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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Body Count - "Body Count" (1992)


"A próxima canção é dedicada a alguns
amigos pessoais meus:
A L.A.P.D.
[Departamento de Polícia de Los Angeles]
A cada policial que já tenha tirado
vantagem de algum deles,
batido ou ferido
por terem cabelos compridos,
por ouvirem o tipo errado de música,
ou por terem a cor errada,
ainda que achassem que fosse motivo para fazê-lo,
Para cada um desses policiais de merda,
Eu gostaria de ter um destes porcos aqui neste estacionamento,
e dar um tiro na porra da cara dele."
"Out of Parking Lot",
introduçao de "Cop Killer"

Motivado em parte pelo incidente ocorrido com o taxista negro Rodney King*, espancado brutalmente por policiais em março de 1991, que acabaram originando os conflitos generalizados em Los Angeles em abril de '92 em virtude da absolvição dos envolvidos, o rapper Ice-T abandonava momentaneamente seu segmento habitual para se dedicar a um projeto musical envolvendo suas outras predileções como o metal, o punk-rock, o hardcore e outros gêneros mais viscerais. O resultado dessa aventura de um rapper/ator é um dos discos mais pesados, agressivos, violentos e destruidores que o rock já viu. Em "Body Count", disco de estreia que leva o mesmo nome de sua banda, Ice-T mira direto na discriminação racial, no abuso policial, nas drogas, na pobreza e sai varrendo tudo a tiros como se fosse uma poderosa metralhadora.
Ice-T é forte, é incisivo é agressivo a cada frase, a cada verso, e quando fala de preconceito racial, ao contrário de grupos como o Public Enemy que só olhava para a discriminação contra o negro, curiosamente trata de chamar a atenção para o racismo inverso também, como na sinistra "Momma's Gotta Die Tonight" na qual uma mãe se opõe a uma relação do filho negro com uma branca e tem um fim assustador.
Sinistra também é a sombria "Voodoo" sobre uma velha feiticeira de New Orleans; bem como a pervertida "Evil Dick" com sua letra sobre um 'pau demoníaco' que se apodera do seu dono, num metal cadenciado com um trecho mais rápido de bataria no qual Ice-T acompanha no vocal simulando uma trepada enlolouquecida. Já "The Winner Loses", a mais leve (sonoramente) do disco trata sobre a tristeza de jovens se perdendo nas drogas, num metal melódico muito bem construído e com uma performance show de bola do ótimo guitarrista de Ernie C.
Mas no geral, a pancadaria predomina e o tema do racismo quase sempre está presente: "KKK Bitch" por exemplo, como se não bastasse sua porradaria sonora que come solta, despertou a ira dos lares americanos, sobremaneira de brancos conservadores e direitistas enrustidos por sua letra extremamente agressiva, explícita e pesada ( "... conheci essa garota branca com um belo rabo, cabelo louro, olhos azuis, seios e coxas grandes (...) Ela fez selvagem comigo no banheiro nos camarins, chupou meu pau como a porra de um vácuo e disse: "Eu te amo, mas meu pai não curte, ele é um filha-da-puta de um graúdo da KKK"). "There Goes the Neighborhood" com seu riff poderoso é outra que aborda o tema de diferenças raciais questionando o por quê de um negro não poder ter uma banda de rock, numa esposta irônica às críticas ao fato dele, Ice-T, oriundo do rap, estar atacando em outro segmento; a aceleradíssima a violenta "Bowels of the Devil" não trata diretamente sobre o assunto mas relata a vida de um negro na penitenciária; e "Body Count Anthem", esta por sua vez quase sem letra (só repete as palavras Body Count e as iniciais BC), é outra pedrada sonora com as guitarras altas e estridentes soando como se fossem um alarme.
Praticamente todas as faixas são entremeadas por pequenas vinhetas que assim como as músicas, igualmente não poupam nada nem ninguém de agressividade e contundência. Numa destas pequenas faixas Ice-T dá estatísticas da comparação do número de negros na prisão com os que estão na faculdade; noutra delas ridiculariza a apresentadora de TV Oprah Winfrey; noutra coloca que o verdadeiro problema das letras de música pop, segundo ele, seria o medo de que as garotas brancas se apaixonem por rapazes negros; ou ainda como na faixa de abertura simula um diálogo entre um homem que pede ajuda a um policial e acaba levando chumbo, introduzindo então para a excelente e pesadíssima "Body Count's in the House" com seus ruídos de sirenes, tiros e perseguições de automóveis.
Mas o ápice do ódio anti-policial de Ice-T aparece mesmo em "Cop Killer", um petardo matador no qual o artista encarna na letra um matador justiceiro especialista em aniquilar homens da lei. A canção é um hardcore rápido com vocal furioso e rajadas de metralhadora substituindo os rolos de bateria a cada entrada do impiedoso refrão, "Cop killer, better you than me /Cop killer, fuck police brutality! /Cop killer, I know your family's grievin' ... fuck 'em! /Cop killer, but tonight we get even" ("Matador de tiras, antes você que eu/ Matador de tiras, foda-se a brutalidade policial! /Matador de tiras, eu sei que do luto da tua família... foda-se eles! /Matador de tiras, esta noite vamos acertar as contas").
A canção caiu como uma bomba nos Estados Unidos e provocou gritaria de todo lado. A polêmica foi tanta que a música que fazia parte da primeira versão do disco, acabou sendo retirada das prensagens posteriores do álbum por opção do próprio  Ice-T mesmo apoiado pela gravadora  para mantê-la se assim quisesse. O resultado de tanta celeuma foi que a música abou virando uma espécie de canção cult que todo mundo conhece, poucos tem em versão original e muitos procuram baixar para de alguma forma ter o tal objeto de tamanha ira na sociedade americana.
Nas edições seguintes do álbum, inclusive na brasileira, que já veio sem "Cop Killer", a banda substituiu a faixa proibida por outra também bem interessante chamada "Freedom of Speech" um rap com sampler de "Foxy Lady" de Jimmi Hendrix e participação especialíssima de Jello Biafra dos Dead Kennedy's.
"Body Count" é um dos discos mais porrada que eu conheço. Uma bomab da primeira à última. disco de tirar o fôlego. É porrada em sonoridade, porrada em letra, porrada em atitude, em contundência, em objetivo e em resultado. Um verdadeiro soco no estômago da família americana, um chute no saco dos racistas, um cuspe no meio da cara das autoridades e uma poderosa e barulhenta saraivada de balas na polícia de Los Angeles. Um os grandes discos dos anos 90 e por certo, pelo 'estrago' que fez, pela barulheira que causou, e mesmo pelas próprias qualidades musicais principalmente, um daqueles álbuns que podem ser considerados fundamentais na história do rock.

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Confrontos de Los Angeles em maio de 1992


FAIXAS:
  1. "Smoked Pork" — 0:46 (Ice-T)
  2. "Body Count's in the House" — 3:24 (Ice-T/Ernie C)
  3. "Now Sports" — 0:04 (Ice-T)
  4. "Body Count" — 5:17 (Ice-T/Ernie C)
  5. "A Statistic" — 0:06 (Ice-T)
  6. "Bowels of the Devil" — 3:43 (Ice-T/Ernie C)
  7. "The Real Problem" — 0:11 (Ice-T)
  8. "KKK Bitch" — 2:52 (Ice-T/Ernie C)
  9. "C Note" — 1:35 (Ernie C)
  10. "Voodoo" — 5:00 (Ice-T/Ernie C)
  11. "The Winner Loses" — 6:32 (Ernie C)
  12. "There Goes the Neighborhood" — 5:50 (Ice-T/Ernie C)
  13. "Oprah" — 0:06 (Ice-T)
  14. "Evil Dick" — 3:58 (Ice-T/Ernie C)
  15. "Body Count Anthem" — 2:46 (Ice-T/Ernie C)
  16. "Momma's Gotta Die Tonight" — 6:10 (Ice-T/Ernie C)
  17. "Out in the Parking Lot" — 0:30 (Ice-T)
  18. "Cop Killer" - 4:09 (Ice-T, Ernie C)
* "Freedom of  Speech" - 4:41 (Ice-T , Biafra, Hendrix)  - faixa que susbstituiu "Cop Killler" a partir da segunda tiragem


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Ouça:
Body Count Body Count (1992)





*Rodney King é um taxista negro que foi violentamente espancado pela polícia de Los Angeles que o havia detido sob a acusação de dirigir em alta velocidade na noite de 3 de março de 1991. O julgamento e absolvição dos agentes policiais envolvidos provocou os violentos tumultos de Los Angeles de 1992. A cena do espancamento, registrada em vídeo por uma testemunha, correu o mundo e causou indignação geral. A absolvição dos policiais, em 29 de abril de 1992, por um juri formado por dez brancos, um negro e um asiático, provocou uma das maiores ondas de violência da história da Califórnia. Foram três dias de confrontos, incêndios, saques, depredações e uma onda de crimes que causaram 58 mortes, deixaram mais de 2800 feridos, destruíram 3.100 estabelecimentos comerciais e causaram prejuízos estimados em mais de 1 bilhão de dólares. Mais tarde, após os distúrbios, em 17 de abril de 1993 por volta das 7 horas da manhã, num novo julgamento, foi tomada a decisão de condenação de dois agentes dos distúrbios de Los Angeles, e a absolvição de outros dois.
fonte: Wikipedia

terça-feira, 3 de novembro de 2009

The Stone Roses - "The Stone Roses" (1989)





"I'm the Ressurection
and I'm the life"



Adquiri sábado, irresponsavelmente , a edição de 20 anos aniversário do álbum “The Stone Roses”. Digo irresponsavelmente por que uma edição dessas com o álbum original, mais um de demos, mais o DVD, foi uma verdadeira facada no rim ($$$). Mas e daí? Que se dane!
O grande disco dos Stone Roses, um dos marcos da cena chamada Madchester, daquela renovada onda de psicodélicos ingleses do final dos 80 acabou por ser na verdade um dos discos mais importantes da década seguinte que já estava ali às portas. Muitos como Charlatans, Ride, An Emotional Fish, Inspiral Carpets, já estavam na estrada e tinham o seu som, mas os Roses, certamente ajudaram a direcionar e abrir novas possibilidades.
Novas possibilidades como em “Warerfall” com sua melodia hipnótica que lá pelas tantas parece acabar e começa a tocar invertida mas continua sendo cantada normalmente. Já vimos isso com Hendrix em “Are You Experienced”? Já. Certamente. Mas aquela sonoridade da Grâ-Bretanha no final dos 80 precisava destas reinjeções, destas reexperimentações.
É lógico que nada se cria. Muito do disco é Beatles puro. Puro, não, aliás. Quase puro. Quase impuro. Sempre entendi que os Beatles deram os passos que ninguém havia dado até então, mas quando chegou a hora de seus discípulos (inesgotávies) os darem, o fizeram com um resultado melhor porque o caminho já estava trilhado. Por isso algumas coisas são totalmente influenciadas pelos Fabfour mas acabam, aquelas alturas, em 1989, tendo um resultado mais conciso. “I Wanna Be Adored” é um exemplo disso, “Bye Bye Badman” é outra muito próxima daquela sonoridade mas soa bem contemporânea e “Elizabeth My Dear” também não deixa de ter esta característica, mas tem aquela tocada mais melancólica, num breve acústico que funciona quase como uma ponte dentro do álbum.
Pontos altos na minha opinião são “Made of Stone”, que foge um pouco da característica do resto do disco, com uma pegada mais forte, e a clássica “I’m the Ressurrection” que é uma metamorfose contínua ao longo de seus quase 9 minutos.
A edição ainda tem uma bônus no disco principal que é a ótima “Fools Gold”, também totalmente psicodélica e mutável, que sem sofrer variações bruscas, vai indo, indo e termina bastante diferente de como começou.
O segundo disco é praticamente só de versões demo, sendo a maior parte de músicas daquele álbum mesmo, além de uma faixa inédita até então, “Pearl Bastard”; e o DVD traz parte de uma apresentação ao vivo em Blackpool com 6 músicas.
“The Stone Roses” com certeza é um dos meus álbuns preferidos e por certo, também, um dos mais influentes e importantes de todos os tempos, freqüentador assíduo de listas de melhores álbuns de todos os tempos e apontado, por exemplo, pela New Musical Express como o “maior álbum britânico de todos os tempos”.
Entre os 10, deve estar, sim.

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FAIXAS "The Stone Roses" 2009 20th. Aniversary Release:
  • disco 1
The Stone Roses album
1."I Wanna Be Adored" 4:52
2."She Bangs the Drums" 3:42
3."Waterfall" 4:37
4."Don't Stop" 5:17
5."Bye Bye Badman" 4:00
6."Elizabeth My Dear" 0:59
7."(Song for My) Sugar Spun Sister" 3:25
8."Made of Stone" 4:10
9."Shoot You Down" 4:10
10."This Is the One" 4:58
11."I Am the Resurrection" 8:12
12."Fools Gold" (UK 12" single version; bonus track) 9:53

  • disco 2
The Lost Demos
1."I Wanna Be Adored" (Demo) 3:42
2."She Bangs the Drums" (Demo) 3:46
3."Waterfall" (Demo) 4:45
4."Bye Bye Badman" (Demo) 4:03
5."(Song for My) Sugar Spun Sister" (Demo) 3:30
6."Shoot You Down" (Demo) 4:25
7."This Is the One" (Demo) 4:00
8. "I Am the Resurrection" (Demo) 6:38
9."Elephant Stone" (Demo) 3:13
10."Going Down" (Demo) 2:40
11."Mersey Paradise" (Demo) 2:47
12."Where Angels Play" (Demo) 3:16
13."Something's Burning" (Demo) 3:03
14."One Love" (Demo) 6:22
15."Pearl Bastard" (Demo; previously unreleased track) 3:42

  • disco 3
Music videos
1."Waterfall" (Video) 3:36
2."Fools Gold" (Video) 4:14
3."I Wanna Be Adored" (Video) 4:33
4."One Love" (Video) 3:47
5."She Bangs the Drums" (Video) 3:41
6."Standing Here" (Video) 3:15

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Ouça:

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Museu Madame Tussauds - Londres - UK









Londres tem inúmeros museus dos mais variados estilos, assuntos e interesses, desde arte a tecnologia, de história natural a moda, mas dentre todos, um dos mais legais, clássicos e imperdíveis é o lendário museu de cera de Madame Tussauds. Com suas reproduções altamente fiéis de celebridades, o museu é um dos mais famosos e frequentados do mundo. O acervo vai sempre se renovando, adequando-se à época e aos ídolos e grandes nomes que façam parte do momento, mas algumas figuras como Pelé, Michael Jackson, Marilyn Monroe, Beatles e a realeza britânica estão sempre presentes nas coleções. Vai a Londres? Não deixe de visitar o Tussauds, que como mais uma atração, curiosamente, fica exatamente na rua que inspirou o famoso livro de Arhtur Conan Doyle para o detetive Sherlock Holmes, a Baker Street, que tem até uma estátua para o icônico personagem de romances de mistério.
Confira abaixo algumas imagens do Madame Tussauds:





Deus Salve a Rainha.
(Rainha Elizabeth e o Príncipe Consorte Philip)


Royalle with Cheese
(Samuel L. Jackson e John Travolta)
Bond, James Bond.
(Sean Connery)

Tudo é relativo.
(Albert Einstein)

Meu brother Morgan
(Morgan Freeman)

E aí, Nicolinha, será que rola?
(Nicole Kidmann)

A benção, João de Deus.
(João Paulo II)

Supense!
(Alfred Hitchcock)

Acelera, Lewis!
(Lewis Hamilton)

Beckham e a Posh Spice
(David e Victoria Beckham)

Oscar e eu, divagando.
(Oscar Wilde)

Os quatro rapazes
(The Beatles)

Vamos fazer um som, aí, Jimi!
(Jimi Hendrix)

Hum! Que peitinhos, Britney.
(Britney Spears)

Nos contentamos com o que há de melhor, não é, Winston?
(Winton Churchill)

Guilhotina neles
(Luís XVI e Robespierre, os dois à esquerda
e Maria Antonieta, bem à direita)

E na parte de fora, Sherlock Holmes, na Baker Street.


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Black Alien - “Abaixo de Zero: Hello Hell” (2019)

 

"Quem precisa de correntes de ouro pra ser Gustavo?/
Quem precisa de correntes de ferro pra ser escravo?"
Da letra de "Área 51"

“Eu sou o agora.”
Da letra de "Que nem o meu Cachorro"

Após os Racionais MC’s terem aberto a porteira para o novo rap brasileiro nos anos 90, uma questão se formou: identificar este gênero musical dentro do contexto da música brasileira. Por incrível que pareça, não foi aquele que lançou a principal interrogação pós-“Sobrevivendo no Inferno” quem matou a charada. Se Marcelo D2 foi quem propôs encontrar “a batida perfeita”, a qual pressupunha uma junção do estilo marginal e urbano norte-americano com o samba brasileiro, coube a outro ex-Planet Hemp ser o verdadeiro achador deste formato próprio de um hip hop que respondesse aos anseios de seus criadores e de um novo mercado fonográfico no Brasil: Black Alien. Não é de se estranhar, afinal Gustavo de Almeida Ribeiro sempre se diferenciou dentro da Planet. Enquanto os outros integrantes exauriam o discurso do “Legalize Já!”, este carioca de São Conrado mostrava-se conectado com uma infinidade de referências como jazz, literatura, psicanálise, pós-punk e cinema cult, visão “extrapunk/extrafunk” que lhe dava mais condições de perceber além, de ver que o grito libertário da geração pós-Ditadura deveria ser necessariamente mais amplo. Tanto foi coerente e certeiro que, em seu primeiro disco solo, “Babylon By Gus Vol. 1 – o Ano do Macaco”, de 2004, foi ele quem, na esteira de Sabotage e seu "Rap É Compromisso!", de três anos antes, encontrou a tal batida perfeita. Chegava-se, enfim, ao que se pode chamar de rap brasileiro.

Acontece que, se a batida é perfeita, as quebradas são tortas. O cara que abriu as portas para que viessem a público os novíssimos talentos do rap brasileiro, como Criolo, Emicida, Rincon Sapiência e Baco Exu do Blues, levou mais de uma década para lançar um segundo trabalho, o irregular “No Princípio Era o Verbo – Babylon by Gus, Vol. II”. Neste meio tempo, Criolo já havia colocado o gênero de ponta-cabeça com o revolucionário “Nó na Orelha”, em que abria um paradigma como há décadas não se via na música brasileira, Emicida reinventava o discurso da negritude, Rincon retornava às raízes da África para forjar uma nova poesia nagô e Baco elevava o estilo ao nível de art-rap como apenas ousaram MF Doom e Beastie Boys. Black Alien parecia haver perdido o passo, perdido o tempo da batida. Alguma coisa haveria de estar imperfeita – e estava. A dependência química, hábito da adolescência, tomava dimensões indesejáveis na vida do músico a ponto de lhe atrapalhar a carreira e a produção artística. A ponto de quase o deixar à sombra de seus discípulos.

Só que, como diz o próprio Black Alien: “Não ir pra frente é retrocesso, nada que vale a pena é fácil”. Precisou, então, descer abaixo do nível zero e dar um alô para o diabo para que ressurgisse. Limpo das drogas e de tudo que não lhe interessava, Black Alien, como a fênix, lança, 17 anos depois da estreia solo, seu terceiro e melhor álbum: o corajoso e autorreferencial “Abaixo de Zero: Hello Hell”. Coeso, tal grandes discos da MPB do passado tem curta duração, o suficiente para apresentar, em menos de 10 faixas, uma música altamente impactante e bem produzida feita basicamente a quatro mãos com o produtor carioca Papatinho nas composições, beats, samples e programações. Black Alien desfila, com uma poesia áspera e sofisticada, visto que rica em figuras de linguagem e rimas rebuscadas (dos tipos emparelhada, coroada, preciosa, entre outros), versos confessionais e conscientes sobre drogas, religiosidade, existência e política, mas sem cair no enfadonho. Pelo contrário. "Área 51", que abre o disco, manda ver em versos brilhantes como estes: “Invicto no fracasso, invicto no sucesso/ A gata mia, boemia aqui não me tens de regresso/ De boa aqui na minha, não foi sempre assim, confesso/ Levitei em excesso, neve tem em excesso/ A costela quebrada me avisa quando eu respiro/ A favela e a quebrada te avisam quando me inspiro”. E o refrão é impagável: “Vim pesadão ninguém vai me ‘dirrubá’/ E problema com pó quem tem é o dono do bar”.

Outra joia confessional, o charme-soul “Carta pra Amy” nem precisa mencionar a homenageada em sua letra para dar o recado. Versos doloridos e inspiradíssimos aprofundam a ideia central do disco, elevando a reflexão a questões existenciais e da religiosidade (“Jurei por Deus que ia acertar as contas/ E aí lembrei que é Deus quem acerta as contas/ Ele acerta no início, no meio, e no fim das contas”). Mas sempre com a visão catalisadora, como nesta passagem em que traz a banda de David Byrne como referência: “Vencer a mim mesmo é a questão/ Questão que não me vence/ Minha cabeça falante fala pra caralho/ E aí my talking head stop makin’ sense”. Usa este mesmo último verso, aliás, para criar outra analogia, numa rima indireta com o nome Byrne: "No confinamento as paredes são minhas páginas de cimento/ Babylon burn." Sem deixar, ainda, de alfinetar a demagogia dos ex-companheiros de grupo (“Quando legalizarem a planta/ Qual vai ser o seu assunto? Cara chato”), Black Alien guarda para o refrão o mais alto nível poético e literário em que conjuga Bob Marley, William Faulkner e C.J. Young num tempo: “Mostre-me um homem são e eu o curarei/ You’re runnin and you’re runnin’ and you’re runnin’ Away/ Não posso correr de mim mesmo/ Eu sei, nunca mais é tempo demais/ Baby, o tempo é rei/ Em febre constante e o dom da cura/ Nem mais um instante sem o som e a fúria”.

A dissonante “Vai Baby” literalmente descontrói o compasso para problematizar a questão do sexo neste novo contexto de vida longe das drogas. Mais uma vez, contudo, a veia poética faz com que Black Alien não recorra a um artifício óbvio, mencionando o filme “Mais e Melhores Blues”, de Spike Lee (1990), para representar, numa metonímia, a ideia do casamento entre erotismo e música negra. “Quero mais e melhores blues/ Com água sob os pés, sobre a cabeça, céus azuis/ Mais e melhores jazz, mais e melhores Gus/ Só de tá na busca, eu tô além do que eu supus”. Passo além dentro da própria obra de Black Alien, lembra em temática “Como eu te Quero”, sucesso de seu primeiro disco, porém noutro nível de maturidade.

Outra pungente, "Que Nem o Meu Cachorro", com um belo e circunspecto riff jazzístico de piano, fala da força de vontade para manter-se sóbrio, num esforço artístico e pessoal de autorreconhecimento. Black Alien diz a si mesmo: não esquecer para não reincidir. “Bem-vindo ao meu lar, cuidado pra não tropeçar, a mesa ainda tá aqui, porém mudei certezas de lugar”, alerta. A animalização causada pela dependência química (“Tô que nem o meu cachorro no domínio do latim”) é suplantada pela consciência do “só por hoje”, “pois”, como diz a letra, “a zona de conflito é minha zona de conforto, e a estrada pro inferno se desce de ponto morto, então parou com a zona”. E finaliza: "Não tô nem aí, nem lá, tô bem aqui, além do que se vê/ Se vêm baseado no passado, só há um resultado: 'Cê' vai se fuder.”

Referência direta ao cool jazz e a Dave Bruback, “Take Ten” adiciona ao relato pessoal a crítica ao sistema: “Quem me viu, mentiu, país das fake News/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu”. Além disso, estão num mesmo caldeirão John Coltrane, Disney, Dr. Jekyll Mr. Hyde e Jimi Hendrix e anáforas geniais como estas: “Hoje cedo no Muay Thai de manhã/ Outros tempos, só Deus sabe onde ia tá de manhã/ O cara vai ter pra adiantar de manhã/ Praticava o caratê de rá-tá-tá de manhã”. 

Sensual e picante como já havia trazido em “Vai Baby”, “Au Revoir”, no entanto, também reflexiona a relação amorosa imbricando-a com a passagem do tempo e, novamente, o sentimento de atenção ao presente: “Não tem como saber sem ir/ Aonde a gente vai chegar/ Au revoir/ Mais e melhores blues/ Assinado Guzzie”. Como diz Fernando Brant em naqueles versos clássicos: “O trem que chega é o mesmo trem da partida”. Já a tocante "Aniversário de Sobriedade" relembra com distanciamento o Gustavo “fundo do poço” para que o mesmo não seja esquecido. Que letra! Ao mesmo tempo forte, autocrítica e filosófica e na qual Black Alien cita até Nietsche. Metalinguística, referencia a sua própria obra “Babylon By Gus” para escancarar seu comportamento no passado e o quanto isso o fez desperdiçar oportunidades: “Vishh!!!/ Meu ‘cumpadi’ que fase/ Me olho no espelho ‘mas Gustavo, o que fazes?’/ Cadê as letras?/ Esqueceu da caneta/ Fica só cheirando em cima do CD de bases/ Os beatmakers, os melhores do país/ E eu só vou pra Jamaica pra acalmar o meu nariz/ Mete a venta e não produz/ Bye bye Gus, babylon by trevas volume zero, sem luz”. No estúdio com ele e Papatinho, ainda Julio Pacman nos teclados e o suingado solo de sax de Marcelo Cebukin.

Black Alien reserva para o fim de um disco irretocável aquilo que desde a Planet foi seu forte, que é a crítica social. Porém, “Jamais Serão” traz esta verve agora filtrada pelo "despertar temporão" do novo Gustavo, percorrendo uma lógica que vai do particular para o público. Tradução da era Temer, que havia se instaurado com o golpe político-jurídico à época da feitura de “Abaixo de Zero...”, a música astuciosamente prevê que o pior ainda viria no governo Bolsonaro. No entanto, alerta com esperança que "presidentes são temporários". E sentencia: "música boa é pra sempre/ esses otários jamais serão".

Rap, trap, reggae, funk, rock, charme, soul, jazz e R&B. Deu para perceber que não se fala de samba? Pois é: Black Alien não só achou a “batida perfeita” acalentada por D2 quanto, ainda, desmistificou que rap no Brasil precisa ser “tropicalizado”. A se ver por um estilo pós-moderno e de origem suburbana que é, não haveria de precisar abrasileirar-se para se tornar essencialmente brasileiro visto a semelhança socioantropológica que une as nações de diáspora negra. Com uma sonoridade quase doméstica e despida de rodeios – ao contrário do caminho tomado por D2, Emicida e, principalmente, Criolo, que evoluiu para um som além do próprio rap – o feito de Black Alien conquistou o Prêmio Multishow como Disco do Ano e foi eleito o Melhor Álbum pelo Prêmio APCA de Música Popular. “Abaixo de Zero...”, no entanto, mostrou muito mais do que um encontro classificatório para as prateleiras de lojas ou playlists de streaming. O principal achado não estava fora, mas dentro do próprio artista. Afinal, Black Alien entendeu que ele é “o agora”.

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FAIXAS:
1. "Área 51" - 2:46
2. "Carta pra Amy" - 4:23
3. "Vai Baby" - 2:57
4. "Que Nem o Meu Cachorro" - 3:31
5. "Take Ten" - 2:33
6. "Au Revoir" - 3:27
7. "Aniversário de Sobriedade" - 2:45
8. "Jamais Serão" - 2:59
9. "Capítulo Zero" - 1:27
Todas as composições de autoria de Black Alien e Papatinho

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

terça-feira, 26 de junho de 2018

Bob Marley & The Wailers - "Burnin' " (1973)



"Futebol é uma arte completa em si.
É todo um universo.
Eu amo futebol porque é preciso
ser um artista para praticá-lo.
Quando nós jogamos futebol,
também fazemos música.
Eu preciso disso.
Liberdade! Futebol é liberdade."
Bob Marley




Aproveitando o ensejo da Copa do Mundo, dessa coisa toda de futebol, aproveitamos para incluir entre os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS um artista que, com certeza, por sua representatividade, por sua obra, por sua ascendência já merecia há algum tempo aparecer por aqui, mas que, na verdade, nunca fora destacado anteriormente na nossa seção de grandes discos pelo fato de seu estilo musical, embora gozando de todo nosso respeito e reconhecimento, não figure entre os favoritos do blog. Mesmo assim talvez algum convidado, como costumeiramente temos, resolvesse vir a escrever sobre ele mas como nunca aconteceu, resolvemos fazer justiça.
Bob Marley, cantor e compositor jamaicano, é, sem dúvida alguma, um dos maiores nomes da música mundial e um dos artistas mais influentes de todos os tempos, sendo sua obra engajada, e contestadora, símbolo de lutas por toda forma de liberdade.
Bob Marley correndo atrás da redondinha e, ao lado,
com ilustres parceiros de pelada,
Chico Buarque, Toquinho e o craque Caju.
O caso é que Bob também era chegado numa redondinha e sempre que possível curtia uma pelada com os parças, muitas vezes com amigos famosos como, por exemplo, Jimi Hendrix, Mick Jagger, e os brasileiros Chico Buarque, Toquinho, incluindo o tricampeão mundial pela Seleção Brasileira, Paulo César Caju. Olha, e consta que Bob levava jeito e poderia tranquilamente ter optado pela carreira futebolística. Bom para o mundo da música que não. Bob deixou além de obras importantes e extremamente significativas, um legado de expansão da linguagem do reggae e uma forte mensagem de luta e indignação.
Destacamos aqui o disco "Burnin' " de 1973, que, depois da ótima recepção do disco anterior, "Catch a Fire", projetou definitivamente Marley e sua banda ao reconhecimento internacional, marcando contudo, o fim da participação de Peter Tosh, junto aos Wailers. Além de divergências e desentendimentos pessoais, Tosh, outro ícone do reggae, sentira-se incomodado com a separação do nome da banda do nome de seu frontman, o que acontecera exclusivamente por vontade da gravadora, que pretendia (e conseguira com êxito) torná-lo um grande nome individual.
"Burnin' ", salvo todas as questões periféricas, é um disco de incitação, de convocação, de chamamento às armas contendo algumas das letras mais incisivas de Marley e Tosh nesse sentido. Destaque especial para os sucessos, mundialmente conhecidos, "Get Up, Stand Up" e "I Shot The Sheriff", gravada posteriormente por Eric Clapton, mas também para "Pass It On", "One Foundation" e "Rastaman Chant".
A trajetória de Marley infelizmente foi curta, abreviada, ironicamente, por sua outra paixão, o futebol. Um pisão no pé, numa pelada, teria gerado uma lesão que, não tratada devidamente, se transformara num melanoma que se espalhara pelo corpo, levando o cantor à morte poucos meses depois.
Pena que exatamente o esporte que Marley tanto amava e relacionava de forma tão afetuosa e direta à sua música tenha sido a origem de toda sua tragédia. Mas tenho certeza que de onde estiver, Marley não culpa o futebol pelo fato de não estar mais entre nós. Quem ama o futebol como Bob Marley amava, sabe que o esporte mais praticado no mundo, assim como a música dele, se bem utilizado, pode ser um grande instrumento de transformação, congraçamento e paz.
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FAIXAS:
  1. "Get Up, Stand Up" (Marley/Tosh) - 3:16
  2. "Hallelujah Time" (Livingston) - 3:28
  3. "I Shot the Sheriff" (Marley) - 4:41
  4. "Burnin' And Lootin" (Marley) - 4:15
  5. "Put It On" (Marley) - 3:13
  6. "Small Axe" (Marley) - 4:01
  7. "Pass It On" (Livingston) - 3:33
  8. "Duppy Conqueror" (Marley) - 3:44
  9. "One Foundation" (Tosh) - 3:42
  10. "Rastaman Chant" (Trad., arr. Marley/Tosh/Livingston) - 3:47
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Ouça:
Bob Marley - Burnin'


Cly Reis

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Deep Purple - "Made in Japan" (1972)

“Ainda adoro o rock n’ roll,
mas, para dizer a verdade,
não costumo ouvir nem mesmo 
as minhas gravações de rock,
pois prefiro uma música com mais substância.
É legal de tocar, mas não de ficar ouvindo.”
Ritchie Blackmore



Quando o assunto é Deep Purple a primeira coisa que me vem à cabeça é o vinil "Made In Japan" de 1972 que eu tive o prazer de escutar aos nove anos. Sim, aos nove! Quando eu não tinha o que fazer, eu e minha amiguinha ficávamos mexendo nos discos do irmão dela. Entre um vinil e outro, escutávamos coisas do tipo Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Janis Joplin, Jethro Thull, Rolling Stones, The Police, ACDC e bem de vez em quando rolava uma Xuxa também, afinal éramos crianças. Mas o que predominava era o rock! Foi ai que começou minha paixão por música boa...
E uma das músicas do D.P. que mais me deixou alucinada com a guitarra mais fascinante que já havia escutado até então, foi a maravilhosa 'Strange Kind Of Woman', como um grito de início de Ian Gillan e os riffs e solos de Ritchie Blackmore deslumbrantes. Aliás, no meio dessa música tem um belo duelo de guitarra-vocal com Gillan e Blackmore que ao vivo sempre termina com um extremamente longo, grito estridente de Gillan.
A canção foi originalmente chamada de "Prostitute". Gillan introduziu a música no Deep Purple: "Era sobre um amigo nosso que se relacionou com uma mulher e foi uma história triste. Eles se casaram, e alguns dias depois ela morreu”. Mas o fato é que esta música não é sobre uma mulher, mas sim uma compilação de emoções e decepções, e tal pacote foi nomeado Nancy.
E voltando ao assunto gritos estridentes, não posso deixar de destacar também a maravilhosa 'Child In Time' com os inacreditáveis agudos de Gillan e o solo de Jon Lord nos teclados, aliás, a banda inteira faz uma baita contribuição de solos inexplicáveis nessa música!
Não, eu não vou falar sobre 'Smoke On The Water', essa música nem precisa de comentários né?! É simplesmente o hino da banda!
O álbum que eu escutava, do grito inicial até o grito final e que, nove anos depois, finalmente encontrei em CD esse disco que com certeza marcou minha infância.
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FAIXAS:
1. Highway Star
2. Child In Time
3. Smoke On The Water
4. The Mule
5. Strange Kind Of Woman
6. Lazy
7. Space Truckin'

*em 1998 foi lançada uma edição remasterizada com um disco extra com mais 3 faixas:
1. Black Night
2. Speed King
3. Lucille
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Ouça:
Deep Purple Made In Japan

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Living Colour - "Vivid" (1988)

 

"'Dougie, eu gostei dessa banda. O que você acha que devo fazer?' Eu disse a ele: 'Você é Mick Jagger, cara! Leve-os ao estúdio e faça algo com eles.'"
Doug Wimbish, atual baixista da Living Colour

Chuck Berry e Little Richards nunca esconderam a frustração de, mesmo sendo músicos negros como eles os inventores do rock ‘n’ roll, os louros tenham ido para artistas brancos. Não que Elvis Presley, Jerry Lee Lewis ou Bill Halley não tenham grande valor, mas é fato que a indústria fez abafar por uma imposição mercadológica racista a importância de autores negros como eles ou os irmãos Fats Domino, Bo Diddley e Sister Rosetta Tharpe. Com o passar dos anos, o estilo se desenvolveu e vieram os Beatles, os Rolling Stones, a Pink Floyd, a Led Zeppelin, a Black Sabbath... todos majoritariamente brancos. A Love, rara banda de rock composta somente por membros negros, era uma exceção onde deveria ser regra. Jimi Hendrix, como Pelé, virou um mito sem cor. Os punks Bad Brains e Death nunca tiveram a mesma vitrine que Ramones ou Sex Pistols. A "solução" da indústria? O mesmo mercado que desapropriou a criação do rock dos negros lhes deu o “direito” de serem pais de ritmos inquestionavelmente pretos, como a soul music e o jazz. Ou seja: sistematizou o apartheid musical. 

Claro que Berry e Richards garantiram, por aclamação, seu lugar no panteão da música universal. Porém, por muito tempo pairou aquela sensação de que os negros, os verdadeiros inventores do gênero mais popular do século XX, tinham uma dívida a cobrar. As décadas se passaram desde que o rock veio ao mundo cultural, e a indignação só fazia aumentar. Foi quando uma turma resolveu cobrar com juros e correção monetária esse débito e reclamar para si a verdadeira gênese do rock ‘n’ roll. “É pra gente mostrar que negro faz rock melhor que qualquer um? Então, aqui está!” Com esta vividez corajosa e empoderada surgiu a Living Colour, formada somente por músicos de fina estampa: o vocalista Corey Glover, o baixista Muzz Skillings, o baterista William Calhoun e o guitar hero Vernon Reid, principal compositor do grupo. Negros.

Produzidos pelo tarimbado Ed Stasium e por ninguém menos que Mick Jagger, que apadrinhou a banda após descobri-los tocando no underground de Nova York, “Vivid” é a extensão da própria ideia de uma banda cujo nome ressalta a vivacidade da cor da pele preta. Afinal, como disse o poeta: "Negro é a soma de todas as cores." Nas suas linhas melódicas, na sua potência, na sua sonoridade, nas letras de crítica social, no seu visual, o primeiro disco da banda resgata todos os tons da tradição do rock em um dos mais bem elaborados sons produzidos na música pop em todas as épocas. O rock pesado da Living Colour soa como se fosse inevitável valer-se dos altos decibéis para manifestar com autenticidade tudo aquilo que esteve guardado anos e anos. Tem hard rock, heavy metal e punk pincelados de funk, blues e jazz, aquilo que os negros fazem como ninguém. Ou seja: a Living Colour, com o perdão da redundância, dá cores muito próprias à sua música. O hit "Cult of Personality", faixa de abertura, é como um traço original num quadro que condensa todas essas tintas. Riff arrebatador, daqueles de dar inveja a Metallica e Anthrax. E a letra, na voz potente e afinadíssima de Glover, referencia Malcom X e critica a superficialidade da sociedade: “Olhe nos meus olhos/ O que você vê/ O culto da personalidade/ Eu conheço sua raiva, conheço seus sonhos/ Eu tenho sido tudo o que você quer ser”.

Hard rock de primeira, "I Want to Know" antecipa "Middle Man", outra de sucesso do álbum que também ganhou videoclipe na época de ouro da MTV. Reid, excepcional tanto na criação do riff quanto na condução da melodia e no solo, mostra porque é um dos maiores guitarristas de todos os tempos, capaz de variar de um suingue a la Jimmy Nolen ou fazer a guitarra urrar como uma das big four do trash metal. Já a pesada "Desperate People" destaca o talento de Calhoun nas baquetas, seja no ritmo, que vai do funk ao hardcore, quanto na habilidade e potência, ainda mais quando martela os dois bumbos. Mais um sucesso, e das melhores do repertório da banda, visto que uma tradução do seu estilo: "Open Letter (To a Landlord)". A letra fala da realidade da periferia (“Essa é minha vizinhança/ Aqui é de onde vim/ Eu chamo este lugar de meu lar/ Você chama este lugar de favela/ Você quer expulsar todas essas pessoas/ É assim que você é/ Trata pessoas pobres como lixo/ Vira as costas e ganha dinheiro sujo”) e traz um dos refrãos mais emblemáticos e tristes daquele final de anos 80, o qual, inteligentemente, repete os primeiros versos da letra, só que cantados agora numa melodia vocal especial: “Now you can tear a building down/ But you can't erase a memory/ These houses may look all run down/ But they have a value you can't see” (“Agora você pode derrubar um prédio/ Mas você não pode apagar uma lembrança/ Essas casas podem parecer estar em mau estado/ Mas elas tem um valor que você não pode ver.”).

O punk rock vem com a alta habilidade de músicos de ouvidos acostumados com o jazz fusion em “Funny Vibe”. Isso, no começo, porque depois a música vira um funk ao estilo James Brown com pegadas de rap, principalmente no jeito de cantar em coro – lembrando o hip-hop raiz de Run DMC e Afrika Bambaata – e na participação de Chuck D e Flavor Flav, MC’s da Public Enemy, a banda de rap mais politizada de todos os tempos. Aí, vem outra das grandes da banda: sua versão para a escondida proto-metal “Memories Can’t Wait”, da Talking Heads. Pode ser que, para uma banda estreante como a Living Colour, tenha pesado a indicação de Stasium, que havia trabalhado com o grupo de David Byrne nos anos 70. Porém, a influência do produtor vai até este ponto, visto que a leitura da música é totalmente mérito de Reid e de seus companheiros. O arranjo é perfeito: intensifica os aspectos certos da harmonia, faz emergir o peso subentendido da original e aplica-lhe pequenas diferenças, como leves mudanças na melodia de voz, que personalizam esta que é, certamente, uma das melhores versões feitas no rock dos anos 80.

Já na melodiosa "Broken Hearts", Reid exercita sua técnica deixando de lado o pedal de distorção para usar um efeito slide bastante elegante, assim como o vozeirão aveludado de Glover. Nesta, Jagger solta sua gaita de boca abrilhantando a faixa. Numa linha também menos hard e ainda mais suingada, “Glamour Boys”, que também tocou bastante à época e que tem participação de Jagger aos vocais, precede outra de vital importância para o discurso de reivindicação levantado pela banda: “What's Your Favorite Color?”. Seus versos dizem: "Qual é a sua cor favorita, baby?/ É branco?/ Fora de moda". 

E quando se pensa que se ouvirá mais um heavy metal furioso, com a mesma naturalidade eles enveredam para um funk psicodélico de fazer orgulhar-se dr. P-Funk George Clinton pelos filhos musicais que criou. Noutro hard rock pintado de groove, "Which Way to America?", com destaque para o baixo em slap de Skillings, solta o verbo contra a sociedade de consumo e a ideologia racista da televisão, veículo concentrador das amálgamas no mundo pré-internet, alinhando-se novamente ao discurso dos parceiros Public Enemy, ferozes denunciadores do branconcentrismo da mídia norte-americana.

Com outros bons discos posteriores, como “Times Up”, de 1990, o qual traz o maior hit da banda, “Love Rears It's Ugly Head”, a Living Colour abriu em turnê para os Rolling Stones e foi atração de festivais como Hollywood Rock de 1992, tornando-se, por incrível que pareça, o primeiro grande grupo do rock integralmente formado por negros, mais de 40 anos depois dos precursores mostrarem o caminho para as pedras rolarem. Além disso, mais do que seus contemporâneos Faith no More, eles expandiram as falsas fronteiras do rock pesado, injetando-lhe uma propriedade que somente os “de cor” poderiam realizar. Depois deles vieram a Infectious Grooves, a Body Count, a Fishbone, todos com bastante influência daquilo que ouviram em “Vivid”. Todos que não deixaram esquecer jamais que o rock é, sim, essencialmente preto. E vamos parar com essa palhaçada! As memórias de Berry e Richards agradecem.

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FAIXAS:
1. "Cult of Personality" - 4:54 (Glover/ Skillings/ Reid/ Calhoun)
2. "I Want to Know" - 4:24
3. "Middle Man" - 3:47 (Reid/ Glover)
4. "Desperate People" - 5:36 (Glover/ Skilling/ Reid/ Calhoun)
5. "Open Letter (To a Landlord)" - 5:32 (Tracie Morris/ Reid)
6. "Funny Vibe" - 4:20
7. "Memories Can't Wait" - 4:30 (David Byrne/ Jerry Harrison)
8. "Broken Hearts" - 4:50 
9. "Glamour Boys" - 3:39
10. "What's Your Favorite Color? (Theme Song)" - 3:56 (Reid/ Glover)
11. "Which Way to America?" - 3:41
Todas as composições de autoria de Vernon Reid, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A guitarra de B.B King e a maior luta de boxe do século


B.B. King foi para o Blues aquilo que Muhammad Ali foi para o boxe e Pelé no futebol. Era um cara que tocava sua Lucille sem fazer distinção ou ter preconceito de gênero. Tocou com artistas do Pop ao Soul, "rifou e solou" do rock ao Jazz. Influenciou um caralhada de monstros na guitarra como: Eric ClaptonGeorge HarrisonJimi HendrixJeff Beck, Buddy Guy, Johnny Winter, Otis Rush e John Lennon, este último, que confessou certa vez que seu maior sonho era tocar guitarra com King.
B.B. King é considerado um dos três maiores guitarristas de todos os tempos. Um dos primeiros DVD's que eu tive na vida, foi do épico show de King no Zaire (atual Congo), onde aconteceu o "Live In Africa”, em setembro de 1974. O guitarrista tocou para 80 mil pessoas naquela que é considerada sua apresentação antológica. O show era uma prévia para a maior luta de boxe de todos os tempos, a "The Rumble in the Jungle", a disputa do cinturão dos pesos pesados entre George Foreman e o campeão mundial Muhammad Ali, ocorrida no mesmo país e ano pouco mais de um mês depois.
A luta durou 8 rounds, onde Ali e Foreman se digladiaram como num coliseu romano. Ali que vinha de uma longa parada, era acostumado a rounds médios e longos e Foreman, que era o atual campeão e estava em perfeita forma, costumava derrubar seus adversários logo no primeiro ou segundo assalto. Na luta, Foreman arrancou com tudo e Ali inteligentemente deixou seu oponente bater. A famosa esquiva do lutador entraria em ação entre diversas “trocações”.
Os rounds ficavam intermináveis para ambos lutadores e incendiavam a plateia local e do mundo inteiro. Foreman levou vantagem o tempo todo. Se a luta terminasse naquele momento, ele seria o campeão. Mas Ali usou sua segunda estratégia e começou a provocar Foreman na luta, gritando: "Come on, Mother Fucker! É só isso que você sabe fazer?!”. Foreman se desestabilizou psicologicamente. Cansado de tanto bater o atual campeão ia para o último assalto com seu físico e psicológico comprometidos. No ultimo round, Foreman reuniu suas forças para tentar um trunfo, mas logo sucumbiria a uma sequência fatal do famoso soco de direita de Muhammad Ali, aquele a quem antes se chamava de Cassius Clay.
Salve “King” Clay. R.I.P, my nigga King.


B.B. King
(1925-2015)




segunda-feira, 12 de setembro de 2022

"Elvis", de Baz Luhrmann (2022)




“Elvis” é vibrante, é bem dirigido, tem boas atuações, direção de arte perfeita, é feito com o coração, é tecnicamente de alto nível mas... não emociona. Aprendi que, com cinema, não é certo nutrir expectativas em relação a um filme antes de vê-lo. No máximo, permito-me ler a sinopse previamente quando não tenho ideia do que se trata. Mas quando o assunto é a cinebiografia do maior astro da música pop de todos os tempos, essa relação é necessariamente diferente. Afinal, é impossível dissociar o fã do crítico em se tratando de Elvis Presley. Ambos são os espectadores capazes de entender o filme do australiano Baz Luhrmann, que assisti em uma sessão especial no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping.

Incluo-me nesta dupla avaliação por três motivos. Primeiro, porque soaria ilógico abordar um ícone tão popular a quem todos de alguma forma são tocados de maneira distanciada. Segundo, porque, neste caso, a admiração ao artista, dada a dimensão inigualável deste para a cultura moderna, colabora com a avaliação, visto que imagem pública e carisma se balizam. Ainda, em terceiro, mesmo que desprezasse essa abstenção, a avaliação final não muda, pois talvez só a reforce.

Afinal, “Elvis” é, sim, um bom filme. Além da caracterização e atuação digna de Oscar de Austin Butler no papel do protagonista, bem como a de Tom Hanks na pele do inescrupuloso empresário de Elvis, Tom Parker, há momentos bem bonitos e reveladores. Um deles é como se deu toda a concepção do histórico show “From Elvis in Memphis”, gravado pelo artista ao vivo em 1969, evidenciando os desafios e êxitos daquele projeto ambicioso. Igualmente, o momento do "batismo" do pequeno Elvis na igreja evangélica ainda no Tenessee, quando, em transe, conhece a música negra na voz de ninguém menos que Mahalia Jackson.

O pequeno Elvis sendo batizado pela música e a cultura negra 

No entanto, essa sensação é um dos sintomas de não inteireza do filme, percepção que passa necessariamente pela parcialidade crítica. Em qualquer obra artística, quando partes são destacadas, como retalhos melhores que outros, algum problema existe. É como um quadro com traços bonitos, mas de acabamento mal feito, ou um disco musical com obras-primas no repertório, mas desigual por conta de outras faixas medíocres. Luhrmann é bom de estética, mas cinema não é somente isso. A estética precisa funcionar a favor da narrativa e não se desprender dela. Se fosse somente isso, seria exposição de arte ou desfile de moda. Aí reside uma das questões do filme: a sobrecarga de estetização – inclusive narrativa. Além de prejudicar a continuidade, resulta nestes espasmos catárticos ajuntados e não integrados.

Por isso, a narrativa, na primeira voz de Parker, parece, ao invés de solucionar um roteiro biográfico não-linear (o que é lícito, mas perigoso), prejudicar o todo, desmembrando em demasia os fatos uns dos outros. O ritmo começa bastante fragmentado, tenta se alinhar no decorrer da fita, mas a impressão que dá é que em nenhum momento estabiliza, como se, para justificar uma narrativa criativa e "jovem", lançasse de tempo em tempo dissonâncias que tentam surpreender, mas que, no fundo, atrapalham. O cineasta, aliás, tem histórico de resvalo nesta relação forma/roteiro. Havemos de nos lembrar de “Romeu + Julieta”, de 1997, seu primeiro longa, totalmente hype visualmente mas em que o diretor preguiçosamente delega o texto para o original de Shakespeare, resultando num filme desequilibrado do primeiro ao último minuto.

Butler ótimo como Elvis: digno de Oscar

O positivo em casos assim é que a probabilidade de agradar pelo menos em lances esporádicos é grande. A mim, por exemplo, não foi o clímax (a meu ver, um tanto apelativo e simplório) que tocou, mas, sim, cenas talvez nem tão notadas. Uma delas, é a escapada de Elvis para a noite no bairro negro à mítica Beale Street, em Memphis. O que me encheu os olhos d'água não foi nem o Rei do Rock trocando ideia com B.B. King (ao que se sabe, licença poética do roteirista) ou assistindo tête-à-tête Sister Rosetta Tharpe e Little Richard se apresentarem, mas a chegada do já ídolo Elvis ao local. Ele é respeitosa e admiravelmente recebido pelos negros e não com histeria como já o era em qualquer outro lugar que fosse. É como se os verdadeiros criadores do rock 'n' roll, gênero musical a que muitos ainda hoje atribuem roubo cultural por parte de Elvis, lhe admitissem, dizendo: "Tudo bem de você circular entre nós. Você é um dos nossos".

Outra cena que me emocionou foi a do show na reacionária Jacksonville, na Florida, em 1955, quando Elvis, indignado com as imposições da sociedade moralista, resolve não obedecer que o censurem de cantar e dançar do seu jeito julgado tão transgressor para a época. Claro, que deu tumulto. Aquilo é o início do rock. O gênero musical, misto de country e rhythm and blues, os artistas negros já haviam inventado. Mas a atitude, tão essencial quanto para o que passaria a ser classificado como movimento comportamental de uma geração, nascia naquele ato. Ali, naquele palco, estão todos os ídolos do rock: Lennon, RottenJim, JaggerNeil, Jello, PJ, Hendrix, Kurt, Ian, Rita, Iggy e outros. Todos são representados por Elvis. Impossível para um fã ficar impassível. Além disso, a sequência é filmada com requintes técnicos (troca de ISO, edição ágil, uso de foto P&B, etc.) que lhe dão um ar documental ideal. Aqui, Luhrmann acerta em cheio: estética a serviço do roteiro.

O polêmico show Jacksonville recriado por Luhrmann: o início do rock

Por outro lado, há desperdícios flagrantes. As primeiras gravações do artista, feitas para a gravadora Sam Records, entre 1954 e 55, um momento tão mágico e gerador de um dos registros sonoros mais sublimes da cultura moderna, são abordadas somente en passant. Algo que seria bastante explorável em uma cinebiografia que intenta fantasia.

Todos esses motivos justificam o olhar não só do crítico como também o do fã, uma vez que um embasa o outro. Se o filme é bom, mas não decola, é justamente porque o primeiro condiciona-se a avaliar tecnicamente, mas quem tem propriedade - e direito - de esperar ser encantado pela obra é quem curte de verdade Elvis e rock 'n' roll. Pode ser que tenha obtido sucesso com muita gente, mas a mim não arrebatou. Uma pena. A se ver que as cinebiografias de Freddie Mercury e Elton John, artistas que nem gosto tanto quanto Elvis, me arrebataram e esta, não. Não saí com uma sensação negativa, mas com a de que se perdeu uma oportunidade de ouro. “It’s now or never”? "Now", pelo menos, não foi.

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trailer do filme "Elvis", de Baz Luhrmann



Daniel Rodrigues