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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Discos para (e de) quarentena


A Queen, isolada numa
fazenda para gravar sua
obra-prima
Nesse período de isolamento em casa pela Covid-19, de todo lado surgem listas com indicações do que se ler, assistir e, bastantemente, ouvir. De playlists a discos, muitos recorrem à música pra aliviar a barra da clausura forçada. Eu mesmo colaborei com uma seleção recentemente para o site AmaJazz sobre os discos de jazz que 50 pessoas escolheram para escutar na quarentena – o meu, aliás, foi "The Real McCoy", de McCoy Tyner, a pouco resenhado por mim para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do blog.

Mas o que ainda não ouvi falarem são os discos não necessariamente próprios para este momento, mas os FEITOS em isolamento. Seja no estúdio improvisado na própria casa, num apartamento fechado, numa mansão isolada da civilização e até num hospício ou cadeia. Tem de tudo. Não é novidade que artistas em geral busquem essa condição de recolhimento para se concentrar, principalmente quando intentam um projeto novo. Porém, geralmente isso ocorre de maneira controlada e adaptada a um fluxo rotineiro. Aqui, não. Falamos de exemplos da discografia do rock, da MPB, da black music e do jazz concebidos ou gravados em condições extremas de afastamento de qualquer outra coisa que pudesse interferir além da própria criação musical. Tamanho foco não raro acarretou em trabalhos brilhantes, sendo alguns bastante recorrentes em listas de melhores em vários níveis.

Woodland, a casa que viu nascer
"Trout...", da Captain Beefheart
Mesmo que o motivo para se isolar destes discos não seja o de um perigo à saúde como hoje, cada um deles é, a seu modo e motivo, também fruto de um momento necessário de reflexão. Se seguirmos o termo pelo que diz o dicionário, "reflexão", do latim tardio, quer dizer "ato ou efeito de refletir algo que se projeta". Música, assim como toda arte, não é exatamente isso?

Aqui, então, uma listagem que serve como dicas para audição nestes dias com 15 discos cujo processo de isolamento lhes foi essencial para serem concebidos, mesmo que a própria sanidade mental de seus autores tenha sido, em certos casos, comprometida para que isso ocorresse (se é que já não estava). Se a nossa saúde física está em perigo atualmente, a discografia musical, diante dessa (aparente) contradição entre “liberdade” e “prisão”, é capaz de sanas nossas mentes.


*****

1. “Os Afro-Sambas” – Baden Powell e Vinícius de Moraes (1966)
Local: Casa de Vinícius de Moraes, Parque Guinle, Laranjeiras, Rio de Janeiro, Brasil

Já resenhado aqui no blog, é o exemplo clássico na música brasileira de confinamento que deu certo. Mas não um isolamento para ficar limpo ou longe da família e das tentações. Os instrumentos de home office foram o poderoso violão de Baden, o papel e a caneta de Vinícius e um engradado de whisky 12 anos. “Eu fiquei tão entusiasmado que passamos uns três meses completamente enfurnados”, disse Vinícius sobre a temporada em que abrigou Baden em seu apartamento no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, para comporem as mais de 50 canções que resultariam n”Os Afro-Sambas”. Depois da concepção, foi só lapidar em estúdio com as intensas percussões, os arranjos e regência do maestro César Guerra-Peixe e as participações vocais do Quarteto em Cy e de Dulce Nunes. Como Cly Reis bem colocou na resenha de 2013, “Os Afro-Sambas” é “uma perfeita mescla de técnica, poesia, brasilidade, africanidade, sincretismo, tradições, folclore e genialidade em um trabalho que leva ao limite a multiplicidade e as possibilidades dentro da linguagem do samba e das vertentes da música brasileira desde suas mais remotas origens”.

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2. “Music from Big Pink” – The Band (1968)
Local: "Big Pink", West Saugerties, Ulster, Nova York, EUA

Ia tudo bem com os canadenses Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel em 1966. Eles formavam o grupo de apoio de Bob Dylan no clássico “Bringing It All Back Home” e revolucionavam o folk rock ao eletrificá-lo de forma inequívoca. Mas o perigo está sempre à espreita. Não demorou muito para que as reações contrárias viessem e as vibrações ruins dos conservadores da música norte-americana afetassem tanto Dylan, que o fizeram se acidentar de moto. Fim da linha? Não, pelo contrário: fase superprodutiva. Com músicas até sair pela orelha, os rapazes da The Band alugam uma casa de cor rosa em West Saugerties, uma pacata vila no Condado de Ulster, em Nova York, e concebem seu primeiro e histórico álbum, metalinguisticamente chamado de “música da grande casa rosa”. Resultado: “Music...”, cuja capa reproduz um óleo da autoria de Dylan, é classificado como 34º melhor disco pela Rolling Stone's entre os 500 maiores de todos os tempos. Não precisa dizer mais nada.


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3. “Trout Mask Replica” – Captain Beefheart & His Magic Band (1969)
Local: Woodland Hills, Ensenada Drive, Modesto, Califórnia, EUA

O blueser vanguardista Don Van Vliet já havia dado ao mundo do rock dois discos memoráveis com sua Captain Beefheart: Safe as Milk (1967) e Strictly Personal (1968). Mas um filho musical de Frank Zappa como ele jamais se contenta com o que já fizera. Movido por um desejo artístico superior, Vliet fez, então, “Trout...”. Reproduzo o parágrafo que abre a resenha que escrevi em 2013 sobre este disco aqui para o blog, pois vai na essência do que essa obra representa: “Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano. Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock, tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo sem um acorde sequer de piano. (...) Talvez o trabalho que melhor tenha fundido rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira ‘obra de arte’, um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.”

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4. “Gilberto Gil” - Gilberto Gil (1969)
Local: Quartel da Vila Militar, Deodoro, Rio de Janeiro, e domicílio-prisão, Rua Rio Grande do Sul, Pituba, Salvador, Brasil

Antes de “Changin’ Time”, do norte-americano Ike White (que falaremos logo adiante), outro grande disco cunhado em regime de cárcere era produzido, infeliz ou felizmente, no Brasil. Foi em 1969, nos anos de ditadura militar. O que se tem a celebrar desse capítulo triste da história brasileira é que nem a repressão foi suficiente para impedir que a genialidade de Gilberto Gil produzisse um álbum grandioso tanto em qualidade quanto em simbologia e resistência. O supra-sumo do tropicalismo. E ainda num ínterim tenso e degradante. Em prisão domiciliar em Salvador após meses encarcerado no Rio de Janeiro e quatro meses antes de embarcar para o exílio em Londres, Gil lançou mão apenas de seu violão e de sua voz para gravar as bases de todas as músicas que comporiam seu novo álbum. Nove preciosidades que, quando foram parar nas mãos de Rogério Duprat para que este as produzisse e as vestisse com os outros instrumentos e orquestrações, seu autor já estava em pouso forçado no Velho Mundo. O antropólogo Hermano Vianna observa, abismado, que "Gilberto Gil" “é quase um milagre que tenha sido produzido e lançado”. Milagre maior é saber que desse disco há obras como “Aquele Abraço”, “Futurível”, “Cérebro Eletrônico” e “Volks Volkswagen Blues”.

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5. “Barrett” – Syd Barrett (1970)
Local: Fulbourn Hospital, vila de Fbridbourn, Cambridgeshire, Inglaterra

Syd Barrett é daqueles gênios que nunca bateram muito bem. A capa, desenho dele, denota esse ínterim entre a loucura e a mais graciosa sanidade. Ao mesmo tempo em que produzia coisas incríveis, como a marcante participação (e fundação!) na Pink Floyd, era capaz de cair num estado vegetativo indissolúvel. A esquizofrenia era ainda mais comprometida pelo uso de drogas pesadas. Tanto que, logo depois de “The Piper at the Gates ofDown”, de 1967, o de estreia da banda, Roger Waters e David Gilmour assumiram-lhe a frente. Mas não sem desatentarem do parceiro, que gravaria logo em seguida o também lendário “The Madcap Laughs”. Gilmour, aliás, amigo e admirador, fez o que poucos fariam para manter viva aquela chama: montou um estúdio em pleno manicômio, em que Barrett fora internado, em 1969, para que o “Crazy Diamond” registrasse sua obra mais bem acabada antes que sua mente se deteriorasse e o impedisse disso para sempre. Foi, aliás, exatamente o que aconteceu com Barrett, morto em 2006 totalmente recluso e sem ter nunca mais entrado num estúdio com regularidade. Antes, graças!, deu tempo de salvar “Barrett”, dos discos cinquentões de 2020.

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6. “Led Zeppelin IV” – Led Zeppelin (1971)
Local: Headley Grance, East Hampshire, Inglaterra

Era comum a galera do rock dos anos 60 e 70 dar umas escapadas sabáticas para ver se conseguiam fugir um pouco burburinho de fãs e executivos e produzir algo que lhe satisfizesse. Acabou sendo o que aconteceu com a Led Zeppelin para a produção daquele que foi seu mais celebrado disco: o “IV” (ou "Four Symbols", ou "ZoSo" ou "o disco do velho”). Em dezembro de 1970, a banda se reuniu no recém-inaugurado Sarm West Studios, em Londres, para a pré-produção de seu até então novo álbum. Só que não. Outra banda, a Jethro Tull, havia chegado primeiro. O quarteto Page/Plant/Bonham/Jones decidiu, então, por sugestão dos integrantes de outra grande banda inglesa, a Fleetwood Mac, finalizar a produção no pequeno estúdio da Headley Grance, uma mansão de pedra de três andares em East Hampshire, no meio do nada, com fama de mal assombrada mas com uma acústica incrível. Prova do acerto na escolha do lugar para a gravação é o som da bateria de Bonham em "When the Leevee Breaks", gravada, com microfones-ambiente na base da escadaria da casa. O resultado é um som trovejante e uma das introduções de bateria mais marcantes de todos os tempos. Fora isso, o local viu nascerem alguns dos maiores clássicos do rock de todos os tempos, como "Black Dog", "Rock and Roll", "Stairway to Heaven" e "Four Sticks".

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7. “Exile on Main St.” – The Rolling Stones (1972)
Local: Mansão Nellcôte, Villefrance-sur-Mer, Costa Azul, França

Sabe tudo que se fala do caos que foi o set de filmagens de “Apocalypse Now”, do Coppola, com drogas, sexo, atrasos, grana desperdiçada, crises e, claro, o isolamento de toda a equipe  do filme numa floresta quente e úmida? Algo semelhante foram as gravações de Exile...”, dos Rolling Stones. Troca-se apenas a úmida floresta asiática pela da famosa Nellcôte, mansão localizada na mediterrânea Villefrance-sur-Mer, Sul da França, que presenciou, entre 10 de julho a 14 de outubro de 1971, um festival de sexo, drogas e muito, mas muito rock ‘n’ roll. Quase ninguém saía nem entrava, a não ser traficantes e groupies para animar as noites viradas. Os atrasos, como no filme, foram decorrência, o que, aliás, também fez gastar tempo e dinheiro. No que se refere à crise, foi uma financeira que fez a banda fugir da Inglaterra para aquele lugar longe de tudo – principalmente do fisco. Cenário perfeito para sair tudo errado, certo? Se o filme de Coppola venceu a Palma de Ouro e virou o maior filme de guerra de todos os tempos, “Exile...”, a seu tempo, se transformou no melhor disco dos Stones – o que é quase dizer que se trata do melhor disco de rock de todos os tempos.



8. “Rock Bottom” – Robert Wyatt (1974)
Local: Little Bedwyn, vila de Wiltshire, Inglaterra

O segundo disco solo do inglês Robert Wyatt, então baterista da Soft Machine, é outra experiência radical de isolamento forçado. Porém, esta se deu por um motivo limite: um grave acidente. Na noite de 1º de junho de 1973, em uma festa regada a Southern Comfort COM tequila (receita ensinada pelo parceiro de bebedeira Keith Moon), Wyatt, depois de incontáveis doses, não percebeu que saía a pé por uma janela, despencando sem escalas direito do quarto andar rumo ao chão. Ele acordou só no outro dia numa cama de hospital sem movimentar as pernas nunca mais a partir de então. Quando ele finalmente conseguiu se sentar em uma cadeira de rodas, um dos primeiros objetos que encontrou no hospital foi um velho piano na sala de visitas, onde começou a trabalhar no material de “Rock Bottom”, algo como “fundo do poço”. Após um período difícil de adaptação à sua nova condição, ele começou a gravar faixas no início de 1974 em uma fazenda em Little Bedwyn, numa pacata vila de Wiltshire, sudoeste da Inglaterra, alavancando a unidade de gravação móvel da Virgin Records, estacionada no campo do lado de fora da casa. Para o crítico musical e historiador italiano Piero Scaruffi, “Rock...”, cuja soturna arte da capa também é de autoria de Wyatt, é uma das 15 obras mais importantes da música moderna na segunda metade do século XX.



9. “A Night at the Opera” – Queen (1975)
Local: Rockfield Studios, Rockfield Farm, Monmouthshire, País de Gales

A história desse disco é tão legal, que virou uma das melhores sequências do premiado filme “Bohemian Rhapsody” - faixa, aliás, que exprime com grandeza a importância e qualidade ímpar do disco da Queen. Depois do sucesso dos primeiros álbuns com o grupo e recém contratados por uma grande gravadora, a banda sabia que tinha que trazer algo melhor e novo no álbum seguinte. Pois Freddie Mercury, em alta efervescência criativa, convence o restante do grupo a se instalar temporariamente na Rockfield Farm, uma pequena vila no sudeste do País de Gales, longe do burburinho dos fãs e, principalmente, de qualquer influência que o desviasse do objetivo de fazer, sem modéstia, uma obra-prima. Se a gravadora achou ousado demais e houve críticas à mistura de música clássica com rock, não importa. O fato é que “A Night...” logo estourou, entrou para a lista dos mais vendidos e saiu bem àquilo que Freddie intentava: uma obra-prima.



10. “Changin' Times” – Ike White (1976)
Local: Tehachapi State Prison, Tehachapi, Califórnia, EUA

Se o assunto é disco produzido e gravado num ambiente fechado, “Changin’ Times”, de Ike White, vai ao extremo. Músico prodígio, hábil com vários instrumentos e de uma capacidade compositiva sem igual, ele poderia ter sido um dos grandes astros da black music norte-americanos, no nível de James Brown, Isaac Hayes ou Curtis Mayfield. Só que o destino cruel quis que aquele homem negro tão talentoso quanto pobre fosse sentenciado por um homicídio e passasse a maior parte da vida na cadeia. Mas foi dentro de uma, a penitenciária de Tehachapi, uma pequena cidade no interior da Califórnia, que White, em 1976, ajudado por Stevie Wonder e pelo produtor Jerry Goldstein, revelasse ao mundo aquele é um dos melhores discos da música soul de todos os tempos, o acertadamente intitulado “Tempos de Mudança”. Esses dados são adivinhados pelos agradecimentos na capa do álbum ao superintendente Jerry Emoto, do Departamento de Correções da Califórnia, e ao restante da equipe da prisão "sem cuja ajuda esse projeto não poderia ter sido realizado". E não há mais informações sobre Ike White. Nada. Ano passado, o documentário “The Changin' Times of Ike White”, de Daniel Vernon, revelou alguma coisa mais do pouco que se sabe sobre a lenda Ike White. Porém, ouvindo um disco tão maravilhoso quanto este talvez se conclua que seja isso mesmo tudo que se precise saber.



11. “Bedroom Album” – Jah Wabble (1983)
Local: Dellow House, Dellow Street, Wapping, East London, Inglaterra

Dellow House, sito ao logradouro de mesmo nome, área urbana da Grande Londres, código postal E1. Este é o endereço em que o lendário baixista britânico Jah Wabble gravaria um de seus discos mais influentes para a galera do pós-punk, entre eles, Renato Russo, que ovacionava este álbum. Porém, nem mesmo todas essas indicações geográficas são suficientes para apontar precisamente onde o disco fora concebido, produzido e gravado: o próprio quarto de Wabble. Aliás – assim como o já citado disco da The Band – o título, "Bedrom Album", mais claro, impossível. Depois de ter ajudado John Lydon e sua trupe da Public Image Ltd. a definir o som dos anos 80 e 90, Wabble, não dado por satisfeito e dono de uma carreira solo que passa desde a música eletrônica ao free funk, fusion, experimental e new-wave, faz seu o melhor trabalho até hoje. As linhas de baixo graves e mercadas ganham toda a relevância nos arranjos, que tem como aliada a guitarra do parceiro Animal (Dave Maltby). Os outros instrumentos, todos a cargo do dono do quarto. Semelhanças com a sonoridade da P.I.L., há, como na brilhante “City”, nas arábicas “Sense Of History”, “Concentration Camp” e “Invaders of the Heart”. Uma aula de como fazer um disco brilhante sem sair da cama.

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12. “Blood Sugar Sex Magik” – Red Hot Chili Peppers (1991)
Local: The Mansion, Laurel Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA

A The Mansion, antiga construção na montanhosa Laurel Canyon, em Los Angeles, era lendária e assombrada. Nas décadas de 1960 e 1970, muitos artistas famosos como Mick Jagger, David Bowie, Jimi Hendrix e The Beatles estiveram nela. Conta-se que, nos anos 20, seus donos a abandonaram depois que um homem morreu caindo de sua varanda. Há quem afirme que, quando esteve em seus corredores, as portas se abriam sozinhas. Era o cenário perfeito para que os malucões da Red Hot gravassem "BSSM", seu quinto e mais festejado álbum. Os 30 dias em que Anthony Kiedis, Flea, John Frusciante e Chad Smith se mudaram para a mansão pertencente ao produtor Rick Rubin foram essenciais para que criassem clássicos e hits do rock como "Give It Away", "Under The Bridge", "Suck My Kiss" e "Breaking the Girl". Funk, punk, heavy metal, indie, jazz fusion, pop. Tudo junto e misturado no disco que, junto de “Nevermind”, do Nirvana, fez o rock alternativo sair das cavernas e ir para as paradas.



13. “Wish” – The Cure (1992)
Local: The Manor Studio, Shipton Manor, Oxfordshire, Inglaterra

A The Cure também teve a sua vez de reclusão. Foi para a gravação de “Wish”, de 1991. O trabalho anterior, o celebrado “Disintegration”, foi um sucesso de crítica e público, mas bastante tempestuoso durante as gravações. Último disco com o então integrante formador Lawrence Tollhust, muito desse clima se deve à relação já bastante estremecida dele para com Robert Smith e outros integrantes da banda. Já sem ele, decidem, então, se enfurnar numa mansão em estilo Tudor em Oxfordshire, interior da Inglaterra, a chamada Shipton Manor. Um lugar espaçoso, cheio de espelhos enormes, tapetes persas, lareiras e um enorme mural no átrio. A ideia eram justamente, fugir um pouco de toda a polêmica e as complicações em torno do processo que o Tolhurst movia contra Robert Smith e o grupo. A safra foi frutífera, tanto que rendeu um álbum duplo, o último grande da banda, e com o hit “Friday I’m in Love”, que colocou “Wish” nas primeiras posições em várias paradas naquele ano.



14. “Ê Batumaré” – Herbert Vianna (1992)
Local: Antiga residência dos Vianna, Estrada do Morgado, Vargem Grande, Rio de Janeiro, Brasil

Talvez um desavisado que conheça Herbert Vianna hoje, paraplégico por causa de um acidente sofrido em 2001, pense que “Ê Batumaré”, assim como o disco de Wyatt, seja caseiro por motivos de "força maior". Mas, não. À época, quase 20 anos antes daquele ocorrido trágico, o líder e principal compositor da Paralamas do Sucesso, dotado de todas as funções motoras, estava dando uma guinada sem volta na carreira pela influência da música brasileira em sua música (em especial, do Nordeste). Já se percebiam sinais em discos da banda, como “Bora Bora” (1988) e “Os Grãos” (1991), e se sentiria ainda mais no sucessor “Severino”. Gravado, tocado e cantado inteiramente pelo ele em uma garagem sem tratamento acústico e num equipamento semiprofissional (como está escrito no próprio encarte), ouve-se de Zé Ramalho a Win Wenders, de baião a eletroacústica, de rock a repente, além de instrumentos de diversas sonoridades e timbres e, claro, as ricas melodias que sempre foi capaz de criar. O álbum é o centro desta mudança de paradigma que Herbert trouxe à sua música, à de sua banda e ao rock nacional como um todo. Se à época a imprensa brasileira – sempre pronta para criticar os artistas de casa – recebeu o disco com frieza, considerado-o “experimental” (mentira: eles não entenderam!), nunca mais o rock brasileiro foi o mesmo depois de “Ê Batumaré”.



15. “The Downward Spiral” – Nine Inch Nails (1994)
Local: 10050 Cielo Drive, Benedict Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA

Nos anos 90, o avanço da tecnologia dos equipamentos sonoros dava condições para se montar estúdios portáteis onde quer que fosse. Foi então que o multi-instrumentista norte-americano Trent Reznor pensou: “por que não instalar um em plena 10050 Cielo Drive, a mansão nos arredores de Beverly Hills, Los Angeles, em que, na madrugada do dia 9 de agosto 1969, a família Manson assassinou cinco pessoas, entre elas, com requintes de crueldade, a atriz e modelo Sharon Tate, grávida do cineasta Roman Polanski?” O que para alguns daria arrepios, para o líder da Nine Inch Nails foi motivação. Ali ele compôs o conceitual “The Downward Spiral”, disco de maior sucesso da banda. Reznor, que se mudara para a casa, absorveu-lhe o clima macabro para criar uma ópera-rock cheia de ruídos, distorções e barulho em que o personagem principal passa por solidão, loucura, descrença religiosa e repulsa social. Até o estúdio improvisado ganhou nome em alusão àquele trágico acontecimento: Le Pig, uma referência a uma das mensagens deixadas escritas nas paredes da casa com o sangue dos mortos. Se por sadismo ou mau gosto à parte, o fato é que o disco virou um marco dos anos 90, considerado um dos melhores álbuns da década pouco após seu lançamento por revistas como Spin e Rolling Stone.


Daniel Rodrigues
Colaboração: Cly Reis

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

cotidianas #651 - ESPECIAL DIA DAS CRIANÇAS - Nossa senhora



Era meu pai quem exigia de mim e de meus irmãos que, desde pequenos, chamássemos os mais velhos de “senhor” e“senhora”, o que era, naturalmente, praticado dentro de casa. Pelo menos a mim nunca foi um problema, pois a relação entre obediência e liberdade em minha infância e adolescência não passavam somente pela forma de se dirigir a palavra aos outros. Até estranhava ver os coleguinhas chamarem seus pais pelo primeiro nome. Mas para a minha mãe, Iara, talvez mais do que ao meu próprio falecido pai, por algum motivo que apenas intuía este pronome de tratamento combinava-lhe muito.  

Já disse mais de uma vez que minha mãe é uma das grandes responsáveis por ter me tornado um homem das letras, né? Não por ser advogada, mas por um jeito de ser mais sensível. Ela, assim como foram minha madrinha, sua irmã Lurdes, e minha avó paterna, dona Edith, é uma excelente contadora de histórias, o que certamente me inspirou para a vida. Mais do que a boa memória para relembrar fatos remotos, a fineza da construção narrativa e o tino de observar que determinado recorte temporal rende um destaque, um tratamento diferenciado para além do restante da vida cotidiana, por mais banal que este possa parecer, é coisa de gente abençoada com um dom. 

Caso não meu, mas dela, minha mãe. Desde a infância tomada de dificuldades de toda ordem, do financeiro ao machismo, da saúde ao preconceito, da exclusão social à violência doméstica, soube, com uma capacidade divina, transformar fatos melancólicos e tristes em episódios engraçados, graciosos e até fantásticos. Dignos da mais alta literatura de um Tchékov, um Erico, um Joyce. Ou não seria exatamente isso as histórias do cachorro Mac, da visão que teve do Coelho da Páscoa ou do Bob, o cão herói, devidamente recuperadas aqui no blog por meu irmão?

E essa graça especial não aparece só quando ela conta histórias, mas também quando as reconta. Sempre adorei essas repetições, pois não raro surgem elementos novos àquele enredo que realçam ainda mais a oralidade. Pois ocorreu justo isso recentemente, numa dessas recontações dela. O ano era 1966 e a cidade, Porto Alegre. Mas a Porto Alegre dos moradores da periferia – no caso, a vila Cefer, na zona leste da cidade, uma das resistentes áfricas negras da capital gaúcha. Minha mãe, aos 17 anos, frágil de saúde e de condições de vida na casa em que (sobre)vivia com os pais e os vários irmãos, adoeceu. Acometeu-lhe a tuberculose, doença infecciosa estigma de pobreza no Brasil.

A jovem Iara, precisando de tratamento, foi buscar atendimento onde lhe era possível no serviço público: na Unidade Sanitária São José do Murialdo, o Sanatório Partenon. Este Centro Social foi o precursor no Rio Grande do Sul da medicina comunitária para atendimento a pessoas com tuberculose. Ainda hoje em funcionamento na Av. Bento Gonçalves, no bairro Partenon, distancia-se aproximadamente 4 quilômetros da Cefer, Nada tão longe assim, não fosse essa distância ter de ser empreendida a pé pela debilitada jovem. Em plena noite. 

Horas depois, chegou. Já na recepção, a primeira assessoria de Deus. Enquanto aguardava atendimento, os próprios atendentes do Sanatório, sem constrangimento e nem escrúpulos diante de uma mulher jovem, negra e pobre, descaradamente apontavam o dedo em sua direção e cochichavam entre si, soltando olhares de pretensa consternação. Minha mãe estava desenganada pelos médicos e ainda não havia sido informada disso. Porém, a jovem Iara, misto de pureza e da tal assistência divina, não se incomodou com aquela atitude desrespeitosa. Mas não por segurança em si, a qual ainda precisaria muito para erigir, mas porque achou que não era com ela. Naquela sala de espera quase vazia, o destino pôs-lhe às costas, a alguns bancos atrás, um rapaz embriagado, caindo pelas tabelas, todo roto e sujo. Um pobre diabo. Assim, ela safou-se da humilhação, pois, não sabendo de tamanha gravidade de seu próprio caso, entendeu que eram ao infeliz bêbado que se dirigiam os comentários insensíveis dos atendentes. Vejam só.

Mas o pior (ou o melhor) estava por vir. O que era para ser uma consulta virou, dada a gravidade do seu problema pulmonar, em uma internação imediata. Ela precisaria baixar por tempo indeterminado. Acontece que aquela seria a primeira vez que passaria uma noite longe de casa e, ainda, sem poder avisar ninguém, afinal, se ricos já não tinham telefone àquela época, imagina a família da minha mãe. Ficaria ali, por imposição, sozinha e longe da mãe, a minha avó Isaura, seu porto-seguro, pessoa que viveu mais de 70 anos sem acreditar em religião, mas que nem por isso deixou de transmitir aos filhos – e a ela, em especial – um imenso sentido de fé. Mas nem a maior crença do mundo faria com que vó Isaura não ficasse preocupada, se não, desesperada, com a ida sem retorno da filha. Não havia o que fazer, apenas rezar.

Se aquila situação inesperada já seria motivo de aflição para uma menina hoje, imagine para uma adolescente daquela época, doente e despreparada, como a inocente Iara. Sentia-se como uma criança solta no mundo. Medo: foi o que sentiu quando foi posta sozinha num dos espaçosos quartos do andar térreo, cujas amplas janelas envidraçadas expunham apenas um assombroso matagal fechado vizinho ao sanatório. Dava a impressão de ser uma grande tela onde, na cabeça assustada de Iara, podiam surgir de dentro da noite figuras aterrorizantes a qualquer momento. Um filme de terror onde ela era a protagonista.

A sensação era de total desamparo. Total solidão. “O que fazer!”, pensava? Somente com os olhos para fora do lençol, minha mãe pôs-se a fazer outra coisa que sempre soube muito bem além de contar histórias: rezar. Precisava que algo a ajudasse a sair daquela aflita e crítica situação. Foi então que, do tal janelão à sua frente, formou-se uma enorme imagem de Nossa Senhora. Nítida, cândida e iluminada por uma luz até aquele exato momento inexistente. A santa, com olhar firme e tranquilizador, tomava a janela inteira e olhava para ela, Iara, em resposta àquele genuíno pedido de socorro. Minha mãe, como que por um milagre, adormeceu sem perceber. No dia seguinte, um médico sanitarista chamado Moacyr Scliar a atendeu e, contrariando o diagnóstico fatal dado por colegas anteriormente, afirmou-lhe que a ajudaria a recuperar-se. E foi o que fez na prática médica e não só com palavras, embora fosse muito afeito a elas como a própria paciente.

Até aqui, é onde minha mãe sempre nos contou. Qualquer um diria que, dada a maravilha dos fatos, já seria suficiente para encerrar a história. Mas tem mais. Sabe aquela pitada de novo elemento narrativo adicionado por minha mãe às próprias contações a que me referi anteriormente? Pois, então: entra agora. Porém – como também lhe é de costume –, este novo item dialoga, quase sempre, com outra história. 

Desta vez, o ano é 2017, Rio de Janeiro, bairro da Tijuca, mês de fevereiro. Meu irmão havia se acidentado andando de bicicleta na rua, o que o levou a passar por duas sérias cirurgias no cotovelo direito. A horas de receber alta, meu irmão inventou de nos dar um susto tremendo tendo uma embolia. Todos nós recorremos àquilo que aprendemos com dona Iara: a reza. A contrição dela, no entanto, envolveu novamente uma figura abençoada. Da janela do quarto do hospital em que meu irmão estava, minha mãe enxergava a estátua de uma santa (real esta, aliás), a qual ela nem sabia qual era. Prática, pensou: “é tu mesma!”  Vai que tivesse amizade com Nossa Senhora, fosse vizinha de porta ou frequentassem o mesmo clube! E deu certo: foi a esta que minha mãe rogou pela recuperação de meu irmão, mostrando que a sua linha de comunicação com a galera lá do alto continuava em dia mesmo tantos anos depois.

Pois que, a pouco tempo, em suas orações, um raciocínio aparentemente óbvio veio-lhe explicar a graça obtida no passado e na ocasião mais recente. Relembrando-se da inesquecível imagem de Nossa Senhora que lhe salvou quando mais se sentiu desprotegida, minha mãe observou, atrás da santa, uma outra imagem: a de minha avó Isaura em posição de reza. Com as pequenas mãos unidas em gesto de súplica pela filha que, naquele episódio do Sanatório de Porto Alegre, não sabia onde estava. Só pedia, com fé, que Nossa Senhora zelasse.

Foi aí que minha mãe ligou os pontos: a mesma energia que ela enviou a meu irmão para que se recuperasse, foi a que minha avó, sem nenhuma outra alternativa a fazer, emanou a quilômetros de distância para que ela, minha mãe, ficasse bem naquele remota noite de 1966. E em ambos os casos mediado pela mãe de todos, Nossa Senhora, cujo coração abarca e simboliza o maior amor do mundo: o amor de mãe. Nossa Senhora, que é homenageada neste dia 12 de outubro, também celebrado como Dia das Crianças.

No entanto, não é coincidência tanta proximidade no calendário: pouquinho antes da data da santa, comemoramos outra data – pelo menos, na minha família. O dia 11, na véspera, é quando Iara Terezinha Reis Rodrigues completa anos de vida. Hoje, em 2019, especialmente, 70 deles. Setentinha. Após gerar três filhos e cuidar de outros tantos, superar um problema de saúde grave, nutrir um casamento de décadas, ser a primeira a fazer faculdade na família, ganhar uma merecida aposentadoria por anos de serviços prestados ao sistema público e contar e recontar diversas histórias deliciosas de se ouvir, minha mãe chega a este marco da jornada de uma pessoa neste plano. Viva, cheia de gás, sorrisos e coisas a ensinar. A mim, ela deu de presente não só a vida como parte do seu dom da narrativa. Aos meus irmãos, de quem tenho certeza da permissão de falar por eles, sei que também devem tudo a ela. A nossa senhora, assim, no diminutivo, pra não assustar suas colegas lá de cima.


por Daniel Rodrigues
foto: Leocádia Costa
(Parque Lage, set/2019)
(a Iara, Antonio, Clayton e Karine)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Exposições "Oxalá Que Dê Bom Tempo", "Don't You (Forget About Me)" e "Versão Oficial" - MAC Niterói -RJ











O MAC, uma obra de arte por si só.
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói já é por si só uma grande obra de arte e uma visitação é sempre justificada independente do que estiver exposto em seu interior, mas tendo ido ao MAC dia desses com pretexto de um encontro de amigos, acabei por me deparar com três exposições, cada uma interessante sua maneira. A primeira delas, a principal e a mais destacada no espaço é a "Oxalá Que Dê Bom Tempo", da artista Regina Vater, que, bem diversificada no que diz respeito a técnicas e recursos, apresenta pinturas, instalações, fotografias, pinturas, vídeo, propõe uma reflexão sobre as relações de corpo, natureza, tempo e espaço. Bastante instigante e estimulante o trabalho da artista.
Em outra das exposições, "Don't You (Forget About Me)", de menor destaque, no corredor externo da área de exposições, o niteroiense Rafael Alonso com uma espécie de arte pop e ilusões ópticas propõe uma forma menos convencional de se ver a paisagem. Cores vibrantes, formas abstratas e sensações visuais estimulam os olhos e a maneira de reenxergar o que está à nossa volta.
A última delas, bastante diminuta e relegada a um cantinho também no anel externo de circulação, é a "Versão Oficial" que poderia ser a mais interessante delas com um pouco mais de espaço, aprofundamento e melhor apresentação. A pequena mostra organizada pelo pernambucano Bruno Faria destaca capas de LP's com ênfase para seus projetos gráficos e todo o significado que venham a conter (estético, artístico, político, social, etc.) fazendo com que de certa forma, as mesmas passem a limpo a história brasileira a partir dos anos 60. a ideia é boa mas parece-me mal executada. A exposição espremida num final de corredor, sem maiores atenções de estrutura ou informação, emoldurando um toca-discos que tocava clássicos da música brasileira, no fim das contas ficou parecendo mais uma banca de discos usados. Vi que havia atrás dos discos, nas paredes alguma informação sobre a obra mas não fica claro para o visitante se ele pode retirar o objeto do lugar e mesmo assim, quando se retira, ao recolocar ele fica instável em sua fixação e o interessado logo se intimida em não deixar cair outros como fatalmente terá acontecido com algum. Mas para mim, adorador de música, da discografia nacional e apreciador da arte das capas de álbuns, mesmo com todos os defeitos ainda assim foi bastante interessante e válida tendo lembrado muto uma seleção feita pelo ClyBlog há não muito tempo atrás sobre as melhores capas de discos do Brasil em todos os tempos..
Além das exposições, o museu ainda apresenta um pequeno espaço interativo para as crianças "brincarem" de arte com lápis de cor, cordas e com os elementos orgânicos como conchas, pedras e grãos numa extensão da exposição da artista Regina Vater.
Como eu disse no início, se nada disso lhe interessar, se não é seu tipo de arte, não vê graça nessas coisas, o próprio MAC e a maravilhosa paisagem que se pode apreciar dele já são motivos suficientes e válidos para uma visita.


A instalação que dá nome à exposição de Regina Vater,
"Oxalá que dê bom tempo"

Os elementos naturais e orgânicos na obra de Regina Vater:
"Mar de Tempo", pedras em um recipiente cerâmico

As naturezas vivas de Regina Vater

O tropicalismo presente na obra da artista com "Mulher Mutante"

Série fotográfica da artista

Instalação "Cascavida", foló com cascas de ovos 


A forma da mulher misturando-se à da paisagem.

Aqui o trabalho de Rafael Alonso e sua
"Don't You (Forget About Me)"

O olho e apercepção desafiadas na obra de Rafael.

Este blogueiro tendo como fundo as obras da exposição
(foto: José Júnior)


A exposição "Versão Oficial" e a convergência com a de Regina Vater,
o Tropicalismo

Capas de discos que contam não somente a história da música do Brasil,
como a da arte, comportamento e sociedade.

Alguns dos trabalhos mais importantes e expressivos
da arte de dar imagem a um álbum expostos em "Versão Oficial"

O espaço bastante exíguo e espremido
passa uma sensação de se estar num sebo de discos usados.

A agulha no vinil
(foto: José Júnior)


No espaço infantil das artes, papai blogueiro fazendo arte
com sua melhor criação artística
(foto: José Júnior)


Pedriscos, cascas, sementes e uma obra de arte
(foto: José Júnior)

Lá de cima, do vidro inclinado da "nave", pode-se ver a praia lá embaixo.
(foto: José Júnior)



texto: Cly Reis
fotos: Cly Reis e  José Júnior

segunda-feira, 13 de março de 2017

ARQUIVO DE VIAGEM – Caminho Niemeyer - Niterói/RJ – 04/01/2017




“Não foi difícil projetar para Niterói, porque esta é uma cidade de orla tão bela que possibilita a criação a céu aberto, como um itinerário cultural e religioso.” 
Oscar Niemeyer

Já havia ido duas vezes a Niterói por conta, obviamente, do Museu de Arte Contemporânea, o MAC, aquele monumento que a cidade carioca abriga. Entretanto, sempre tivemos curiosidade de conhecer também o Caminho Niemeyer, altamente recomendado por concentrar o segundo maior conjunto arquitetônico assinado por esse genial brasileiro depois de Brasília, e também por estes serem alguns de seus últimos projetos construídos. Aliás, Oscar Niemeyer nos é um dos fatores turísticos mais instigantes sempre que viajamos, e isso em várias partes do mundo. Embora conheçamos pessoalmente apenas algumas delas e apenas brasileiras, todo local que conte com construções suas, seja São Paulo, Belo Horizonte, Tel Aviv, Paris, Milão ou Nova York, são, se não pelo óbvio, destinos turísticos interessantes também por conterem obras do arquiteto em suas paisagens.

Pois é a paisagem litorânea de Niterói, beirada à Baía de Guanabara e a qual se contempla a cidade do Rio de Janeiro ao fundo, que faz cenário para o Caminho Niemeyer, que finalmente visitamos Leocádia, Carolina e Iara em nossa estada no Rio em dezembro. Ao todo, ali na Praça Popular de Niterói, são 3 prédios – sem contar com o administrativo, simples mas bonito: a Fundação Oscar Niemeyer, o Memorial Roberto Silveira e o Teatro Popular de Niterói. Mas ao longo da orla da cidade há também outros edifícios espalhados: o Terminal de Barcas de Charitas, o Centro Petrobras de Cinema e a Praça JK. Da catedral da cidade, que deve ser erguida, vimos o lindo projeto: um alto prédio que remete a um galero religioso.

O exuberante teatro com formar que
lembram o corpo feminino
Embora não tenhamos conseguido entrar em nenhum deles, visto que fomos num horário da manhã que não havia nenhum funcionamento, admirar os prédios e integrar-se com eles já vale a visita à Praça. O Teatro Popular é um desbunde. Com traços artísticos que lembram o curvilíneo corpo feminino, dialoga com outras de suas últimas obras, como o Museu Oscar Niemeyer (MON), de Curitiba. É o prédio que mais interage com a natureza da Baía entre todos dali, até pela proximidade com o mar. Isso se percebe tanto no foyer inferior, com pilotis espaçados que lhe conferem profundidade e amplitude, quanto no andar de cima, entre o mural com a marcha do MST e a entrada para o teatro. O desenho da bailarina, o mesmo do MON, está lá em impressão feita sobre os ladrilhos. Por falar no traço de Niemeyer, o espetacular mural, propositadamente incompleto, traz a ideia das transformações sociais ainda em curso em que o povo virá a protagonizar na ideia sonhadora do comunista Niemeyer. O Teatro traz ainda os vidros escuros que abrem “olhos” na arquitetura, mesmo material usado nos outros prédios, dando unidade ao complexo.

O Memorial Roberto Silveira lembra bastante a Oca do Ibirapuera, em São Paulo, e o Museu Nacional da República Honestino Guimarães, de Brasília, mas num formato menor, como uma pequena nave espacial branca ali assentada. Já o da Fundação Oscar Niemeyer – cujo conteúdo original fora transferido para a sede da mesma em Brasília, estando atualmente funcionando uma sessão administrativa da prefeitura de Niterói – foi possível subir a rampa curva e admirar o olho d'água logo abaixo, que dialoga com a Baía de Guanabara  (assim como, mais adiante mas dentro do mesmo complexo de obras, o MAC o faz novamente, porém espelhando do alto do morro a água do mar).

Não deu pra tirar mais fotos, que o sol começou a ficar castigante a certa altura, mas esses registros aqui dão noção do quão deslumbrante é.

Espaço amplo do foyer com vista para a cidade do Rio

Leocádia integrando-se à arquitetura do Teatro do Povo

Eu em frente ao belíssimo painel desenhado por Niemeyer em homenagem à luta no campo

Caminhando em direção à Oca

Na entrada do Memorial Roberto Silveira 

Mais um detalhe do fabuloso Teatro, as bailarinas, as mesmas vistas no MON, em Curitiba

Na rampa de acesso ao prédio da Fundação Niemeyer


texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa, Carolina Costa e Daniel Rodrigues