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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Titãs - "Õ Blésq Blom" (1989)



“Do radinho de pilha às produções do Liminha
(e este novo disco e um escândalo de textura e limpidez sonora)
os Titãs vem marcando a vida brasileira
com suas canções brutas e límpidas
seus temas básicos apresentados em forma de anti-panfletos
canções crescentemente gráficas, cujos títulos
(“Comida”, “Televisão”, “Flores”, “Igreja”, “Miséria”, etc.)
parecem a um tempo bastar, faltar e sobrar;
canções-cartaz, canções-pichação, palavras-de-desordem
(em ordem) que os aproximam da poesia concreta
no momento “salto participante”, palavrões limite.
Bichos escrotos.
Cabeça dinossauro.
Alta sofisticação intelectual e tecnologia aliada a brutalidade.
Titãs andando com desenvoltura em ambiente de eletrônica miséria.
Õ Blésq Blom."
Caetano Veloso


Depois de "Cabeça Dinossauro", um álbum que revolucionara a música brasileira, foi gerada uma grande expectativa a respeito de seu sucessor, um misto de incredulidade e esperança de que o trabalho seguinte conseguisse no mínimo, chegar perto da qualidade daquele. E não só conseguiu se se aproximar o como superou. Embora a aura e a mitologia mantenham “Cabeça dinossauro” como uma lenda da discografia brasileira, tecnicamente falando, "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" era superior a seu antecessor. Era um passo adiante no que dizia respeito à linguagem, à experimentação, ao minimalismo, à força, ao conceito e à produção. Mas e então o seguinte? Está certo que nesse meio tempo entre um álbum e outro, foi lançado o excelente “Go Back”, um registro ao vivo em Montreux, que apoiado em grande parte no repertório dos dois álbuns citados, mantinha o nível de qualidade do momento que a banda vivia.
Mas de estúdio? Material novo? O que fariam desta vez? Os Titãs poderiam fazer alguma coisa melhor que “Cabeça Dinossauro” e “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”?
Por incrível que possa parecer a resposta era SIM!
Embora "Cabeça Dinossauro" permanecesse incólume em seu Olimpo como o grande álbum brasileiro de todos os tempos, pelo seu rompimento, inovação, linguagem, “Õ Blésq Blom”, de 1989, era ainda mais trabalhado tecnicamente, os conceitos haviam sido aprimorados, a agressividade filtrada, o experimentalismo amadurecido, elementos de música brasileira eram agregados e o resultado disso tudo era um disco simplesmente brilhante.
Desde a concepção da capa, com uma colagem meio punk/pop art que já sugere a ideia musical de superposição de elementos com a utilização de fontes diferentes e disposição livre para compor o nome do álbum, que por sua vez já é uma pequena composição concretista, o disco já se mostra especial. A impressão de que ali há algo diferente se confirma assim que o álbum inicia com a vinheta de abertura, uma gravação de dois artistas de rua da Praia da Boa Viagem, Mauro e Quitéria, numa espécie de rock'n roll-repente multi-idiomático que serve de introdução para a espetacular “Miséria”, que aí sim, abre o disco, efetivamente. Um petardo eletrônico, quebrado, com influências que incorporam funk, punk, reggae, rap contando com incontáveis e variados recursos de estúdio. Dançante, vibrante, surpreendente pela ousadia e pela sonoridade, “Miséria”, como primeira faixa era estrategicamente responsável por apresentar a nova proposta dos Titãs e mostrar a que vinha “Õ Blésq Blom”.
A inteligentemente provocativa “Racio Símio” seria um daqueles tradicionais rocks agressivos e pesados dos Titãs se não fosse a produção caprichada, cuidando de cada detalhe e instrumento. A descontraída “O Camelo e o Dromedário” confirmava que a banda continuava nos caminhos já trilhados em reggaes como “Marvin” e “Família” só que com um tratamento mais experimental de coisas como “O Quê?”, e ao mesmo tempo mais técnico de músicas como “Comida” e “Diversão”.
“Palavras” de ritmo acelerado, letra interessante e bom trabalho de guitarra é apenas boa; mas “Medo” que a segue é excepcional. Punk rock típico Titãs com uma estridente guitarra minimalista de Tony Belloto e vocal furioso de Arnaldo Antunes para sua própria letra que versa sobre o processo de criar e de sentir a arte.
Com “Flores”, grande sucesso em rádios e TV's, de vídeo premiado na MTV americana, talvez os Titãs tenham conseguido o grande ponto de equilíbrio entre sua proposta roqueira e seu alcance popular com uma canção pop impecável que agradava tanto aos fãs quanto ao grande público sem abrir mão da linguagem formal, verbal e sonora características.
Talvez o grande momento técnico e criativo do álbum seja “O Pulso”, composição inspiradíssima sob todos os aspectos: a produção do nono Titã, Liminha, que entendeu a proposta e ajudou a materializar um elemento musical praticamente orgânico, a instrumentação precisa numa música de estrutura pouco convencional, e a letra mutante e instigante de Arnaldo Antunes. Com uma programação eletrônica que se repete constante do início ao fim da música, remetendo aos batimentos cardíacos, “O Pulso” cria uma admirável ligação som-conteúdo por conta de sua letra, uma listagem de doenças do corpo e da mente, intercaladas com outros elementos, como rancor, ciúme e culpa, que por analogia acabam por ser tratadas pelo autor como males tão sérios. Os Titãs que já perguntaram de que tínhamos fome, agora perguntavam do que estávamos adoecendo e, na entrelinha, se valia a pena.
“32 Dentes” talvez seja a mais brasileira das músicas do grupo, com uma levada muito à sertanejo num punk-rock agressivo que em poucas frases manifesta toda a descrença e decepção com a humanidade; a interessante “Faculdade” lembra um pouco o formato de “Miséria” porém não com a mesma qualidade; e “Deus e o Diabo”, outra das experimentações eletrônicas, um funk meio hip-hop, com uma letra toda dicotômica que fala, de certa forma, sobre os conflitos internos que há em cada um de nós, termina emendando em outra palhinha de Mauro e Quitéria com seu rock-repente numa vinheta final que arremata o álbum como uma síntese de tudo o que se apresentou até ali: intuitividade, espontaneidade, poesia, improvisação, brasilidade, rock'n roll.
Agora sim, se alguém duvidava que depois de “Õ Blésq Blom” os Titãs não fariam nada melhor, acertou. Tentando provar coisas para si, para os outros, errando em escolhas, perdendo integrantes, fazendo excessivas concessões, cedendo às exigências da mídia, tentando agradar, envelhecendo em espírito, os Titãs se perderam. A obra ficou pobre, insossa, incoerente e enfim, irrelevante.
Mas os Titãs podem se orgulhar de, num período de aproximadamente 4 anos além de terem produzido uma das maiores trilogias da discografia nacional, “Cabeça Dinossauro”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e “Õ Blésq Blom”, de terem sido uma das bandas mais interessantes do mundo naquele momento.
Parafraseando o último verso de Mauro e Quitéria na vinheta de encerramento: Os reis do rock.
Bye, bye!
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FAIXAS:

01. Introdução por Mauro e Quitéria
02. Miséria
03. Racio Símio
04. O Camelo e o Dromedário
05. Palavras
06. Medo
08. Flores
09. O Pulso
10. 32 Dentes
11. Faculdade
12. Deus e o Diabo
13. Vinheta Final por Mauro e Quitéria
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Ouça:


Cly Reis

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Titãs - "Cabeça Dinossauro" (1986)

O MELHOR DISCO NACIONAL DE TODOS OS TEMPOS
"Oncinha pintada,
zebrinha listrada,
coelhinho peludo,
Vão se foder!"
letra de "Bichos Escrotos"


"Cabeça Dinossauro". Assim mesmo, sem a preposição. O nome já dava mostra do que estava contido ali dentro daquela capa genial e incomum que ao mesmo que impactava pelo grotesco, completava o conceito geral da obra: a cabeça dinossauro era uma transfiguração, uma metamorfose em monstro, um retorno ao primitivo, era uma digressão à língua, um não aos padrões. A própria canção homônima que abria o disco com sua batida tribal e letra 'primitiva' era retrato fiel e confirmação da proposta.
Letras simples, versos curtos, mínimos e minimalistas, aliterações, repetições e discursos diretos. Assim os Titãs deram uma reviravolta na própria carreira, até então sem uma personalidade musical definida, e construíram um dos discos mais notáveis e criativos do rock nacional. Aquilo era butal, era violento na essência, era agressivo como nunca a música popular ousara ser a tal ponto, disparando contra religião, autoridades, estado, família e capitalismo com doses variadas de desprezo, ira e ironia. Quer mais que afirmar que não gostavam de Cristo; mandar dar porrada em quem não desse nenhuma contribuição ao mundo; ou mandar os bichinhos fofinhos se foderem? Aliás, "Bichos Escrotos", que trazia este xingamento, ainda que não fosse a mais brilhante do disco, não pode deixar de ser mencionada sobremaneira por uma quebra definitiva de paradigmas na mídia por conta do "FODER" de sua letra que era cantado incessantemente pela garotada, independente da proibição de execução pública expressa na contracapa. Num país com a democracia recém instaurada e uma liberdade de expressão ainda combalida, o resultado foi que sua popularidade foi tanta, a música era tão conhecida e entoada por todos que mesmo sem ser revogada, sua proibição caiu por terra naturalmente e a faixa passou a tocar sem corte em muitos segmentos dos meios de comunicação. E, ao contrário do que soava aos pais e moralistas de plantão naquele momento, "Bichos Escrotos" não se limitava a um palavrão gratuito: aquele grito era um não à beleza artificial, ao padrão estético, uma convocação à atitude, sendo um dos mais significativos símbolos da virada que os Titãs davaam com aquela obra.
Outro momento marcante da obra é a descontrolada "A Face do Destruidor", um hardcore extremamente agressivo e veloz na execução e na duração (apenas 34 segundos) que de certa forma justificava que nada se cria e tudo se transforma mas que às vezes é importante botar tudo abaixo para construir novamente. E era o que eles estavam fazendo.
"Cabeça..." ainda traz um dos maiores clássicos do rock brasileiro de todos os tempos que ganhou inúmeras regravações, homenagens, referências, performances de todo o tipo e qualidade de artistas, de Sepultura a Marisa Monte: "Polícia"; um punk rock implacável que incrivelmente venceu no mundo pop sem fazer concessões de letra nem estilo, gravando na memória do Brasil dos refrões mais conhecidos e populares da música nacional.
Fruto da multiplicidade de estilos de um time de oito cabeças com origens, inspirações e gostos musicais distintos e da mão certeira do produtor e parceiro Liminha, "Cabeça Dinossauro" era punk na maior parte das vezes mas era tão fora dos padrões que podia trazer um raggae como "Família", um ska como "Homem Primata" ou "O Quê?", um funk estraçalhador com uma linha de baixo toda quebrada, cheio de teclados e uma interessantíssima mescla de bateria acústica com eletrônica, delineando um inquietante jogo de palavras que não cansava de perguntar e ao mesmo tempo responder "o que é que não pode ser?". E o que é que não poderia ser depois daquilo? Podia-se tudo e aquela obra ajudava a afirmar isso.
Até mesmo como resultado de experiências como a de "O Quê?", os Titãs chegariam a resultados, talvez, melhores tecnicamente com seus dois álbuns de estúdio seguintes, "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguleas" e "Õ Blésq Blom", mas "Cabeça Dinossauro" já tinha metido o pé na porta e por este rompimento, por sua profusão de ideias e estilos, pela sua reconceituação num dos momentos mais importantes da retomada do rock brasileiro, seu impacto e reflexos, este é, minha opinião, simplesmente o maior disco do rock brasileiro de todosos tempos.

FAIXAS:
1. "Cabeça Dinossauro" (Arnaldo Antunes, Branco Mello, Paulo Miklos) – 2:20
2. "AA UU" (Marcelo Fromer, Sérgio Britto) – 3:01
3. "Igreja" (Nando Reis) – 2:48
4. "Polícia" (Tony Bellotto) – 2:06
5. "Estado Violência" (Charles Gavin) – 3:10
6. "A Face do Destruidor" (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos) – 0:34
7. "Porrada" (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto) – 2:51
8. "Tô Cansado" (Arnaldo Antunes, Branco Mello) – 2:18
9. "Bichos Escrotos" (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto, Nando Reis) – 3:13
10. "Família" (Arnaldo Antunes, Tony Bellotto) – 3:32
11. "Homem Primata" (Ciro Pessoa, Marcelo Fromer, Nando Reis, Sérgio Britto) – 3:27
12. "Dívidas" (Arnaldo Antunes, Branco Mello) – 3:08
13. "O Quê" (Arnaldo Antunes) – 5:40

FORMAÇÃO (em 1986)
Arnaldo Antunes: vocal
Branco Mello: vocal
Charles Gavin: bateria e percussão
Marcelo Fromer: guitarra
Nando Reis: baixo e vocal
Paulo Miklos: baixo (em "Igreja") e vocal
Sérgio Britto: teclado e vocal
Tony Bellotto: guitarra

PRODUZIDO POR LIMINHA

Download

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sábado, 9 de junho de 2018

O Rappa - "Rappa Mundi" (1996)





"O futebol faz parte da cultura nacional não é à toa. 
É um esporte que representa pra caramba
a maneira que a gente vive.
O que é?
Você driblando as atrocidades,
as condições impróprias que a gente tem."
Falcão, vocalista



O rock nacional dos anos 80 já começava a dar sinais de desgaste. Cazuza já tinha morrido, Renato Russo agonizava em público e sua doença refletia nos discos da Legião, Lobão começava a perder o rumo, os Titãs perdiam integrantes e a identidade, os Engenheiros se afastavam do grande público e, só os Paralamas, mesmo com discos um tanto irregulares, tenham conseguido sustentar o sucesso comercial e o interesse do público. Nesse ínterim, naquele início de anos 90, um bom time de novas bandas nacionais começava a dar as caras vindas de diferentes lugares do Brasil e trazendo sonoridades e propostas interessantes: os calangos do Raimundos e seu hardcore irreverente e desbocado; os mineiros do Pato Fu com seu bom humor e criatividade; o pessoal do Skank, também de Minas, apresentando com um pop gostoso e contagiante; também das Gerais o Jota Quest com seu pop-soul, estes já um pouco mais apelativos comercialmente; os recifenses do Mangue-Beat misturando sons regionais com peso e tecnologia; e no Rio, O Rappa, um pessoal que fundia reggae, com hip-hop, com soul, com MPB, utilizando-se de peso de guitarras distorcidas e elementos eletrônicos como samples e batidas programadas. A banda já havia aparecido bem com seu álbum de estreia, de mesmo nome, de 1994, chamando atenção, além da sonoridade, pelas ótimas letras com abordagens de questões sociais de forma lúcida e consciente, veio a conquistar definitivamente público e crítica com seu segundo álbum, "Rappa Mundi" de 1996.
Produzido pelo mestre dos estúdios no Brasil, Liminha, "Rappa Mundi" teve uma série de grandes sucessos com suas faixas sendo executadas incansavelmente nas rádios e na MTV. Contando com as letras sempre críticas e engajadas do então baterista Marcelo Yuka e com o vocal poderoso e versátil do carismático vocalista Falcão, a banda discorria sobre temas como drogas, violência urbana, trabalho infantil, religião, racismo e pobreza, das formas mais criativas, desde a maneira mais incisiva à mais bem-humorada.
Em "A Feira", por exemplo, faixa que abre o disco, num raggae-pop descontraído e embalado, falam sobre a venda de "substâncias ilícitas" e a facilidade de se encontrar os produtos em qualquer esquina; em "Miséria S.A." Falcão interpreta como se recitasse um texto decorado a criativa letra do cantor e compositor Pedro Luís, que imita aqueles bilhetinhos que pedintes entregam aos passageiros nos ônibus, escancarando a realidade da pobreza no Brasil e as situações a que se sujeitam homens, mulheres e muitas vezes crianças; "Vapor Barato", clássico multi-regravado da música brasileira, ganha uma versão competentíssima, mais embalada e de interpretação marcante de Marcelo Falcão, incluindo-se entre as grandes versões que a canção de Waly Salomão e Jards Macalé já recebeu. "Ilê Ayê", conhecida na voz de Gilberto Gil no álbum "Refavela", vai perfeitamente ao encontro do discurso e da proposta dO Rappa e com uma pegada mais elétrica e vibrante, é outra cover que não decepciona. Assim como "Hey Joe", outra versão, esta da canção imortalizada por Jimi Hendrix, que, embora não tenha o brilho daquela do gênio da guitarra, garante uma boa releitura em português e completamente carregada no reggae.
Grande sucesso, a inspiradora "Pescador de Ilusões" é aquele trunfo radiofônico perfeito; "Uma Ajuda" juntamente com "Lei da Sobrevivência" talvez sejam as menos empolgantes do disco; já "O Homem Bomba" e "Tumulto", por sua vez são incendiárias, ambas abordando a indignação do home  comum, do cidadão tão desrespeitado no dia a dia. "Tumulto", em especial, muito a calhar, fala sobre manifestações populares, povo, não o povo da Paulista, mas o povo de comunidades, indo à rua por justiça, por igualdade, por necessidades básicas ou por conta da violência cotidiana. Mais uma porrada dO Raapa!
Altamente ligados a futebol, torcedores e frequentadores de estádios, tendo inclusive participado da coletânea de hinos de clubes brasileiros, da revista Placar, gravando o hino do Flamengo, o esporte, que segundo eles mesmos tem tudo a ver com a música e com a vida do brasileiro, aparece em vários momentos no disco. A ótima "Eu Não Sei Mentir Direito", por exemplo, começa com os versos "No país do futebol/ Eu nunca joguei bem..." revelando alguém que, numa terra de onda a malandragem é a lei, não consegue se adaptar à conduta dominante enraizada na cultura do brasileiro; "O Homem Bomba", fala em "tocar bumbo na garganta do Maracanã"; "Óia o Rappa", música que fecha o disco e que também fala sobre o jeito do cidadão se virar, refere-se a "pênalti" quando a situação fica crítica numa batida da polícia num negócio informal um tanto suspeito. Mas é em "Eu Quero Ver Gol" que a verve futebolística fica totalmente exposta retratando a realidade de um torcedor que enfrenta os perrengues do dia a dia, dá duro durante a manhã na praia, mas que não quer perder de jeito nenhum o jogo do fim da tarde e, mais do que qualquer coisa, ver seu time ganhar ("Tô no rango desdas duas e a lombra bateu/ O jogo é as cinco e eu sou mais o meu/ Tô com a geral no bolso, garanti meu lugar/ Vou torcer, vou xingar pro meu time ganhar"). A versão do especial acústico gravado para a MTV, que posteriormente viraria CD e DVD, gravada em 2005 é ainda mais "boleira" e tem mencionados, em seu final, os nomes de vários jogadores da Seleção Brasileira que estavam prestes a disputar a Copa de 2006, num final apoteótico para aquela apresentação.
Depois de "Rappa Mundi" a banda ainda apresentaria o bom "Lado B, Lado A" mas após um incidente urbano em 2001, infelizmente cada vez mais familiar a todos nós, uma tentativa de assalto que vira a deixar Marcelo Yuka, baterista e principal compositor da banda paraplégico, O Rappa, com sua saída, perdia bastante em qualidade de letras e criatividade mostrando-se irregular e inconsistente, embora ainda conseguisse sustentar um relativo sucesso comercial. Mas "Rappa Mundi" com toda sua atitude, gingado, irreverência e sonoridade já havia garantido o nome dO Rappa em destaque entre os grandes discos da música brasileira e por extensão, para nós, na galeria dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog.
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FAIXAS:
1. "A Feira" - Marcelo Yuka (3:59)
2. "Miséria S.A." - Pedro Luís (4:01)
3. "Vapor Barato" - Waly Salomão, Jards Macalé 4:23)
4. "Ilê Ayê" - Paulinho Camafeu (3:50)
5. "Hey Joe" (participação de Marcelo D2)  - Bill Roberts, versão: Ivo Meirelles, Marcelo Yuka (4:25)
6. "Pescador de Ilusões" -  Marcelo Yuka (4:29)
7. "Uma Ajuda" - Marcelo Yuka (4:29)
8. "Eu Quero Ver Gol" - Falcão, Xandão (3:41)
9. "Eu Não Sei Mentir Direito" -  Marcelo Yuka 4:03
10. "O Homem Bomba" - Marcelo Yuka (3:14)
11. "Tumulto" - Marcelo Yuka (3:14)
12. "Lei Da Sobrevivência (Palha de Cana)" - Falcão (3:05)
13. "Óia O Rapa" - Lenine, Sérgio Natureza (6:00)

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Ouça:
O Rappa - Rappa Mundi


Cly Reis

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Gil 80 Anos - As 80 músicas preferidas pelos fãs


E ele chegou aos 80. Tomado de significados, o aniversário de Gilberto Gil está sendo uma celebração nacional. Por vários motivos: ele é a nossa arte maior, o nosso orgulho enquanto povo, a representação da nossa raça, da nossa sapiência espiritual, da nossa resistência política e cidadã. O Brasil que deu (que pode dar) certo. No Clyblog, basta fazer uma breve pesquisa pelo nome deste artista que se encontrarão diversas referências, talvez a de maior volume nestes quase 14 anos de blog.

Tanto é que nós, como se parentes ou súditos muito próximos, haja vista que sua arte perfaz nossas vidas desde crianças, aqui estamos reunidos para celebrar os 80 anos deste baiano que quis falar com Deus e conseguiu. Gentes de diferentes idades, estados, profissões, mas impregnados da mesma admiração pela vasta, vastíssima obra de Gil, um autor, assim como o mano Caetano Veloso – o próximo oitentão da turma – capaz de produzir misteriosamente com uma qualidade superior por décadas a fio praticamente sem quebras neste alto padrão artístico.

O “nós” a quem me refiro, claro, inclui-me, mas vai além disso. Somos oito seguidores da egrégora Gil das áreas do jornalismo, da arquitetura, da biblioteconomia, da arquitetura, da produção cultural e outros e, claro, da própria música. O talentoso músico paulista Mauricio Pereira, que já versou Gil n’Os Mulheres Negras, é um dos que generosamente colaboram conosco elencando suas preferidas. Como ele, tivemos a árdua tarefa de escolher cada um 10 músicas, chegando, devota e festivamente, à soma de 80, igual a suas primaveras completas no último 26 de junho.

Creio que, daqui a 2 anos, quando Chico Buarque completar esta mesma idade (o que todos esperamos), talvez haja comoção parecida. Mas somente parecida. Gil guarda particularidades junto ao coração das pessoas que somente ele é capaz de provocar. Tanto que não foi assim quando Roberto chegou ao time dos oitentões, nem com ErasmoTom Zé, FloraHermeto, Donato e nenhum outro da música brasileira que já tenha rompido a barreira das oito décadas. Além de recentemente sentar-se na cadeira da eternidade da Academia Brasileira de Letras, ratificando o que construiu ao longo de 60 anos de carreira, a própria imortalidade, este aniversário de Gil é um aniversário de todos: dos fãs, dos brasileiros, da América preta e mestiça, da África diáspora, da cultura latino-americana, da arte universal. De nós.

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Kaká Reis

produtora cultural
(Rio de Janeiro/RJ)

"Gil sempre fez parte da minha vida. Meus dois irmãos (autores desse blog), mais especificamente Daniel, sempre trouxeram suas melodias e letras para perto e realmente conquistaram meus ouvidos a ponto de 'Tropicália 2' ser, com ainda uns 7 anos de idade, meu disco favorito. Um ancestral vivo, ativo, criativo, que eu posso ver com meus olhos, ouvir com os ouvidos e sentir com a alma… assim é Gil. Um griot da sabedoria!”

1. "Super-homem, a Canção" ("Realce", 1979)
2. "Haiti" (com Caetano Veloso, "Tropicália 2", com Caetano Veloso, 1993)
3. "Domingo no Parque" ("Gilberto Gil", 1968)
4. "Abre o Olho" ("Gilbert0 Gil Ao Vivo" ou "Ao Vivo no Tuca", 1974)
5. "Refazenda" ("Refazenda", 1975)
6. "Sarará Miolo" ("Realce", 1979)
7. "Quanta" ("Quanta", 1997)
8. "Parabolicamara" ("Parabolicamará", 1992)
9. "Nos Barracos da Cidade" ("Dia Dorim Noite Neon", 1985)
10. "Drão" ("Um Banda Um", 1982)


Leocádia Costa

publicitária, produtora cultural e locutora
(Porto Alegre/RS)

"Escolher 10 canções na imensa e maravilhosa discografia de Gilberto Gil, Ave, é desesperador. Quando recebi o convite de participar dessa homenagem por ser uma fã dele e da sua expressão, precisei estabelecer algum critério para escolher 10 canções. Gostar, gosto de praticamente tudo o que ele canta, então esse não seria um critério adequado. Depois, pensei naquelas canções que me tiram do chão, me fazem vibrar em espirais que só ele produz. A missão de escolher ficou ainda mais complexa, porque algumas canções de Gil dizem o que meu coração gostaria de dizer, ou aquilo que minha cabeça pensaria, ainda coloca na minha boca a indignação ou a descoberta mais sensível dos inúmeros graus da Espiritualidade que ele percorre. Então, descartei esse critério também. Daí me dei conta que boa parte das iniciais 33 canções que eu havia escolhido se dividiam entre canções que estão eternizadas na voz do Gil e outras que eu escuto na voz dos seus intérpretes sendo praticamente deles (Cássia Eller, "Queremos Saber"; Rita Lee, "Panis et Circenses", João Donato, "Bananeira"; Dominguinhos, "Só quero um xodó"; Elis Regina, "Rebento"; e Cazuza, "Um trem pras estrelas", só para citar algumas, sendo impossível nominar as composições de Gil e Caetano que me nutrem a alma). Então, cheguei ao critério que me fez melhorar um pouco a seleção para chegar nas 10 escolhidas: destacaria somente aquelas canções que, para mim, são ouvidas na voz do compositor e que me marcaram profundamente e aí estão elas!"

1. "Lamento Sertanejo" ("Refazenda", 1975, com Dominguinhos)
2. "Sitio do Pica-Pau Amarelo" (Trilha sonora "Sítio do Pica-Pau Amarelo", 1977)
3. "Filhos de Gandhi" ("Gil & Jorge" ou "Xangô/Ogum", 1974, com Jorge Ben)
4. "Drão"
5. "Tempo Rei" ("Raça Humana", 1984)
6. "Vamos Fugir" ("Raça Humana", 1984, com Liminha)
7. "Domingo no Parque"
8. "Zumbi (A Felicidade Guerreira)" (Trilha sonora "Quilombo", 1985, com Wally Salomão)
9. "Aquele Abraço" ("Gilberto Gil", 1969)
10. "São João, Xangô Menino" ("Gilberto Gil ao vivo em Montreux", 1978, com Caetano Veloso)




Tatiana Viana

assessora de planejamento da Secretaria da Cultura de Viamão
(Viamão/RS)

"Acho que ele tem lugar garantido no coração, em algum lugar da memória afetiva de todo brasileiro, uma obra ampla, maravilhosa, que fala dos dilemas humanos, de amores e sofrimentos da vida de um modo geral, a desigualdade social, cultura. Gil é um pouco de cada um de nós e nós carregamos um pouco dele em nossas vidas."

1. "Emoriô" (por João Donato, "Lugar Comum", 1975, com Donato)
2. "Extra" ("Extra", 1983)
3. "Nos Barracos da Cidade"
4. "Tempo Rei" 
5. "Esotérico" ("Um Banda Um", 1982)
6. "Drão"
7. "Andar com Fé" ("Um Banda Um", 1982)
8. "Parabolicamará"
9. "Buda Nagô" ("Parabolicamará", 1992)
10. "Metáfora" ("Um Banda Um", 1982)




Maria Joana Lessa

jornalista
(Rio de Janeiro/RJ)

“Eu acho que Gil é um orixá vivo”.

1. "Extra"
2. "Afoxé É" ("Um Banda Um", 1982)
3. "Abre o Olho"
4. "Sarará Miolo"
5. "Refazenda"
6. "Back in Bahia" ("Expresso 2222", 1972)
7. "Domingo no Parque"
8. "Filhos de Gandhi" 
9. "Babá Alapalá" ("Refavela", 1977)
10. "São João, Xangô Menino"




Clayton Reis

arquiteto, cartunista e blogueiro
(Rio de Janeiro/RJ)

"Tarefa dificílima! Sempre me ocupei meramente em apreciar e nunca em elencar minhas preferidas. Numa obra tão linda, nunca me preocupei em saber se eu gostava mais dessa ou daquela. Enfim, aí estão as 'do momento'. Talvez depois me arrependa e pense em alguma injustiçada que não entrou. Mas por agora,  minhas 10 são  essas aí..."

1. "Drão"
2. "Febril" ("Dia Dorim Noite Neon", 1985)
3. "Domingo no Parque"
4. "Refazenda"
5. "Roque Santeiro (O Rock)" ("Dia Dorim Noite Neon", 1985)
6. "Raça Humana" ("Raça Humana", 1984)
7. "Ela" ("Refazenda", 1975)
8. "Back in Bahia"
9. "Parabolicamará"
10. "Lamento Sertanejo" 




Luciana Danielli

bibliotecária
(Niterói/RJ)

"Gil, baluarte da música brasileira e o maior ministro da cultura que o Brasil já teve! Grande artista!!!! Parabéns Gil! Feliz 80!"

1. "Marginália II" ("Gilberto Gil", 1968, com Torquato Neto)
2. "Refazenda"
3. "Tempo Rei"
4. "Aquele Abraço" 
5. "Toda Menina Baiana" ("Realce", 1979)
6. "Domingo no Parque"
7. "Expresso 2222" ("Expresso 2222", 1972)
8. "Lamento Sertanejo"
9. "Refavela" ("Refavela", 1977)
10. "Pela Internet"  ("Quanta", 1997)




Daniel Rodrigues

jornalista, escritor, radialista e blogueiro
(Porto Alegre/RS)

"'Gil engendra em Gil rouxinol', cantou Caetano usando as palavras do poeta Souzândrade para falar de Gilberto Gil. A obra de Gil é gigante em vários sentidos, por isso, misteriosa. Inclusive no assombroso volume de canções da primeira linha da música mundial. E quantas que eu adoro tiveram que ficar de fora da minha lista! 'Aqui e Agora', 'O Oco do Mundo', 'Haiti', 'Febril', 'Rock Santeiro (O Rock)', 'Beira-Mar', 'A Balada do Lado sem Luz'... Apenas 10 é pouco para representá-la e representá-lo, mas creio que, sim, muito bem representadas quando junto às 10 de todos nós. Viva Gil!! Axé!"

1. "Filhos de Gandhi"
2. "Lamento Sertanejo"
3. "Back in Bahia" 
4. "Drão" 
5. "Cores Vivas" ("A Gente Precisa Ver o Luar", 1981) 
6. "Domingo no Parque"
7. "Palco" ("A Gente Precisa Ver o Luar", 1981)
8. "Queremos Saber" (por Erasmo Carlos, "A Banda dos Contentes", 1976)
9. "Cinema Novo" ("Tropicália 2", com Caetano Veloso, 1993)
10. "Lamento de Carnaval" ("Quanta Gente Veio Ver", 1998, com Lulu Santos)




Maurício Pereira

músico e jornalista
(São Paulo/SP)

Difícil demais escolher 10 músicas do Gil pra passar pra vocês, o repertório dele tem coisas fundamentais, de cara eu já pensei numas 30… E não tou falando não como o Maurício músico ou compositor, não. Falo como ouvinte, como um brasileiro comum que se serviu da poesia, da sensibilidade, da inquietude filosófica, da visão de mundo desse artista, pra poder tentar entender e viver o mundo (e o Brasil) dum modo mais profundo e mais misterioso. Salve o Gil! .”

1. "Retiros Espirituais" ("Refazenda", 1975)
2. "Jeca Total" ("Refazenda", 1975)
3. "Vitrines" ("Gilberto Gil", 1969)
4. "Aquele Abraço"
5. "Louvação" ("Louvação", 1966)
6. "Raça Humana"
7. "Domingo no Parque"
8. "Batmacumba" (por Os Mutantes, "Tropicália" ou "Panis et Circensis", 1968, com Caetano Veloso)
9. "Meio de Campo" (por Elis Regina, "Elis", 1973)
10. "Tradição" ("Realce", 1979)



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As mais votadas

- "Domingo no Parque" - 7 votos
- "Drão" - 5 votos
-"Lamento Sertanejo", "Refazenda" e "Tempo Rei" - 4 votos
- "Back in Bahia" , "Parabolicamará", "Aquele Abraço" e "Filhos de Gandhi" - 3 votos
- "Abre o Olho", "Raça Humana", "Extra", "Sarará Miolo", "Nos Barracos da Cidade" e "São João, Xangô Menino" - 2 votos
"Super-homem, a Canção", "Haiti", "Quanta", "Sitio do Pica-Pau Amarelo", "Vamos Fugir", "Zumbi (A Felicidade Guerreira)", "Emoriô", "Esotérico", "Andar com Fé", "Buda Nagô", "Metáfora", "Afoxé É", "Babá Alapalá", "Febril", "Roque Santeiro (O Rock)", "Ela", "Marginália II", "Toda Menina Baiana", "Expresso 2222", "Pela Internet", "Cores Vivas", "Palco", "Queremos Saber", "Cinema Novo", "Retiros Espirituais", "Jeca Total", Vitrines", "Tradição", "Meio de Campo", "Batmacumba" e "Louvação" - 1 voto



Daniel Rodrigues

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Titãs - "Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas" (1987)



"(...) Uma terra onde o ídolo, o Cristo, o Deus está completamente distorcido. Então é uma frase longa que tem várias conotações, mas tem esse sentido popularesco que é usar a palavra 'banguela' associado a 'Jesus', que são dois termos tão populares e tão pouco casados que nessa frase ficam muito bem.
É o pólo positivo e o pólo negativo.
É uma equação, não é nem uma frase."
Nando Reis



Depois de um disco como "Cabeça Dinossauro", unanimidade de público e crítica, sucesso de vendas e repleto de hits radiofônicos, cercou-se de grande expectativa o lançamento do que seria seu sucessor. Conseguiria o novo trabalho dos Titãs repetir o sucesso, qualidade e desempenho do anterior, considerado quase que automaticamente um dos maiores álbuns brasileiros de todos os tempos? “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” de 1987 não só conseguiu se comparar ao clássico disco anterior, como superá-lo. Sim! Superá-lo. Embora o posto de maior disco nacional da história permaneça intocado para o  "Cabeça Dinossauro" , na minha opinião, por conta de sua ruptura, ousadia, sonoridade, criatividade, arrojo conceitual, inovação de linguagem, aquele novo disco o ultrapassava em qualidade técnica e aprimorava seus conceitos e experimentações.
O funk de “O Quê?”, por exemplo, é extremamente mais bem trabalhado e aperfeiçoado em faixas como a ótima “Comida”, dos grandes hits do álbum e “Diversão”, também de boa execução, trabalhada com samples e programação de bateria.
“Todo Mundo Quer Amor”, letra concretista de Arnaldo Antunes é o melhor exemplo da evolução do experimentalismo de um disco para o outro, numa faixa curta, minimalista, quase que apenas de transição, toda desenvolvida a partir de programações , samples e colagens; mas músicas como “O Inimigo”, que apenas repete dois versos o tempo inteiro, e “Infelizmente”, letra praticamente narrada sobre uma batida constante com inserções eletrônicas, também trazem esta característica de experimentação bem presente.
O peso, o punk, a energia mostrada anteriormente também não faltam, mas aqui, em “JNTDNPDB” aparece menos cru. A excelente “Lugar Nenhum” é mostra evidente disso numa porrada básica, agressiva, distorcida porém muito bem trabalhada pelo produtor Liminha, o nono titã; “Armas pra Lutar” é outra que carrega no peso com ênfase especial para a bateria precisa de Charles Gavin; e a ótima “Nome aos Bois”, de guitarra aguda, repetida e constante, tem o peso moderado porém é extremamente contundente sem dizer efetivamente nada, apenas listando nomes de personagens famosos e históricos, e deixando-os para quem quiser lhes atribuir os devidos predicados.
O disco traz ainda “Corações e Mentes” e “Desordem”, dois rocks bastante acessíveis, bem pop, dosando bem os elementos do disco; “Mentiras”, que apesar de ter inegavelmente qualidade e apresentar uma certa complexidade na introdução do refrão, é a mais fraca dos disco na minha opinião; e a canção que tem o nome do disco, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” que apenas repete a intrigante frase o tempo inteiro acompanhada de um magnífico instrumental dosando peso, agressividade e técnica, com um excepcional trabalho de guitarra que aparece em solo praticamente o tempo inteiro durante o desenvolvimento da música.
Vale destacar ainda dois detalhes interessantes: um deles é a ótima capa, inteligentemente sugestiva tanto no que diga respeito a época, em se referindo a Jesus, quanto a dentes, lembrando uma grande boca desdentada; e o outro detalhe é a não identificação dos lados do LP, seu formato original de lançamento, como lados A e B ou 1 ou 2 como seria o habitual, e sim J e T objetivando, de certa forma que o ouvinte não tivesse a noção exata de qual seria o início ou o fim dos disco, podendo escolher aleatoriamente por onde começar a audição. Com o CD não teve jeito e teve-se que escolher por onde começar e começaram extamente por onde seria o meu lado B, uma vez que sempre comecei pela faixa-título do disco. Além disso o Cd traz um extra, a música "Violência" que, sinceramente, pra mim não acrescenta nada. Mas o que vale é o disco original e esse, sim, é espetacular.
Pra quem duvidava que os caras conseguissem fazer melhor, ali estava: “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” era um passo à frente. Um disco tão bom senão melhor que seu lendário antecessor.
Então agora sim, depois de dois discos como aqueles nunca mais conseguiriam fazer algo melhor.
Não?
Errado!
Ainda fariam “Õ Blésq Blom”, melhor tecnicamente, mais bem acabado e ainda mais aperfeiçoado nos conceitos que os dois clássicos anteriores. Mas isso é assunto para outra hora. Para outro ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.

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FAIXAS:
01. Todo Mundo Quer Amor (Arnaldo Antunes) 1:18
02. Comida (Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Britto) 3:59
03. O Inimigo (Branco Mello, Toni Bellotto, Fromer) 2:13
04. Corações e Mentes (Britto, Fromer) 3:47
05. Diversão (Britto, Nando Reis) 5:07
06. Infelizmente (Britto) 1:34
07. Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (Reis, Fromer) 2:11
08. Mentiras (Britto, Fromer, Bellotto) 2:09
09. Desordem (Britto, Fromer, Charles Gavin) 4:01
10. Lugar Nenhum (Antunes, Gavin, Fromer, Britto, Bellotto) 2:56
11. Armas Pra Lutar (Mello, Antunes, Fromer, Bellotto) 2:10
12. Nome Aos Bois (Reis, Antunes, Fromer, Bellotto) 2:06

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Ouça:
Titãs Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas




Cly Reis

sábado, 19 de agosto de 2017

Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens - "Educação Sentimental" (1985)


"A marca fundamental do nosso trabalho é a sinceridade.
Para mim o sucesso é ser perene."
Paula Toller



O Kid Abelha costuma ser uma banda pouco valorizada diante do papel importante que teve na música pop nacional dos anos 80 e que vem desempenhando desde então.
"Educação Sentimental " de 1985 pode ser colocado, sem medo, entre os grandes discos daquela rica safra oitentista brasileira que teve ali naquele mesmo momento obras como "Dois", "Cabeça Dinossauro", "Selvagem?", "O Rock Errou", entre outros.
Ainda com Leoni na banda, cantor, guitarrista e principal compositor, a banda, que na época ainda carregava o sobrenome de Os Abóboras Selvagens, evoluía daquele new wave incauto de seu primeiro trabalho, "Seu Espião" para algo mais maduro e consistente. Aliás, a trajetória da banda parece correr numa linha de tempo evolutiva na qual suas 'personagens' parecem ir amadurecendo com as relações, saindo das cartinhas de amor ("Alice..."), passando pela descoberta de como funcionam verdadeiramente os relacionamentos ("E agora você vai embora e eu não sei o que fazer..." ou "já conheci muita gente/ gostei de alguns garotos/ mas depois de você os outros são os outros"); entendendo o fim da puberdade e o salto para novas responsabilidades ("acabou a puberdade/ essa é a nossa casa e não a dos nossos pais"); chegando à triste realidade do desmoronamento da relação ("o nosso amor se transformou num 'bom dia"); e por fim, relaxando e deixando as coisas rolarem com discursos mais descontraídos a partir do disco "Iê, Iê, Iê". Assim, se as composições perdiam em qualidade após a saída de Leoni a partir do disco "Tomate", a perda era compensada com uma espécie de autenticidade conferida pelas interpretações de Paula Toller que incorporava aquela espécie de biografia musical traçada a pela banda.
"Educação Sentimental", embora não represente o auge da maturidade emocional dessa personagem feminina vivida pela voz de Paula Toller, configura-se no momento em que sua música encontra a melhor fórmula que, com mudanças, adequações e progressos, veio a tornar-se característica e marca do Kid Abelha. O título ainda que carregue a referência literária à obra de Gustave Flaubert, pode traduzir-se efetivamente muito no aprendizado que a vida traz para qualquer relacionamento afetivo que vivemos, e sua abordagem, às vezes um tanto inocente, parecendo mesmo até situar-se dentro de uma fase colegial, justificando ainda mais a sugestão de "didática" reforçada por títulos como "Garotos", "Uniformes" e as duas "Educação Sentimental".
Com um pop sem grandes arroubos ou virtuosismos mas muito limpo, bem produzido e preciso, o Kid Abelha e seus Abóboras Selvagens apresentavam um disco simples, enxuto porém com grande alcance popular, o que se confirmaria com o estouro de músicas como "Os Outros", "Lágrimas e Chuva", "Garotos" e "Fórmula do Amor".
 Produzido pelo mago dos estúdios no Brasil, Liminha, o disco conta com uma série de participações especiais qualificadas como a de Leo Gandelman que reforça a linha de metais; a de Roberto de Carvalho no piano; e de Léo Jaime, que dá uma canja em "Fórmula do Amor" devolvendo a gentileza da banda que participara em seu disco "Sessão da Tarde" na mesma canção.
"Lágrimas e Chuva" é um pop poderoso no qual a delicadeza da voz de Paula contrasta com a linha de metais impetuosa de Gandelman e George Israel; a romântica "Os Outros" chega a ser comovente na confissão da importância do ex-namorado na vida daquela garota; e a balada "Uniformes" é taciturna com seu saxofone choroso, letra tristonha e uma interpretação copiosa. A outra grande balada do disco "Garotos" expõe as fraquezas, defeitos e limitações dos rapazes nos relacionamentos, tendo merecido posteriormente de Leoni, em sua carreira solo, uma espécie de justificativa masculina. Ambas as partes de "Educação Sentimental" sendo a primeira cantada por Leoni, têm seu valor, mas a parte dois, composta em parceria com Herbert Vianna, é a que praticamente define o álbum com seus questionamentos e descobertas e um produto musical final mais bem acabado. Já "Conspiração Internacional", outra com vocal de Leoni, "Amor por Retribuição" e "Um Dia em Cem" destoam um pouco do restante mas não conseguem diminuir as virtudes do álbum como um todo.
Longe da capacidade aglutinadora de uma Legião, da revolução formal dos Titãs, da exploração sonora dos Paralamas, da irreverência do Ultraje, o Kid Abelha mesmo com um disco indiscutivelmente menor do que os mencionados escrevia com "Educação Sentimental" seu nome na página dos grandes discos brasileiros dos anos 80.
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FAIXAS:
1. Lágrimas e Chuva (4:33)
2. Educação Sentimental II (4:51)
3. Conspiração Internacional (3:55)
4. Os Outros (3:25)
5. Amor por Retribuíção (3:35)
6. Educação Sentimental (4:03)
7. Garotos (4:24)
8. Um Dia em Cem (3:23)
9. Uniformes (4:08)
10. A Fórmula do Amor (5:00)

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Ouça:


Cly Reis