Uma viagem à Hollywood dos anos 30
por Vagner Rodrigues
Tecnicamente, o filme é muito bom, embora seu ritmo e o fato de ser preto e branco possa não agradar a alguns, mas isso é bem pessoal. Bem como minha maior bronca também é algo extremamente pessoal: o filme toma partido de um boato já desmentido faz muito tempo, de que Orson Welles não tinha participação nenhuma na construção do roteiro, uma das maiores lendas urbanas hollywoodianas. Esse boato ganhou força com o artigo escrito por Pauline Kael, mas mesmo na sua época, nos anos 40, já tinha sido desmentido e ficado provado que sim, Orson tivera grande participação no roteiro final de “Cidadão Kane”. Mas claro se você não se importa com esses “babados de Hollywood”, pode passar por cima disso, tranquilamente.
O trabalho técnico do filme é impecável e muito imersivo fazendo com qiue o espectador realmente se sinta na Hollywood clássica, andando pelos grandes estúdios. A fotografia em preto branco e a montagem do filme, são meus destaques. Por mais que para alguns o longa possa parecer confuso, por ser cheio de idas e vindas no tempo, se estiver atendo vai ver que antes das cenas tem uma letreiro que funciona como roteiro (roteiro no papel) de um filme, indicando se a cena é um flashback, onde ela se passa, etc. É só um detalhe pequeno mas que engrandece muito a obra. Sobre individualidades, destaque para Gary Oldman, como sempre muito bem, Lily Collins tem bastante tempo de tela e consegue apresentar bem sua personagem, Amanda Seyfried tem algumas cenas, não muitas, mas gostei dela e não duvido que algum desses três apareça como indicado nas premiações desse ano. Sobre David Fincher, sempre aguardamos muito suas obras com grande expectativa e essa não decepciona. Desta vez e ele fez seu trabalho conta com roteiro de seu pai, Jack Fincher, e, se não tem o peso de seus grandes filmes, vale a homenagem para o pai.
Se você gosta da Hollywood dos anos 30,40, vai adorar o longa. Um belíssimo trabalho técnico, um roteiro bem atrativo, personagens fortes, uma trama principal que consegue segurar o filme, mesmo com outras coisas acontecendo, como o cenário político da época, muito bem retratado por Fincher, em um de seus grandes acertos, num cenário de fake-news que dialoga muito com tempos atuais, aliás BEM atuais.
Que filme imersivo! Adorei a viagem o tempo. |
Mank, como era conhecido, era dono de uma personalidade forte, ideias bem definidas, um texto criativo e uma língua afiada. Assim, por conta, exatamente, de seus posicionamentos políticos, sua irredutibilidade, sinceridade e por não ter papas na língua, por mais brilhante que fosse, Mankiewicz passou a ser, de certa forma, persona non grata dentro do universo dos grandes estúdios de Hollywood.
Fincher nos traz essa história toda de maneira não menos incrível, com idas e vindas, flashbacks oportunos, construções de expectativa, suspenses, apresentando seu filme como uma leitura de roteiro em movimento, sob um visual de filmes noir e com uma fotografia em preto e branco espetacular.
"Mank" é, para mim, a recuperação do velho e bom David Fincher do visual dos videoclipes da época de Madonna, como em "Vogue", por exemplo, da atitude de "Clube da Luta", da astúcia de "Vidas em Jogo", da intensidade de "Se7en". "Mank", desde já se credencia como um dos grandes candidatos, em potencial, às principais categorias na próxima edição do Oscar. A luz é maravilhosa, a fotografia é incrível, Gary Oldman está espetacular no papel do protagonista, a trilha de Trent Raznor e Atticus Ross é precisa e impecável, Fincher conduz o longa com maestria, e o roteiro, do pai do diretor, sobre um dos mais incríveis e revolucionários roteiros da história do cinema, muito possivelmente está destinado, assim como foi com o filme do qual trata, a ouvir na noite de premiação da Academia, a mesma frase que foi dirigida a Mankiewcz e Welles: "E o Oscar de melhor roteiro original vai para..."