A solidão é tema de dois dos filmes que concorrem ao Oscar e que tem um jeitinho diferente de ser. O primeiro é "Ela", do Spike Jonze, que fez, entre outras coisas, "Quero Ser John Malkovich" (1999) e "Adaptação" (2002). Joaquin Phoenix (maravilhoso como sempre) é Theodore, um escritor de cartas no futuro que instala um novo Sistema Operacional em seu computador que tem a voz de Samantha (Scarlet Johanssen, incrível). Com o passar do tempo, Theodore, que tenta se recuperar de uma separação, acaba se apaixonando pela voz e pela "personalidade" deste SO autodenominado Samantha. Tudo isso filmado em Xangai e Los Angeles, duas das cidades mais poluídas e desumanas do planeta. Aliás, é isso que Jonze – autor do roteiro – quer mostrar: a substituição das relações pessoais pela tecnologia. Ao sair do filme, sentei num café e fiquei olhando as pessoas ao redor e quase ninguém conversava. Mas todo mundo teclava. Interessantes são os personagens Amy (Amy Adams arrasando de novo!) e Charles (Matt Letscher). Eles são os únicos amigos de Theodore, mas, quando se separam, Charles vira monge budista (uma referência explícita aos amigos de Jonze, os Beastie Boys, cujo integrante falecido, Adam Yauch, também praticava o budismo).
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
"Ela", de Spike Jonze (2013) e "Nebraska" de Alexander Payne (2013)
A solidão é tema de dois dos filmes que concorrem ao Oscar e que tem um jeitinho diferente de ser. O primeiro é "Ela", do Spike Jonze, que fez, entre outras coisas, "Quero Ser John Malkovich" (1999) e "Adaptação" (2002). Joaquin Phoenix (maravilhoso como sempre) é Theodore, um escritor de cartas no futuro que instala um novo Sistema Operacional em seu computador que tem a voz de Samantha (Scarlet Johanssen, incrível). Com o passar do tempo, Theodore, que tenta se recuperar de uma separação, acaba se apaixonando pela voz e pela "personalidade" deste SO autodenominado Samantha. Tudo isso filmado em Xangai e Los Angeles, duas das cidades mais poluídas e desumanas do planeta. Aliás, é isso que Jonze – autor do roteiro – quer mostrar: a substituição das relações pessoais pela tecnologia. Ao sair do filme, sentei num café e fiquei olhando as pessoas ao redor e quase ninguém conversava. Mas todo mundo teclava. Interessantes são os personagens Amy (Amy Adams arrasando de novo!) e Charles (Matt Letscher). Eles são os únicos amigos de Theodore, mas, quando se separam, Charles vira monge budista (uma referência explícita aos amigos de Jonze, os Beastie Boys, cujo integrante falecido, Adam Yauch, também praticava o budismo).
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Sean Lennon - "Into the Sun" (1998)
“Into the Sun” é, simplesmente, apaixonante. De sonoridade sofisticada, experimental e com um toque artesanal, o CD de estreia deste abençoado ser – resultado da cruza de John Lennon com Yoko Ono – emenda uma pérola atrás da outra, numa explosão de criatividade e técnica. O referido ar “caseiro” não é à toa: exceto algumas participações, Sean compõe, produz, canta e toca todos os instrumentos. A delicada faixa-título – uma bossa-nova de rara beleza com direito à batida de violão a la João Gilberto – é a única em que divide o microfone, acompanhado de Miho Hatori, vocalista da banda Cibo Matto. A outra integrante deste grupo, a então namorada Yuka Honda, co-produtora e “musa inspiradora” da obra, dá sua contribuição com samples, programações e no vocal de “Two Fine Lovers”, um jazz-lounge funkeado ao mesmo tempo romântico e dançante, e de “Spaceship”, outra das melhores.
Uma peculiaridade que impressiona na música de Sean é a sua capacidade de inventar melodias de voz absolutamente belas. É o caso de “Home”, single do CD que rodava direto na MTV com o ótimo clipe de Spike Jonze. Por trás das guitarradas estilo Sonic Youth e da bateria possante do refrão, a melodia de voz é doce, linda, daquelas de cantar de olhos fechados pra saborear cada frase. Outra assim é “Bathtub”, um mescla de MPB com Beatles em que, novamente, Sean destila sua destreza com a palavra cantada, principalmente na parte final, onde se cruzam três melodias de voz apresentadas durante a faixa.
Eu sei, eu sei! É óbvio que a dúvida surgiria: afinal, a música Sean se parece com a de John? Como TUDO em música pop depois dos The Beatles, sim; mas, surpreendentemente, menos do que seria normal pela consanguinidade. A voz, claro, lembra o timbre levemente infantil do beatle. Das músicas, “Wasted”, só ao piano e voz, e, principalmente, “Part One of the Cowboy Trilogy”, um country como os que John tinha incrível habilidade ao compor, remetem bastante. Mas fica por aí. No máximo, a parecença conceitual com álbuns do pai como “Plastic Ono Band” ou “Imagine” por conta da diversidade estilística – o que, convenhamos, não era uma característica só de sir. Lennon.
Outra marca de Sean é a composição no violão. Da ótima faixa de abertura, “Mystery Juice”, à balada “One Night”, passando pelas bossas – a já citada “Into the Sun” e “Breeze”, outra belíssima –, ele brande as cordas de nylon para extrair melodias muito pessoais e profundas. A mais intensa destas é, certamente, “Spaceship”, que começa só ao violão sobre ruídos eletrônicos e na qual vão se adicionando outros instrumentos e sons, até estourar em emoção no refrão, com guitarras distorcidas, bateria alta e a voz de Honda no backing. Ótima.
Mas a variedade musical de Sean não pára por aí. Depois de MPB, indie, country e balada, ele apresentaria ainda, se não melhor, a mais bem trabalhada música do álbum: “Photosynthesis”, um jazz-rock instrumental no melhor estilo Art Ensemble of Chicago. Puxado pelo baixo acústico, que mantém a base o tempo inteiro, tem samples, solos de flauta e de piano, até que, depois de um breve breque, a música volta com um impressionante solo de percussão latina e, emendando, um outro de trompete. Incrível! “Sean’s Theme”, mais um jazz, este mais piano-bar, fecha bem “Into the Sun”, que traz ainda “Queue”, um gostoso rock embaladinho que termina sob uma camada densa de guitarras, revelando, mais uma vez, a engenhosidade no trato com a melodia de voz.
Um “disco de cabeceira” para mim, que não canso de reouvir. Um baita disco de rock com a distinção de quem herdou o que de melhor seu pai tinha como gênio da música que foi: a sensibilidade artística.
***********************
vídeo de "Home", Sean Lennon
*********************************
FAIXAS:
1. "Mystery Juice"
2. "Into the Sun"
3. "Home"
4. "Bathtub" (S. Lennon/Yuka Honda)
5. "One Night"
6. "Spaceship" (S. Lennon/Timo Ellis)
7. "Photosynthesis"
8. "Queue" (S. Lennon/Y. Honda)
9. "Two Fine Lovers"
10. "Part One of the Cowboy Trilogy"
11. "Wasted"
12. "Breeze"
13. "Sean's Theme"
Todas as músicas de autoria de Sean Lennon, exceto indicadas.
****************************
Ouça:
quarta-feira, 11 de março de 2020
Exposição “Björk Digital” - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro /RJ
Começa hoje no CCBB uma das exposições que eu mais aguardava nos últimos tempos. Soube que ela andava por aqui, por ali, passava por outros estados e tinha a expectativa se passaria aqui pelo Rio de Janeiro. Trata-se de “Björk Digital”, exposição que explora o universo visual tão rico e criativo que vemos nos videoclipes, figurinos, artes de álbuns da artista islandesa, através de instalações, elementos interativos e vídeos. A viagem ao mundo de Björk é dividida em três partes: uma primeira com instalações audiovisuais baseadas em canções do álbum “Vulnicura”, apresentadas em realidade virtual óculos de realidade virtual, somando-se a interações com um avatar digital da cantora; uma segunda apresentando através de tablets, conteúdo criado durante a concepção do álbum “Biophilia”), explorando a relação entre tecnologia e natureza; e a última trazendo uma seleção de clipes produzidos ao longo da carreira da islandesa, como "Human Behaviour", "All is full of love" e “Blissing Me”, concebidos e dirigidos em parceria por diretores e artistas visuais do mundo como Michel Gondry, Inez + Vinoodh e Spike Jonze.
Como fã desta pequena grande islandesa que transborda arte e inquietude criativa, não poderei perder essa esposição. Nos próximos dias estarei lá e voltarei aqui para contar como foi. recomendo que você vá também.
Tá a fim?
Se liga no serviço da exposição:
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
Oscar 2014 - Indicados
Abaixo a lista com os indicados em cada categoria:
Melhor filme
Trapaça
Capitão Phillips
Clube de Compras Dallas
Gravidade
Ela
Nebraska
Philomena
12 Anos de Escravidão
O Lobo de Wall Street
Melhor diretor
David O. Russell - Trapaça
Alfonso Cuarón - Gravidade
Steve McQueen - 12 Anos de Escravidão
Martin Scorsese - O Lobo de Wall Street
Alexander Payne - Nebraska
Melhor atriz
Cate Blanchett - Blue Jasmine
Amy Adams - Trapaça
Sandra Bullock - Gravidade
Judi Dench - Philomena
Meryl Streep - Álbum de Família
Melhor ator
Christian Bale - Trapaça
Bruce Dern - Nebraska
Leonardo DiCaprio - O Lobo de Wall Street
Chiwetel Ejiofor - 12 Anos de Escravidão
Matthew McConaughey - Clube de Compras Dallas
Melhor ator coadjuvante
Barkhad Abdi - Capitão Phillips
Bradley Cooper - Trapaça
Michael Fassbender - 12 Anos de Escravidão
Jonah Hill - O Lobo de Wall Street
Jared Leto - Clube de Compras Dallas
Melhor atriz coadjuvante
Sally Hawkins - Blue Jasmine
Jennifer Lawrence - Trapaça
Lupita Nyong'o - 12 Anos de Escravidão
Julia Roberts - Álbum de Família
June Squibb - Nebraska
Melhor canção original
"Alone Yet Not Alone" - Alone Yet Not Alone
"Happy" - Meu Malvado Favorito 2
"Let it Go" - Frozen - Uma Aventura Congelante
"The Moon Song" - Ela
"Ordinary Love" - Mandela
Melhor roteiro adaptado
Antes da Meia-Noite
Capitão Phillips
Philomena
12 Anos de Escravidão
O Lobo de Wall Street
Melhor roteiro original
Trapaça
Blue Jasmine
Clube de Compras Dallas
Ela
Nebraska
Melhor longa de animação
Os Croods
Meu Malvado Favorito 2
Ernest & Celestine
Frozen - Uma Aventura Congelante
The Wind Rises
Melhor documentário em longa-metragem
The Act of Killing
Cutie and the Boxer
Dirty Wars
The Square
20 Feet From Stardom
Melhor longa estrangeiro
The Broken Circle Breakdown
A Grande Beleza
A Caça
The Missing Picture
Omar
Melhor fotografia
O Grande Mestre
Gravidade
Inside Llewin Davis: Balada de um Homem Comum
Nebraska
Os Suspeitos
Melhor figurino
Trapaça
O Grande Mestre
O Grande Gatsby
The Invisible Woman
12 Anos de Escravidão
Melhor documentário em curta-metragem
CaveDigger
Facing Fear
Karama Has No Walls
The Lady in Number 6: Music Saved My Life
Prison Terminal: The Last Days of Private Jack Hall
Melhor montagem
Trapaça
Capitão Phillips
Clube de Compras Dallas
Gravidade
12 Anos de Escravidão
Melhor maquiagem e cabelo
Clube de Compras Dallas
Vovô Sem-Vergonha
O Cavaleiro Solitário
Melhor trilha sonora
A Menina que Roubava Livros
Gravidade
Ela
Philomena
Walt nos Bastidores de Mary Poppins
Melhor design de produção
Trapaça
Gravidade
O Grande Gatsby
Ela
12 Anos de Escravidão
Melhor animação em curta-metragem
Feral
Get a Horse!
Mr. Hublot
Possessions
Room on the Broom
Melhor curta-metragem
Aquel No Era Yo (That Wasn't Me)
Avant Que De Tout Perdre (Just Before Losing Everything)
Helium
Pitääkö Mun Kaikki Hoitaa? (Do I Have to Take Care of Everything?)
The Voorman Problem
Melhor edição de som
Até o Fim
Capitão Phillips
Gravidade
O Hobbit - A Desolação de Smaug
O Grande Herói
Melhor mixagem de som
Capitão Phillips
Gravidade
O Hobbit - A Desolação de Smaug
Inside Llewin Davis: Balada de um Homem Comum
O Grande Herói
Melhores efeitos visuais
Gravidade
O Hobbit - A Desolação de Smaug
Homem de Ferro 3
O Cavaleiro Solitário
Star Trek - Além da Escuridão
terça-feira, 4 de março de 2014
Oscar 2014 - Vencedores
E apesar de "Gravidade", do mexicano Alfonso Cuarón, ter empilhado estatuetas (7 no total), "12 Anos de Escravidão", do britânico Steve McQueen, foi quem levou o prêmio de melhor filme. O que normalmente poderia ser visto como uma incoerência, no caso da premiação deste ano mostrou-se como uma separação de critérios. Parece que a Academia reconheceu o grande trabalho, competência e qualidade de "Gravidade", a ponto de não poder negar que um trabalho tão perfeito tecnicamente merecesse ganhar o premio de direção, mas não se comprometia a ponto de ter que lhe agraciar com o de filme, preferindo para este posto algo mais característico dentro de sua tradição, com um apelo emocional mais forte, mensagens humanísticas, tons épicos e heroicos mais evidentes. Nada contra. A Academia é assim mesmo e muito raramente muda alguma coisa. Conservadorismo que aliás fazia com que qualquer um em juízo perfeito, duvidasse que "Ela", preferido dos 'cabeças', pudesse ganhar o prêmio principal da noite, mas acho que até os cults e cinéfilos mais exigentes e fervorosos, tenham se dado por satisfeitos com o reconhecimento pelo roteiro do filme de Spike Jonze.
No mais, Mathew McConaughey e Cate Blanchet eram páreos corridos para ator e atriz, respectivamente; Lupita Nyong'o não chegou a ser uma surpresa com o Oscar de atriz coadjuvante; Scorsese, depois da vitória com "Os Infiltrados", parece mesmo com um grande trabalho, ter voltado à lista dos renegados, saindo de mãos vazias com seu "O Lobo de Wall Street"; assim como o U2 que continua sem levar seu Oscarzinho pra casa, perdendo dessa vez para a trilha da animação "Frozen".
O lado negativo da festa, na minha opinião, foi a condução surpreendente ruim da apresentadora e comediante Ellen Degeneris, que, costumeiramente inteligente e espirituosa, exceção feita à tirada sobre racismo no início da festa, a brincadeira com as seguidas quedas da bela Jennifer Lawrence, foi um desastre, insistindo em situações desagradáveis, tolas, e desnecessárias. Para fazer a 'muvuca' que ela aprontou na platéia e praticamente não fazer uma observação ou piada inteligente, com certezanão seria necessário uma MC do seu calibre, muito menos ganhando o que ela deve ter levado para conduzir a cerimônia.
Sei que teve quem gostasse: "Quebrou o gelo", "Desfez a frescura", "Aproximou os artistas do público" e blablablá... Particularmente preferiria um mestre de cerimônias mais sagaz, que tivesse aproveitado as situações para compor seus comentários e atuação mas... Mas não foi o mais importante da festa. O importante foram os premiados e aí vão eles:
MELHOR DIRETOR
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
MELHOR DOCUMENTÁRIO
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
cotidianas #110 - "California"
Pra quem acorda, literalmente, queimado, na segunda-feira.
Vídeo bem bacana dirigido pelo mestre Spike Jonze:
terça-feira, 7 de maio de 2019
segunda-feira, 7 de março de 2022
Beastie Boys - "Ill Communication" (1994)
Os Beastie Boys, se também pegaram no seu começo essa fase ingênua do rap com o aclamado – mas fraco – “Licensed to Ill”, de 1986, por outro lado, evoluíram mais rápido que qualquer outro artista ou banda do gênero, o que talvez seja explicado por sua origem distinta. Brancos e de ascendência judaica, Michael Diamond (Mike D), Adam Yauch (MCA) e Adam Horovitz (Ad-Rock) vinham da cena hardcore, “primo pobre” do estelar mundo pop, e se gozavam de condição social diferente da maioria de seus colegas rappers, tinham no grito punk um fator igualitário. Tanto que, já em “Paul’s Boutique”, de 1989, seu segundo álbum, mostram, não sem certa resistência pela cor da pele clara, esse alto nível de maturidade musical e, a partir dali, não pararam mais de progredir até chegarem a “Check Your Head”, de 1992, inaugurando o que pode ser chamado de rap moderno.
O trio não apenas passa a construir músicas bastante elaboradas, com colagens inteligentes e bem acabadas, como evoluem no modo de cantar, intercalando (ou não) as vozes e no proveito de outros ritmos que não só o funk, como é comum ao rap. Tem o groove a la James Brown, claro, mas tem jazz, música latina, soul, AOR, psicodelia e... hardcore! Forjados nos pubs alternativos de Nova York, passam a integrar sem constrangimento sua veia punk ao rap. Eles entenderam que haviam chegado onde ninguém jamais havia conseguido. Cientes disso, concebem “Ill Communication”, de 1994, mostrando que ainda era possível dar passos adiante mesmo depois de terem chegado à sua obra-prima 2 anos antes.
Os Beastie Boys abrem “Ill...” com “Sure Shot”, um exemplo claro do art rap que somente anos depois MF Doom atingiria. Big beat, controle total do andamento, variações de ritmo e os samples, diversos, comandados pelo DJ Hurricane e totalmente a serviço da arquitetura sonora. Com esta joia abrem em alto estilo o disco, repetindo o feito de “Check...” com a faixa inaugural “Jimmy James”. Seguros de sua música, eles emendam “Tough Guy”, um hardcore puro, tiro curto, no melhor estilo baixo-guitarra-bateria tal como aprenderam com os ídolos Bad Brains no início dos anos 80. São os rapazes dando a entender que não voltavam depois de seu aclamado trabalho para brincar. Queriam mais.
Como já vinham exercitando desde “Paul’s...”, os Beastie Boys engendram uma música de tamanha plasticidade, que é difícil distinguir o que é sampleado, o que é programação e o que é tocado, resultado o qual devem grandemente ao produtor brasileiro Mário Caldato Jr., peça fundamental para esta virada evolutiva promovida pela banda. Certamente, é por influência de Caldato que as sonoridades brasileiras começaram a aparecer, solidificando-se em “Ill...”. “Shmabala” e “Sabrosa” são provas disso.
Com seu ritmo marcadamente funk, o rap dá o tom, seja na psicodélica "B-Boys Makin' With The Freak Freak", na magnífica “Root Down”, cheia de groove e na qual não dá pra identificar o que é tocado ou sampleado, ou “Get It Together”, rapzão gangsta de dar inveja em muito negrão metido a perigoso. Porém, a variedade de ritmos aparece como em nenhum disco do gênero até então, bem como a pegada hardcore, que entremeia a narrativa desta ópera-rap. É o caso da já citada “Sabrosa”, um funk suingado e de pegada latina – a se ver pelas percussões – e que é um dos sete temas instrumentais de “Ill...”. Também, “The Update”, outra com lances caribenhos e um contrabaixo sampleado de algum jazz muito bem pescado. Mas a química se dá principalmente na clássica “Sabotage”, misto perfeito entre as duas vertentes da banda, o hip-hop e o hardcore, e provavelmente a melhor música da carreira da banda. Hit do álbum, “Sabotage” tem ainda aquele que é considerado não-oficialmente o melhor videoclipe de todos os tempos, em que os integrantes da Beastie Boys, dirigidos pelo cineasta Spike Jonze, vivem um canastrão filme policial B.
Diferencial do disco também são as instrumentais, que adensam esse caráter peculiar de um grupo que achou seu caminho. A psicoldelia de “Bobo On The Corner” casa com o funk pesadão de “Futterman's Rule”, bem como com a arábica “Eugene's Lament” e o jazz fusion de “Ricky's Theme”, clara homenagem ao primeiro produtor da banda, o lendário Rick Rubin.
Evidentemente, não pode faltar nesta “música de plástico” dos Beastie Boys mais rap e mais rock. “All right, scratch right now”, diz a abertura de “Alright Hear This”. É fácil supor que vem um show de scratches e samples, que variam e se entrecortam, tudo sob uma base de baixo acústico (sampledo, tocado?). “The Scoop” e “Bodhisattva Vow” seguem na linha de rap ornado de brilhantes ideias, como um canto gregoriano servindo de base que sacam sabe-se lá de onde, ou “Flute Loop”, cujo nome já indica que se valem do som de uma flauta para o riff – o que executam com precisão, aliás. Em compensação, o hardcore mantém-se presente, caso de “Heart Attack Man”. Mais uma instrumental: assim como “Ricky’s...” com cara de trilha sonora de série de TV, “Transitions”, parceria com Money Mark, vem para fechar um disco de quase 1 hora de duração e 20 faixas, mas que em nenhum momento fica cansativo.
De forma parecida, os Beastie Boys e a Body Count, do também rapper Ice-T, promoveram naquele início de anos 90 uma aproximação aparentemente improvável, mas bastante lógica entre rap e punk. Os gêneros, marginais em suas concepções e filosofia, tinham, sim, muito a ver um com outro, mas ninguém ainda havia se dado conta com tamanha perspicácia. No caminho aberto por “Check...”, o trio nova-iorquino consolida em “Ill...” essa revolução na música pop, que muito serviu para quebrar preconceitos, sejam musicais ou raciais mostrando que homens brancos também sabiam enterrar. Afinal, tanto o rap quanto punk sabe que, para se mudar alguma coisa nesse mundo tão desigual, é necessário incorporar uma boa dose de anarquia para a excelência, seja pessoal ou coletiva.
FAIXAS:
**********
OUÇA O DISCO: