E deu Fernanda Torres no Globo de Ouro! Fernanda levou o prêmio de Melhor Atriz em Filme de Drama por sua atuação no lindo "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles Jr., esse fenômeno de bilheteria no Brasil que vem emocionando plateias ao redor do mundo. Confirmando as expectativas de alguns (e contrariando as dos pessimistas), a atriz brasileira, que interpreta Elaine Paiva no filme, atinge esse feito histórico e cheio de significado para o Brasil com totais méritos mas não sem dificuldades. Afinal, ela concorria com, pelo menos, quatro grandes e premiadas atrizes muito mais "internacionais" que uma sul-americana como ela: as britânicas Tilda Swinton e Kate Winslet, a norte-americana Angelina Jolie e a australiana Nicole Kidman - além da "porn celebrity" Pamela Anderson, que passa longe de ser "grande atriz".
Repetindo o feito histórico de sua mãe, a grandiosa Fernanda Montenegro, indicada ao mesmo prêmio em 1999 e que levou com Waltinho o de Melhor Filme em Língua Não-Inglesa por "Central do Brasil" naquele ano, a vitória de Fernanda, para além do eficiente marketing que Sony Pictures vem investindo em "Ainda Estou Aqui" no mercado norte-americano, reforça aquilo que, a partir de agora, tornou-se o próximo objetivo a ser alcançado: o Oscar.
Neste caso, o buraco é mais embaixo, mas não impossível. Enquanto os indicados ao Oscar não saem, o que deve ocorrer em 17 deste mês, há duas hipóteses visíveis. Uma delas, é Fernanda, sendo realmente indicada, disputar diretamente com Demi Moore, forte concorrente pelo ótimo "A Substância". No Globo de Ouro, esse embate não ocorreu, pois ambas estavam em categorias diferentes, sendo que Demi, na de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical, também foi premiada. Ou seja: em relação a Nicole, Tilda, Angelina e Kate, outras possíveis indicadas, Fernanda já largou uma cabeça à frente. Falta ver agora se terá fôlego pra ultrapassar Demi no páreo.
Há um fator que, curiosamente, pode contribuir positiva ou negativamente: a conquista de sua mãe anos atrás. Naquele feita, a Academia do Oscar valeu-se da indicação de Fernandona por seu papel de Dora em "Central..." e a premiação do mesmo (também de Walter Salles, informações essencial) como salvo-conduto para não premiar uma "não-americana". Embora merecesse - a própria Gwyneth Paltrow, vencedora daquele Oscar, concordava com isso -, a brasileira teve de se contentar com o Globo de Ouro., jamais previsto a uma senhora de um país exótico diante das figuras estelares de Hollywood àquela época. No caso de Fernanda Torres, essa correlação com a mãe é também favorável, pois os norte-americanos gostam de valorizar a ancestralidade - como produto, claro.
Por outro lado, por mais que se precise fazer algum esforço para acreditar que o pessoal do Oscar evoluiu de lá para cá - haja vista os reconhecimentos a atrizes estrangeiras como a nipônica Michelle Yeoh, em 2023, para se centrar nessa categoria -, é possível que uma visão mais moderna (e equânime) dos tempos atuais favoreça Fernanda. Afinal, a conquista do Globo de Ouro sempre foi um indicativo a qualquer vencedor de que este é um forte candidato ao Oscar. Isso, mais o lobby da Sony, o prestígio e a carreira internacionais de Waltinho, o espelhamento com o que já acontecera com "Central...", a pré-indicação de "Ainda..." ao Oscar de Melhor Filme Internacional e, principalmente, a força da atuação de uma atriz já reconhecida internacionalmente (vale lembrar que Fernanda Torres é Palma de Ouro em Cannes por "Eu Sei que Vou te Amar", de 1986) dão a ela totais condições de superar Demi. Talvez o filme em si seja o favorito para que o Brasil vença o Oscar, mas, na prática, é bastante cabível pensar que Fernanda também posso levar.
Resta agora saber se a Academia permitirá que se faça justiça nessa corrida "cabeça a cabeça" entre Fernanda e Demi.
Confira a lista completa dos vencedores do Globo de Ouro 2025:
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Melhor Filme (Drama)
O Brutalista
Melhor Filme (Musical ou Comédia)
Emilia Pérez
Melhor Diretor
Brady Corbet, O Brutalista
Melhor Ator (Drama)
Adrien Brody, O Brutalista
Melhor Atriz (Drama)
Fernanda Torres, Ainda Estou Aqui
Melhor Ator (Musical ou Comédia)
Sebastian Stan, Um Homem Diferente
Melhor Atriz (Musical ou Comédia)
Demi Moore, A Substância
Melhor Ator Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)
Kieran Culkin, A Verdadeira Dor
Melhor Atriz Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)
Zoe Saldaña, Emilia Pérez
Melhor Roteiro
Conclave
Melhor Filme em Língua Não Inglesa
Emilia Pérez
Melhor Filme de Animação
Flow
Melhor Canção Original
El Mal, Emilia Pérez, música e letras de Clément Ducol, Camille e Jacques Audiard
Melhor Trilha Sonora Original
Rivais
Maior realização cinematográfica e em bilheteria
Wicked
Melhor Série Dramática
Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Melhor Série de Comédia ou Musical
Hacks
Melhor Série Limitada, Antologia ou Filme para TV
Bebê Rena
Melhor Ator Em Série Dramática
Hiroyuki Sanada, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Melhor Atriz Em Série Dramática
Anna Sawai, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Melhor Ator em Série Musical ou Comédia
Jeremy Allen White, O Urso
Melhor Atriz em Série Musical ou Comédia
Jean Smart, Hacks
Melhor Atriz Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)
Jessica Gunning, Bebê Rena
Melhor Ator Coadjuvante (Musical, Comédia ou Drama)
Tadanobu Asano, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Melhor Ator (Série Limitada, Antologia ou Filme para TV)
Colin Farrell, Pinguim
Melhor Atriz (Série Limitada, Antologia ou Filme para TV)
Saíram ontem os premiados com o Globo de Ouro, que sempre guarda mais expectativa pelo fato de ser considerado prévia dos Oscar do que por si só. Se assim for mesmo "Avatar" entra com tudo na disputa pela estatueta mais cobiçada do meio cinematogáfico. A superprodução de James Cameron (que eu não vi) arrebatou os prêmios de Melhor Filme de Drama e Melhor Direção. Já a veterana e competentíssima Meryl Streep levou mais um pra casa, desta vez o de Melhor atriz de Musical ou Comédia, com "Julie e Julia". E uma pedra que eu já venho cantando, - mas que não é de grande dificuldade em apostar - foi o Globo de Ouro de Ator Coadjuvante para Christoph Waltz, simplesmente incrível em "Bastardos Inglórios". Veja abaixo algumas das categorias pemiadas:
Melhor filme de drama Avatar, de James Cameron
Melhor atriz coadjuvante Mo´Nique, por Preciosa Melhor atriz em série de TV (comédia ou musical) Toni Colette, por United States of Tara Melhor ator coadjuvante em série de TV John Lithgow, por Dexter Melhor animação Up - Altas Aventuras Melhor ator em série de TV (drama) Michael C. Hall, por Dexter Melhor atriz em série de TV (drama) Julianna Margulies, por The Good Wife Melhor canção original The Weary Kind, de T-Bone Burnett e Ryan Bingham, do filme Crazy Heart Melhor trilha sonora Up - Altas Aventuras, de Michael Giacchino Melhor minissérie ou filme feito para TV Grey Gardens Melhor atriz de comédia ou musical Meryl Streep, por Julie & Julia Melhor ator em minissérie ou filme para TV Kevin Bacon, por Taking Chance Melhor atriz em minissérie ou filme para TV Drew Barrymore, por Grey Gardens Melhor Roteiro Jason Reitman e Sheldon Turner, por Amor sem Escalas Melhor ator em série de TV comédia ou musical Alec Baldwin, por 30 Rock Melhor filme estrangeiro A Fita Branca (Alemanha) Melhor série de TV drama Mad Men Melhor atriz coadjuvante em série de TV, minissérie ou telefilme Chlöe Sevigny, por Big Love Melhor ator coadjuvante em filme Christoph Waltz, por Bastardos Inglórios Homenagem do ano Martin Scorsese, pelo conjunto da carreira Melhor diretor de cinema James Cameron, por Avatar Melhor série de Tv de comédia ou musical Glee Melhor filme de comédia ou musical Se Beber Não Case Melhor atriz de drama Sandra Bullock, por O Lado Cego Melhor ator de comédia ou musical Robert Downey Jr., por Sherlock Holmes Melhor ator de drama Jeff Bridges, por Crazy Heart
Aproveitando a data comemorativa do Dia dos Pais, lembramos aqui de filmes que, sob enfoques distintos entre si, abordam o tema da paternidade. Produções de diferentes nacionalidades e épocas que, a seu modo, trazem, por conta das peculiaridades culturais e históricas, também diferentes formas de expressão daquilo que é ser pai. Porém, uma coisa fica evidente em todos estes títulos: o amor. Seja incondicional, conflituoso, arrependido, culpado ou manifesto, está lá sentimento que norteia a relação entre eles, pais, e seus filhos.
Fazendo uma panorâmica, vê-se que há menos filmes significativos sobre pais do que de mães. Pelo menos, aqueles em que o pai é protagonista e não simplesmente uma figura acessória. Até por isso, torna-se interessante levantar uma listagem como esta no dia dedicado a eles. Escolhemos 9 títulos, afinal, estamos no dia 9. E detalhe: selecionamos apenas filmes premiados, desde Oscar até premiações estrangeiras ou nacionais. Indicações imperdíveis aos que ainda não viram, lembrança bem vinda aos que, como eu, terão a felicidade de revê-los - de preferência, com seus pais.
PAI PATRÃO, irmãos Taviani (Itália, 1977)
Baseado no romance autobiográfico de Gavino Ledda, conta a
história da dura infância e adolescência do escritor quando, aos seis anos, é
obrigado pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no campo. Todas as suas
tentativas de mudar de vida são abortadas pela ignorância e violência do
patriarca. Aos 20 anos, ainda analfabeto, Gavino acaba entrando para o
exército, onde adquire, enfim, algum conhecimento. Renunciando à carreira
militar, ele volta à sua terra para seguir estudando. No entanto, o choque com
o pai é inevitável.
Explorando a linda paisagem e luz naturais da região da
Sardenha, “Pai Patrão” é um tocante e contundente drama que põe a nu extremos
da relação entre pais e filhos, fazendo-se psicanalítico mesmo naqueles confins
da Itália. O pai (muito bem interpretado por Omero Antonutti) é uma
representação do quanto os instintos do bicho homem falam mais alto quando a
ignorância impera. O amor, existente – e contraditoriamente motor disso tudo –,
submerge diante do medo e da insegurança de uma pessoa despreparada para
aspectos da paternidade. A abordagem dos Taviani é crítica ao ressaltar o
comportamento de vários personagens muito próximo ao de animais. Também,
surpreendem ao desviar em alguns momentos o foco dos protagonistas, mostrando
ações e pensamentos de outros que os rodeiam, evidenciando sentimentos muito
parecidos com os de Gavino e de seu pai.
Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio
Palma de Ouro no Festival de Cannes, “Pai Patrão” foi a afirmação
dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani como importantes cineastas da
cinematografia moderna italiana a partir dos anos 70, uma vez que tinham como
herança a responsabilidade de fazer jus à obra de gênios já consolidados como
Fellini, Antonioni e Pasolini. Os Taviani, no entanto, cunharam um estilo mais
próximo ao dos neo-realistas, principalmente De Sica, no engenhoso jogo de
grandes e médios com primeiros planos, adicionando a isso um modo sempre muito
peculiar de contar as histórias, este, próprio do cinema moderno.
A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)
Na Suécia do século XIV, um simples casal cristão dono de uma propriedade rural incumbe a filha Karin (Birgitta Pettersson), uma adolescente pura e virgem, de levar velas para a igreja da região. No caminho, ela é estuprada e assassinada por dois pastores de cabras. Quando a noite chega, ironicamente os dois vão pedir comida e abrigo para os pais de Karin, onde são recebidos cordialmente. Porém, ao descobrirem a tragédia, os pais são tomados pelo sentimento de ódio.
Temas recorrentes na obra do sueco, a morte, a religiosidade e a compaixão servem de tripé para essa história magistralmente dirigida por Bergman. O contraste entre luz e sombra da fotografia em preto-e-branco do mestre Sven Nykvist realça, principalmente a partir da segunda metade da fita, a polaridade emocional da trama: bem e mal, Deus e Diabo, brutalidade e candura, vingança e perdão, vida e morte. O dilema recai sobre o pai, interpretado pelo lendário Max Von Sydow (recentemente morto, no último mês de março), que, com o coração dilacerado e pressionado pela mulher a matar os criminosos, perde a cabeça. E sua religiosidade? E a culpa em sujar-se de sangue? E a dor sua e da esposa? Isso aplacará a perda? Como administrar tudo isso?
filme "A Fonte da Donzela"
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria, esta obra-prima de Bergman valoriza, como em “Pai Patrão”, os elementos da natureza (água, pedra, sol, terra) como representação dos desafios essenciais da vida, mas difere do filme dos Taviani no tratamento da relação pai-filho. Se no outro a questão centra-se na distância emocional entre os personagens, aqui, é a morte que se impõe como separação. Por este ângulo, mesmo num filme transcorrido na Idade Média, “A Fonte da Donzela” é atualíssimo, pois traz um dilema muito comum na sociedade urbana atual: o de como os pais se posicionam diante da perda de um filho vitimado pela violência. Afinal, trata-se de uma obra incrível e significativa a qualquer época.
STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)
Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.
Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.
Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína
Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980, este filme ímpar na história do cinema alinha-se, em verdade, com outros filmes de arte do gênero ficção científica produto do período de Guerra Fria, em que a noção temporal é imprecisa, a humanidade jaz desenganada, o estado comprometeu-se e os avanços tecnológicos, promessas de avanço no passado, não deram tão certo assim no presente. Haja vista “Alphaville” (Godard, 1965), “Laranja Mecânica” (Kubrick, 1972) e “Fahrenheit 451” (Truffaut, 1966). Esse compromisso de crítica recai ainda mais sobre Tarkowski como cidadão da Rússia, um dos pilares da tensão planetária junto com os Estados Unidos.
KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)
Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.
“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?
Ted aprendendo e gostando de ser pai
Tamanho êxito como obra não passou despercebido. O filme foi o principal vencedor do Oscar de 1980, abocanhou os de Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante e Roteiro Adaptado, além de vários Globo de Ouro e outros festivais. Exemplo de drama da cinematografia norte-americana, uma vez que o filme de Robert Benton consegue unir atuações muito bem dirigidas, um roteiro “europeizado”, visto que forte e realista – feito raro em Hollywood – e um enredo tocante, mas que facilmente poderia escorregar para o piegas ou uma enfadonha DR. Filmado no mesmo ano de “Stalker”, traz a figura do pai em um momento de autorreconhecimento desta condição, ao passo de que o filme russo, esta condição já foi compreendida. No entanto, em ambas as produções, a distância entre as culturas são movidas pela mesma busca de um pai pela sobrevivência do filho.
A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012)
Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.
Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.
Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo
Vencedor do Prêmio do Público no Festival do Rio 2012, “A Busca” lembra o recorrente mote narrativo de filmes iranianos, a se citarem “Vida e Nada Mais”, “Gosto de Cereja”, “O Círculo” e “O Balão Branco”. Sempre há algo a se buscar, seja alguém ou algo que não se sabe exatamente ao certo. Metáfora da vida, essa busca simboliza a passagem do tempo e a (mesmo que não acontece durante o filme) inevitável morte, que um dia alcançará a todos independentemente da rota. Essa simbologia ganha ainda mais realce pelo fato de se tratar da genealogia sanguínea, ou seja: a única possibilidade de não-morte. O longa de Luciano Moura reafirma o entendimento de que, mais do que o final, o importante mesmo é o que se faz na jornada.
IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)
Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.
Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.
cenas de "Ironweed"
“Ironweed” levou o prêmio da New York Film Critics Circle Awards de Melhor Ator para Nicholson, embora tenha concorrido tanto a Oscar quanto Globo de Ouro. Babenco foi um cineasta tão diferenciado que, conforme contou certa vez, Nicholson, bastante sensibilizado com o filme que acabara de realizar, procurou-o um dia antes da estreia e pediu para ir à sua casa para o reverem juntos e que, durante aquela sessão particular, segurou bem firme na mão de Babenco e não a soltou até terminar.
À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)
Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.
Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.
Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real
Além de indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, “À Procura da Felicidade” faturou o NAACP Image Award de Melhor Filme mas, principalmente, premiou pai e filho por suas maravilhosas atuações. Will, o Phoenix Film Critics Society Awards. Já o pequeno Jaden levou não só este como o MTV Movie Award de Melhor Revelação. A sintonia entre pai e filho na frente e atrás das câmeras é captada com delicadeza pelo cineasta italiano Gabriele Muccino, que se valeu desta química para transpor para o cinema esta história inspiradora para qualquer pessoa, quanto mais, para um pai.
UP: ALTAS AVENTURAS, de Pete Docter (EUA, 2009)
Carl Fredricksen é um solitário idoso vendedor de balões que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Após um incidente, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado. Para evitar que isto aconteça, ele põe balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo e vá em direção a Paradise Falls, na América do Sul, onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Porém, Carl descobre que um “problema” embarcou junto: Russell, um menino de 8 anos.
A divertida e tocante animação, dirigida pelo assertivo Pete Docter (dos dois primeiros “Toy Story” e “Wall-E”), é das mais felizes realizações da Disney/Pixar. Acertos técnicos inquestionáveis como é de costume ao megaestúdio, mas principalmente, no enredo e nas metáforas que suscita. A simbologia do voo como elevação espiritual, da velhice e a proximidade com a morte é uma delas, bem como a casa como representação do corpo e daquilo que há no interior de cada um. Mas a trama toca também na questão da amizade, da lealdade e da paternidade, mas não necessariamente sanguínea. O ranzinza Carl, contrariado de princípio com a presença de Russell, vai se afeiçoando ao menino e compreendendo a importância do papel e da figura para este de um pai, o qual, ocupado com sua vida, pouco lhe dá atenção. As altas aventuras vividas por eles provam o quanto o pai também pode ser o que adota. Não no papel, mas no sentido mais emocional da palavra. Com o coração. O garoto, por sua vez, traz para o melancólico cotidiano de Carl, além de confusões – afinal, criança dá trabalho também – vida. Ah, e nisso inclui também a tiracolo um cãozinho, o simpático (e falante!) Dug.
O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração
“Up” ganhou Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora (Michael Giacchino), e chegou a concorrer a Oscar de Filme com títulos como “Guerra ao Terror” (vencedor), “Bastardos Inglórios”, “Avatar” e “Preciosa”, um feito para uma animação que seria igualado apenas por “Toy Story 3”, um ano depois. Uma qualidade do filme é que, devido à sua abordagem fantástica e resolução da trama, dificilmente terá uma continuidade, que, assim como acontece com várias outras animações, seguidamente entregam a primeira realização pela inconsistência e pela mera repetição caça-níquel. Vale muito também a pena assistir a versão brasileira dublada, que tem Chico Anysio impagável como Carl Fredricksen em um dos últimos trabalhos do humorista antes de morrer.
RAN, de Akira Kurosawa (Japão/França, 1985)
Adaptação de “Rei Lear”, de William Shakespeare, retrata de forma épica e brilhante o Japão feudal do século XVI, onde um velho senhor da guerra Hidetora, patriarca do clã Ichimonji (Tatsuya Nakadai), renuncia ao poder, entregando o seu império e conquistas aos três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder, ficando Jiro e Saburo, respectivamente, com o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios Contudo, ele subestima como o poder recém-descoberto dos filhos irá corrompê-los e levá-los a virarem-se uns contra os outros.
Obra-prima, “Ran” é mais uma adaptação de Shakspeare que Akira Kurosawa promoveu de forma pioneira no cinema japonês – assim como para com outros autores não-orientais como Dostoiévski, Gorky e Arsenyev. Porém, desta vez em cores, diferentemente do que fizera em 1957 adaptando “Macbeth” em “Trono Manchado de Sangue”, o que amplia a magnífica fotografia em grandes planos, o desenho de cena primoroso, os figurinos em que os tons simbolizam estados psicológicos e cenografia que remete ao milenar teatro japonês.
trailer de "Ran"
“Ran” levou o Oscar de Melhor Figurino e concorreu a Melhor Direção de Arte, Fotografia e Diretor, sendo a primeira e última vez que Kurosawa seria nomeado pela Academia. A tragédia teatral ganha uma dimensão ainda mais bela na tela grande, mais do que adaptações anteriores da mesma peça, ao retratar os desacertos internos dos Ichimonji, evidenciando um problema recorrente em famílias poderosas, que é a briga pelo poder e o desafio à autoridade e figura do pai. Numa produção digna do anseio de seu realizador, "Ran" revela conflitos e sentimentos muito genuínos como inveja, cobiça e orgulho e questionando a ancestralidade como formas de manutenção (ou não) do sangue.
Daniel Rodrigues com colaborações deLeocádia Costa e Cly Reis
Uma de minhas catequeses em cinema foi a finada sessão
CineClube Banco do Brasil, que, nos anos 90, passava aos sábados à noite na TV
Band (com apresentação luxuosa de Fernanda Torres, inclusive). Dentro os vários
cult-movies e clássicos que tive o
privilégio de assistir ali, de produções asiáticas a mexicanas, os filmes
europeus dos anos 80 protagonizados por crianças durante ou pós-Segunda Guerra
me marcaram fortemente, sendo fundamentais para o meu entendimento da
profundidade da arte cinematográfica hoje. A maturidade histórico-social da
Europa naqueles idos parece ter motivado alguns cineastas a produzissem obras
com características em comum: casamento de realismo e poesia, um sabor lúdico,
narrativas sensíveis, desfechos não necessariamente finitos e, principalmente,
uma abordagem crítica, por vezes sutil, mas contundente, na visão das crianças,
fugindo dos estereótipos fantasiosos de filmes sobre a infância. Registro aqui
alguns desses títulos tão especiais a mim.
Adeus, Meninos (França,
1987)
Do mestre Louis Malle, “Adeus, Meninos” é um conto sobre
amizade, intolerância, valores e descobrimento. Durante a Segunda Guerra, na
França ocupada pelos nazistas, uma escola católica esconde alunos judeus. O
garoto Julien vê com desconfiança a chegada do novo colega Jean, mas logo se
torna seu amigo. O absurdo da guerra lhes põem em conflito entre o ser e o
estar, abrindo um paradigma de reflexão e autoconhecimento.
Multipremiado, “Adeus, Meninos” recebeu Leão de Ouro em
Veneza e sete César, incluindo Melhor Filme, Roteiro e Direção, além de
indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Roteiro Original.
A história, baseada em lembranças de infância de Malle, traz um tom
narrativo simples mas sensível e minucioso, deixando de lado a visão romantizada
da infância típica de obras autobiográficas ao criar uma parábola sobre o fim
da inocência. Com referências claras a "Os Incompreendidos" (Truffaut, 1959) e
“Zero de Conduta” (Vigo, 1933), o filme, também escrito e produzido por Malle,
marca uma “volta às origens” na cinematografia deste cineasta que foi um dos
precursores do cinema moderno francês, uma vez que ele vinha de realizações
norte-americanas tanto ousadas quanto questionáveis. Disponível em DVD pela
Silver Screen.
Minha Vida de
Cachorro (Suécia, 1987)
De um lirismo encantador, estilo próprio do diretor Lasse
Hallström, é considerado um dos filmes mais marcantes da década de 80 e o meu
preferido dentre os títulos que destaco. De sucesso comercial à época e
vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, além de indicações ao
Oscar, este cult foi responsável por
impulsionar a carreira internacional de Hallström, que posteriormente seguiu
carreira nos Estados Unidos, dirigindo o aclamado “Chocolate” (2000).
O filme mostra a pré-adolescência do garoto Ingemar, que
mora num vilarejo sueco no final dos anos 50 com o irmão mais velho e a mãe
tuberculosa, uma mulher perturbada que vive em constante conflito com os
filhos. Um pouco Charlie Brown, ele reflete sobre o porquê das coisas, sem compreender
muito bem para onde sua vida o está conduzindo. Mas vai levando! Sua melhor
amiga, a cadela Sickan, sofre, como ele, de um forçado exílio: é enviada para o
canil ao mesmo tempo em que seu dono vai passar a temporada de verão com os
tios, Lá, o garoto conhece novas pessoas e faz amizades. A solidão existencial
do “cachorrinho” Ingemar, resultante da incerteza de ter um lar e da distância
física e emocional para com sua família (incluindo a cadela), não é motivo, no
entanto, para tristeza. À parte de tudo isso, Ingemar é querido pelos tios e
pelos amigos, e a percepção feliz de criança prevalece, o que dá cores
especiais ao filme.
Sob o enfoque do garoto, que narra a história através de sua
visão pura e imaginativa, o filme transporta o espectador para a realidade
do protagonista, por vezes engraçada, por vezes dura, mas nunca triste.
Sensível, aborda aspectos cotidianos com naturalidade e beleza, como a amizade
com a menina que gosta de se vestir como menino para poder jogar futebol, a
conquista dele para com o tio, resistente de início àquela nova pessoa em sua
casa, ou sua descoberta da sexualidade, ainda cheia de interrogações mas
intuitivamente saborosa. Esta aparente simplicidade do filme, porém, acaba
suscitando aspectos profundos e ricos de significado. Um filme adorável.
Disponível em DVD pela Versátil.
Quando Papai Saiu em
Viagem de Negócios (Iugoslávia, 1985)
Segundo longa-metragem de Emir Kusturica, recebeu a Palma de
Ouro no Festival de Cannes – feito que o diretor repetiria 10 anos depois com
“Underground”, entrando para uma seleta lista de cineastas que levaram duas
vezes a distinção. O filme se passa nos tempestuosos anos pós-Segunda Guerra na
Iugoslávia stalinista, revelando a visão de Miki, um garoto de 6 anos cujo pai,
funcionário do Ministério do Trabalho, é preso pelo sistema político repressor
da época. A família, por verem-no preocupado com o sumiço do pai,
conta-lhe que este viajou a negócios. Acreditando na história, a criança passa
a viver sempre à espera do retorno, mas o tempo vai lhe ensinando outros
desafios.
Como fuga daquela realidade tão terrena, o sonho do menino é
uma viagem ao espaço. Neste sentido, “Quando Papai…”, assim como “Minha Vida de
Cachorro“, aborda de maneira inteligente e bem-humorada o descobrimento de
valores e o questionamento das razões da existência. A dicotomia proximidade/distância
e sentir/estar se repete, inclusive no aspecto da “viagem espacial”, uma vez
que no longa sueco a mente imaginativa do protagonista constantemente
relacionava a cadela Sickan à outra cachorrinha, a Laika, conhecida
mundialmente por ter viajado ao espaço e lá morrido. Nos dois filmes, a
significação simbólica do elemento “espaço” está fortemente relacionada à
construção da identidade dos dois personagens, que buscam conceber sentidos,
como o de usar como defesa para seus medos a irrealidade, e o de tentarem,
dentro de suas limitações e pureza, compreender o mundo que lhes rodeia.
Profundo e belo. Disponível em DVD pela Lume Filmes.
Filhos da Guerra
(Alemanha/França/Polônia, 1990)
Obra-prima da talentosa Agnieszka Holland sobre aspectos
muito profundos da condição humana e da barbárie promovida pela guerra, é
certamente o mais intenso dos filmes aqui destacados. Assim como os filmes de Hallström
e Kusturica, “Filhos da Guerra” também foi o alavancador ao cinema
norte-americano para a diretora polonesa por conta de seu sucesso (recebeu o
Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro), que, em 1993, rodou nos Estados
Unidos o belo “O Jardim Secreto”.
Baseado em fatos verídicos, conta a incrível história de
Solomon Perel, um jovem que sobrevive ao Holocausto escondendo sua identidade
judaica e, paradoxalmente, encontra refúgio junto à Juventude Hitlerista. Sua
trajetória começa quando sua família alemã de origem judaica é perseguida pelos
nazistas e se refugia na Polônia. Com a invasão, o que parecia ser o começo de
uma vida tranquila, rapidamente se transforma em um grande pesadelo. Perel
consegue fugir levando seu irmão, mas acaba se perdendo dele e busca refúgio
entre os bolcheviques. Depois de viver em um orfanato, acaba sendo capturado
pelos nazistas. Sua única alternativa é se alinhar ao exército de Hitler e,
para isso, tem que esconder sua verdadeira identidade. Disponível em DVD pela
Spectra Nova.
Poderia elencar uma série de qualidades e aspectos para falar de “Ainda Estou Aqui”, esse fenômeno de bilheteria e sucesso de crítica que vem arrebatando plateias ao redor do mundo. O filme acaba de ser indicado ao Oscar de Melhor Filme e de Melhor Filme Internacional, além da indicação de Fernanda Torres a melhor Atriz, ela que, no último dia 5 de janeiro, já havia vencido um prémio inédito e importantíssimo para o cinema nacional, o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama. Poderia falar sobre os outros importantes prêmio, como o de Melhor Roteiro no Festival de Veneza, e aclamações, como em Toronto. Poderia falar do alvoroço em torno do filme de Walter Salles e sua possível vitória no Oscar de Filme Internacional e, quem sabe, em mais de uma categoria. Porém, o que mais me salta aos olhos e ao coração quando “Ainda...” vêm à retina da memória é a palavra “integridade”. Em mais de um sentido: na sua feitura, nas atuações, no respeito aos personagens e à história recente do Brasil.
A começar pela direção de Waltinho. Pode soar negativo, mas não se enganem: “Ainda...” não me fez chorar como a muitos espectadores. Não retiro a razão e muito menos o direito das pessoas se emocionarem. Longe disso. Afinal, a história da família Paiva durante o período da ditadura militar no Brasil, quando a matriarca Eunice, após seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser levado pelos militares e desaparecer, precisa se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos enquanto busca pela verdade é, sim, tocante em diversos aspectos. Porém, por se tratar da reprodução de um período doído e repleto de fatores interligados (políticos, civis, humanos, judiciais, etc.) capazes de despertar diversos sentimentos. No meu caso, o que mais faz emergir é a indignação e o assombro com o horror da ditadura – o que não me leva a lágrimas, mas muito mais ao espanto e à fúria. Em comparação àquele que considero a obra-prima do cineasta, “Central do Brasil” (1998), daqueles filmes de se debulhar chorando, “Ainda...” não passa nem perto de provocar tamanha comoção, não deste jeito sentimental.
Porém, como fiz questão de advertir, isso não é um demérito de “Ainda...”, e, sim, resultado de uma de suas principais qualidades: a integridade de como conta-se a história. Cuidadoso com a reprodução da verdade em seus mínimos detalhes, Salles valeu-se de um roteiro (Murilo Hauser e Heitor Lorega) que respeita as páginas do livro que motivou o filme, escrito por um deu seus ativos personagens, o escritor Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos de Rubens e Eunice e que aparece no filme em vários momentos, da infância à fase adulta. Disso, Salles captou o que melhor serviria para o audiovisual, parte onde, aí sim, é o olhar de cineasta que age. No entanto, desse híbrido “realidade/memória” + “tradução”, resta um filme rigoroso, ciente de sua responsabilidade em cada enquadramento, cada cenário, cada movimento, cada temperatura da foto. Basta ver a comparação de tomadas do filme com fotos da família da época, que estão circulando pelas redes sociais.
Fernanda Torres: vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar
A emotividade recai com mais propriedade na atuação dos atores, principalmente, claro, na de Fernandinha. A atriz está dona da cena. Extremamente absorvida pela personagem, ela usa de toda sua experiência de uma carreira de mais de 55 anos para expressar em cada olhar, cada pronúncia, cada gesto a dignidade, a integridade de Eunice. O pavor, a incerteza, a amorosidade, a coragem, tudo envolve o corpo da atriz. Ela faz com que se torne verossímil (pois a intenção foi a de ser o mais fiel possível aos fatos) a personalidade ao mesmo tempo frágil e valente de Eunice, que reage e age diante de tamanha brutalidade, mesmo com o mundo em suas costas e a repressão sobre sua cabeça. É tão real a personificação dada por Fernanda, que a mim passa mais um sentimento de assombro do que qualquer outro sentimento. É como se se estivesse vendo aqueles momentos de pavor diante dos olhos e, nesta hora, é muito mais pasmo do que choro que me acomete.
Comparativamente a outros filmes sobre a ditadura no Brasil, “Ainda...” também é diferente, visto que emprega uma austeridade narrativa mais profunda, o que lhe volta como potência para a tela. “O que É Isso, Companheiro?”, de 1997 (um dos três concorrentes do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Internacional nos últimos 30 anos, juntamente com “O Quatrilho”, de 1995, e o já citado “Central...”), “Batismo de Sangue”, de 2006, e “Zuzu Angel”, também de 2006, para citar três filmes de ficção brasileiros que abordam histórias reais dos anos de chumbo, são todos mais escancaradamente violentos, principalmente “Batismo...”, que contém fortes cenas de tortura nos porões militares. No caso de “Ainda...” essa violência é muito mais interna da ação, uma vez que os fatos se dão a partir do ponto de vista e Eunice – que, embora presa e torturada psicologicamente, não assistiu às cenas de horror as quais escutava pelos corredores do DOI. A barbárie está lá e o espectador nem precisa vê-la para arrepiar-se junto com a protagonista.
É apavorante, contudo, pensar noutra coisa: não apenas o sucesso, mas a existência deste filme em uma época de obscurantismo como o que vivemos anos atrás no Brasil. Fosse no contexto político anterior, certamente se travaria uma batalha entre os realizadores e o então governo, como ocorrera com “Marighella”, quase impedido de ser lançado. Ver “Ainda...” podendo provocar discussões e a corrida de gerações mais novas e pouco informadas em busca da própria história em sociedade é de uma riqueza incalculável. É a própria democracia em ação. Como em alguns poucos momentos da nossa recente história como nação democrática, é possível perceber o brasileiro dando, mesmo que indiretamente, valor àquilo que lhe é mais caro: a liberdade. Isso sim é realmente tocante e íntegro graças a "Ainda Estou Aqui".
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trailer oficial de "Ainda Estou Aqui"
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O Brasil Ainda Está Aqui
por Rodrigo Dutra
Uma obra to-tal-men-te aclamada. "Ainda Estou Aqui" estreou em novembro de 2024 e já alcançou mais de 3 milhões de espectadores brasileiros. Está trilhando uma jornada de sucesso em festivais conceituados pelo mundo, desde sua apresentação em Veneza. O ápice deste caminho foi a entrega emocionante e inédita do Globo de Ouro para Fernanda Torres, como melhor atriz dramática, 25 anos depois da “Fernandona” ser indicada por "Central do Brasil", também com direção de Walter Salles. Mas enquanto redijo essas palavras, os indicados ao badalado Oscar 2025 ainda estão por vir. Quem sabe até o final do texto teremos mais novidades sobre, como disse Cláudia Laitano, “...o filme nacional mais importante deste século.”?
Cresci em um ambiente militarista, com família orgulhosa pelos “heróis generais, duques e marechais” do passado, dos presidentes não eleitos pelo povo e, lógico, dos seus próprios integrantes nas Forças Armadas. Eu até quase segui este caminho. Mas o período da ditadura sempre foi negado (e é negado por um mar de pseudopatriotas). Essa mancha sombria na história não é explorada explicitamente no filme de Salles, adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, político cassado pela ditadura e que foi morto pelos militares. Nota-se a opção de não chocar o público com sangue e cenas de tortura, mas sim com gritos de desespero de pessoas sendo torturadas no Dops, ouvidos por Eunice Paiva, a viúva admirável, obstinada e resiliente, além de toda a atmosfera nebulosa de capangas, fardas e armas.
A Eunice de Fernanda Torres é uma versão assombrosa, hipnótica, determinada, com uma força inexplicável que só as mulheres extraordinárias possuem (como Eunice e Fernanda). O começo solar da família Paiva começa a desmoronar a partir da cena marcante da foto na praia, onde todos estão felizes na pose, e o olhar aguçado de Eunice mirando um tanque do exército ao longe. Essa cena mostra que o “monocordismo” de Fernanda só existe na cabeça de gente ignorante, que nunca teve o prazer de assistir a "Eu Sei que Vou Te Amar" (ela ganhou como melhor atriz em Cannes em 1986), ou "Terra Estrangeira", ou a libertina baiana de "A Casa dos Budas Ditosos", ou Vani, ou Fátima e tantos outros trabalhos percorrendo dramas e comédias deste patrimônio cultural brasileiro, filha de dois gigantes da nossa cultura.
Além da exuberância da interpretação de Fernanda Torres, quero destacar outros aspectos do filme que explicam o seu sucesso mundial. O cuidado com a restituição da época. Salles convidou colecionadores de carros antigos e fechou a avenida para que eles circulassem, não precisando resgatar imagens reais antigas para utilizar. As crianças e jovens que interpretam os filhos da família Paiva são espetaculares, desde os pequenos, incluindo os cãezinhos, até Valentina Herszage e Bárbara Luz, nova geração de atrizes de gabarito. A trilha sonora é de uma beleza absurda, reinflando o hino contra a ditadura "É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo", de Roberto e Erasmo, além de Tim Maia, Tom Zé e até, vejam só vocês, de Juca Chaves, que morreu tristemente defendendo uma nova intervenção militar. E, por fim, os poucos minutos de silêncio de Fernanda Montenegro na parte final do filme, desestabilizando o público com sua interpretação não-verbal histórica e arrepiante.
Deve ser extremamente difícil, para os defensores da ditadura, testemunhar a expansão da família Paiva, a relevância de Rubens Paiva na história política, o ativismo pelos direitos humanos de Eunice, o sucesso literário e intelectual de Marcelo. A luta contra o fascismo e a extrema direita está mais viva do que nunca e nesse momento temos que comemorar essas 3 indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme, fato inédito na história cinematográfica nacional. A vida presta, como diz Fernanda. Acima de tudo, o cinema brasileiro presta....e muito!