Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por data para a consulta punk. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta punk. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

domingo, 31 de dezembro de 2023

"Réveillon Maldito", de Emmett Alston (1980)

 


Sabe quando a gente brinca assim, "Já é ano novo na Austrália!"? Pois é, em "Réveillon Maldito" (New Year's Evil), a frase poderia ser "Alguém já morreu na Costa Leste!". Neste terror trash de ano novo, um psicopata pretende matar uma pessoa em cada fuso-horário dos Estados Unidos. O maluco liga para um programa de TV de rede nacional, uma espécie de Top of the Pops de boas vindas para o ano novo, para uma apresentadora que é uma espécie de diva punk-new wave, Diane Sullivan, conhecida como Blazee usando o codinome "Maldito", ameaça cometer crimes cada vez que o ano novo chegar em alguma parte do país. Promete matar pessoas próximas a ela, a cada hora e, por fim, a própria Blaze quando chegar no fuso de Chicago. Só que num programa cheio de bizarrices, jovens desajustados, comportamentos antissociais e artistas com apelidos tão esquisitos quanto o do misterioso homem ao telefone, ninguém leva o aviso muuuito a sério num primeiro momento (embora a pop-star fique levemente intrigada). Contudo, logo depois do primeiro assassinato, de uma enfermeira, gravado em K7 pelo maníaco, ele volta a ligar para Diane, rodando a gravação com os sons de golpes e gritos e só então ela e as autoridades passam a dar verdadeira atenção ao desequilibrado.

O filme não é nada de mais. Pra falar a verdade é bem fraco e tem problemas de amarração e estrutura bastante evidentes. Mas, além de ser um prato cheio para os apreciadores de um slasher trash de serial-killer, "Réveillon Maldito" até que tem alguns méritos e alguns momentos bem interessantes e tensos. Nosso assassino, por exemplo, é apresentado desde o início, sem máscaras, sombras, meios rostos, costas, etc., apenas vemos que ele utiliza um equipamento para modificar a voz ao fazer as ligações. Só que, embora conheçamos seu rosto, seus artifícios para chegar às vítimas, não sabemos, contudo, sua identidade nem sua motivação, o que só virá a ser revelado, mesmo, na parte final. Outro elemento interessante é o filho da estrela, Derek, um desajustado, desequilibrado, carente, ignorado por ela, que fala sozinho, se droga, usa roupas da mãe e meia de nylon na cabeça, ao melhor estilo dos personagens esquisitos de David Lynch.

No alto, à esquerda, a pop-star Blaze, à direita, os "tipos" que frequentam a plateia do programa;
abaixo, à esquerda, o filho esquisitão Derek, e, à direita, nosso matador, boa pinta, 'recrutando' sua primeira vítima. 

A indefinição na morte do terceiro fuso-horário é outro ponto legal do filme. O assassino até tem boas ideias, organização, tem bons planos, mas é amador e, em especial nessa vítima ele se complica. Tem dificuldades para capturar a vítima no drive-in, depois tem problemas com um motoqueiros, bate na moto de um deles, é perseguido pela gangue, se livra dos caras mas aí quase atropela dois bêbados e, nisso, a garota consegue escapar do carro e ele é obrigado a persegui-la mato a dentro. Toda essa situação gera a expectativa de se ele conseguirá cumprir o plano, se conseguirá recapturá-la antes da meia-noite, se conseguirá cumprir o prazo daquele fuso... Sua imperícia lembra um pouco o assassino do clássico "Pânico", de Wes Craven, imortalizado na máscara de Ghostface, mas muito incompetente e atrapalhado em diversas ocasiões.

A sequência final, sem dar spoiler, também é bem interessante, quando o criminoso, cercado pela polícia, sem muitas alternativas, recorre a um artifício que, se não lhe garante êxito total em seu intento, com um simples objeto, propõe que seu propósito seja levado adiante, deixando o desfecho em aberto. A indefinição fica ainda mais salientada pela voz do rádio que encerra o filme anunciando que no Hawaii, estado norte-americano no Pacífico, já é meia noite. 

Filme B, produção um tanto tosca, mas um bom exemplar de slasher do início dos anos 80, quando esta categoria do terror ainda não estava de todos consolidada mas ainda nos traria ícones como Jason, Freddy e outros.

Sem nenhum maluco mascarado nas festas de vocês, por aí, desejamos a todos um feliz ano novo.

Comemorem, comemorem! Afinal, no outro lado do mundo já é ano novo. 

(Ih, espero que todos estejam bem por lá...).


assista "Réveillon Maldito" (1980)




Cly Reis


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Código Penal - Preto no Metal Festival - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (17/12/2023)

 

Fazia tempo que queria ver a Código Penal, uma das bandas do meu primo-irmão-parceiro Lucio Agace. Digo uma das bandas, porque Lucio enfileira, desde os anos 80, algumas das bandas mais legais da cena alternativa gaúcha. A começar pela HímenElástico, projeto que tínhamos em conjunto com meu outro irmão e coeditor deste blog, Cly Reis, e meu outro primo e irmão do Lúcio, , com o adicional de nosso baterista oficial César “Pereba”. Mas a Hímen, há de se dizer, por mais legal que fosse nosso som (considero-a a grande banda gaúcha dos anos 90 que não aconteceu), foi talvez o projeto mais incipiente de Lucio. Vômitos & Náuseas, Causa Mortis e Câmbio Negro, pelo contrário, são alguns desses seus projetos mais consistentes. Mas também há de se dizer: a Código Penal é especial. O som, misto de hardcore, hip hop, funk e uma veia social e urbana muito evidente (em vários aspectos, parecida com a da Hímen) fazem da Código uma banda muito foda de se ouvir. Faltava vê-los no palco.

Pois o Festival Preto no Metal, ocorrido no célebre bar Opinião, trouxe esta oportunidade. A Código se apresentou na sequência de outras bandas muito legais com essa mesma vertente e ativismo, mas confesso que fomos mesmo lá para vê-los. E a expectativa foi totalmente atendida, numa apresentação enérgica, potente, dançante e... foda. A “arquitetura” da banda é apreciável, desde a visual até a sonora, com Lucio e Black to Face dividindo-se nos vocais como verdadeiros vocalistas MCs, dois guitarristas, Marcio Zuza e Eduardo Jack, um fazendo base e outro complementando o arranjo com efeitos e solos, o baixo poderoso de Luciano Tatu, a bateria pegada de Pereba e uma mesa eletrônica comandada pelo próprio Lucio. 

O tempo de show de festival, como de costume, curto. Então, o negócio é subir no palco e mostrar serviço, como a Código fez. Aí, foi só paulada, uma atrás da outra. “Terra de Ninguém” pra começar. “Os Dois Lados do Imoral”, na sequência, fez o ambiente pra ótima parceria da banda com Tonho Crocco em “Apologia”, que levantou a galera. “Marginalizado”,  “Justiça Injusta” e “Chove Bala”, idem. Pra finalizar, “Sexo nas Ruas” e a ótima “Gangs”, que já rodei no meu programa, o Música da Cabeça, mas que ao vivo ganha uma potência maior, tanto pela reação da galera quanto pela sonoridade própria, com seus samples da trilha de “Sexta-Feira 13”. Aliás, por falar no filme, mais uma das coisas legais da performance da banda e de Lucio, em especial, que é quando ele se ausenta um tempo do palco para voltar travestido de Jason Voorhees, com a máscara característica do personagem, um casaco com capuz preto e um temível taco de beisebol. Fez lembrar outro punk performático chamado John Cale.

Enfim, showzasso da Código, que Leocádia e eu vencemos os 48 graus de sensação de Porto Alegre àquele dia para estar no Opinião, mas que valeu totalmente a pena. Confere aí um pouco de como foi:

**********

A Código sobe ao palco do Opinião 

Lucio, performático, com a máscara do Jason junto com Black to Face

Black to Face mandando ver nas rimas

Um pedacinho de como foi o show 
da Código Penal no Opinião

Visão da mesa de som

Código in da house, motherfucker!

Mais rimas

Lucio ao centro do palco com a baita banda na "cozinha"

Preto no Metal olhando o Preto no Metal

A galera comemorando o baita show ao final:
Jamal, Val, Lucio, Leo e eu
 


Site da Código Penal: www.bandacodigopenal.com.br  


texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Leocádia Costa e Daniel Rodrigues

sábado, 30 de setembro de 2023

Santigold - "Santogold" (2008)

 





"Apesar de ser o seu primeiro álbum, 
parecia que ela já tinha caído na terra 
como uma superestrela totalmente formada. 
Quero dizer, de onde é que ela veio? 
Como é que alguém pode abranger 
todos os elementos mais excitantes 
do eletrônico, do punk, da new-wave e do reggae 
de forma tão fácil? 
Estas melodias fantásticas, 
e ainda fazer com que pareça que 
mal pestanejou enquanto as compunha.
Ela parecia ser a personificação 
do termo música do futuro 
e a síntese do cool."
Mark Ronson,
produtor musical


A música pop do século XXI, cá entre nós, não é nada, assim, de entusiasmar, não é mesmo? Tirando quem pintou da metade para o final dos anos 90 e entrou no novo século ainda com qualidade, como Björk, Beck, Daft Punk, por exemplo; o pessoal dos anos 80 que tinha uma fórmula eficiente edificada a partir do punk e da ascensão dos sintetizadores, como Depeche Mode, Pet Shop Boys e New Order, que sobreviveram, persistiram e continuaram sendo relevantes; os consagrados, os símbolos, ícones do pop, Prince, Michael Jackson e Madonna, que, influentes e insubstituíveis, continuaram dando as cartas mesmo tempo depois de seus respectivos auges; e gênios, como David Bowie, que conseguiam se reinventar e ainda dar grande contribuição para uma cena pouco inspirada; os anos 2000, de um modo geral, não nos apresentavam nada de especial. De vez em quando até aparecia uma coisa boa, uma Amy Winehouse, por exemplo, mas foi só. E para piorar, mal nos deu o gostinho do seu talento e nos deixou cedo. De resto, muita bunda, muita repetição de fórmula, batidas eletrônicas sempre muito parecidas, muito autotune, rappers mal-encarados, mas nada de novo ou de original.

Mas de vez em quando, mesmo em meio a toda essa pobreza, o universo pop nos presenteia com alguma coisa que vale a pena. Às vezes alguém com talento, criatividade e boas influências nos surpreende e traz alguma coisa que, se não é nova, original, é, no mínimo, interessante. Santigold, multiartista norte-americana, nos apresentava ali, quase no final da primeira década do século XXI, algo um pouco mais que interessante. Seu álbum de estreia "Santogold" (2008) é uma preciosidade repleta de muito do melhor que a música negra pode oferecer. "Santogold" é rhythm'n blues, é soul, é rap, é funk, é raggae, é dub, é blues, é afro. É animado, é melancólico, é seco, é irreverente, é contagiante. Tem glamour, tem força, tem ousadia. Hip-hop, pós-punk, eletrônico, disco, rock, new-wave... Aquele tipo de disco que possui todos os atributos de uma grande obra pop!

"L.E.S. Artistes", a abertura e um dos singles do álbum, já é o cartão de visita mostrando que Santigold está disposta a frequentar todos os terrenos possíveis: inicialmente um pop minimalista bem compassado, marcado na batida, a primeira faixa, ganha força em guitarras no refrão para culminar num pop-rock poderoso. "You'll Find Away", a segunda, é uma típica new-wave elétrica e empolgante; o reggae eletrônico, repleto de elementos e nuances, "Shove It" baixa a rotação das duas anteriores com muito estilo, mas a eletrizante "Say Aha", com sua base agressiva de baixo. logo põe tudo pra cima de novo.

"Creator", o primeiro single do álbum é uma "loucura" maravilhosa! Uma percussão tribal, literalmente selvagem, grunhidos, efeitos eletrônicos alucinados, ecos, um vocal enlouquecido e, dentro de tudo isso, um refrão incrivelmente eficaz. 

"My Superman", outra das joias do disco, é construída sobre, nada mais nada menos, que um sampler de "Red Light", de Siuoxsie and The Banshees, adicionado à sensualidade da nova canção, toda a atmosfera sombria do gótico oitentista.

A propósito de darkismo, "Starstruck", embora mais encaixada na linguagem sonora atual, do hip-hop e afins, também remete ao som do pós-punk dos anos 80. Mas aí, mudando radicalmente, temos "Lights Out", um pop radiofônico saborosíssimo, e a irresistível "Unstoppable, um ragga eletrônico dançante, ao ritmo do qual é impossível ficar parado. Imparável!

A elegante "I'm a Lady" encaminha o final do disco que, por fim, encerra-se com "Anne", um synth-popp sofisticado que só confirma a riqueza da experiência vivida nos últimos 40 minutos. Um baita disco!

Detalhe para a capa. Mais um destaque: uma colagem "tosca" quase ao estilo punk, com a artista expelindo purpurina dourada pela boca.

Vomitando "glamour". 

Precisa dizer mais?

***************

FAIXAS:

  1. L.E.S. Artistes 3:25
  2. You'll Find A Way 3:01
  3. Shove It 3:46
  4. Say Aha 3:35
  5. Creator 3:33
  6. My Superman 3:01
  7. Lights Out 3:13
  8. Starstruck 3:55
  9. Unstoppable 3:33
  10. I'm A Lady 3:44
  11. Anne 3:29
*******************
Ouça:




por Cly Reis

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial de 15 anos do ClyBlog - Accept - "Restless and Wild" (1982)



 
Acima, a capa da versão brasileira
e abaixo a de Europa e EUA
"Não sei se somos modelos, mas certamente ajudamos a iniciar todo esse gênero [Trash Metal] de certa forma, e isso me deixa muito, muito orgulhoso. É uma grande honra ter todas essas bandas nos nomeando como sua influência. E eu já ouvi tantas vezes 'Cara, quando ouvimos ‘Restless and Wild’ isso nos fez começar a tocar música.' E para muitas bandas, esse foi o ponto de partida, então isso é incrível. O que mais você pode querer da vida ou da sua carreira musical?"
Wolf Hoffmann


A primeira vez que tive contato com o Accept foi lá pelo início de 1984, escutando o Central Rock, na saudosa Ipanema FM, 94.9, apresentado pelo Ricardo Barão. O programa acho que era transmitido de segundas às sextas ou apenas uma vez por semana, não recordo com exatidão, mas ia ao ar das 22h às 24h. 

A música da banda alemã tocada foi "Fast as a Shark", a primeira faixa do disco "Restless and Wild", de 1982. E o seu começo era estranho, pois começava com um som chiado e uma voz feminina cantando “Heidi, Heido, Heida”, e na sequência, escutávamos uma agulha arranhando o disco e entrava o vocal gritado de Udo Dirkshneider, seguido de uma bateria insana e solos de guitarra. O efeito trazia a música tradicional alemã ("Ein Heller und ein Batzen", escrita em 1830 por Albert von Schlippenbach) e de acordo com o guitarrista e líder Wolf Hoffmmann, era para enganar os ouvintes, pois ao colocar o disco, eles iriam escutar uma música que não tinha nenhuma conexão com o álbum e teriam certeza de que haviam comprado o LP errado. Uma pegadinha que deu certo. 

A música em questão, "Fast as a Shark" ("Rápido como um Tubarão") é considerada a pedra fundamental do Thrash Metal, do Speed Metal e do Power Metal. E não sou eu que estou afirmando. A opinião foi dada por integrantes de várias bandas do gênero, como Metallica, Exodus, Anthrax. O vocalista do Exodus, Steve Zetro Souza, afirmou que ao escutar "Fast as a Shark" teve uma espécie de epifania. "É isso, é isso", soltou ele, que confessa cantar baseado nos vocais de Udo Dirkschneider e Bon Scott, do AC/DC

No dia seguinte ao escutar o Central Rock, fui atrás do LP para comprá-lo. Adquirido, é um dos meus preferidos desde sempre. E passados quase quarenta anos, sigo escutando o trabalho da banda alemã, surgida na cidade de Solingen, na então Alemanha Ocidental nos anos 1970. 

"Restless and Wild" é um daqueles álbuns perfeitos, ou seja, todas as suas músicas são excelentes, assim como "Powerslave", do Iron Maiden, e "The Wall", do Pink Floyd. Ele é o quarto da discografia do Accept, sucessor do  debut homônimo de 1979, “I’m A Rebel”, de 1980, e “Breaker”, de 1981. 

A obra foi para as lojas europeias no dia 2 de Outubro de 1982, com dez faixas. Nos Estados Unidos seria lançada no ano seguinte, e chegando ao Brasil no começo de 1984, sendo o primeiro da banda a sair por aqui. Nesta época o estilo Heavy Metal começava a criar força incomum no nosso país, chegando ao auge em 1985, com o advento do primeiro Rock In Rio.  

Já falei da música ícone "Fast As A Shark", que abre o lado A, seguida de "Restless And Wild", que dá nome ao disco e como o nome diz, é de uma selvageria musical, até hoje presente nos shows, "Ahead Of The Pack", "Shake Your Heads" e "Neon Nights". 

No lado B, estão "Get Ready", que tem uma pegada a la Judas Priest, "Demon’s Night", "Flash Rockin’ Man", "Don’t Go Stealing My Soul Away", um dos títulos de música mais legais, e a épica "Princess Of The Dawn", com um solo monstruoso de Wolf Hoffmann, e uma das minhas preferidas de todos os tempos, escutada pelo menos uma vez por semana desde aquela época. 

A capa original do "Restless And Wild" apresenta uma foto de duas guitarras, modelo Flying V, cruzadas e pegando fogo. Aqui no Brasil, no entanto, a capa do álbum mostra a banda se apresentando ao vivo, com luzes vermelhas e vários amplificadores, e em destaque Udo Dirkschneider estrangulando o baixista Peter Baltes - sendo a mesma da versão japonesa. 

“Restless And Wild” abriu caminho ainda para uma sequência clássica de grandes lançamentos. O disco seria sucedido pelos mega-clássicos “Balls To The Wall”, de 1983,  “Metal Heart”, de 1985, e "Russian Roulette", de 1986. Então, o Accept entraria em crise, com a saída de seu fundador Udo Dirkschneider, que seguiria carreira solo. A banda alemã entraria em colapso nos anos 1990, entrando em um hiato de quase 15 anos. A volta aconteceria em 2010, com novo vocalista, Mark Tornillo, estando na ativa até hoje. 

Quatro fatos sobre o Accept em minha vida:  

Na época do II Grau (hoje Ensino Médio), cursado no Colégio Estadual Paula Soares, eu emprestei o disco "Restless and Wild", sim, naquela época a gurizada emprestava ou trocava discos sem medo de não tê-los de volta, para um colega punk. O cara levou o disco para casa, curioso em escutar aquele som novo e diferente. No dia seguinte, ele me devolveu o disco, e contou: "quando cheguei em casa, fui para o quarto e coloquei o disco para tocar. E na primeira faixa, achei que ele estava arranhado. E na sequência, entrou aquele cara gritando...na hora a minha mãe abriu a porta do meu quarto e soltou: 'quem foi o débil mental que te emprestou este disco?'"

Caímos na gargalhada. Afinal, o cara era afeito a escutar bandas punk como Exploited, Sex Pistols, Dead Kennedys e Misfits. Mas a mãe dele achou absurdamente doente o som do Accept. 

Em 2013, assisti finalmente o Accept ao vivo em show no Bar Opinião, em Porto Alegre. E durante a execução de "Balls to the Wall", o guitarrista Wolf Hoffmann se curvou em direção a plateia, olhou pra mim, e disse: "For you, man", colocando uma palheta na minha mão. 

Anos depois, sem conseguir achar uma camiseta do "Restless and Wild" (eu coleciono camisas de bandas), visitei a loja Zeppelin, do Alexandre Nascimento, especialista em ítens sobre Heavy Metal, e comentei com ele. Na hora, o Tiziu pegou o telefone e ligou pra um camarada catarinense, que fez sob medida a camiseta com a capa do disco. E paguei apenas o custo de fabricação, e nada mais: R$ 50,00. 

Por fim, em 2023, pude presenciar o show do vocalista mais ícônico do Accept, quando Udo Dirkschneider se apresentou no Bar Opinião. No setlist, apenas músicas clássicas da banda que ele fundou lá na década de 1970. 

Agora, chega... bora escutar pela milionésima vez "Restless and Wild" e acordar a vizinhança.


por C H I C O   I  Z I D R O


★★★★★★

FAIXAS:
1. "Fast as a Shark" - 3:49
2. "Restless and Wild" - 4:12
3. "Ahead of the Pack" - 3:24
4. "Shake Your Heads" - 4:17
5. "Neon Nights" - 6:01
6. "Get Ready" - 3:41
7. "Demon's Night" - 4:27
8. "Flash Rockin' Man" - 4:28
9. "Don't Go Stealing My Soul Away" - 3:15
10. "Princess of the Dawn" - 6:15
Todas as composições de autoria de Wolf Hoffmann, Stefan Kaufmann, Udo Dirkschneider, Peter Baltes


★★★★★★

OUÇA:



★★★★★★



Chico Izidro é jornalista, crítico de cinema e escritor e youtuber. Nascido em Porto Alegre, estudou no Colégio Paula Soares/Pio XII e é formado em jornalismo pela Unisinos. Teve passagens pela Assessoria de Imprensa do Juizado de Menores, Band AM, Ipanema FM, Placar, Folha de S. Paulo, Rádio Guaíba, A Notícia-SC e Correio do Povo. No YouTube mantém os canais Cinema de Peso, ao lado dos críticos de cinema Criba Aquino e Lauro Arregui, e Guaibadas, onde conta causos de sua vida. É autor de dois romances, “Era Vidro e Se Quebrou” e “Olhos Verdes”.



quarta-feira, 26 de julho de 2023

Música da Cabeça - Programa #328

 

A chapa esquentou pro clima, hein?! Preocupado com o planeta, o MDC também eleva a temperatura, mas com música boa de todas as estações. Tem Daft Punk, John Lennon, Brian Eno, Titãs, Henri Mancini e mais, como o Cabeção, que celebra os 60 anos de Renato Borghetti. Seja no verão ou no inverno, o termômetro começa a funcionar às 21h na refrigerada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e muito líquido: Daniel Rodrigues.

(www.radioeletrica.com)


quinta-feira, 13 de julho de 2023

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Charly Garcia - “Clics Modernos” (1983)



 

por Roberto Sulzbach 

- I want to make a record ("Eu quero fazer um disco").

- Your dad is rich or what? ("Seu pai é rico ou o quê?"


Nova Iorque, 1983, entrada do lendário Eletric Ladyland Studio, fundado por Jimi Hendrix. Batem à porta, dois argentinos com uma maleta e acontece este diálogo descrito acima.

Enquanto isso, o homem de bigode bicolor abre a maleta e pega um dos maços de notas de 100 dólares: "Do you want it, or not?" ("Você quer, ou não quer?"). Então, a porta se abre. 

Trinta anos atrás, os argentinos eram Charly García e Pedro Aznar. Os dois já eram lendas do rock de seu país. O primeiro, possuía o status de gênio musical por ser cantor, tecladista e protagonista em 3 grandes bandas do cenário portenho: o duo-folk Sui Generis, e as bandas de rock progressivo La Máquina de Hacer Pájaros e Serú Giran. O segundo, foi baixista de Charly na Serú Giran, e já era membro junto ao Pet Metheny Group. Lógico que, em Nova Iorque, ninguém sabia disso. 

Começaram os preparativos para as gravações do que seria, segundo muitos, a Magnum-opus do Rock Argentino, e quiçá, do idioma espanhol. A ideia inicial era se chamar “Nuevos Trapos”, mas depois de Charly se deparar com uma pixação escrita “Modern Clix” pelas ruas de Nova Iorque, não havia como não se chamar “Clics Modernos”. Foi-lhe entregue uma lista, contendo o nome de todos os produtores que trabalhavam regularmente no estúdio, onde encontraram o nome perfeito. Constava como: "Joe Blaney – The Clash"

Joe Blaney havia acabado de trabalhar no projeto mais ambicioso e criticamente aclamado do conjunto punk londrino, o "London Calling", e buscava um novo desafio. Nas palavras dele, quando chegou ao estúdio, não possuía a dimensão de com quem estava, e aos poucos foi percebendo o talento e a estatura dos músicos que estava prestes a produzir. Charly estava tão na vanguarda, que praticamente toda a parte de percussão foi feita em uma TR808, da Roland. Criada por Ryuichi Sakamoto, García apelidou o equipamento de “La Ryuchi”

O disco abre com "Nos Siguen Pegando Abajo", já demonstrando a forte influência do new wave. Musicalmente, é uma composição fenomenal, mesclando sintetizadores, a bateria da Ryuichi, somada de uma base em 4 tempos, enquanto a guitarra, toca o riff em 7 tempos, sendo assim, 2 compassos simultâneos. Apesar de ser um tema para tocar em festas, a música cita "los hombres de gris" ("homens de cinza", como referência à polícia), e o próprio título, que pode se traduzir como “seguem nos reprimindo”, referência à ditadura ainda vivida na Argentina.

"No soy um extraño" é uma balada dançante, impulsionada por batidas e palmas digitais, e carregada pelo baixo simples e certeiro de Aznar. A música aborda a história de dois homens buscando ver um tango antigo, tipo em que a dança era realizada apenas por rapazes, não envolvendo uma mulher, como hoje é popularmente conhecido. O tom expressado, tanto pela melodia, tanto pela letra, nos transmite o medo da homossexualidade ser descoberta publicamente.

Aznar e Charly: amigos e parceiros de Buenos Aires
a Nova Iorque para produzir uma obra-prima
"Dos Cero Uno" é a canção mais minimalista do disco, e que tem como base, além das batidas eletrônicas, a Tabla, instrumento popular na Índia e similar a um bongô. Nos traz quase um relato autobiográfico de Charly, falando sobre sua maturidade e mudança, o colocando como um personagem. "Nuevos Trapos" é uma balada new wave, uma canção moderna de amor, colocando piano e sintetizadores, que se sobrepõe harmoniosamente. 

A letra de "Bancate ese Defecto" trata de lidar com defeitos que todos têm, erros que todos cometem e a dificuldade da autoaceitação, mas que errar faz parte da experiência de ser humano (incluindo um trecho em que chama o ouvinte de narigudo). Quando chegamos à metade da música, Charly engata uma quinta, e em ritmo alucinado, dispara mais “verdades” aos nossos ouvidos. Finaliza com os sintetizadores imprimindo um tom de mistério, ao lado da linha de baixo de Aznar, finalizando, de forma magistral, o lado A. 

O lado B arranca com um sample (direto da Ryiuchi) de um grito de James Brown em “Hot Pants Pt.1”, para iniciar "No me Dejan Salir", sendo esse apenas um dos samples do cantor de soul utilizados na música (temos a adição de trechos de "Please, Please, Please" e "Super Bad" no decorrer da canção). Certamente, a música “más bailable del disco”, com pontes bem estruturadas e refrão grudento, além de ser a única música que contém uma bateria verdadeira, além do TR808. Vale a pena também conferir o icônico clipe da música, gravado um ano depois, e que conta com a participação do então tecladista, e futuro artista globalmente conhecido, Fito Paez, segurando um mocassim para a câmera. 

Um acorde grave dá início ao tema mais profundo da obra. Uma acorde que arrepiou, arrepia, e arrepiará gerações de argentinos, e (por que não?) latino-americanos em geral. "Los Dinosaurios" é uma eulogia aos desaparecidos da sanguinária ditadura que matou, perseguiu e reprimiu milhões de pessoas no país vizinho, e que também é válido para o nosso caso. Charly fez questão de dizer que vizinhos, artistas, jornalistas e nem mesmo seu amor está seguro, e podem desaparecer. “Clics” foi lançado um mês antes do retorno à democracia na Argentina, e imediatamente, se tornou um hino sobre os acontecimentos dos anos anteriores, convertendo-se em uma espécie de memória viva, em forma de hit, em forma de arte. O piano é tocado com sutileza, expressando o pesar do passado, ao mesmo tempo que vislumbra um futuro esperançoso. 

"Plateado Sobre Plateado (Huellas En El Mar)" continua o tom de protesto, tratando sobre o exílio, tanto autoimposto quanto compulsório, nos transportando para aquela realidade. O contrabaixo sedimenta a melodia, apenas em duas notas, enquanto o teclado coloca, em sincronia, acordes em dissonância, para explodir em um refrão harmônico repleto de riff de guitarras rompantes. Finalizando o álbum, "Ojos de Videotape" nos introduz uma novidade: um piano acústico! Sintetizadores, uma ampla capacidade vocal de Charly e uma preocupação com o vício das pessoas no escapismo digital. Em um mundo sem smartphones, tablets, internet, parece até bobo que a televisão fosse um grande problema na concentração e na própria concepção de mundo da sociedade. 

García disse que: "K7´s são para as praias, CD´s para os shoppings, e os discos são discos". Esse álbum tem uma “artesania” de disco, não somente músicas gravadas e compiladas. E definitivamente, se trata de um disco, uma obra-prima, que o estúdio construído por Jimi Hendrix, teve a honra de conceber, e não o contrário.

**********
FAIXAS:
1. "Nos siguen pegando abajo (pecado mortal)" - 3:30
2. "No soy un extraño" - 3:18
3. "Dos cero uno (transas)" - 2:09
4. "Nuevos trapos" - 4:08
5. "Bancate ese defecto" - 4:56
6. "No me dejan salir" - 4:21
7. "Los dinosaurios" - 3:28
8. "Plateado sobre plateado (huellas en el mar)" - 5:02
9. "Ojos de video tape" - 3:37
Todas as músicas de autoria de Charly García

**********
OUÇA O DISCO:






Roberto Sulzbach Cortes é porto-alegrense, gosta de viajar (principalmente a Buenos Aires) e possui alma de baby boomer. Futuro jornalista, cresceu escutando de tudo. De Nirvana a Chico e de Notorious B.I.G a Miles Davis.

sábado, 8 de julho de 2023

Frank Jorge & Naipe de Sopros - Bar do Alexandre - Porto Alegre/RS (30/06/2023)

 

“Rock 'n' roll: amor e morte”. Com este lema, emprestado do amigo e também roqueiro gaúcho Julio Reny, o carismático e catalisador Frank Jorge subiu não ao palco, mas à calçada do badalado Bar do Alexandre, em plena Rua Saldanha Marinho, no Menino Deus, quadras da minha casa. Tão perto é que, chegando a pé e uns minutos após o começo do show, fui recebido por Frank tocando “Se Você Pensa”, de Roberto e Erasmo, ao lado de Alexandre Birck, na bateria, e Régis Sam, baixo, além de um afiado naipe de sopros: Carlos Mallmann (trombone) Joca Ribeiro (trompete) e Gustavo Muller (sax tenor e barítono). Que luxo! Combinação simples, mas suficiente para o front man entregar um show cativante e de puro rock. No set-list, temas da carreira solo de Frank, hits da sua tão lendária quanto ele Graforréia Xilarmônica, uma das bandas fundadoras do rock gaúcho e clássicos nacionais, internacionais e regionais.

A convite do próprio Frank, pude presenciar uma apresentação digna da melhor Porto Alegre roqueira. O público que cantou com ele de cabo a rabo joias do seu repertório solo como “Pode Dizer Assim”, “Não Pense Agora”, “Sensores Unilaterais”, “Elvis” e “O Prendedor” até aquelas da Graforréia que não podem faltar: "Eu", "Twist", "Nunca Diga" e "Amigo Punk", esta milonga-rock que é mais do que uma música: é um dos hinos não-oficiais da Porto Alegre alternativa.

Frank e sua banda tocando o hino "Amigo Punk"

Mas teve também covers muito legais e coerentes com a pegada rock 50/60 que sempre caracterizaram a obra e a estética de Frank. Dos parceiros de rock gaúcho, além de "Amor e Morte", de Reny, teve "Lugar do Caralho", do ex-parceiro de Cascavelletes Júpiter Maçã (à época, anos 80, ainda Flávio Basso) e "Cachorro Louco", pedrada da própria Cascavelletes. Ainda menos vaidoso, ele tocou, sob um coro geral da galera, o hit "Núcleo-Base", dos paulistas do Ira!, ato, convenhamos, raro em artistas do Rio Grande do Sul, comumente bairristas.

Mas teve mais! Frank não poupou relíquias. Outra de RC, numa emocionante "Quando"; Beatles, "Nowhere Man", rock argentino e até Ramones. Porém, claro, nada do punk grosseiro, e sim, uma versão da sessentista "Rock 'n' Roll Radio". Nada mais condizente com Frank Jorge. O clima de celebração se completou ainda com o anúncio, horas antes, da inegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. O próprio Frank puxou mais de uma vez o coro: "Ele é inelegível!" em ritmo de "Seven Nation Army", tal as torcidas organizadas, porém dentro dos acordes de "Nunca Diga", de autoria do próprio Frank (que, diga-se, foi escrita bem antes do megasucesso da White Stripes).

Um começo de noite agradabilíssimo regado àquilo que hoje se reserva a pequenos redutos porto-alegrenses, que é a cena rock. Por algumas horas, o clima da antiga Osvaldo Aranha foi recuperado e se reproduziu ali, testemunhado pelo céu nublado da noite. Um momento de resistência, de celebração. Quase litúrgico. Frank, na 'seriedade", como diz a todo tempo, trata, de fato, rock como algo sério. Empunhando sua guitarra como um padre carrega um crucifixo, São Frank Jorge conduziu sua legião de séquitos em enlevo de oração. Coisa muito séria esse rock 'n' roll, hein? Assunto de amor é morte. Amém.

**************

Frank e banda mandando ver no bom e velho rock 'n' roll

Sendo recebido ao som da Jovem Guarda de Roberto e Erasmo


Rua e bar lotados para assistir Frank Jorge

Outro clássico do repertório "xilarmônico": Nunca Diga"

Daniel Rodrigues

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Brian Eno - “Another Green World” (1975)

 

“Ao discutir arte, as pessoas costumam falar sobre gênios, mas assim que você começa a observar de perto como as coisas surgem, descobre que sempre há contextos e sistemas informando esse indivíduo”.

“A ciência é uma forma de descobrir coisas sobre o mundo, mas a arte nos dá a chance de explorar, através da imaginação, lugares que não existem, bem como ferramentas para lidar com o mundo em que estamos”. 
Brian Eno

Obras-de-arte comumente vêm ao mundo fora do seu tempo cronológico. Com isso, precisam que o próprio tempo passe para serem valorizadas e, principalmente, entendidas. Quanto levou-se para se assimilar a “nova poesia” de Mallarmé, hoje naturalmente reconhecida como o começo das correntes modernistas? Ou as pinceladas "borradas" dos impressionistas, taxadas de “infantis” pelos críticos da época, mas que se configuraram num passo fundamental para a ruptura com o classicismo absorvido pela arte contemporânea? 

Na música moderna, isso seguidamente ocorre. “The Velvet Underground & Nico”, primeiro disco da banda de Lou Reed e John Cale, vendeu ridículas 10 mil cópias à época de seu lançamento, em 1967, mas influenciou o mundo quase tanto quanto os Beatles. O hoje cult “Araçá Azul”, de Caetano Veloso, chegou a ter devoluções nas lojas em 1972 de tão mal recebido pelo público e hoje um vinil original não custa menos do que uma pequena fortuna. Pode-se dizer que “Another Green World”, de Brian Eno, de 1975, se enquadra neste perfil de grandes discos além de seu tempo. Não por terem lhe fechado os olhos, mas por não ter sido observado como deveria. E, diferentemente de outras obras marcadamente incompreendidas, o disco do cantor, compositor e produtor inglês carrega algumas qualidades que lhe tornam quase profético. Eno intuiu elementos que só se conflagrariam tempo depois, redimensionando aquele trabalho do passado que anteviu o que pode se chamar de “era da pós-música”.

Havia sinais de que Eno estivesse sintonizado com algo de tamanha visão do futuro, mas nem por isso assim tão fáceis de se ler. Saído da glitter Roxy Music, no início dos anos 70, banda que já antecipava uma série de movimentos da música pop, Eno, que além de músico é também artista visual e professor de arte, sempre equilibrou a carreira entre essas várias vertentes. Tal versatilidade lhe fez iniciar a carreira solo com dois discos de glam rock bastante inovadores: “Here Comes the Warm Jets” e “Taking Tiger Mountain (By Strategy”), de 1973 e 74, respectivamente. Em seguida, uma guinada: Eno inventa a ambient music com “Discreet Music”, abrindo caminhos para a new age e o neo classical. Anos antes, ele já havia feito duo com Robert Fripp no experimental “No Pussyfooting” e trabalhado ao lado de Cale, Nico e Kevin Ayers, um dos fundadores do jazz-rock. Ou seja: diversas frentes, que embaralhavam ainda mais o cenário em que “Another...” foi gestado.

Por todos estes antecedentes e exemplos subsequentes – visto que Eno seguiu variando entre art rock, punk, minimalismo, afrobeat, trilhas de cinema, new age, world music e outros gêneros – a audição de “Another...” é absolutamente enigmática. E mais do que isso: o enigma não se dá em razão de uma música complexa, intrincada, mas, sim, por uma sonoridade totalmente “palatável”. Eno certamente queria dizer algo importante com isso... Quem escuta os primeiros acordes da faixa inicial, “Sky Saw”, não raro surpreende-se com o som processado e dissonante do fretless bass de Percy Jones tocando um acorde de quatro notas que visivelmente não se completa. Não se completa, mas volta a se repetir em sua incompletude, deixando claro que é mesmo aquele o “riff” da canção, se é que dá para classificar assim. Nem o show de execução do restante da banda formada por Eno com os amigos Paul Rudolph, no baixo, Phil Collins, na bateria, Rod Melvin, no piano elétrico, e Cale, na viola, faz esvair a sensação de que algo diferente contém ali. Uma abertura fascinante, mas estranha.

Se o disco larga com cargas de peculiaridade, a partir de então os enigmas começam a ficar ainda mais evidentes. À exceção de “Sky Saw” e mais outras quatro, todas as músicas das 13 que compõem o disco são como vinhetas, de poucos minutos. Nenhuma passa de 4 minutos, tempo de duração padrão de uma canção pop vendável. “Over Fire Island”, noutra performance brilhante do ainda apenas baterista Collins, traz um baixo igualmente destacado de Jones numa base meio jazzística enquanto Eno comanda sintetizadores, guitarra e colagens de fita magnética. Pura vanguarda instrumental, assim como outras duas seguintes, “In Dark Trees” e “The Big Ship”, ambas protagonizadas apenas pelo próprio Eno, que ainda toca percussão elétrica e sintetizada e um gerador de ritmo tratado, tecnologia bem avançada para a época, algo como a uma bateria eletrônica rústica. Todas instrumentais, curtas, de poucos acordes, quase sem riff. Não fosse pelas breves frases cantadas da primeira faixa e da pequena letra de outra excelente, “St. Elmo's Fire” – em que Eno comanda os instrumentos acompanhado somente da guitarra do parceiro Fripp –, poderia se dizer que se trata de um disco de música instrumental. Mas claramente diferente de “Discreet...” ou de qualquer outra peça de trabalhos anteriores. Onde Eno queria chegar com essa proposta, no mínimo, diferente?

O álbum prossegue e as respostas vão sendo colhidas aos poucos. É possível perceber, por exemplo, o embrião da generative music, outra novidade a qual Eno lançaria as bases em 1978 em “Ambient 1: Music for Airports”, termo baseados nas ideias do linguista Noam Chomsky e que descreve uma música sempre diferente, mutável e gerada por sistemas eletrônicos. A sexta faixa, “I'll Come Running”, em que conta outra vez com Melvin ao piano, Rudolph ao baixo e Fripp nas guitarras, começa a deixar mais claro o que Eno pretendia. A alternância entre músicas com uma formação um pouco maior, mas enxuta, e outras quase que totalmente artesanais – caso da seguinte, a dissonante faixa-título – denota o quanto o autor entendia que caminhos a música pop iria tomar não dali a poucos anos, mas três, quatro, cinco décadas à frente! E mais: não apenas a música popular, mas o conceito de sonoridade, a ideia de música da sociedade contemporânea.

Fica até difícil perceber o quanto o homem moderno está soterrado em mensagens sonoras, visto que estas proveem de todas as fontes e plataformas. Pelos celulares, pela TV, pela publicidade, pelos aparelhos constantemente conectados do mundo atual. Na era digital de infinitas possibilidades e constante avanço, a música, assim como qualquer outro enlatado de supermercado, vem numa esteira de ultraprocessamento à medida em que a sociedade capitalista também avança. A propaganda, com suas pesquisas e indicadores, é a nova ciência. Com isso, passa-se a utilizar a lógica de produção, inclusive para a democrática e facilmente penetrável arte. As discussões postas na mesa pela geração da pop art e do kitsch a qual Eno pertence captava a subjetivação do fazer artístico diante das possibilidades (e permissividades) do capitalismo. O que Eno sacou em “Another...”, antes de qualquer outro músico pop, era que, com a música, esse efeito de desconexão seria não somente contínuo quanto, quiçá, irreversível. Os sons aos quais todos são bombardeados ao navegar pela internet ou num simples passeio na rua ou num shopping nada mais são, hoje, que fragmentos sonoros cientificamente provocados. Pequenas células de emissão físico-acústica de onde se extrai apenas o que é necessário para a absorção funcional, superficial e fragmentada do homem atual.

Canções pop sem centro tonal, inversão dos efeitos sinestésicos, ruptura radical com o cromatismo. Aqui, faz-se necessário um parêntese temporal, e chega-se ao século XXI e seus novos gêneros: left-field, trap, wonky, vaporwave, lowwecase... Não é nem o que Chico Buarque entende como “fim da canção”, mas, mais do que isso: é a era da “não-música”. Os tempos líquidos teorizados por Baumann foram perscrutados na música em diversos momentos na modernidade. Em conceito, a The Residents não só lançou “Commercial Album”, apenas composto de músicas de 1 minuto de duração para supostos jingles publicitários, como, anos antes, fez o “não-lançamento” de “Not Avaliable”, disco que, ironizando a lógica de mercado, “não devia ser ouvido”. Sonoramente, além da eletrônica, da vanguarda, do jazz ou da new age, dissolvedores do cromatismo clássico, um artista como William Basinski, literalmente diluiu a música em sua “Watermusic”. Mas todos até então buscavam dialogar com o tom, seja pela referência, pela alusão ou pela proposital abstenção. Impreterivelmente. O que Tricky ou MFDoom desmembraram, hoje, Billie Elish faz revelar um novo estado psíquico a que a civilização se levou: a total alienação da tonalidade – menos por conhecimento do que por intenção. Seria, ao invés da música "generativa", a "degenerativa"?

Voltando a "Another...", na arábica “Sombre Reptiles”, Eno traz a alusão ao abstratismo tão presentes nas artes visuais a qual ele mesmo se alinha. Mas, para além disso, reforça a ideia de uma deformação do real. "Little Fishes" ainda mais: frases soltas, quase que apenas para sentir e não ouvir. Gostar torna-se, assim, subjetivo, pois está associado à mimese e não à assimilação por um viés artístico. Absorve-se cognitivamente e não sensorialmente. Qualquer semelhança com os estímulos sonoros de um app de smartphone ou de um vídeo do Tik Tok não é mera coincidência. Nem curtas demais, que não transmitam o efeito pretendido, nem longas demais, que acabem dispersando a atenção da geração do imediatismo.

Diminuta em construção melódica, mas gigante em qualidade é "Golden Hours", outra cantada do álbum, música que, certamente, serviria de inspiração (para não falar de “espelhamento”) a U2 quase 20 anos depois na canção “The Wonderer", que encerra o disco “Zooropa” - nada coincidentemente produzido pelo próprio Eno. É ele que volta a agir sozinho em “Becalmed” (Piano Leslie e sintetizador), talvez a mais ambient de “Another...” e de cujos traços tornaria a valer-se tanto em trabalhos solo seguintes (“Before and After Science”, “Music for Airports”) quanto na de parceiros, como no "lado B” de “Low”, do amigo David Bowie, em 1977. “Zawinul/Lava”, igualmente, remete a este Eno experimental e com o olhar para o Oriente, que aproveita um pequeno motivo sonoro provocador de sensações de contemplação e meditação. 

A bela "Everything Merges with the Night" é uma quase-canção, com a voz bonita de Eno acompanhada do baixo e pianos de Brian Turrington e de sua própria guitarra, não fosse o riff que, mais uma vez, situa-se no limiar da melodia, haja visto que sua predominante dissonância não deixa completar o ciclo sonoro natural ao ouvido. Há sempre algum "problema", seja na duração, na altura, na intensidade ou no timbre, elementos constituidores do tom. Uma provocação à biologia humana. Há um fio melódico, mas Eno deixa-o escapar deliberadamente. Magnífica, "Spirits Drifting" é a conclusão perfeita para um disco que começa esfíngico e termina agravando as próprias interrogações: instrumental, mínima, atonal. Uma combinação de acordes bonita, mas que não desfecha naturalmente, como que deixando um proposital ponto de interrogação.

A música da era da pós-verdade – num planeta das multidões de refugiados, da avançada ciência que favorece as classes dominantes, das persistentes fome e guerras, do mundo capitalista que caminha para a autodestruição ambiental – não é (não pode ser) mais música. Decreta-se a “não-música”. Talvez por isso tudo o disco de 1975 de Eno seja tão precursor e contenha um título tão utópico quanto propositivo. O tom, na concepção dele, nada mais é do que o símbolo de uma ética. Musical, em primeira observância, mas ecológica amplamente falando. Ao fincar suas bases na tradição – porém, problematizando-a –, o artista remonta a séculos de uma construção formal e estética a qual acredita fortemente que jamais deve se perder, mesmo que em um “outro mundo verde” muito disso tenha ficado para trás. Esperançoso, no entanto, o próprio Eno sustenta a ideia lançada em “Another...”: “O esforço ambiental é o maior movimento da história da humanidade; nunca houve uma única causa que uniu tantos bilhões de pessoas com um objetivo. Pode haver contradições dentro da causa; haverá emoções e derramamentos, mas esperamos que haja alguns resultados positivos para esta ação mundial”. Tomara ele tenha razão.

***********

FAIXAS:
1. "Sky Saw" - 3:25
2. "Over Fire Island" - 1:49
3. "St. Elmo's Fire" - 3:02
4. "In Dark Trees" - 2:29
5. "The Big Ship" - 3:01
6. "I'll Come Running" - 3:48
7. "Another Green World" - 1:38
8. "Sombre Reptiles" - 2:26
9.  "Little Fishes" - 1:30
10.  "Golden Hours" - 4:01
11. "Becalmed" - 3:56
12. "Zawinul/Lava" - 3:00
13. "Everything Merges with the Night" - 3:59
14. "Spirits Drifting" – 2:37
Todas as composições de autoria de Brian Eno

***********

OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Kim Fowley - "I'm Bad" (1972)

 

“Rock and roll é uma explosão nuclear de realidade em um mundo mundano onde ninguém pode ser magnífico.”

“Provavelmente, sou um dos últimos humanos que cheira à imortalidade e magnificência.”
Kim Fowley

O punk e o glitter rock tem muito mais em comum entre si do que as aparências supõem. Se a radicalidade anti-sistema de um confrontava com a conformidade capitalista de outro, no fim das contas, as distâncias não eram tão grandes assim. A New York Dolls, surgida em meio à efervescência tanto de um quanto de outro movimento, foi a mais efetiva junção desses dois gêneros. Seu figurino carregado, casado com o som agressivo e intenso, não deixam mentir. Mas mesmo aqueles mais identificados com o glam, como David Bowie, T. Rex e Roxy Music, seguidamente davam passos com suas plataformas extravagantes pelo lado selvagem trilhado por Velvet Underground, The Stooges, MC5, Dictators e outros precursores do punk. Quem escuta "Suffrgatte City", de Bowie, pode tranquilamente dizer que se trata de uma música da MC5 ou de Johnny Thunders. A inglesa Bauhaus, em sua fase mais punk, antes de darem a guinada dark à sua sonoridade, gravavam "Telegrama Sam" de Marc Bolan apenas acelerando ligeiramente o compasso. O “punk pub” da Dr. Feelgood, igualmente, bem podia ter saído da mente de Gary Glitter.

Estas semelhanças sonoras de intercâmbio entre punk e glitter, entretanto, quando no campo da indústria musical operava de forma bem mais desigual. E quem levava a melhor era, claro, a turma da purpurina, por natureza mais afeita aos holofotes e ao circo do mainstream - o qual não raro era, pelo contrário, odiado e até combatido pela galera de coturno e jeans rasgadas que frequentava o CBGB. Quem sabia transitar por estes dois mundos, o imundo e o radiante, com naturalidade era Kim Fowley. E o fazia por um simples motivo: como um bom roqueiro indolente e narcísico, Fowley não estava nem aí pra um ou pra outro. Rótulos? Que se danem! Fowley queria saber mesmo era de uma boa contradição.

Figura dândi e entrincheirado à turma da glam, este californiano excêntrico e múltiplo se valia de sua imagem outsider e da menor visibilidade na comparação com astros pop como Bowie e Kiss para não se comprometer com classificação alguma. Depois de quatro álbuns solo, “Love Is Alive and Well”, de 1967, “Born to Be Wild”, “Good Clean Fun” e “Outrageous”, os três no mesmo ano de 1968, e “The Day The Earth Stood Still”, de 1970, Fowley chuta o balde e produz o disco que pode ser classificado como "creep glitter" ou “glam maldito”: "I'm Bad". O nome não poderia ser mais sarcástico. Afinal, o que esperar de um artista que se autointitulava "pedaço de merda" e, noutra hora, de “muito mais interessante do que tenho o direito de ser”? Rock n roll na veia.

Fowley, antes de assumir a própria carreira, no entanto, cuidou muito mais da dos outros. Empresário e produtor, deu luz a trabalhos de Alice Cooper, Kiss, The Modern Lovers, Kris Krostofferson e Soft Machine e lançou bandas como a The Runnways, seu mais célebre feito à indústria fonográfica. A bagagem acumulada desde os anos 50 - a qual contava também com experiências com figuras míticas como Phil Spector, Frank Zappa e Gene Vincent - foi trazida para sua obra própria com muita noção de síntese. Rockabilly, psicodelia, R&B, punk, garage, barroco... tudo arrecadado das experiências sonoras e sensitivas de Fowley ao longo dos anos seja como produtor, compositor ou simplesmente ouvinte. Dono de um modo muito eficiente e direto de compor, Fowley chega em “I’m Bad” pronto para forjar um trabalho que não precisa muito para soar como o mais puro rock. Baixo, guitarra e bateria (quando muito, um piano e uma gaita de boca). Para arrematar, a voz ineditamente rasgada de Fowley, Imagine-se em Captain Beefheart cantando como Iggy Pop de “Raw Power”. Ou um Howlin’ Wolf colérico como Rob Tyner. Um Tom Waits três vezes mais rouco e bêbado. Pois é: este é Kim Fowley em “I’m Bad”. Ele nunca havia cantado assim por mais de raras frases de algumas músicas anteriores. Grave, cavernoso, áspero, ruidoso. Voz de homem "mau”.

“Queen Of Stars” abre os trabalhos dando o recado que Fowley estava determinado a passar. Riff simples a la Stones e uma bateria marcada e ligeira, "pogueante". Uma guitarra na base e outra fazendo contraponto ou solando. Um baixo firme no comando. Uma bateria seca. Tudo sujo, sem requintes de produção. E isso basta. “Forbidden Love”, mais cadenciada, tem a slide guitar arábica e aguda de Warren Klein sobre uma levada nos chipôs da bateria de Dreshan Theaker. Exímio produtor que era, Fowley usa de um artifício muito interessante ao transformar o som de ar comprimido de um sintetizador com a emissão do sopro dos próprios pulmões. Isso, para terminar a faixa imitando estranhos grunhidos de porco (!).

Já “Man Of God” volta à pauleira, tanto na pulsação quanto na simplicidade inteligente do riff. O baixo de Peter Sears é um dos destaques. Interessante notar que a produção não é nada sofisticada, até grosseira, com visível desleixo, ainda mais sendo produto de alguém que sabe como poucos operar uma mesa de estúdio. Neste caso, a sujeira é totalmente proposital para demarcar essa ponte entre punk e glitter rock – a qual Fowley acabava de dinamitar. “Human Being Blues” é bem isso: um blues glam ao estilo do que Bowie e Slade inundariam as rádios naquele mesmo ano de 1972. A faixa-título, na sequência, não podia ser mais simbólica. Ouvir Fowley quase se esgoelando para dizer “I’m so bad” sobre os estampidos secos de Theaker e as guitarras rascantes é didático para qualquer músico do rock até hoje.

Com outro grande riff, que conjuga as duas guitarras e o baixo, “California Gypsy Man” é mais um blues-rock envenenado, enquanto a deliciosa “It's Great To Be Alive”, com seu pianinho maroto, resgata o rocker Fowley forjado no rock dos anos 50. Os Ramones certamente adorariam ter escrito essa música. “Red China”, outro bluesão carregado, traz a guitarra de Klein como protagonista e apenas um leve efeito na bateria, um pequeno detalhe para a sonoridade invariavelmente crua do disco. 

No seu estilo ambíguo, Fowley abre “Gotta Get Close To You” sentenciando a divergência: “Life/ Death/ Low/ Loud”. Outra levada de baixo empolgante de Sears, com as guitarras tanto a solo de Klein quanto a de Mars Bonfire, encarregado da base, improvisando sobre a cadência blueser. Fowley, em sua rouquidão espasmódica, faz lembrar o canto de Dr. John, só que bem mais endemoniado. Para finalizar, o autor não dá respiro e convoca os deuses negros do blues californiano para um encerramento contagiante. Guitarras extasiadas. Piano estraçalhando acordes. Baixo suingado. Canto performático. 

Fowley, morto em 2015, vítima de um câncer na bexiga, definitivamente não veio para explicar e, sim, para confundir. Controverso e polêmico, haja vista as desavenças com Joan Jett e acusações de abuso sexual que pesavam sobre ele por parte das The Runnways, até o final da vida disse tudo o que queria e também desdisse tudo o que queria. Glam, punk, pós-punk, garage, new wave... Para o inferno com todas essas convenções! O negócio de Fowley, conhecido como “lorde do lixo”, era cumpriu a ingrata missão dos roqueiros de verdade neste mundo. Mundo que talvez não os mereça, mas eles, homens maus como Fowley, contrariam e rolam suas pedras musicais mesmo assim. O mundo que aguente tamanha grosseria. E poesia.

**************
FAIXAS:
1. “Queen Of Stars” - 3:31
2. “Forbidden Love” - 3:40
3. “Man Of God” - 3:39
4. “Human Being Blues” – (Kim Fowley, Skipp Battin) - 3:13
5. “I'm Bad” - 2:47
6. “California Gypsy Man” (Fowley, Lorne DeWolfe) - 4:15
7. “It's Great To Be Alive” (Fowley, Rodney Bingenheimer) - 3:02
8. “Red China” (Fowley, Battin) - 2:45
9. “Gotta Get Close To You” - 2:05
10. “Let It Loose” - 4:33
Todas as composições de autoria de Kim Fowley, exceto indicadas

**************
OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues