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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Globo de Ouro 2025 - Os Vencedores


 

E deu Fernanda Torres no Globo de Ouro! Fernanda levou o prêmio de Melhor Atriz em Filme de Drama por sua atuação no lindo "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles Jr., esse fenômeno de bilheteria no Brasil que vem emocionando plateias ao redor do mundo. Confirmando as expectativas de alguns (e contrariando as dos pessimistas), a atriz brasileira, que interpreta Elaine Paiva no filme, atinge esse feito histórico e cheio de significado para o Brasil com totais méritos mas não sem dificuldades. Afinal, ela concorria com, pelo menos, quatro grandes e premiadas atrizes muito mais "internacionais" que uma sul-americana como ela: as britânicas Tilda Swinton e Kate Winslet, a norte-americana Angelina Jolie e a australiana Nicole Kidman - além da "porn celebrity" Pamela Anderson, que passa longe de ser "grande atriz".

Repetindo o feito histórico de sua mãe, a grandiosa Fernanda Montenegro, indicada ao mesmo prêmio em 1999 e que levou com Waltinho o de Melhor Filme em Língua Não-Inglesa por "Central do Brasil" naquele ano, a vitória de Fernanda, para além do eficiente marketing que Sony Pictures vem investindo em "Ainda Estou Aqui" no mercado norte-americano, reforça aquilo que, a partir de agora, tornou-se o próximo objetivo a ser alcançado: o Oscar. 

Neste caso, o buraco é mais embaixo, mas não impossível. Enquanto os indicados ao Oscar não saem, o que deve ocorrer em 17 deste mês, há duas hipóteses visíveis. Uma delas, é Fernanda, sendo realmente indicada, disputar diretamente com Demi Moore, forte concorrente pelo ótimo "A Substância". No Globo de Ouro, esse embate não ocorreu, pois ambas estavam em categorias diferentes, sendo que Demi, na de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical, também foi premiada. Ou seja: em relação a Nicole, Tilda, Angelina e Kate, outras possíveis indicadas, Fernanda já largou uma cabeça à frente. Falta ver agora se terá fôlego pra ultrapassar Demi no páreo.

Há um fator que, curiosamente, pode contribuir positiva ou negativamente: a conquista de sua mãe anos atrás. Naquele feita, a Academia do Oscar valeu-se da indicação de Fernandona por seu papel de Dora em "Central..." e a premiação do mesmo (também de Walter Salles, informações essencial) como salvo-conduto para não premiar uma "não-americana". Embora merecesse - a própria Gwyneth Paltrow, vencedora daquele Oscar, concordava com isso -, a brasileira teve de se contentar com o Globo de Ouro., jamais previsto a uma senhora de um país exótico diante das figuras estelares de Hollywood àquela época. No caso de Fernanda Torres, essa correlação com a mãe é também favorável, pois os norte-americanos gostam de valorizar a ancestralidade - como produto, claro.

Por outro lado, por mais que se precise fazer algum esforço para acreditar que o pessoal do Oscar evoluiu de lá para cá - haja vista os reconhecimentos a atrizes estrangeiras como a nipônica Michelle Yeoh, em 2023, para se centrar nessa categoria -, é possível que uma visão mais moderna (e equânime) dos tempos atuais favoreça Fernanda. Afinal, a conquista do Globo de Ouro sempre foi um indicativo a qualquer vencedor de que este é um forte candidato ao Oscar. Isso, mais o lobby da Sony, o prestígio e a carreira internacionais de Waltinho, o espelhamento com o que já acontecera com "Central...", a pré-indicação de "Ainda..." ao Oscar de Melhor Filme Internacional e, principalmente, a força da atuação de uma atriz já reconhecida internacionalmente (vale lembrar que Fernanda Torres é Palma de Ouro em Cannes por "Eu Sei que Vou te Amar", de 1986) dão a ela totais condições de superar Demi. Talvez o filme em si seja o favorito para que o Brasil vença o Oscar, mas, na prática, é bastante cabível pensar que Fernanda também posso levar.

Resta agora saber se a Academia permitirá que se faça justiça nessa corrida "cabeça a cabeça" entre Fernanda e Demi.

Confira a lista completa dos vencedores do Globo de Ouro 2025:

📹📹📹📹📹📹📹📹

Melhor Filme (Drama)

O Brutalista


Melhor Filme (Musical ou Comédia)

Emilia Pérez


Melhor Diretor

Brady Corbet, O Brutalista 


Melhor Ator (Drama)

Adrien Brody, O Brutalista


Melhor Atriz (Drama)

Fernanda Torres, Ainda Estou Aqui 


Melhor Ator (Musical ou Comédia)

Sebastian Stan, Um Homem Diferente 


Melhor Atriz (Musical ou Comédia)

Demi Moore, A Substância 


Melhor Ator Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)

Kieran Culkin, A Verdadeira Dor 


Melhor Atriz Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)

Zoe Saldaña, Emilia Pérez 


Melhor Roteiro

Conclave 


Melhor Filme em Língua Não Inglesa

Emilia Pérez


Melhor Filme de Animação

Flow 


Melhor Canção Original

El Mal, Emilia Pérez, música e letras de Clément Ducol, Camille e Jacques Audiard 


Melhor Trilha Sonora Original

Rivais 


Maior realização cinematográfica e em bilheteria

Wicked 


Melhor Série Dramática

Xógum: A Gloriosa Saga do Japão 


Melhor Série de Comédia ou Musical

Hacks 


Melhor Série Limitada, Antologia ou Filme para TV

Bebê Rena 


Melhor Ator Em Série Dramática

Hiroyuki Sanada, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão 


Melhor Atriz Em Série Dramática

Anna Sawai, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão 


Melhor Ator em Série Musical ou Comédia

Jeremy Allen White, O Urso 


Melhor Atriz em Série Musical ou Comédia

Jean Smart, Hacks 


Melhor Atriz Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)

Jessica Gunning, Bebê Rena 


Melhor Ator Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)

Tadanobu Asano, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão 


Melhor Ator (Série Limitada, Antologia ou Filme para TV)

Colin Farrell, Pinguim 


Melhor Atriz (Série Limitada, Antologia ou Filme para TV)

Jodie Foster, True Detective: Terra Noturna 


Performance em Comédia Stand-up para TV

Ali Wong 


Daniel Rodrigues


quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles (2024)

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR FILME INTERNACIONAL


Democracia em ação

por Daniel Rodrigues

Poderia elencar uma série de qualidades e aspectos para falar de “Ainda Estou Aqui”, esse fenômeno de bilheteria e sucesso de crítica que vem arrebatando plateias ao redor do mundo. O filme acaba de ser indicado ao Oscar de Melhor Filme e de Melhor Filme Internacional, além da indicação de Fernanda Torres a melhor Atriz, ela que, no último dia 5 de janeiro, já havia vencido um prémio inédito e importantíssimo para o cinema nacional, o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama. Poderia falar sobre os outros importantes prêmio, como o de Melhor Roteiro no Festival de Veneza, e aclamações, como em Toronto. Poderia falar do alvoroço em torno do filme de Walter Salles e sua possível vitória no Oscar de Filme Internacional e, quem sabe, em mais de uma categoria. Porém, o que mais me salta aos olhos e ao coração quando “Ainda...” vêm à retina da memória é a palavra “integridade”. Em mais de um sentido: na sua feitura, nas atuações, no respeito aos personagens e à história recente do Brasil.

A começar pela direção de Waltinho. Pode soar negativo, mas não se enganem: “Ainda...” não me fez chorar como a muitos espectadores. Não retiro a razão e muito menos o direito das pessoas se emocionarem. Longe disso. Afinal, a história da família Paiva durante o período da ditadura militar no Brasil, quando a matriarca Eunice, após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser levado pelos militares e desaparecer, precisa se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos enquanto busca pela verdade é, sim, tocante em diversos aspectos. Porém, por se tratar da reprodução de um período doído e repleto de fatores interligados (políticos, civis, humanos, judiciais, etc.) capazes de despertar diversos sentimentos. No meu caso, o que mais faz emergir é a indignação e o assombro com o horror da ditadura – o que não me leva a lágrimas, mas muito mais ao espanto e à fúria. Em comparação àquele que considero a obra-prima do cineasta, “Central do Brasil” (1998), daqueles filmes de se debulhar chorando, “Ainda...” não passa nem perto de provocar tamanha comoção, não deste jeito sentimental.

Porém, como fiz questão de advertir, isso não é um demérito de “Ainda...”, e, sim, resultado de uma de suas principais qualidades: a integridade de como conta-se a história. Cuidadoso com a reprodução da verdade em seus mínimos detalhes, Salles valeu-se de um roteiro (Murilo Hauser e Heitor Lorega) que respeita as páginas do livro que motivou o filme, escrito por um deu seus ativos personagens, o escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos de Rubens e Eunice e que aparece no filme em vários momentos, da infância à fase adulta. Disso, Salles captou o que melhor serviria para o audiovisual, parte onde, aí sim, é o olhar de cineasta que age. No entanto, desse híbrido “realidade/memória” + “tradução”, resta um filme rigoroso, ciente de sua responsabilidade em cada enquadramento, cada cenário, cada movimento, cada temperatura da foto. Basta ver a comparação de tomadas do filme com fotos da família da época, que estão circulando pelas redes sociais.

Fernanda Torres: vencedora do Globo
de Ouro e indicada ao Oscar
 
A emotividade recai com mais propriedade na atuação dos atores, principalmente, claro, na de Fernandinha. A atriz está dona da cena. Extremamente absorvida pela personagem, ela usa de toda sua experiência de uma carreira de mais de 55 anos para expressar em cada olhar, cada pronúncia, cada gesto a dignidade, a integridade de Eunice. O pavor, a incerteza, a amorosidade, a coragem, tudo envolve o corpo da atriz. Ela faz com que se torne verossímil (pois a intenção foi a de ser o mais fiel  possível aos fatos) a personalidade ao mesmo tempo frágil e valente de Eunice, que reage e age diante de tamanha brutalidade, mesmo com o mundo em suas costas e a repressão sobre sua cabeça. É tão real a personificação dada por Fernanda, que a mim passa mais um sentimento de assombro do que qualquer outro sentimento. É como se se estivesse vendo aqueles momentos de pavor diante dos olhos e, nesta hora, é muito mais pasmo do que choro que me acomete.

Comparativamente a outros filmes sobre a ditadura no Brasil, “Ainda...” também é diferente, visto que emprega uma austeridade narrativa mais profunda, o que lhe volta como potência para a tela. “O que É Isso, Companheiro?”, de 1997 (um dos três concorrentes do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Internacional nos últimos 30 anos, juntamente com “O Quatrilho”, de 1995, e o já citado “Central...”), “Batismo de Sangue”, de 2006, e “Zuzu Angel”, também de 2006, para citar três filmes de ficção brasileiros que abordam histórias reais dos anos de chumbo, são todos mais escancaradamente violentos, principalmente “Batismo...”, que contém fortes cenas de tortura nos porões militares. No caso de “Ainda...” essa violência é muito mais interna da ação, uma vez que os fatos se dão a partir do ponto de vista e Eunice – que, embora presa e torturada psicologicamente, não assistiu às cenas de horror as quais escutava pelos corredores do DOI. A barbárie está lá e o espectador nem precisa vê-la para arrepiar-se junto com a protagonista.

É apavorante, contudo, pensar noutra coisa: não apenas o sucesso, mas a existência deste filme em uma época de obscurantismo como o que vivemos anos atrás no Brasil. Fosse no contexto político anterior, certamente se travaria uma batalha entre os realizadores e o então governo, como ocorrera com “Marighella”, quase impedido de ser lançado. Ver “Ainda...” podendo provocar discussões e a corrida de gerações mais novas e pouco informadas em busca da própria história em sociedade é de uma riqueza incalculável. É a própria democracia em ação. Como em alguns poucos momentos da nossa recente história como nação democrática, é possível perceber o brasileiro dando, mesmo que indiretamente, valor àquilo que lhe é mais caro: a liberdade. Isso sim é realmente tocante e íntegro graças a "Ainda Estou Aqui".

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trailer oficial de  "Ainda Estou Aqui"


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O Brasil Ainda Está Aqui

por Rodrigo Dutra

Uma obra to-tal-men-te aclamada. "Ainda Estou Aqui" estreou em novembro de 2024 e já alcançou mais de 3 milhões de espectadores brasileiros. Está trilhando uma jornada de sucesso em festivais conceituados pelo mundo, desde sua apresentação em Veneza. O ápice deste caminho foi a entrega emocionante e inédita do Globo de Ouro para Fernanda Torres, como melhor atriz dramática, 25 anos depois da “Fernandona” ser indicada por "Central do Brasil", também com direção de Walter Salles. Mas enquanto redijo essas palavras, os indicados ao badalado Oscar 2025 ainda estão por vir. Quem sabe até o final do texto teremos mais novidades sobre, como disse Cláudia Laitano, “...o filme nacional mais importante deste século.”?

Cresci em um ambiente militarista, com família orgulhosa pelos “heróis generais, duques e marechais” do passado, dos presidentes não eleitos pelo povo e, lógico, dos seus próprios integrantes nas Forças Armadas. Eu até quase segui este caminho. Mas o período da ditadura sempre foi negado (e é negado por um mar de pseudopatriotas). Essa mancha sombria na história não é explorada explicitamente no filme de Salles, adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, político cassado pela ditadura e que foi morto pelos militares. Nota-se a opção de não chocar o público com sangue e cenas de tortura, mas sim com gritos de desespero de pessoas sendo torturadas no Dops, ouvidos por Eunice Paiva, a viúva admirável, obstinada e resiliente, além de toda a atmosfera nebulosa de capangas, fardas e armas. 

A Eunice de Fernanda Torres é uma versão assombrosa, hipnótica, determinada, com uma força inexplicável que só as mulheres extraordinárias possuem (como Eunice e Fernanda). O começo solar da família Paiva começa a desmoronar a partir da cena marcante da foto na praia, onde todos estão felizes na pose, e o olhar aguçado de Eunice mirando um tanque do exército ao longe. Essa cena mostra que o “monocordismo” de Fernanda só existe na cabeça de gente ignorante, que nunca teve o prazer de assistir a "Eu Sei que Vou Te Amar" (ela ganhou como melhor atriz em Cannes em 1986), ou "Terra Estrangeira", ou a libertina baiana de "A Casa dos Budas Ditosos", ou Vani, ou Fátima e tantos outros trabalhos percorrendo dramas e comédias deste patrimônio cultural brasileiro, filha de dois gigantes da nossa cultura. 

Além da exuberância da interpretação de Fernanda Torres, quero destacar outros aspectos do filme que explicam o seu sucesso mundial. O cuidado com a restituição da época. Salles convidou colecionadores de carros antigos e fechou a avenida para que eles circulassem, não precisando resgatar imagens reais antigas para utilizar. As crianças e jovens que interpretam os filhos da família Paiva são espetaculares, desde os pequenos, incluindo os cãezinhos, até Valentina Herszage e Bárbara Luz, nova geração de atrizes de gabarito. A trilha sonora é de uma beleza absurda, reinflando o hino contra a ditadura "É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo", de Roberto e Erasmo, além de Tim Maia, Tom Zé e até, vejam só vocês, de Juca Chaves, que morreu tristemente defendendo uma nova intervenção militar. E, por fim, os poucos minutos de silêncio de Fernanda Montenegro na parte final do filme, desestabilizando o público com sua interpretação não-verbal histórica e arrepiante.

Deve ser extremamente difícil, para os defensores da ditadura, testemunhar a expansão da família Paiva, a relevância de Rubens Paiva na história política, o ativismo pelos direitos humanos de Eunice, o sucesso literário e intelectual de Marcelo. A luta contra o fascismo e a extrema direita está mais viva do que nunca e nesse momento temos que comemorar essas 3 indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme, fato inédito na história cinematográfica nacional. A vida presta, como diz Fernanda. Acima de tudo, o cinema brasileiro presta....e muito!

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trailer internacional de "Ainda Estou Aqui"



sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Oscar 2025 - Os Indicados

 


Podemos dizer que 23 de janeiro de 2025 foi um dia de glória para o cinema brasileiro. Afinal, nunca antes na história deste país um filme nacional havia recebido a indicação ao Oscar de Melhor Filme. “Ainda Estou Aqui”, o excelente filme de Walter Salles sobre a família Paiva durante o período da Ditadura Militar no Brasil, foi anunciado hoje ao Oscar 2025 junto com mais uma centena de outros títulos a esta e outras várias categorias do maior prêmio do cinema mundial.

Mas não só isso: além da inédita indicação, o filme de Waltinho concorre também a Melhor Filme Internacional – no qual tem boas chances de ganhar – e na de Melhor Atriz para Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva no filme. A vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e que desbancou daquela premiação para esta ninguém menos que Kate Winslet, Angelina Jolie, Tilda Swinton e Nicole Kidman, tem agora à frente, no Oscar, outras quatro candidatas. Porém, também passa a encarar de frente Demi Moore, destacada em seu papel em “A Substância” e que carrega em si e em sua personagem um discurso de feminismo e etarismo que pode convencer Hollywood a reconhecê-la depois de tantos anos. Porém, Fernanda está melhor. Que se faça justiça.

Nas outras categorias, sem grandes surpresas: várias indicações ao franco-mexicano “Emilia Perez” (13, o de mais nominações), “Wicked” e “O Brutalista” (10 cada), além de “Um Completo Desconhecido”, “Conclave” (8 cada), “Anora” (6), “Duna: Parte 2” e “A Substância” (5 cada). Destes, parece sair na frente em Filme “O Brutalista”, mas “Anora”, Palma de Ouro em Cannes, pode surpreender nesta categoria na qual “Ainda...” tem certamente menos chances. Mas em Filme Internacional, o brasileiro tem outro rival: “Emilia Perez”. O confuso filme de Jacques Audiard, embora campeão em indicações, tem recebido críticas das comunidades mexicana e latina e LGBTQIAPN+ por sua narrativa superficial e sem “lugar de fala”, o que pode influenciar os jurados em favor de “Ainda...”. Tomara.

De resto, aquelas coisas de sempre do Oscar: falta de algo aqui, excesso de algo ali, ausência de um outro acolá. Críticos dizem que “Sing Sing”, que retrata uma história verídica do sistema prisional norte-americano, merecia mais reconhecimento além das apenas duas indicações que teve (Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original). Sobrando, o bruxesco “Wicked”, que aparece em vários dos prêmios técnicos, mas desnecessariamente em Filme, Atriz e Edição. E Clint Eastwood, com seu genial “Jurado nº 2”, quem viu? A Academia não dá nem as horas pro velho cowboy, e justo em sua obra de despedida... Fazer o quê? Só torcer por “Ainda...“ e conferir a lista completa dos indicados, que a gente traz aqui abaixo e segue acompanhando os filmes até a premiação em 2 de março. E viva o cinema brasileiro!

📹📹📹📹📹📹📹📹


Melhor Filme
“Anora”
“O Brutalista”
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Ainda Estou Aqui”
“Nickel Boys”
“A Substância”
“Wicked”

Melhor Direção
Sean Baker por “Anora”
Brady Cobert por “O Brutalista”
James Mangold por “Um Completo Desconhecido”
Jacques Audiard por “Emilia Pérez”
Coralie Fargeat por “A Substância”

Melhor Ator
Adrien Brody, por “O Brutalista”
Timothée Chalamet, por “Um Completo Desconhecido”
Colman Domingo, por “Sing Sing”
Ralph Fiennes, por “Conclave”
Sebastian Stan, por “O Aprendiz”

Melhor Atriz
Cynthia Erivo, de “Wicked”
Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez
Mikey Madison, por “Anora”
Demi Moore, por “A Substância”
Fernanda Torres, por “Ainda Estou Aqui”

Melhor Ator Coadjuvante
Yura Borisov, por “Anora”
Kieran Culkin, “A Verdadeira Dor”
Edward Norton, “Um Completo Desconhecido”
Guy Pearce, de “O Brutalista”
Jeremy Strong, de “O Aprendiz”

Melhor Figurino
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave“
“Gladiador II”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Cabelo e Maquiagem
“Um Homem Diferente”
“Emilia Pérez”
“Nosferatu”
“A Substância”

Melhor Trilha Sonora Original
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”
“Robô Selvagem”

Melhor Curta-Metragem em Live-Action
“A Lien”
“Anuja”
“I’m Not a Robot”
“The Last Ranger”
“The Man Who Could Not Remain Silent”

Melhor Animação em Curta-Metragem
“Beautiful Men”
“In the Shadow of the Cypress”
“Magic Candies”
“Wander to Wonder”
“Yuck!”

Melhor Roteiro Original
“Anora”
“O Brutalista”
“A Verdadeira Dor”
“A Substância”
“September 5”

Melhor Roteiro Adaptado
“Um Completo Desconhecido”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Nickel Boys”
“Sing Sing”

Melhor Atriz Coadjuvante
Monica Barbaro, por “Um Completo Desconhecido”
Ariana Grande, por “Wicked”
Felicity Jones, por “O Brutalista”
Isabella Rossellini, por “Conclave”
Zoe Saldaña, por “Emilia Pérez”

Melhor Canção Original
“El Mal”, de “Emilia Pérez”
“The Journey”, de “The Six Triple Eight”
“Like a Bird”, de “Sing Sing”
“Mi Camino”, de “Emilia Pérez”
“Never Too Late”, de “Elton John: Never Too Late”

Melhor Documentário
“Black Box Diaries”
“No Other Land”
“Porcelain War”
“Soundtrack to A Coup D’Etat”
“Sugarcane”

Melhor Documentário de Curta-Metragem
“Death By Numbers”
“I am Ready, Warden”
“Incident”
“Instruments of a Beating Heart”
“The Only Girl in the Orchestra”

Melhor Filme Internacional
“Ainda Estou Aqui”
“The Girl with the Needle”
“Emilia Pérez”
“The Seed of the Sacred Fig”
“Flow”

Melhor Animação
“Flow”
“DivertidaMente 2”
“Memoir of a Snail”
“Wallace e Gromit: Vengeance Most Fowl”
“O Robô Selvagem”

Melhor Design de Produção
“O Brutalista”
“Conclave”
“Duna: Parte 2”
“Nosferatu”
“Wicked”

Melhor Edição
“Anora”
“O Brutalista”
“Conclave”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhor Som
“Um Completo Desconhecido”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Wicked”

Melhores Efeitos Visuais
“Alien: Romulus”
“Better Man”
“Duna: Parte 2”
“O Reino do Planeta dos Macacos”
“Wicked”

Melhor Fotografia
“O Brutalista”
“Duna: Parte 2”
“Emilia Pérez”
“Maria”
“Nosferatu”


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 3 de março de 2025

Oscar 2025 - Os Vencedores

Walter Salles com o NOSSO inédito Oscar: que vitória!
Não poderia deixar de começar qualquer comentário sobre a edição de 2025 do Oscar falando não sobre o principal premiado, mas da premiação inédita conquistada pelo filme brasileiro "Ainda Estou Aqui". Sim: o Brasil pode dizer que tem um Oscar para chamar de seu! O longa de Walter Salles, que ainda concorria a Filme, ganhou a tão sonhada estatueta de Filme Internacional, alcançando aquilo que outros filmaços brasileiros anteriores, como "O Pagador de Promessas" e "Central do Brasil", não conseguiram. Um feito histórico e de gigantesca simbologia para o cinema nacional.

Em compensação, o Oscar de Fernanda Torres, aquele para o qual se criou uma enorme celeuma e expectativa Brasil inteiro, não veio. E não veio de uma forma um tanto frustrante, o que tem a ver, agora sim, com o destaque desta edição: a supremacia de "Anora". O drama/comédia de Sean Baker foi o principal vencedor da noite, conquistando 5 das 6 estatuetas as quais foi nomeado: Filme, Roteiro Original, Edição, Direção e aquele que, surpreendente, tirou o prêmio de Fernanda, o de Atriz para Mikey Madison.

O gosto amargo fica porque, se fosse para Fernanda perder, que fosse para Demi Moore por seu papel em "A Substância". Por tudo que representa o papel de Demi, toda a carga anti-etarismo e anti-sexismo que carrega e também por toda a falada retratação com a artista, nunca indicada a nada. Mas não foi o que houve. Teria sido mais justo com Demi, a favorita, e com Fernanda, que, tête-à-tête com Mikey, desempenha melhor num papel dramático. Não que seja um prêmio descabido, pois a protagonista de "Anora" está muito bem no filme. Mas papel por papel, Fernanda como Eunice Paiva é, sim, um nível acima em expressividade e consistência como atuação. Mas é premiação, e isso faz parte.

Tanto faz parte que o superindicado "Emilia Pérez", depois das polêmicas sobre sua realização e roteiro e de uma desastrosa campanha que o desidratou diante dos jurados, tinha 13 chances e amargou apenas 2: Atriz Coadjuvante (para Zoe Saldaña, ótima) e Canção Original. Até mesmo "O Brutalista", outro favorito (inclusive a Filme), das 10 nomeações teve de se contentar com somente 3: Ator (Adrian Brody), Fotografia e Melhor Trilha Original.

O fator político, que se imaginava talvez mais exacerbado, falou menos, mas bem. Corajosa, a atriz Daryl Hannah, que apresentou a categoria de melhor Edição, fez a saudação nacionalista ucraniana com os dedos e "V" e disse a frase: "Glória a Ucrânia", lema das forças armadas e nacionalistas do país invadido pela Rússia. Aplaudida. Outro momento anti-belicismo foi quando da vitória do documentário "No Other Land", dirigido por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, ou seja, cineastas palestinos e judeus juntos pela mesma causa: a paz e o olhar humanista para os povos. No discurso, críticas à forma como o governo dos Estados Unidos atua na Guerra em Gaza, colaborando com a manutenção do ódio entre os povos. A gafe, no entanto, ficou por conta da não menção a Cacá Diegues no momento In Memorian. Esses norte-americanos jecas...

Quem também recebeu justos aplausos foi Paul Tazewell, que fez história ao se tornar o primeiro homem negro a ganhar o Oscar de Melhor Figurino pelo seu trabalho no musical "Wicked", filme que ainda levou o prêmio de Design de Produção. Fora isso, "A Substância" pegou o merecido de Maquiagem e Cabelo, "Conclave" o plausível de Roteiro Adaptado e "Duna - parte 2" levou os dois técnicos: Som e Efeitos Visuais.

Para além da felicidade de ver "Ainda Estou Aqui" no mais alto posto da maior premiação do cinema mundial, é legal ver também um cult "pequeno" vencer. Em contraposição ao cinemão de "O Brutalista" e a alegoria musical de "Emilia Pérez", ambos estilos por muito tempo consagrados pela Academia, ficaram pra trás em detrimento de "Anora", um filme profundo sem precisar de grandiloquência e que deixa um recado: nunca duvidem de um Palma de Ouro de Cannes.

Confira todos os premiados:

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MELHOR FILME

Anora


MELHOR FILME INTERNACIONAL

Ainda Estou Aqui


MELHOR DIREÇÃO

Sean Baker (Anora)


MELHOR ATRIZ

Mikey Madison (Anora)


MELHOR ATOR

Adrien Brody (O Brutalista)


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE 

Zoe Saldaña (Emilia Pérez)


MELHOR ATOR COADJUVANTE

Kieran Culkin (A Verdadeira Dor)


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Anora


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Conclave


MELHOR EDIÇÃO

Anora


MELHOR DOCUMENTÁRIO

No Other Land


MELHOR DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM

The Only Girl in the Orchestra


MELHOR ANIMAÇÃO

Flow


MELHOR ANIMAÇÃO EM CURTA-METRAGEM

In the Shadow of the Cypress


MELHOR CURTA-METRAGEM EM LIVE-ACTION

I'm Not a Robot


MELHOR FOTOGRAFIA

O Brutalista


MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

Wicked


MELHOR FIGURINO

Wicked


MELHOR MAQUIAGEM E CABELO

A Substância


MELHOR TRILHA ORIGINAL

O Brutalista


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

“El mal" - Emilia Pérez


MELHOR SOM

Duna - Parte 2


MELHORES EFEITOS VISUAIS

Duna - Parte 2


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

"A Substância", de Coralie Fargeat (2024)

GANHADOR DO OSCAR DE
MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADOS


Único, mas inescapável
por Daniel Rodrigues


Uma das frases emblemáticas de "A Substância" é: "Não se esqueça que você é único". É o caso do filme da cineasta Coralie Fargeat. Só o fato de colocar o gênero terror entre os candidatos ao Oscar se Melhor Filme já o fazem uma realização histórica. Este body horror une-se a uma pequena lista de outros filmes, como "O Silencio dos Inocentes" e "Corra!", que, somados, não preencheriam duas mãos. Isso porque, historicamente, Hollywood - que vem tentando mudar seus (pré)conceitos - considera terror um gênero menor diante de dramas, filmes de guerra, romances e até ficções científicas. Isso explica porque clássicos como "O Exorcista" levaram o prêmio de Melhor Diretor para William Friedkin em 1973, mas não o de Filme, embora fosse favorito à época.

Mas "A Substância" é, com suas qualidades e defeitos, um filme inteligente, provocante e, sim, gore. A história se baseia na vida de Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma renomada apresentadora de um programa de aeróbica, que enfrenta um golpe devastador quando seu chefe a demite por considerá-la velha para os padrões da mídia. Desesperada, ela encontra um laboratório, que lhe oferece a juventude eterna por meio de uma substância, que a transforma em uma versão aprimorada e jovem (Margaret Qualley). Tudo lindo, maravilhoso - mas nem tanto. No capitalismo, há regras inarredáveis.

As referências a filmes e diretores admirados por Coralie são evidentes e muito bem dispostas na narrativa, como a Stanley Kubrick ("O Iluminado", "2001- Uma Odisseia no Espaço"), Brian de Palma ("Carrie: A Estranha", "Irmãs Diabólicas"), Dario Argento ("Phenomena") e Alfred Hitchcock ("Psicose", "Marnie"). Isso sem ser apenas uma emulação, visto que a diretora consegue imprimir uma estética muito original e bem elaborada. Ponto para "A Substância". Mas o que particularmente funciona muito bem no longa e tornar a sociedade do espetáculo e seus padrões tortos como argumento para um filme de terror. Neste sentido, "A Substância" faz parecido com o já citado "Corra!": a apropriação de um tema sociológico real, no caso do filme de Jordan Peele, o racismo e a sexualização do negro. Não é mais de monstros extraterrestres ou de experimentos científicos malévolos que se extrai o verdadeiro terror. É da vivência social.

Em atuação excepcional, Demi Moore, forte concorrente ao Oscar de Melhor Atriz (categoria na qual pode desbancar, infelizmente, a brasileira Fernanda Torres), equilibra a personalidade de uma mulher amedrontada pelo etarismo e pela perda de seu espaço simbólico no mercado com lances de humor ácido. Difícil equação a qual Demi, no entanto, num papel representativo de sua imagem no mundo do entretenimento, se sai muito bem. Outro aspecto positivo é a montagem, ágil mas também observacional, pontuada pelos letreiros gigantes que evidenciam as etapas do experimento, bem como a divisão em capítulos da narrativa. Igualmente, a atmosfera sonora (ruidosa, diria), é muito bem criada. Dinâmica, sensorial, acompanhando a estética de plasticidade "publicitária" usada por Axel Baille na fotografia. 

Porém, o filme peca é naquilo que vários filmes de terror também se complicam, que é precisamente o desfecho. Desnecessária aquela sangueira toda no teatro a la "Carrie". Mais do que desnecessário: improvável. Não se está aqui defendendo realismo numa obra claramente fantástica, nem muito menos que um filme gore se abstenha, justamente, de mostrar sangue. 

Porém, há em "A Substância", na maior parte do filme, uma condução narrativa que se constrói para justificar a dicotomia beleza X feiura, velho X novo, essência X artificial. Ou seja, a ideia crítica central do longa. Ocorre que essa construção é abandonada na sequência final em detrimento das consequências das decisões das personagens (previstas no roteiro) sem considerar a própria lógica que se vinha edificando. Fazer a versão "velha carcomida" de Elizabeth, depois de mal conseguir dar dois passos entre a poltrona e a cozinha, correr feito um zumbi enfezado e lutar com a habilidade de Chuck Norris é, além de ilógico, pobre. Ou pior: desconsiderar o deslocamento do "monstro" entre o apartamento e o estúdio de TV como se a distância entre os dois imóveis fosse de 5 metros (mesmo que fosse), bem como ninguém estranhar (ou abater) aquela coisa andando na rua. Isso é de uma inconsistência de roteiro considerável. 

O filme faz o espectador acreditar no argumento fantasioso do experimento científico com argumentos plausíveis de tempo/espaço para, no final, desdizê-los em detrimento de uma nova lógica mais do que fantasiosa: irreal. É de se perguntar, por exemplo, se não havia nenhum segurança ou policial pra dar um tiro naquela criatura como os norte-americanos tanto gostam. Isso é o lógico,

Por isso, a referida sequência derradeira, com ela/s no palco banhando de sangue a plateia, não se sustenta, o que faz prejudicar um filme na sua maior parte muito bom. Acaba por soar como um arremedo, neste caso mal copiado, do mestre do gore horror David Cronenberg. É compreensível o anseio de se lançar aquele discurso feminista ao final, mas não havia necessidade, visto que o próprio filme já o exalta de outras formas críticas. Bastava que Coralie - que mesmo assim ganhou Palma de Ouro de Roteiro e Cannes por "A Substância" - desse como solução algo menos mirabolante: esmagar a criatura sobre a sua própria placa na calçada da fama, como ocorre na última cena, logo após que esta sai de casa e sem ter chegado ao teatro. Teria sido mais simples e, substancialmente (com o perdão do trocadilho), melhor.

Se "A Substância" vai levar algum Oscar não se sabe. Dos cinco pelo qual concorre, Maquiagem e até Roteiro Original lhe sejam bem prováveis. Entre Demi e Fernanda, não desmerecendo a primeira, por atuação em si a da brasileira é mais essencial para o seu filme, "Ainda Estou Aqui". De Direção, no entanto, Coralie merece. Já em Filme, não deve ser desta vez que o terror vai quebrar o tabu diante da indústria cinematografia estadunidense. Afinal, aproveitando outra sentença do próprio filme: "você não pode escapar de si mesmo", não é?

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trailer original de "A Substância"


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Um chute nos padrões.
(de beleza e do Oscar)

por Cly Reis


Um manifesto cinematográfico sobre a ditadura da beleza, a escravidão da imagem, da crueldade dos padrões, da perfeição e sobretudo, do peso da idade. Pode se aplicar a qualquer um, uma vez que muita gente se sente desvalorizada por uma barriguinha, preocupada com o início das rugas e pressionada com a chegada de determinada faixa de idade, mas é inegável que essa pressão ocorre de um modo mais constante e cruel com as mulheres, desde sempre consagradas como modelos de apreciação estética. O filme da francesa Coralie Fargeat, dentro desse arco temático, aborda especificamente figuras públicas que por sinal, acabam sendo sistematicamente julgadas e rotuladas por nós, o público. "Está velha", "Tá ficando feia", "Olha só as rugas", "A bunda dela tá caindo". O que faz quem quer satisfazer o público? Coloca alguém mais jovem, mais vibrante, mais gostosa. É o que acontece em "A Substância". Elisabeth Sparkle, uma atriz outrora consagrada se vê nessa encruzilhada de aproveitamento público. Aos 50 está 'velha' até para um programa matinal de ginástica ao qual fora relegada, já como sinal claro de decadência profissional. Ciente da intenção dos donos da emissora em se desfazer dela, de sua queda de prestígio, do desgaste de sua imagem atual, ela é tentada a usar uma novidade experimental que chega a seu conhecimento chamada A Substância que promete uma nova versão dela mesmo melhorada em vários aspectos. Com algumas 'regrinhas' a seguir, a droga cumpre o que promete e faz surgir da própria Elizabeth, a deslumbrante Sue, jovem, vívida, voluptuosa, e a nova versão, irresistível como é, não  tarda a ocupar o lugar da antiga estrela na emissora, no programa, no gosto do público, em tudo. O problema é que a duplicata tem fome de vida, quer mais, se , e não lhe bastam os sete dias que as regras de uso lhe impõe antes de trocar novamente com sua matriz. As orientações da substância deixam claro que AS DUAS são UMA SÓ, mas mesmo assim Sue, egoísta e fascinada com o estrelato, com os holofotes, passa a burlar as regras e que quem acaba sofrendo as consequências dessa indisciplina é a matriz, Elisabeth.

A diretora com toda sua riqueza de linguagem e recursos é muito sagaz em propor esse conflito. Uma espécie de guerra interna entre ser o que é, o que tiver que ser, encarar a idade, os julgamentos, ou agradar aos outros, se transformar, mudar para manter ou atingir seus objetivos. Para tal, Coralie Fargeat é corajosa, ousada e se utiliza do grotesco, do chocante, do assustador, uma vez que possivelmente, seu recado não teria a mesma intensidade e a mesma capacidade de ser transmitida de forma tão impactante por outra linguagem senão pelo terror. E nesse universo ela desfila referências que cinéfilos reconhecem e se deliciam: KubrickDe Palma, Lynch e claro, todo o horror corporal característico de David Cronenberg.

Associado a um excelente roteiro, soluções narrativas inteligentes, , uma edição ágil, uma maquiagem impressionante, e atuações incríveis das duas partes da mesma pessoa, Margareth Qualey, a jovem Sue, e, especialmente Demi Moore, indicada ao Oscar de melhor atriz, cuja similaridade com a situação da personagem Elizabeth, afastada dos holofotes depois de deixar de ser a 'gatinha' de Hollywood, é inegável.

Bem como sua protagonista parte de um original para criar uma versão renovada, "A Substância" se vale de núcleos como "O Iluminado", "A Mosca", "Carrie, A Estranha", para trazer um terror revitalizado, fresco, abusado, replicando desses clássicos algumas de suas melhores virtudes para criar em si um novo elemento que, se não faz uma versão melhor que suas matrizes (e não chega a tanto), irrefutavelmente cria algo singular. Único!

"A Substância" é um terror de primeira e que, desde já, inscreve seu nome no panteão das grandes obras do gênero. E para os que torcem o nariz para esse tipo de filme, resta aceitar que um horror gore, sangrento, chocante, feito sem a pretensão de agradar ninguém,  tenha sido indicado a um Oscar de melhor filme. Pode não  ganhar, é acho que não vai, mas seu reconhecimento é uma vitória do cinema de horror.

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referências a filmes clássicos em "A Substância"


"A Substância"
Título Original: "The Substance"
Direção: Coralie Fargeat
Gênero: Terror
Duração: 2h20min
Ano: 2024
País: EUA
Onde encontrar: Amazon Prime Vídeo

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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

“O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho (2025)

 

Ainda no calor da exibição, enquanto os créditos finais passavam, uma senhora sentada ao meu lado na lotada sala de cinema para a pré-estreia de “O Agente Secreto”, disse-me impressionada: "O Kleber não erra uma!". Nada mais fiz do que concordar com ela: Kleber Mendonça Filho não erra, repetindo, obra após obra, somente acertos. Neste seu quinto longa-metragem, estrelado por Wagner Moura e vencedor de diversos prêmios, dentre estes três no Festival de Cannes (Melhor Ator, Melhor Diretor e prêmio da Crítica FIPRSCI de Melhor Filme), o cineasta pernambucano apresenta mais um grande filme. Com um estilo próprio de filmar, Kleber, no entanto, não fecha seu cinema somente a um modelo. E aí talvez esteja o seu principal acerto.

Numa trama envolvente e sinuosa, a história de “O Agente...”, que estreia hoje nos cinemas, se passa no ano de 1977, durante o período da Ditadura Militar no Brasil, e conta a saga de Marcelo, um professor especializado em tecnologia que decide fugir de seu passado violento e misterioso. Ele se muda de São Paulo para Recife com a intenção de recomeçar a vida perto do filho. Porém, mesmo em plena semana de Carnaval, em que os ânimos estão exaltados pela festa do Momo, seus passos estão sendo vigiados, e ele percebe que a cidade que acreditou ser o seu refúgio é ainda mais perigosa para sua sobrevivência.

Kleber vale-se de muita habilidade narrativa para contar essa saga. Primeiro, que ele constrói um thriller que remete aos tradicionais filmes de espionagem dos anos 60 e 70, porém usando criatividade para fugir do óbvio. Nesse sentido, uma das melhores características do roteiro é o aspecto da frustração de expectativas e do deslocamento de suposições. Artifício empregado com maestria por cineastas como os irmãos Cohen (“Onde os Fracos não têm Vez” é exemplar nesse jogo narrativo), ambos recursos fazem com que a história surpreenda o espectador no seu desenrolar, ao mesmo tempo em que lhe tira a atenção se determinado elemento ou lhe "promete" entregar outros, mas sabiamente lhe frustra por lançar outra lógica no lugar.

Exemplo perfeito desse deslocamento intencional de sentido é a perna encontrada dentro da barriga de um tubarão no começo do filme. Por um lado, é algo que insere uma linha narrativa à trama, mas também amarra outros níveis narrativos mais simbólicos, do folclórico ("perna cabeluda") ao existencial (a impossibilidade de cidadãos honestos, transformados em refugiados políticos, em andar com as próprias pernas). Até mesmo o assassino de aluguel Vilmar (Kaiony Venâncio), em parte exitoso em seu serviço, é algoz e vítima ao mesmo tempo do perverso e violento sistema paralelo sustentado pelo regime militar brasileiro, visto que ele também é baleado justamente na perna.

Tânia Maria como d. Sebastiana:
essencial para a trama
Essa amarração simbólica é um dos predicados de Kleber, o que torna seus filmes ao mesmo tempo únicos e similares. A grande qualidade de sua obra está em nunca se repetir, mas mantendo uma linha ideológica, narrativa e estética comum, que traz a cultura local, recifense, pernambucana e nordestina para um patamar de crítica. A barbárie e a violência humanas, por exemplo, são espelhadas na iminência do perigo do tubarão, comum nas praias de Recife, elemento presente em seu primeiro filme, “O Som ao Redor” (2012), e também em “Aquarius” (2016) e no documentário “Retratos Fantasmas” (2023). “O Agente...” é totalmente diferente destes três, assim como de “Bacurau” (2019, codirigido por Juliano Dornelles), mas todos, em maior ou menor grau entre si, trazem parecenças de estilo de filmar (os zoons in e out eficientes, as passagens entre cenas, os diálogos densos, a divisão em capítulos) como temáticas (o contexto político, a denúncia social, a oposição entre barbárie e humanismo).

O que resulta disso é mais uma obra impactante de Kleber, um filme empolgante que o coloca definitivamente entre os melhores realizadores do mundo em atividade ao lado de Yorgos Lanthimos, Sofia Coppola, Gaspar Noé e Jordan Peele. As 2 horas e 40 minutos de fita são aproveitadas internamente, sem qualquer excesso ou "barriga". Wagner, escolha perfeita para o papel, está deslumbrante, assim como Tânia Maria no papel de Dona Sebastiana, atriz veterana com quem o cineasta já havia trabalhado em "Bacurau" e que enxergou nela a possibilidade de aproveitar melhor seu talento. Deu muito certo, visto que Tânia - a quem empolgadas vozes vêm apontando-a como merecedora de indicação a Oscar pela atuação - recebe, desta vez, textos bastante bem elaborados, essenciais ao filme.

Já que se entrou nessa seara, então: e o Oscar? Parece cedo ainda para falar a respeito, visto que os favoritos, em geral, começam a surgir principalmente durante novembro e dezembro. São esses títulos de dentro da indústria e/ou responsivos ao contexto socio-politico-produtivo que saltam na frente em preferência.

Contudo, dá para arriscar o palpite de que “O Agente...”, dados os prêmios em Cannes e todo o eficiente marketing que vem ganhando - além, claro, da qualidade do filme - tem boas chances de emplacar indicações. A começar, pela de Filme Internacional, para o qual vem sendo bem cotado. Porém, é bem plausível supor que, na esteira de "Ainda Estou Aqui", brasileiro vencedor do Oscar de Filme Internacional do ano passado e concorrente na categoria de atriz, quando Fernanda Torres beliscou a estatueta, desta vez saia uma indicação para Melhor Ator para Moura, figura já conhecida do mercado norte-americano e internacional. Aposto também em indicação a Melhor Filme, assim como ocorreu com “Ainda...”, mas também de Direção para Kleber, cujo trabalho é naturalmente mais autoral do que o de Walter Salles em “Ainda...”, o que lhe pode contar pontos diante do novo contexto da Academia do Oscar, mais atenta a talentos de fora do eixo de anos para cá.

Previsões boas para um país como o Brasil, que vem despontando no cenário cinematográfico mundial de anos para cá e que parece manter-se assim. Talvez “O Agente...” supere “Ainda...” em indicações e, quiçá, em premiações - assim se espera - mas não em visibilidade de público nos cinemas brasileiros, visto que se trata de uma obra menos "palatável" do que a do filme de Waltinho, bem mais convencional em narrativa, o que o aproxima do espectador comum. Ou, quem sabe, depois que o filme estrear, a campanha de marketing, vultosa para os padrões brasileiros, não consiga atrair tanto público quanto o fenômeno de bilheteria “Ainda...”? Se propaganda serve para vender porcarias todos os dias, que sirva também para levar a um grande público coisas boas como “O Agente...”. Terá, enfim, a publicidade acertado alguma vez assim como Kleber, que acerta em todas.

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Trailer oficial de "O Agente Secreto"


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"O Agente Secreto"
direção: Kleber Mendonça Filho
elenco: Wagner Moura, Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Alice Carvalho, Udo Kier, Carlos Francisco, Hermila Guedes, Roney Villela
gênero: drama, policial
duração: 2h41min.
país: Brasil, França, Países Baixos, Alemanha
ano: 2025
onde assistir: Nos cinemas


Daniel Rodrigues