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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Música da Cabeça - PROGRAMA ESPECIAL Nº 240

 

O MDC de hoje completa mais um ciclo e chega à sua edição de nº 240! Para este programa especial, a gente vai ter uma entrevista com a cantora e compositora paulista TACIANA BARROS, ex-Gang 90 e integrante da PEQUENO CIDADÃO. Uma conversa cheia de conhecimento, cidadania, diversão e, claro, música. Ainda tem aqueles sons que rolaram na cabeça, notícia e letra. Tudo no MDC Especial hoje, 21h, pela Rádio Elétrica. Produção e apresentação de Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Música da Cabeça - Programa #232

 

"Viva o Arrigo Barnabé!". Repetindo a celebração de Caetano Veloso ao criador de Clara Crocodilo e de outras obras, nosso programa hoje traz esse aniversariante setentão e muito mais. Tem Air, Chico Buarque, Pequeno Cidadão, Chic, Legião Urbana, Jimi Hendrix e mais, além de uma análise sobre os 20 anos do 11 de Setembro no "Música de Fato" e, claro, "Palavra, Lê" para fechar. Você, ouvinte incauto, que no aconchego de seu lar vai ouvir o MDC hoje, às 21h, na venenosa Rádio Elétrica. A produção e a apresentação são de Daniel Rodrigues (sem esquecer do #forabozo


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

CLYLIVE ESPECIAL 13 anos do ClyBlog - Hímen Elástico - Woodstock Bar - Alvorada /RS (13/08/1993)




Pedaço do cartaz do evento















O mais alto voo "hermenêutico*" 

Hímen Elástico, sexta feira 13 agosto de 1990 e poucos....
Lembro que fizemos alguns ensaios e como de costume nunca tivemos um guitarrista fixo... mas tenho dois na memória, um canhoto e o outro destro.
Sim, ser canhoto era um pré-requisito para fazer parte da banda e nem precisava tocar bem. Se fosse canhoto estava dentro! Marcelo o “Fedor” era o destro, talvez o que mais se manteve no cargo, e Thiago Newman, o canhoto, que acho que foi quem participou do show que, certamente foi a apresentação mais insana daquela noite e que, curiosamente, não começou no palco.
Saímos eu, meu irmão, Nego Lê, nosso batera Cézah, o Pereba, e mais um amigo e personagem importante dessa cruzada, Diogo, o Tantã, rumo à Intercap, em Porto Alegre, para a reunião que daria início a saga.
Logo após a janta, todos naquele alvoroço se preparando para alçar ao que talvez fosse o voo mais ousado do nosso projeto hermenêutico, lembro da minha tia Iara, mãe dos guris Clayton e Daniel, meus primos e vocais da banda, nos encher de advertências sobre o uso do casaquinho, o cuidado com as companhias e aquela coisa toda de mãe.
Então chegou a hora, a trupe toda pronta e partimos para rua. Provavelmente eu levava alguma bebida mocozada na mochila, pois não lembro de um dia que saí durante os anos noventa onde não houvesse um vinho (hehehehe), mas o fato de já ter um trago, não impediu um dos atos que seria o marco daquela cruzada. Então, surge a dúvida: quem pegou a Cachaça Polteirgeist?
Lembro de o Pereba ter tomando mas também lembro do Tantã ser o primeiro a pegar o artefato.
Estávamos nós andando, não sei se próximo ao ponto de partida, quando numa encruzilhada nos deparamos com um despacho digno de uma legião de entidades e um dos nossos heróis teve a bendita ideia de pegar a cachaça pra tomar. 
Não sei se tomei, não sei quem tomamos, mas sei que fez toda diferença pois fomos para aquele show com uma legião de seres das ruas na nossa cola.
O lance era um pico muito louco numa festa insana organizada por uma skatista amigo nosso da Osvaldo Aranha, o Miller, que hoje mora em Viamão e que simplesmente convidou todo mundo pro evento. Lembro da Free Jack , Rapcrazy, Ultramen, Groove James, Borboleta Negra, que hoje virou Comunidade Nin-Jitsu, e nós, a Hímen Elástico, é claro...
Então chegou o momento tão esperado! Lembro de ter começado com a Marcha Fúnebre, num bass distorcidão, usando o moletom, que havia sido confeccionado num tamanho descomunal, com o capuz caindo na cara, fazendo referência à morte ou a um ritual qualquer (hehehehehehe!). Logo vinha “Carolina” ("Dá um beijo no cangote, Carolina!") e “Ex” que deram o ritmo do que seria uma metralhadora de músicas que tocamos naquela noite. Sim, foi um petardo atrás do outro e lembro que meu irmão não ficou no palco pois passou o show correndo no salão, alucinado, e geral impressionada com o que estavam assistindo. (hehehehehehehe!!!) Enfim, memorável! Logo após toda aquele frenesi, fomos para Osvaldo Aranha celebrar o grande momento. Acho que foi a primeira vez que vi Clayton e Daniel por lá!!!!!!
Até hoje não sei como acabou aquela noite mas guardo na memória, mesmo que vaga, um espetáculo inesquecível.

* Hermenêutico - termo que costumávamos usar para classificar tudo relacionado à Hímem Elástico


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A dúvida que não quer calar

Bah! Baita lembrança!
Então, o que dizer daquele dia? Eu bem moleque aprendendo os passos da adolescência e tendo exemplos, tanto de vocês, meus primos, como do Lucio, meu irmão.
Lembrando desse dia, hoje em 2021, consigo ter claro o que aquele 13 de agosto significou na construção de quem sou eu hoje, mas voltando anos atrás, era tipo um filme. Expectativa como se fosse um showzaço mas foi como uma final de campeonato, desde o ponto de ônibus, de onde já saímos rindo de tudo, até descer no centro de Alvorada, adentrar aquele bar escuro e ouvir a Hímen Elástico com vocês. 
Quebramos tudo! Foi massa demais e uma experiência única. Por isso, meu lema até hoje é: seja jovem sempre e faça tudo que quiser fazer, desde que não prejudique ninguém e não ocupe o espaço de outra pessoa. 
Contudo, depois de tanto tempo uma dúvida ainda persiste: Cachorro morto ainda late**?


** nome de uma das músicas da Hímen Elástico

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Macumba, rock ‘n’ roll e cabeças cortadas

Tínhamos a melhor banda de rock do Rio Grande do Sul dos anos 90. Digo isso sem soberba, até porque, se sobrava qualidade, faltou persistência a nós para prosseguimos e provar todo esse talento. A Hímen Elástico, nossa banda, era uma mistura muito bem azeitada de todas as referências que nós, integrantes, tínhamos: punk rock, hip hop, quadrinhos, samba, poesia concreta, música clássica, revistinha adulta, skate, hardcore, desenho animado. De tudo um pouco e tudo misturado emaranhando as mentes de Clayton Reis, meu irmão e principal vocalista/letrista; Leandro Reis Freitas, o Lê, primo backing assim como eu e dono de sacadas e ideias sempre criativas; Cezar “Pereba” Castro, o melhor batera dessas bandas sulistas depois de Pezão; e o baixo, vocais, and other instruments by Lucio Agacê, irmão de Lê e também nosso primo, um turbilhão de musicalidade e o verdadeiro músico entre nós – não à toa, o cara que mais seguiu por esse caminho entre todos nós depois da “dissolução” da Hímen, como carinhosa e debochadamente nos apelidávamos,.

Compúnhamos juntos e de forma contributiva, aliás, como sempre fizemos desde a infância, crescendo juntos como guris e seres criativos. Se a sintonia entre nós era sanguínea, geracional e afetiva, na guitarra a Hímen ainda reservava um charme à parte: sempre tínhamos um guitarrista diferente. Sabe a The The, a P.I.L., a This Mortal Coil, todos com guitarristas móveis? Pois é: éramos iguais. Dependendo da ocasião, algum amigo, familiar, parceiro ou até fã nosso era contemplado – desde que soubesse minimamente tocar o instrumento, visto que nenhum de nós tinha essa capacidade.

Todas essas características faziam da Hímen uma banda sui generis, que botava no chinelo em musicalidade Comunidade Nin-Jitsu, Cidadão Quem, Papas da Língua, Tequila Baby... todas as bandas de sucesso do RS na época. E nada dessa de banda “couve”: nossas músicas eram todas escritas por nós mesmos. O que não era de nossa autoria, transformava-se assim, como as versões de Ramones e Legião Urbana, que emendávamos com uma de nossas canções, “Fórmula de Bhaskara’, ou as ousadas versões de “Ego Sum Abbas” de CarminaBurana ou da techno-punk Suicide para o formato baixo-guitarra-bateria. Tínhamos inteligência musical e repertório suficiente para gravar um disco, certamente. Mas o fato é que não tivemos muito tempo de “estrada”. Embora as músicas ainda existam, foram poucos os que, ao contrário das bandas de sucesso do rock gaúcho, bem mais persistentes, tiveram o “privilégio” de nos ouvir. A não ser numa fatídica, gélida, perigosa e memorável noite de rock ‘n’ roll que nós promovemos.

Não vou lembrar com detalhes, pois lá se vão 28 anos, mas recordo que ensaiamos algumas horas na tarde daquele 13 de agosto de 1993 num estúdio que alugamos no Bom Fim. Terminados os ensaios, ‘simbora lá pra nossa casa, meio do caminho para nosso destino final, para comer alguma coisa feita por minha mãe, dona Iara, que levou as mãos à cabeça ao saber para onde iríamos depois dali: Alvorada. E à noite! E numa sexta-feira 13! E na cidade mais perigosa do Estado! Isso porque, naquela semana, a imprensa havia noticiado, assombrada, vários assassinatos cometidos em Alvorada em que os criminosos haviam decapitado suas vítimas. Misto de irresponsabilidade e descomplicação juvenil, obviamente, fomos. Seria a primeira apresentação ao vivo da Hímen Elástico! Nossas músicas, nós no palco! Adrenalina, rock ‘n’ roll! Não íamos perder de jeito nenhum a oportunidade de fazer aquele show, nem que, para isso, cortassem nossas cabeças!

Rock a gente associa a algo quente, infernal, furioso, certo? Neste caso, porém, substitua-se o calor dos infernos por um frio dos infernos. Sim: afora todas as justificativas que inibiriam qualquer ser minimamente ajuizado de não sair de casa, fomos nós, sob uma temperatura quase negativa, pegar dois busões em direção a Alvorada para desespero de minha mãe. Além de caminhar trechos com os instrumentos nas costas, sabe como é pegar ônibus de noite num fim de semana, né? Chá de banco. E com aquele frio! Deu pra ver que a galera não tinha grana, né? Táxi? Impossível, muito caro. Carro próprio? Àquela época, nem carteira aqueles guris tinham. Mas se faltava grana, assim como para com nossas músicas, sobrava criatividade – e um bocado de ousadia, confesso. No caminho para a condução, Cezar, quieto e sempre atento, encontrou uma garrafa de cachaça inteirinha e quase intocada. Que alento para aquele frio! E tudo bem pegar a bebida numa ocasião como aquela, não fosse a cachaça ser de um despacho. E acham que a gente se intimidou com o santo? Que nada! A insolência falou mais alto. Afinal, estávamos indo para um show de rock, caramba! O NOSSO show de rock.

Foi realmente uma apresentação digna a que fizemos no Woodstock Bar. Com uma formação de guitarra, baixo, bateria, voz e backing vocals, abrimos, como numa homenagem àquela sexta-feira 13 maldita, com “A Marcha Fúnebre”, (sim: trata-se de "Sonata para piano Nº 2 em si bemol menor, Op. 35", de Chopin), que havíamos ensaiado bastante durante o dia, embasbacando quem assistia. Seguiram-se nossas músicas: “Ex”, “Grandes Lábios”, E Daí?”, “Clayton” e outras. Nossas músicas.

Voltando a memória para antes do show, lembro de minutos antes de entrar no palco – pela primeira vez. Senti aquele famoso frio na barriga que todo músico ou ator diz ter antes de começar o espetáculo. Dei mais uns goles na nossa cachaça enfeitiçada e, não sei por que cargas d’água, arranquei o lenço que eu levava na cabeça e o amarrei numa das pernas, logo acima do joelho. Depois, foi só transe. Dito assim, parece um ato infantil, sem propósito ou até irrelevante. Mas aquilo era rock, bebês. Dadas as devidas proporções (afinal, considerávamos os melhores do nosso território, mas não do planeta), é a pulseira de spike dos metaleiros; é a camiseta rasgada de Sid Vicious; é o figurino extravagante do Elton John; é o tênis All Star dos Ramones; é o crucifixo do Ozzy. Não é a música, mas faz parte. Afinal, rock não é só som: é atitude. É o momento em que se experencia algo transformador: deixa-se de ser somente a si próprio para se tornar, pelo menos por minutos, sua própria criação artística.

Com todo o cenário que se pintou, de perigos tanto do além quanto da vida real, posso afirmar que subir num palco é como ter a sua cabeça cortada e entregue numa bandeja para o público. Como no mito de Salomé, sedução e morte se amigam. É quase um milagre. Ou dá pra explicar de outra forma a voz do Clayton ter voltado perfeitamente na hora do show depois de emborcar a nossa aguardente magiada? Deus, ou melhor, o Diabo, pai do rock, fez-se presente naquele dia para ele tão especial para nos permitir que a nós também fosse. E foi.

Não eram muitos na plateia, certamente. Mas que quem esteve lá, viu uma verdadeira banda de rock, isso, viu. A melhor do Rio Grande do Sul da década de 90, o que muitos nunca souberam. Mas a gente, “hermenêuticos”, sem modéstia, sabemos que sim.



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Cachaça Poltergeist
por Cly Reis


Ninguém tocava grande coisa. Na verdade, a maioria de nós, LucioDaniel e Eu, o núcleo da Hímen Elástico, não tocava instrumento nenhum. Éramos quatro primos muito musicais e muito criativos, o que nos despertou o desejo de botar aquelas ideias musicais, às vezes muito doidas, em prática. E o meio para isso era ter uma banda. Mas como ter um grupo musical diante da situação já relatada da total inépcia instrumental dos integrantes? Ah, o Lucio, que era o único um pouco mais habilidoso tocaria contrabaixo, que era no que se saía melhor, um de seus grandes amigos, o Pereba, que tocava bateria pra diversas bandas, acrescentaria mais essa à sua lista, e eu, que tinha o desejo mas não a coordenação motora pra tocar, tinha uma guitarra que poderia servir para algum guitarrista que convidássemos e que se encaixasse. De resto, na falta de maiores talentos, todos os três restantes seriam vocalistas, ora fazendo backing-vocals, ora se alternando na voz principal, embora o posto, oficialmente, coubesse a mim, não por ser mais ter mais qualidades para tal mas, pelo contrário, exatamente por não saber fazer mais nada.
Ensaiávamos com alguma frequência, guitarristas iam e vinham no posto que nunca fora muito fixo, tínhamos um repertório interessante e consolidado e, a partir de determinado momento, começamos a ansiar por uma oportunidade de tocar em algum lugar. Numa dessas, o Lucio, que era o cara com mais contatos, mais atuação no underground de Porto Alegre e região, conseguiu um showzinho pra nós. Seria em Alvorada, um município próximo à capital, num pequeno festival, com umas quatro ou cinco bandas, num lugar chamado Woodstock Bar. O dia? Sexta-feira 13 de agosto.
Determinados a garantir um bom desempenho, uma apresentação digna, marcamos um ensaio extraordinário para o final da tarde do dia do show. O evento no bar começaria umas10h ou 11h da noite, faríamos nosso ensaio ali pelas seis da tarde, voltaríamos pra minha casa, comeríamos alguma coisa, sairíamos por volta das oito e ainda daria tempo tranquilamente. Nosso planejamento deu certo. Deu, em termos... O ensaio da tarde e, possivelmente, algum stress por ansiedade, levou embora minha voz. Me vi, a poucas horas do nosso momento mais importante, até então, sem a coisa que eu mais precisava naquela noite: a voz. Por sorte, pouco antes da nossa vez de subir no palco, um cara de uma outra banda, vendo a minha situação, recomendou que eu tomasse uma cachaça que era certo que minha voz voltaria. Não deu outra! Foi voltando, foi voltando e na hora do show, eu estava pronto.
Subimos ao palco exatamente à meia-noite da sexta-feira 13 (bom, tecnicamente, já seria dia 14, mas pra efeito da mística da ocasião, ganha mais efeito dramático se colocado assim). Pelo soturno da situação, abrimos os trabalhos com a "Marcha-fúnebre", mas já emendando com a nossa tradicional vinheta de abertura, "Carolina", que já desembocava na nossa eletrizante música de abertura, "Ex" e a partir daí foi só pancadaria. Um show bom, modéstia à parte, mas não apenas na minha opinião, uma vez que nosso som foi elogiado por integrantes de outras bandas e, de quebra, pela gatinha que eu estava azarando.
Numa noite tão envolta em elementos sombrios, uma sexta-feira caindo em13, início do show à meia-noite, marcha-fúnebre, voz indo e vindo e tudo mais, não é de se duvidar que um fato externo tenha influenciado todo o contexto daquela jornada. Ainda na nossa ida, assim que saímos da minha casa, no meu bairro, ao passarmos por uma encruzilhada, com um respeitável despacho, vasto, abastado, repleto de guloseimas, bebidas, pipocas, galinhas e tudo mais, um amigo da banda, o Tantã, sem nenhum temor, passou a mão numa garrafa de cachaça e tascou uma bela golada. O Pereba, não se fazendo de rogado, não hesitou e também caiu dentro da cachaça da macumba. Entre risos, zoeira e muita imaginação, fantasiando que as galinhas do despacho levantariam e nos perseguiriam reivindicando a oferenda roubada, seguimos dali para o local do show, no episódio que ficou conhecido entre nós como a "Cachaça Poltergeist".
Então, não é de se duvidar que, por trás de toda aquela noite mágica, mística, da própria cachaça que eu tomei no bar, estivessem agindo forças sobrenaturais, espíritos, entidades, orixás, que fizeram com que, no fim das contas, nos saíssemos bem dentro das nossas possibilidades e que tudo desse certo no lendário primeiro show da Hímen Elástico. 



Hímen Elástico - "Fita p/ Não Comprometer"



quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

"Mank", filme de David Fincher (2020)

 

VENCEDOR DO OSCAR DE
MELHOR FOTOGRAFIA E
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO


Uma viagem à Hollywood dos anos 30
por Vagner Rodrigues


Uma mentira contada várias vezes pode virar uma verdade? Bom, é o que dizem e, particularmente, acho isso perigoso. David Fincher nos dá um belo filme, com destaque para as atuações e fotografia, porém pelo fato da história narrada que não ser exatamente uma verdade, uma vez que há muito mais coisas por trás daquilo tudo que o longa conta, coisas muito além das fofocas hollywoodianas, acabei me distanciando um pouco do filme, devo confessar.
Tecnicamente, o filme é muito bom, embora seu ritmo e o fato de ser preto e branco possa não agradar a alguns, mas isso é bem pessoal. Bem como minha maior bronca também é algo extremamente pessoal: o filme toma partido de um boato já desmentido faz muito tempo, de que Orson Welles não tinha participação nenhuma na construção do roteiro, uma das maiores lendas urbanas hollywoodianas. Esse boato ganhou força com o artigo escrito por Pauline Kael, mas mesmo na sua época, nos anos 40, já tinha sido desmentido e ficado provado que sim, Orson tivera grande participação no roteiro final de “Cidadão Kane”. Mas claro se você não se importa com esses “babados de Hollywood”, pode passar por cima disso, tranquilamente.
O trabalho técnico do filme é impecável e muito imersivo fazendo com qiue o espectador realmente se sinta na Hollywood clássica, andando pelos grandes estúdios. A fotografia em preto branco e a montagem do filme, são meus destaques. Por mais que para alguns o longa possa parecer confuso, por ser cheio de idas e vindas no tempo, se estiver atendo vai ver que antes das cenas tem uma letreiro que funciona como roteiro (roteiro no papel) de um filme, indicando se a cena é um flashback, onde ela se passa, etc. É só um detalhe pequeno mas que engrandece muito a obra. Sobre individualidades, destaque para Gary Oldman, como sempre muito bem, Lily Collins tem bastante tempo de tela e consegue apresentar bem sua personagem, Amanda Seyfried tem algumas cenas, não muitas, mas gostei dela  e não duvido que algum desses três apareça como indicado nas premiações desse ano. Sobre David Fincher, sempre aguardamos muito suas obras com grande expectativa e essa não decepciona. Desta vez e ele fez seu trabalho conta com roteiro de seu pai, Jack Fincher, e, se não tem o peso de seus grandes filmes, vale a homenagem para o pai.
Se você gosta da Hollywood dos anos 30,40, vai adorar o longa. Um belíssimo trabalho técnico, um roteiro bem atrativo, personagens fortes, uma trama principal que consegue segurar o filme, mesmo com outras coisas acontecendo, como o cenário político da época, muito bem retratado por Fincher, em um de seus grandes acertos, num cenário de fake-news que dialoga muito com tempos atuais, aliás BEM atuais. 
Longe de ser o melhor trabalho do diretor, é uma obra com inegáveis grandes qualidades. Visualmente lindo, o que nos atrai, nostálgico na medida certa, e se você já viu “Cidadão Kane”, não que seja necessário, mas se já viu, “Mank” é um bom complemento da obra de Welles (com exceção da parte que fala de Welles, mas não vou voltar para o mundo das fofocas...) Beba com responsabilidade e assista a “Mank”.
Que filme imersivo! Adorei a viagem o tempo.



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David Fincher está de volta!
por Cly Reis



"E o Oscar de melhor roteiro original vai para... Herman W. Mankewicz e Orson Welles, por "Cidadão Kane"
. Este é o ponto onde culmina o excelente "Mank", filme de David Fincher, que trata, exatamente, de todo o processo de concepção do roteiro da obra-prima de Orson Welles, todo o contexto social, político e histórico daquele momento na Hollywood pós-depressão e os envolvimentos e relações do brilhante mas complicado escritor e roteirista Herman J. Mankiewicz.
Mank, como era conhecido, era dono de uma personalidade forte, ideias bem definidas, um texto criativo e uma língua afiada. Assim, por conta, exatamente, de seus posicionamentos políticos, sua irredutibilidade, sinceridade e por não ter papas na língua, por mais brilhante que fosse, Mankiewicz passou a ser, de certa forma, persona non grata dentro do universo dos grandes estúdios de Hollywood.
Fincher nos traz essa história toda de maneira não menos incrível, com idas e vindas, flashbacks oportunos, construções de expectativa, suspenses, apresentando seu filme como uma leitura de roteiro em movimento, sob um visual de filmes noir e com uma fotografia em preto e branco espetacular.
"Mank" é, para mim, a recuperação do velho e bom David Fincher do visual dos videoclipes da época de Madonna, como em "Vogue", por exemplo, da atitude de "Clube da Luta", da astúcia de "Vidas em Jogo", da intensidade de "Se7en". "Mank", desde já se credencia como um dos grandes candidatos, em potencial, às principais categorias na próxima edição do Oscar. A luz é maravilhosa, a fotografia é incrível, Gary Oldman está espetacular no papel do protagonista, a trilha de Trent Raznor e Atticus Ross é precisa e impecável, Fincher conduz o longa com maestria, e o roteiro, do pai do diretor, sobre um dos mais incríveis e revolucionários roteiros da história do cinema, muito possivelmente está destinado, assim como foi com o filme do qual trata, a ouvir na noite de premiação da Academia, a mesma frase que foi dirigida a Mankiewcz e Welles: "E o Oscar de melhor roteiro original vai para..."

A fotografia, a luz, os figurinos, a atuação de Oldman...
tudo demais!



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Música da Cabeça - Programa #194


Do jeito que a coisa anda, até Papai Noel tá querendo virar jacaré neste Natal. Mas enquanto a vacina não vem, a gente curte o MDC natalino com sons mais legais do que de sininhos. Isso porque tem Ride, RATOS DE PORÃO, Fernanda Abreu, Lou Reed & John Cale, Pequeno Cidadão e outros vão estar com a gente. Ainda tem quadro com os 250 anos de Beethoven e os fixos "Palavra, Lê" e "Música de Fato". Programa desta quarta é 21h, na crocodiliana Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. #feliznatal2020 #vemvacina e #ForaBolsonaroGenocida


sábado, 7 de novembro de 2020

Live "Estrela Guia – O Povo do Oriente na Umbanda", com Norberto Peixoto - Ed. BesouroBox - 66ª Feira do Livro de Porto Alegre

 



"Os homens não se dão conta do poder divino dentro deles. Esse poder controla todas as funções dos corpos espirituais que envolvem o Espírito e permitem a adequada manifestação inteligente da consciência em diversos planos de existência. Vós sois deuses”, só ainda não compreendem isso."
Pai Tomé



"Estrela Guia – o Povo do Oriente na Umbanda" é o 16º livro publicado no selo Legião Publicações de Norberto Peixoto. Esse é um livro psicografado e, em linhas bem gerais, a primeira parte é mais filosófica e a segunda parte fala do trabalho de cura do agrupamento do Oriente nos terreiros de Umbanda. Pai Norberto Peixoto é de família umbandista, quando criança já vivia experiências mediúnicas, foi iniciado na cachoeira de Itacuruçá. É um grande estudioso das questões transcendentais, teve formação na Doutrina Espírita é maçom e teosofista. Dirige o Grupo de Umbanda Triângulo da Fraternidade desde junho de 1992 com uma proposta de espiritualismo universalista crístico, eclético e convergente.
Para compreender a manifestação de Pai Tomé precisamos entender que ele é um swani que em sânscrito significa “aquele que sabe e domina a si mesmo” liberado de reencarnações devido ao seu grau evolutivo. Amoroso Espírito, sábio e prudente, reside no Plano Astral num “ashram”, uma casa branca encravada no alto de uma montanha, que tem a sua contrapartida terrena na Chapada dos Veadeiros, na região Centro-Oeste de nosso país. Esse local recebe entidades provindas do Oriente que vão reencarnar no Brasil, assim como ocidentais – sendo em sua maioria brasileiros – que reencarnarão no Oriente. Ele é um devoto de Cristo e de Krisna.
Como explica, Norberto “A Estrela do Oriente”, simboliza o olho espiritual aberto na testa, o pequeno sol iluminando o microcosmo do homem, o portal que abre o acesso para o macrocósmico Reino de Deus, existente no interior de cada cidadão. Os ensinamentos dos sábios do Oriente são universais, não se prendem a uma religião específica, assim como os ensinamentos transcendentais de Jesus.
A universalização da Umbanda, aproximando-a da Religião Eterna da tradição do Oriente, prevista com intensidade para os próximos 30 anos, resgatará o sentido profundo da Umbanda enquanto ciência de autorrealização divina, fazendo que haja um grande deslocamento da mediunidade terapêutica, socorrista e fenomenal para a mediunidade preventiva, uma parceria pró ativa com os Guias para a expansão da consciência e liberação do homem de seus equívocos internos que o atam nas reencarnações sucessivas.
Hoje acontecerá a 3ª LIVE da editora
BesouroBox Ltda
e será com Norberto Peixoto que falará sobre o livro, psicografia, mediunidade e literatura umbandista, às 19h30 no canal oficial do Youtube da editora.
Te esperamos!

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o que: Live "Estrela Guia – o Povo do Oriente na Umbanda"
quando: 7 de novembro, 19h30
evento: Feira do Livro de Porto Alegre



texto: Leocadia Costa
Pérolas de Ramatís


domingo, 9 de agosto de 2020

Claquete Especial Dia dos Pais - 9 filmes sobre paternidade


Aproveitando a data comemorativa do Dia dos Pais, lembramos aqui de filmes que, sob enfoques distintos entre si, abordam o tema da paternidade. Produções de diferentes nacionalidades e épocas que, a seu modo, trazem, por conta das peculiaridades culturais e históricas, também diferentes formas de expressão daquilo que é ser pai. Porém, uma coisa fica evidente em todos estes títulos: o amor. Seja incondicional, conflituoso, arrependido, culpado ou manifesto, está lá sentimento que norteia a relação entre eles, pais, e seus filhos. 

Fazendo uma panorâmica, vê-se que há menos filmes significativos sobre pais do que de mães. Pelo menos, aqueles em que o pai é protagonista e não simplesmente uma figura acessória. Até por isso, torna-se interessante levantar uma listagem como esta no dia dedicado a eles. Escolhemos 9 títulos, afinal, estamos no dia 9. E detalhe: selecionamos apenas filmes premiados, desde Oscar até premiações estrangeiras ou nacionais. Indicações imperdíveis aos que ainda não viram, lembrança bem vinda aos que, como eu, terão a felicidade de revê-los - de preferência, com seus pais.


PAI PATRÃO, irmãos Taviani (Itália, 1977)

Baseado no romance autobiográfico de Gavino Ledda, conta a história da dura infância e adolescência do escritor quando, aos seis anos, é obrigado pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no campo. Todas as suas tentativas de mudar de vida são abortadas pela ignorância e violência do patriarca. Aos 20 anos, ainda analfabeto, Gavino acaba entrando para o exército, onde adquire, enfim, algum conhecimento. Renunciando à carreira militar, ele volta à sua terra para seguir estudando. No entanto, o choque com o pai é inevitável.

Explorando a linda paisagem e luz naturais da região da Sardenha, “Pai Patrão” é um tocante e contundente drama que põe a nu extremos da relação entre pais e filhos, fazendo-se psicanalítico mesmo naqueles confins da Itália. O pai (muito bem interpretado por Omero Antonutti) é uma representação do quanto os instintos do bicho homem falam mais alto quando a ignorância impera. O amor, existente – e contraditoriamente motor disso tudo –, submerge diante do medo e da insegurança de uma pessoa despreparada para aspectos da paternidade. A abordagem dos Taviani é crítica ao ressaltar o comportamento de vários personagens muito próximo ao de animais. Também, surpreendem ao desviar em alguns momentos o foco dos protagonistas, mostrando ações e pensamentos de outros que os rodeiam, evidenciando sentimentos muito parecidos com os de Gavino e de seu pai.

Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio
Palma de Ouro no Festival de Cannes, “Pai Patrão” foi a afirmação dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani como importantes cineastas da cinematografia moderna italiana a partir dos anos 70, uma vez que tinham como herança a responsabilidade de fazer jus à obra de gênios já consolidados como Fellini, Antonioni e Pasolini. Os Taviani, no entanto, cunharam um estilo mais próximo ao dos neo-realistas, principalmente De Sica, no engenhoso jogo de grandes e médios com primeiros planos, adicionando a isso um modo sempre muito peculiar de contar as histórias, este, próprio do cinema moderno.


A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)

Na Suécia do século XIV, um simples casal cristão dono de uma propriedade rural incumbe a filha Karin (Birgitta Pettersson), uma adolescente pura e virgem, de levar velas para a igreja da região. No caminho, ela é estuprada e assassinada por dois pastores de cabras. Quando a noite chega, ironicamente os dois vão pedir comida e abrigo para os pais de Karin, onde são recebidos cordialmente. Porém, ao descobrirem a tragédia, os pais são tomados pelo sentimento de ódio.

Temas recorrentes na obra do sueco, a morte, a religiosidade e a compaixão servem de tripé para essa história magistralmente dirigida por Bergman. O contraste entre luz e sombra da fotografia em preto-e-branco do mestre Sven Nykvist realça, principalmente a partir da segunda metade da fita, a polaridade emocional da trama: bem e mal, Deus e Diabo, brutalidade e candura, vingança e perdão, vida e morte. O dilema recai sobre o pai, interpretado pelo lendário Max Von Sydow (recentemente morto, no último mês de março), que, com o coração dilacerado e pressionado pela mulher a matar os criminosos, perde a cabeça. E sua religiosidade? E a culpa em sujar-se de sangue? E a dor sua e da esposa? Isso aplacará a perda? Como administrar tudo isso?

filme "A Fonte da Donzela"

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria, esta obra-prima de Bergman valoriza, como em “Pai Patrão”, os elementos da natureza (água, pedra, sol, terra) como representação dos desafios essenciais da vida, mas difere do filme dos Taviani no tratamento da relação pai-filho. Se no outro a questão centra-se na distância emocional entre os personagens, aqui, é a morte que se impõe como separação. Por este ângulo, mesmo num filme transcorrido na Idade Média, “A Fonte da Donzela” é atualíssimo, pois traz um dilema muito comum na sociedade urbana atual: o de como os pais se posicionam diante da perda de um filho vitimado pela violência. Afinal, trata-se de uma obra incrível e significativa a qualquer época.


STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)

Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.

Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.

Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína
Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980, este filme ímpar na história do cinema alinha-se, em verdade, com outros filmes de arte do gênero ficção científica produto do período de Guerra Fria, em que a noção temporal é imprecisa, a humanidade jaz desenganada, o estado comprometeu-se e os avanços tecnológicos, promessas de avanço no passado, não deram tão certo assim no presente. Haja vista “Alphaville” (Godard, 1965), “Laranja Mecânica” (Kubrick, 1972) e “Fahrenheit 451” (Truffaut, 1966).  Esse compromisso de crítica recai ainda mais sobre Tarkowski como cidadão da Rússia, um dos pilares da tensão planetária junto com os Estados Unidos.


KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)

Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.

“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?

Ted aprendendo e gostando de ser pai
Tamanho êxito como obra não passou despercebido. O filme foi o principal vencedor do Oscar de 1980, abocanhou os de Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante e Roteiro Adaptado, além de vários Globo de Ouro e outros festivais. Exemplo de drama da cinematografia norte-americana, uma vez que o filme de Robert Benton consegue unir atuações muito bem dirigidas, um roteiro “europeizado”, visto que forte e realista – feito raro em Hollywood – e um enredo tocante, mas que facilmente poderia escorregar para o piegas ou uma enfadonha DR. Filmado no mesmo ano de “Stalker”, traz a figura do pai em um momento de autorreconhecimento desta condição, ao passo de que o filme russo, esta condição já foi compreendida. No entanto, em ambas as produções, a distância entre as culturas são movidas pela mesma busca de um pai pela sobrevivência do filho.


A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012) 

Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.

Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.

Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo
Vencedor do Prêmio do Público no Festival do Rio 2012, “A Busca” lembra o recorrente mote narrativo de filmes iranianos, a se citarem “Vida e Nada Mais”, “Gosto de Cereja”, “O Círculo” e “O Balão Branco”. Sempre há algo a se buscar, seja alguém ou algo que não se sabe exatamente ao certo. Metáfora da vida, essa busca simboliza a passagem do tempo e a (mesmo que não acontece durante o filme) inevitável morte, que um dia alcançará a todos independentemente da rota. Essa simbologia ganha ainda mais realce pelo fato de se tratar da genealogia sanguínea, ou seja: a única possibilidade de não-morte. O longa de Luciano Moura reafirma o entendimento de que, mais do que o final, o importante mesmo é o que se faz na jornada.


IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)

Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.

Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.

cenas de "Ironweed"

“Ironweed” levou o prêmio da New York Film Critics Circle Awards de Melhor Ator para Nicholson, embora tenha concorrido tanto a Oscar quanto Globo de Ouro. Babenco foi um cineasta tão diferenciado que, conforme contou certa vez, Nicholson, bastante sensibilizado com o filme que acabara de realizar, procurou-o um dia antes da estreia e pediu para ir à sua casa para o reverem juntos e que, durante aquela sessão particular, segurou bem firme na mão de Babenco e não a soltou até terminar.


À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)

Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.

Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.

Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real
Além de indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, “À Procura da Felicidade” faturou o NAACP Image Award de Melhor Filme mas, principalmente, premiou pai e filho por suas maravilhosas atuações. Will, o Phoenix Film Critics Society Awards. Já o pequeno Jaden levou não só este como o MTV Movie Award de Melhor Revelação. A sintonia entre pai e filho na frente e atrás das câmeras é captada com delicadeza pelo cineasta italiano Gabriele Muccino, que se valeu desta química para transpor para o cinema esta história inspiradora para qualquer pessoa, quanto mais, para um pai. 


UP: ALTAS AVENTURAS, de Pete Docter (EUA, 2009)

Carl Fredricksen é um solitário idoso vendedor de balões que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Após um incidente, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado. Para evitar que isto aconteça, ele põe balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo e vá em direção a Paradise Falls, na América do Sul, onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Porém, Carl descobre que um “problema” embarcou junto: Russell, um menino de 8 anos.

A divertida e tocante animação, dirigida pelo assertivo Pete Docter (dos dois primeiros “Toy Story” e “Wall-E”), é das mais felizes realizações da Disney/Pixar. Acertos técnicos inquestionáveis como é de costume ao megaestúdio, mas principalmente, no enredo e nas metáforas que suscita. A simbologia do voo como elevação espiritual, da velhice e a proximidade com a morte é uma delas, bem como a casa como representação do corpo e daquilo que há no interior de cada um. Mas a trama toca também na questão da amizade, da lealdade e da paternidade, mas não necessariamente sanguínea. O ranzinza Carl, contrariado de princípio com a presença de Russell, vai se afeiçoando ao menino e compreendendo a importância do papel e da figura para este de um pai, o qual, ocupado com sua vida, pouco lhe dá atenção. As altas aventuras vividas por eles provam o quanto o pai também pode ser o que adota. Não no papel, mas no sentido mais emocional da palavra. Com o coração. O garoto, por sua vez, traz para o melancólico cotidiano de Carl, além de confusões – afinal, criança dá trabalho também – vida. Ah, e nisso inclui também a tiracolo um cãozinho, o simpático (e falante!) Dug.

O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração
“Up” ganhou Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora (Michael Giacchino), e chegou a concorrer a Oscar de Filme com títulos como “Guerra ao Terror” (vencedor), “Bastardos Inglórios”, “Avatar” e “Preciosa”, um feito para uma animação que seria igualado apenas por “Toy Story 3”, um ano depois. Uma qualidade do filme é que, devido à sua abordagem fantástica e resolução da trama, dificilmente terá uma continuidade, que, assim como acontece com várias outras animações, seguidamente entregam a primeira realização pela inconsistência e pela mera repetição caça-níquel. Vale muito também a pena assistir a versão brasileira dublada, que tem Chico Anysio impagável como Carl Fredricksen em um dos últimos trabalhos do humorista antes de morrer.


RAN, de Akira Kurosawa (Japão/França, 1985)

Adaptação de “Rei Lear”, de William Shakespeare, retrata de forma épica e brilhante o Japão feudal do século XVI, onde um velho senhor da guerra Hidetora, patriarca do clã Ichimonji (Tatsuya Nakadai), renuncia ao poder, entregando o seu império e conquistas aos três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder, ficando Jiro e Saburo, respectivamente, com o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios Contudo, ele subestima como o poder recém-descoberto dos filhos irá corrompê-los e levá-los a virarem-se uns contra os outros. 

Obra-prima, “Ran” é mais uma adaptação de Shakspeare que Akira Kurosawa promoveu de forma pioneira no cinema japonês – assim como para com outros autores não-orientais como Dostoiévski, Gorky e Arsenyev. Porém, desta vez em cores, diferentemente do que fizera em 1957 adaptando “Macbeth” em “Trono Manchado de Sangue”, o que amplia a magnífica fotografia em grandes planos, o desenho de cena primoroso, os figurinos em que os tons simbolizam estados psicológicos e cenografia que remete ao milenar teatro japonês.

trailer de "Ran"

“Ran” levou o Oscar de Melhor Figurino e concorreu a Melhor Direção de Arte, Fotografia e Diretor, sendo a primeira e última vez que Kurosawa seria nomeado pela Academia. A tragédia teatral ganha uma dimensão ainda mais bela na tela grande, mais do que adaptações anteriores da mesma peça, ao retratar os desacertos internos dos Ichimonji, evidenciando um problema recorrente em famílias poderosas, que é a briga pelo poder e o desafio à autoridade e figura do pai. Numa produção digna do anseio de seu realizador, "Ran" revela conflitos e sentimentos muito genuínos como inveja, cobiça e orgulho e questionando a ancestralidade como formas de manutenção (ou não) do sangue.


Daniel Rodrigues
com colaborações de Leocádia Costa e Cly Reis


quinta-feira, 19 de março de 2020

10 Filmes de Epidemias e Contaminações em Geral





As gotículas de saliva livres ao ar no bom sul-coreano "A Gripe".

Essa onda toda de vírus, quarentena, isolamentos, incerteza faz, inevitavelmente vir à cabeça de um cinéfilo diversas vezes em que o cinema retratou situações desse tipo, em alguns casos com muita semelhança. Como fazer listinha de filmes é o que a gente gosta, vamos aqui com 10 filmes em que transmissão de algum tipo de vírus, mal, infecção, doença ou algo inexplicável rendeu um filme e nele causou caos, pânico, alarde, correria, mortes ou tudo isso junto.
Já que não dá pra sair de casa, o negócio é ficar na frente da TV e ver alguns dos filmes que indicamos aqui.
Isso, é claro, se você não for entrar em pânico.
Calma! Calma!
Sem pânico.
Senta na poltrona, saca o controle remoto e simbora catar os filmes da nossa lista no streaming.


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1. "Contágio", de Steve Soderbergh (2011) - Não tem como não começar a nossa listinha com esse que, nesses tempos de alto risco de contágio, virou praticamente uma febre (ops!) no streaming. Um dos grandes méritos do filme do diretor Steve Soderbergh é o fato de  ao fato de ser, possivelmente, o mais verossímil e realista do ponto de vista científico e procedimental. O filme mostra, dia a dia, o avanço de uma doença com características muito semelhantes à atual que estamos vivenciando com as consequências sociais, as ações das autoridades e a corrida contra o tempo e contra os números crescentes de vítimas dos pesquisadores e órgãos de saúde. A primeira tosse, o contato com parentes, amigos, a propagação da doença, o aumento vertiginoso de mortes, a impotência das autoridades, o esforço dos cientistas, a quarentena, o consumo histérico, o sensacionalismo de parte da imprensa, o caos... tudo está muito bem retratado em "contágio" e de maneira muito convincente. 
Além de pertinente, na atual situação, um ótimo filme que mantém o interesse e a tensão o tempo todo. Detalhe para as cenas em que o diretor faz questão de mostrar mãos em maçanetas, corrimãos, botões de elevador, barras de ônibus, que só nos fazem lembrar o quento estamos em perigo.




2. "Epidemia", de Wolfgang Petersen (1995) - Outro que vai mais ou menos na mesma linha que o anterior, mas que peca por ser excessivamente hollywoodiano. Neste, um macaco levado para os EUA para pesquisas militares apanhado de uma aldeia na África, que havia praticamente sido dizimada por uma doença possivelmente provocada a partir dele, é "desviado" por um funcionário de triagem ao chegar ao seu destino, nos Estados Unidos, desencadeando a partir daí uma epidemia local rápida e letal, fazendo com que a pequena cidade de Cedar Creek seja mantida em quarentena. O filme até é bom, tem ritmo, tem envolvimento, mas as americanices tipo, soldado bom / soldado mau, perseguições frenéticas (até de helicóptero) e uma solução excessivamente rápida, comprometem um pouco o produto final.

"Epidemia" - trailer




3. "A Gripe", Sung-Soo Kim (2013) - Em meio a todo o exagero e heroísmo característico do cinema de ação sul-coreano, "A Gripe", mantém uma boa coerência e um bom grau de verossimilhança. O filme começa expondo uma situação de trabalho semi-escravo em que imigrantes miseráveis de Hong Kong se sujeitam a  serem transportados dentro de um contêiner para a Coréia para servir de mão de obra barata. O problema é que um deles, lá dentro, já demonstrava pequenos sinais de uma gripe e, um ambiente daqueles, fechado com aglomeração, era a pedida perfeita para o vírus se desenvolver. Ao chegar ao destino, praticamente todos já estão mortos pela doença, com exceção de um que sobreviveu e que foge para a área urbana de Bundang, uma cidade próxima a Seul e espalha a doença. O pânico chega, o caos cresce, o governo isola a cidade e em meio a isso tudo, uma médica, In-hye, especialista em doenças infecciosas vê sua filha ser contaminada pelo novo vírus, para não abandoná-la entre os doentes entra na área de quarentena e, mesmo de lá, com a ajuda do bombeiro Ji-Goo, com as poucas informações e recursos que tem, procura respostas e uma solução para o caso. Meio exagerado, cheio de clichês mas até bastante aceitável no que diz respeito à origem, ao avanço e todo o desenrolar social da coisa toda. 
Se nada convenceu você a não sair de casa, as cenas das gotículas se espalhando no ar quando os infectados tossem, o farão.





4. "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles (2008) - Aqui a epidemia não traz mortes. Pelo menos, não diretamente. Mas talvez seja o mais assustador se pensarmos a que ponto de degradação moral o ser humano pode chegar. Uma cegueira repentina começa a se alastrar entre a população e, diante do quadro, com um crescente e incontrolável número de casos, as pessoas são levadas pelas autoridades para isolamentos. Neles, com o passar do tempo e com o número de doentes crescendo e os problemas de higiene, comida, comunicação aumentando, revelando da pior maneira possível os mais desprezíveis e abjetos comportamentos humanas. Dentro de um destes locais de quarentena, uma mulher não infectada, em solidadriedade e amor ao marido, é mantida com ele no sanatório e, para não revelar-se a única sã lá dentro, sujeita-se, com toda uma decepção humana e resiliência, a todas as situações que aquele confinamento acarreta. 
O filme do brasileiro Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago, com a aprovação do escritor, traz uma série de outras questões importantes mas, principalmente, escancara como o ser humano se comporta em uma situação crítica dentro de um grupo em um espaço restrito, num estado limite, e como nessas situações, ao invés de prevalecer o espírito de solidariedade, ordem, princípios, o que revela-se é a vaidade, anarquia e sobretudo, o egoísmo. O fato de um cidadão estocar comida, álcool gel e outros gêneros de necessidade, privando vários outros ter terem a possibilidade de adquirir tais produtos, é uma pequena mostra de que muito do que está nessa ficção, não passa muito longe da realidade.




5. "Sentidos do Amor", de David MacKenzie (2011) - Outro filme que explora os sentidos. Mas aqui as pessoas não perdem apenas um, mas todos. Às voltas com a investigação sobre uma aparente epidemia que leva à perda de olfato, uma epidemiologista envolve-se emocionalmente com um chef de cozinha e juntos, cada vez mais apaixonados, eles vão presenciando, vivenciando e sofrendo, em meio a memórias e questionamentos, a gradual perda dos demais sentidos. 
Interessante é que cada perda de sentido é precedida por uma crise emocional individual com choro, raiva, excessos, e um caos coletivo posterior a ela que leva a reações parecidas com a de "Ensaio Sobre a Cegueira", como violência, desordem, ganância, com a diferença que em "Sentidos do Amor", as pessoas, passado o desespero inicial, ao perderem um, meio que conformam-se e acabam meio que se adaptando aos sentidos que restam. "Não consigo cheirar, mas posso sentir o gosto da comida...", "Não consigo sentir o gosto, mas posso ver a cor...", "Não posso ver, mas posso sentir sua textura...", e assim por diante. Mas pelo progresso da epidemia, em breve não restará nenhum sentido e nisso, o filme do escocês David MacKenzie é mais otimista que o de Fernando Meirelles, sugerindo que, ao final, mesmo que percamos todos os sentidos, o amor persistirá. O mais importante  "sentido" de todos.
Muito bom filme. Bela condução, ótima fotografia e boas atuações do casal Eva Green e Ewan McGregor. Daqueles filmes que fui assistir não apostando nada, achando que seria só mais uma historinha romântica boba e me surpreendeu muito positivamente.





6. "[REC]", de Jaume Balgueró e Paco Plaza (2007) - Não tem como falar de epidemias e contágio em massa sem falar em filmes de terror que talvez seja o segmento, que à sua maneira, com a sua linguagem, mais explora o assunto. "[REC]", especificamente, tem uma situação peculiar que torna pertinente sua citação neste momento: o isolamento compulsório, a quarentena imposta por autoridades. Um prédio em Madrid é isolado pelas autoridades após o cão de um dos moradores apresentar, em uma clínica veterinária próxima, sinais de uma perigosa infecção que veio a levá-lo à morte mas, estranhamente, voltar à vida e agir de forma violenta e descontrolada. Só que dentro do prédio, uma dupla de jornalistas que acompanha, despretensiosamente, uma equipe do corpo de bombeiros em uma chamada a respeito de uma senhora que parece estar se sentindo mal ou algo do tipo e o que eles não sabem é que, não só a pessoa que os bombeiros vão atender, como outros moradores já tiveram contato com o animal, ou entre si e o vírus já se espalhou. Aí, véi..., o bicho pega! Como o mal é transmitido pela saliva, cada vez que um é mordido por outro infectado descontrolado e violento, a legião de zumbis aumenta dentro daquele pequeno edifício. E não tem pra onde fugir!
Filme alucinante! Correria escada acima, escada abaixo num espaço restrito sem muito pra onde correr. Um dos melhores filmes de terro e de zumbis dos últimos tempos. A situação não deixa de lembrar, de certa forma, a do navio de cruzeiro atracado no Recife, em quarentena, onde dois passageiros foram diagnosticados com o Covid-19. A mente do cinéfilo já fica pensando: "Imagina se fosse um vírus zumbi do '[REC]'...".




O parasita de laboratório saindo de um dos hospedeiros.
7. "Calafrios", de David Cronenberg (1975) - Mais um exemplo de um filme em que a epidemia começa a se propagar, inicialmente, dentro de um prédio mas que, aqui, inevitavelmente, seguirá mundo afora. Nesse caso, temos um parasita produzido artificialmente, em princípio com a ideia de substituir órgãos humanos, implantado numa cobaia humana, que, por uma mutação, desvia-se, por assim dizer da sua finalidade, e passa a estimular uma atitude sexual desenfreada e violenta no paciente. Sabedor do fracasso de sua intenção inicial e das consequências da ação daquele "órgão" num humano, o médico inventor mata sua cobaia, sua amante, uma adolescente ex-aluna, na intenção de destruir o organismo que criara e, em seguida se mata arrependido da criação e do crime. Mas o que ele não sabia é que a bela Annabelle não era mais popular do que imaginava naquele condomínio e o parasita já estava espalhado por aí.
O filme aborda, à maneira Cronenberg, com muito sangue, gosma e nojeira, as doenças sexualmente  transmissíveis e está entre os grandes clássicos do terror trash da história. Se a epidemia atual não tem a ver, necessariamente, diretamente, com sexo especificamente falando, embora, é claro, o toque, a saliva, a relação em si, possa transmitir, "Calafrios", especialmente seu final, reforça a necessidade de restringir ao máximo alcance de uma epidemia. Porque depois que ela sair do seu lugar de origem...




8. "Os 12 Macacos", de Terry Gillan (1995) - A propósito de cruzar fronteiras, a cena do embarque no avião com a valise cheia de ampolas com o vírus, nos dá uma noção de como uma epidemia passa de um país para o outro. É lógico que no filme foi proposital mas a coisa toda do trânsito é que faz com que essa cena em especial me venha à mente. "Os 12 Macacos"  é mais uma das geniais ficções distópicas de Terry Gillan e nela, em 2027 (olha aí a proximidade!!!), o mundo é devastado por um vírus e os sobreviventes são obrigados a viver no subsolo da Terra. Um prisioneiro é selecionado para voltar a 1996, o ano de início da epidemia, para recolher evidências para que cientistas, no futuro, investiguem suas causas e tentem encontrar uma cura que evite aquele futuro sombrio. Filme que já se tornou um cult, lembra muito visualmente e, um pouco conceitualemente, outros dois do diretor, "Teorema Zero" e "Brazil - O Filme".

cena final - "Os 12 Macacos"




9. "Fim dos Tempos", de M. Night Shyamalan (2008) - Sem dúvida, o pior desta lista! Menciono porque a primeira parte, na cidade, quando a epidemia se manifesta fazendo com que as pessoas se suicidem, é alucinante! Mas fica por aí. O filme é uma droga. Clichês, más atuações, roteiro ruim e tudo mais. O mote é que uma espécie de toxina espelhada no ar faz com que as pessoas percam seu senso de auto-preservação e, assim que em contato com aquele elemento, tirem automaticamente suas vidas. Ok! A coisa toda poderia servir se, além dos defeitos já enumerados, as soluções não fossem tão estúpidas, pífias e pouco plausíveis. Assim que a situação na cidade fica praticamente insustentável, nosso protagonista, Elliot Moore (Mark Wahlberg) um professor de ciências em crise no casamento, resolve fugir para outro o interior de trem com um colega do trabalho, a filha e a esposa, com quem vive uma crise conjugal. Ora, por que diabos aquela coisa se concentraria apenas em um lugar se está no ar? O que leva a crer que aqui você não está a salvo e ali está? Ok... Depois de muito "Acho isso", "Acho aquilo", parece que percebe-se que a toxina está na vegetação, nas plantas e eles que liberam o elemento que causa a perturbação mental responsável pelos suicídios. Mas aí que fica pior porque nosso grupo de sobreviventes, numa área rural passam a evitar a vegetação e a adivinhar qual é nociva ou não. Nem o ritmo ou o interesse se mantém, porque o argumento é tão estapafúrdio que, chega um momento que a gente quer mais é que acabe de uma vez.
O filme é péssimo de um modo geral, mas os personagens fugindo do vento e se escondendo numa casa como se o ar não pudesse entrar por uma fresta, um vão, etc, é o fim dos tempos.




10. "Epidemic", de Lars Von Trier (1997) - Vai um filme de arte aí pra completar a lista? Um escritor e um diretor pressionados para cumprir um prazo para um filme, percebem que o roteiro em que trabalharam durante um ano inteiro está perdido e não poderá ser recuperado, assim o recomeçam e o ao novo projeto dão o nome de Epidemia. Nele, contam a história de um país infectado por uma epidemia, cujos governantes são médicos. Os homens do poder estão em segurança enquanto as pessoas, de um  modo geral sofrem com a doença, mas um deles, um dos médicos-governantes, resolve sair para para combater o mal. Eles terminam este novo roteiro em poucos dias e durante o jantar de apresentação do trabalho para o produtor, um hipnotizador, que aparece de surpresa no local, parece aproximar a ficção criada por eles da realidade, pois logo após a visita inusitada, o roteirista começa a mostrar sinais da doença que escrevera para o filme. 
Filme pouco conhecido do polêmico Lars Von Trier, é estrelado por ele e faz parte da trilogia Europa completada por "Elemento do Crime" e "Europa". Naquela época, um trabalho do ainda promissor Lars Von Trier.

O médico, do filme dentro do filme, saindo de seu gabinete e
indo tentar levar a cura à população.







por Cly Reis
colaboração: Daniel Rodrigues
e Vagner Rodrigues