mais próxima do céu.

A apresentação em si atingiu todas as expectativas. Noite quente, nada de nuvens. De tão visíveis, era quase possível tocar as estrelas. O público, de todas as idades, transpirava excitação antes de começar. A mim, que nunca tinha assistido Paul ao vivo e que não conhecia até então nem o DVD “Paul McCartney - Is Live In Concert - On The New World Tour”, cujo show é bastante parecido, contudo, superou. Fui absolutamente arrebatado pelo set-list, pelas trucagens do palco, pelos clássicos imortais em sequência, pela simpatia de Paul, pela entrega dos músicos. Chorei como um ateu que se converte em cristão diante de um milagre incontestável. Era como se eu fosse ao céu. Afinal, o milagre estava operando-se à minha frente: Paul tocando por mais de 2 horas nada menos que 34 músicas. Clássicos do rock, clássicos da música mundial, temas que se confundem com a própria vida das pessoas, como “Jet”, “The Long and Winding Road”, “Drive My Car”, “Band on the Run”, “Day Tripper” e várias, várias outras. Incontáveis vezes essas canções estiveram presentes nas horas boas e ruins da biografia de cada um daqueles ali presentes. Entre estes, um emocionado Daniel.

"Venus and Mars", começando o show de Porto Alegre


O alto nível de um show realizado em estádio grande e aberto (refiro-me ao antigo Beira-Rio, antes das obras para a Copa do Mundo, assim como ocorreu no antigo Morumbi dias depois) mas com engenharia de som perfeita, além do vídeo e da iluminação, tinha na parte técnica a garantia de um ambiente propício para Paul e seus súditos deitarem e rolarem. Mas eles fizeram ainda mais do que isso. Embora seguissem o roteiro, era visível que a paixão do público porto-alegrense, que recebia pela primeira vez o ídolo, contagiou os músicos no palco. Ouvia-se choro, gritos, palmas e coros, que não deram trégua um minuto sequer, ainda mais nos vários momentos em que o cantor interagiu falando um português carregado de sotaque. Tanto que a imprensa – não só da bairrista Porto Alegre, mas do centro do País – classificou o show de “apoteótico” no dia seguinte. Os ingredientes estavam todos ali para que isso acontecesse: Paul animadíssimo tocando 6 instrumentos diferentes durante a apresentação e a incrível banda de músicos-fãs que executam com exatidão e paixão o repertório beatle e solo do líder. O repertório vai de hits dos Beatles a da extensa carreira solo de Paul a homenagens aos ex-companheiros de banda George Harrison (quando cantou “Something”) e a John Lennon (“Let ‘Em In”, da Wings, escrita para o parceiro, e quando emenda “Give Peace a Chance” com a obra-prima “A Day in the Life”).

E o que dizer de ouvir ali, presencialmente, “And I Love Her”, Let Me Roll It”, “Eleanor Rigby”, “Let it Be”, “Get Back”?! Totalmente tomado por aquela verdadeira apoteose, fui elevado a um outro plano especialmente em pelo menos quatro momentos. Primeiro, quando Paul tocou “Blackbird”, capaz de me provocar lágrimas a cada audição doméstica, quem dirá ao vivo. Igualmente, quando não apenas eu, mas 50 mil vozes entoaram o famoso “la la la” final de “Hey Jude”. Algo inesquecível, daqueles que se leva para a vida. Desavisado dos efeitos pirotécnicos mas adorador da música, “Live and Let Die” foi outra que me arrebatou – o que me aconteceria mesmo sem os jorros de fogos sincronizados, obviamente. Para desfechar sem respirar, uma sequência de “Helter Skelter”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e “The End”. Apoteótico, apoteótico.

A apoteótica apresentação de "Live and Let Die" naquela noite

Recordo que à época não consegui produzir um texto para o blog, porque a comoção era muito grande semanas depois. Eu lembrava das pessoas saindo do estádio a pé como eu com uma expressão de encantamento, de abismados, parecendo uma raça improvável de zumbis tomados de felicidade, meio incrédulos com o que viram. Eu, inclusive. Paul voltaria à cidade 7 anos depois, num Beira-Rio já reformado, mas aí a coisa era outra, incomparável com aquela primeira e inesquecível vez. Só mesmo o céu para testemunhar tamanho acontecimento como foi o daquele de 7 de novembro de 2010. E não é que ele testemunhou!? Não sei se somente eu percebi (pois quem mais levantaria a cabeça em direção ao céu naquela hora?), mas eu vi uma estrela cadente descer bem atrás do estádio, na direção de Paul. Juro mas não foi efeito de álcool e nem do meu estado de elevação. Eu vi de verdade! Em resposta às lágrimas e da emoção daquela multidão de pessoas, uma das estrelas, as que estavam bem visíveis e quase alcançáveis no céu limpo de Porto Alegre daquela noite histórica, resolveu descer para nos cumprimentar. Afinal, quem não daria uma chegadinha depois de ouvir entoado com tamanha emoção o “la la la” de “Hey Jude”? Deve-se ter ouvido até lá em cima. Eu, se fosse estrela, também não perderia essa.


************

Setlist Show "Up And Coming":

01. Venus and Mars/Rock Show
02. Jet
03. All My Loving
04. Letting Go
05. Drive My Car
06. Highway
07. Let Me Roll It
08. The Long and Winding Road
09. Nineteen Hundred and Eighty Five
10. Let ‘Em In
11. My Love
12. I’ve Just Seen a Face
13. And I Love Her
14. Blackbird
15. Here Today
16. Dance Tonight
17. Mrs. Vandebilt
18. Eleanor Rigby
19. Something
20. Sing the Changes
21. Band on the Run
22. Ob-La-Di Ob-La-Da
23. Back in the USSR
24. I’ve Got a Feeling
25. Paperback Writer
26. A Day in the Life/Give Peace a Chance
27. Let it Be
28. Live and Let Die
29. Hey Jude
30. Day Tripper
31. Lady Madonna
32. Get Back
33. Yesterday
34. Helter Skelter
35. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club
36. The End

Daniel Rodrigues
(para Andréia)

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Música da Cabeça - Programa #175


Negritude, raça, cultura, preconceito, branquitude, raízes, apropriação. Esses e outros temas estarão no MDC de hoje, que terá entrevista com o historiador e professor Cleber Teixeira Leão no quadro "Uma Palavra". Além disso, o programa contará também com música, de Djavan a John Lennon, passando por Jimi Hendrix e Emílio Santiago & João Donato e os quadros fixos. Às 21h, na Rádio Elétrica e apresentação/produção de Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:

http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Música da Cabeça - Programa #168


Esqueçamos um pouco a pandemia, o desgoverno, a inconsequência, as fake news e o preconceito e paremos para celebrar essa galera genial, que mantém o mundo jovem e o Música da Cabeça ainda mais jovem. Além de Elza, Chico, Hermeto, Paul, Ray, Bethânia e Eumir, o programa também vai ter Almir Guineto, Moby, John Lennon, Tim Maia, Love e mais. Ouça o MDC de hoje, às 21h, que você não envelhecerá nunca mais. Isso, na viçosa Rádio Elétrica. Produção, apresentação e fonte da juventude: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Música da Cabeça - Programa #125


Fernanda Young, que nos deixou essa semana, certamente estava puta da cara com as queimadas na Amazônia. O Música da Cabeça mantém o seu grito de revolta, falando sobre ela e sobre a terrível situação no pulmão do mundo. Mas também vai falar, claro, sobre música, que terá de bastante e muito variada: Louis Armstrong, Ratos de Porão, The Yardbirds, Joy Division, John Lennon e mais. Também o músico japonês Yuzo Toyama num novo quadro “Cabeção”.  Como sempre, é hoje às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação (e zero de focos de incêndio): Daniel Rodrigues.


quinta-feira, 9 de maio de 2019

The Beatles - "Abbey Road" (1969)




"Com 'Abbey Road', os Beatles 
tocaram a glória 
pela primeira vez (...)
Todos os quatro brilharam: 
as composições 
e trabalho vocal de John,
o ofício musical supremo 
de Paul nos medleys,
a habilidade musical de George
em duas canções maravilhosas 
e o toque de bateria 
excelente de Ringo."
Mark Lewisohn,
historiador considerado
uma das maiores autoridades
sobre Beatles

Minha relação com os Beatles é curiosa... É interessante que, até algum tempo atrás, eu sequer gostava de Beatles. Gostava naquelas... uma aqui, outra ali. "Twist and Shout", por causa do filme "Curtindo a Vida Adoidado""Can't Buy Me Love" por causa do "Namorada de Aluguel", "Dear Prudence" por causa da versão da Siouxsie, "Helter Skelter" por causa dos Banshees também e pela versão do U2 no "Rattle and Hum" sendo que a original eu sequer conhecia... Na boa, achava Beatles, aquela coisa dos arranjos de orquestra, dos vocais em coro, daquela levada tipo bandinha alemã, tudo muito perfeitinho demais. Não tinha como negar a qualidade, mas pra mim parecia pouco rock'n roll. Tanto que, naquela tradicional disputa Beatles ou Stones, eu sempre fui mais Stones. Ainda sou, tenho que admitir. Acho Stones mais visceral, mais rock no sentido mais sujo da coisa, sabe. Mas o meu respeito e minha admiração pelos Beatles tornou-se uma realidade e uma vez consolidada, só foi crescendo.
Eu já ficava intrigado pelo fato que uma porção de ídolos meus, vários artistas que eu admiro sempre diziam que tinha começado a tocar por causa dos Beatles, que quando ouviram Beatles resolveram ter uma banda, que fizeram tal música  porque queriam fazer que nem os Beatles... "Cara ... Mas será possível?", pensava eu. Aí  comecei a ouvir com mais carinho, com mais atenção e, quando se OUVE, ouve mesmo, não  como não reconhecer que os caras eram absurdos! Toda a técnica de estúdio, a criatividade, o talento, a inovação e tal, tudo isso eu entendia mas não tinha dado aquela liga. Não tinha acendido a chama. Ela foi acendendo aos poucos: aí o cara vê que uma música que gosta da sua banda preferida é muito Beatles, percebe onde tá aquela influenciazinha, vê coisas que os caras fizeram sem recurso nenhum e hoje em dia com tudo a favor, não se consegue fazer igual e, aí ficha cai. Foi o caso de "Tomorrow Never Knows" que fui conhecer por causa de "Setting Sun" dos Chemical Brothers, e que me estimulou a comprar o "Revolver". A dupla eletrônica de Manchester chegou a responder processo por plágio mas foi inocentada, uma vez que não negavam a inspiração, apenas negavam a cópia. É bem o caso do que os caras conseguiam fazer em 1966, com recursos técnicos escassos e algo parecido só é conseguido com a parafernália eletrônica dos dias de hoje.
Mas antes do "Revolver", o primeiro  que tive dos Beatles foi o "Magical Mystery Tour", que no meu mode de ver era mais "anárquico", menos certinho. Tem aquela 'desordem' da música titulo, "Magical Mystery Tour", tem "I'm The Walrus que também é mais atípica, mais louca, enfim, aquilo me agradava mais num primeiro momento. Depois veio o "Revolver" e depois o 
"Rubber Soul", que devo admitir que, apesar de não retirar nenhum mérito, não sou dos mais apaixonados.
O "Abbey Road" (1969) chegou a mim de uma forma interessante. É lógico que eu já conhecia "Come Together", e essa eu já gostava muito e na minha cabeça essa era uma exceção a tudo aquilo que eu colocara acima sobre rockzinho comportado, arranjos rebuscados e coisas assim, só não ligava uma coisa a outra e com meu conhecimento parco da obra dos caras, não sabia que era exatamente a primeira do "Abbey Road". Mas o que me instigou pra ouvir o disco, conhecer a obra foi o fato que, certa vez, na noite por aí, uma banda dessas de clássicos do rock, tocou "I Want You (She's So Heavy)" e, cara..., eu fiquei louco com aquilo. Aí eu quis saber de onde era aquilo e descobri que era do tal do "Abbey Road". Eu já tava numas de curtir mais Beatles e resolvi conhecer melhor o disco. Pedi pro meu irmão, meu parceiro de blog, Daniel Rodrigues, que já apreciava a banda havia mais tempo, pra me passar o MP3 do disco pra eu ouvir no computador, no I-Pod e tal, e fui gostando cada vez mais. Até que, sabendo que eu tava ficando fissuradão, o meu irmão de novo, desta vez, me deu o CD.
E se um cara tem restrição a Beatles, o "Abbey Road" é pra acabar com qualquer frescura! Tem baixo estourando, tem vocal gritado, tem solinho de bateria, tem música curta, música quilométrica, tem música  pra todos os gostos, tem música de todo mundo, tem vocal de quase todo mundo...  e que disco bem produzido, hein! Tudo perfeito, tudo no seu devido lugar. Era o desejo da banda, mesmo já um tanto fragmentada, já dando sinais de desgaste, fazer um grande disco depois de uma certa decepção com as gravações de "Let It Be", que acabou saindo depois mas que na verdade fora gravado antes e ficou ali, meio que engavetado. Pois é, na verdade o "Abbey Road" é o último álbum dos Beatles. E tem cara de último disco. Tem a grandiosidade, a estrutura, a maturidade, o total controle sobre o objeto final, tem cara de gran finale. Algo espetacular!
"Come Together", como eu disse, eu já conhecia e admirava e é daquelas aberturas de álbum matadoras. Aliás os Beatles abriam muito bem seus discos, não é mesmo? Vide "Taxman", "Back um The U.S.S.R.", "Sgt. Peppers...", "Drive My Car". "Come Together" é uma música que vai crescendo em intensidade e mudando a cada parte, ganhando um novo elemento. É fantástica! Lembra, não por acaso, aquele tipo de composição que marcou Pixies, Nirvana, com ênfase na linha de baixo no corpo principal da música, e uma certa explosão, com as guitarras e os vocais entrando de forma mais intensa no refrão. Pode-se dizer, de certa forma que, lá em 1969, foi um pré-grunge. "Something" sempre me arrepia com aquela guitarra chorosa, melancólica, aquele vocal doce... É considerada por muitos a melhor música dos Beatles e a própria  banda manifestou, na época, uma certa preferência por ela dentre as gravadas para o disco. "Maxwell's Silver Hammer" é daquelas que eu falei, com cara de bandinha de coreto de praça, e apesar de ser uma boa música, no fim das contas, e funcionar como um ponto de equilíbrio no lado A do disco, nem a banda gostava muito dela na época do lançamento.  Atribuo a ela este papel de fiel da balança, até porque na sequência vem "Oh, Darling", uma das minhas preferidas com aquele vocal rasgado, gritado. Um balada típica dos anos 50 com o vocal do Paul calculadamente descontrolado. Tipo da coisa que, no meu desconhecimento, sentia falta nos Beatles e que encontrei no "Abbey Road". Sei que tem "Helter Skelter", até mais furiosa por sinal, mas, nesse caso específico, como confessei acima, conhecia mais as covers do que a original.
O disco segue com "Octopuss Garden", que é do Ringo, e normalmente é um pouco subestimada mas que é um country-rock muito gostoso. Num disco muito bem planejado, a leveza da composição de Ringo Starr serve meio que como preparação para a pesada, longa, extensa, "I Want You (She's So Heavy)". Uma amarração quase improvável de duas melodias bem distintas mas que juntas acabaram funcionando como uma especie de peça épica, algo grandioso. Aquele início, e final também, dramático, solene, combinado a um blues meio rumba em que a guitarra ora dialoga, ora imita, ora disputa com a voz de Lennon. E, apoteoticamente, tudo se encaminha pr'aquele final, como eu disse, dramático, que se repete, repete e corta... abruptamente como se a música, que já é gigantesca, nunca fosse acabar. É de arrepiar.
Depois vem a ensolarada "Here Comes The Sun", que seria a primeira do lado B, na versão original em LP. Sempre que o dia está feio e abre, que vem aquele solzinho depois de uma chuva, eu lembro dela. Sempre iluminada. Na sequência vem a linda "Because" uma balada cheia de inspiração e melancolia. Uma das mais belas melodias dos Beatles e um trabalho vocal excepcional. Segue com a mutante e imprevisível "You Never Gove Me Your Money", cheia de variações: começa de um jeito dando a pinta que vai ser uma doce balada ao piano, de repente vira um rock descontraído, modifica a voz, ganha intensidade, ganha uma guitarra bem incisiva, lá pelo final ganha um coro fazendo uma contagem e acaba num ruído que vai introduzir para o genial medley de músicas "inacabadas" concebido por Paul McCartney que é simplesmente de tirar o fôlego. Trechinhos, praticamente vinhetas, mas que são de deixar o cidadão de boca aberta, não só pelas qualidade de cada uma, mas também pela diversidade entre elas, pelo papel dentro do álbum, pela sequência em que estão dispostas.
"Sun King", de John Lennon, uma delicada baladinha, uma pequena piração com uma letra que mistura inglês, italiano e francês, é a primeira da sequência mágica  e lembra um pouco "Something", com alguma semelhança também com "Because" embora sempre me remeta um pouco a "Don't Let Me Down"; segue o rock gostoso de "Mean Mr. Mustard"; depois "Polithene Pam", bem "yeah-yeah-yeah', uma espécie de uma voltá às raízes só que mais sofisticada; vem "She Came Through The Bathroom" outro rock cativante; e então o epílogo grandioso se aproxima com a beleza de "Golden Slumbers" que é misturada/invadida com/por "Carry That Weight" que, por sua vez, em grande estilo, encaminha o encerramento do disco para nada mais apropriado que o FIM. "The End", mais uma "criatura mutante", cheia de variações, é um rock direto e certeiro com direito a solo de bateria de Ringo e tudo. É o fim, como anuncia o título da canção? A última do disco? A última da discografia dos Beatles? Errado. O disco acaba mas não acaba. Antecipando um conceito de faixa-oculta que só viria a se consolidar na era CD, segundos depois da "última música" aparece "Her Majesty", um trechinho curto acústico, mais uma vinheta, uma brincadeira por assim dizer "comemorativa" ao título de Membros do Império Britânico concedido pela coroa inglesa, que o grupo então acabara de receber. Típico dos Beatles. A inversão da lógica, o improvável, a surpresa, o que mais ninguém faria. E "The End" que seria também a última música do último lado de um disco deles, acabou não sendo pois o "Let It Be", o antecessor, acabou sucedendo "Abbey Road".
Aí o cara acaba de ouvir um disco desses e fica se perguntando "por que que eu fiquei de nhem-nhem-nhem com os Beatles por tanto tempo?"
Se você também tem um ranço, nhem-nhem-nhem, mi-mi-mi com Beatles, e sei que muito gente tem, recomendo veementemente que você ouça o "Abbey Road". Talvez os Beatles tenham discos melhores, muitos preferem o "Branco", muitos o "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", mas o "Abbey Road" este trabalho brilhante que completa 50 anos neste 2019, é tão perfeito, tão impecável, tão bem produzido, tão diversificado que eu acho que até o mais resistente anti-Beatles vai acabar se rendendo. Eu me rendi.

**************

FAIXAS:
1 - Come Together
2 - Something
3 - Maxwell's Silver Hammer
4 - Oh! Darling
5 - Octopus's Garden
6 - I Want You (She's So Heavy)
7 - Here Comes the Sun
8 - Because
9 - You Never Give Me Your Money
10 - Sun King
11 - Mean Mr. Mustard
12 - Polythene Pam
13 - She Came in Through the Bathroom Window
14 - Golden Slumbers
15 - Carry That Weight
16 - The End
17 - Her Majesty


***************
Ouça:


Cly Reis