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segunda-feira, 21 de março de 2022

Suzanne Vega - “99.9 F°” (1992)

 

“'Foi muito emocionante trabalhar com ele, porque a música era sua paixão e ele sabia muito sobre isso.”
Suzanne Vega sobre Mitchell Froom, em entrevista de 2017

"Você me parece/
Como um homem/
A ponto de queimar/
99,9 graus Fahrenheit"
Da letra da faixa-título

Dizem que as paixões são febris. Intensas, podem durar pouco como o fulgurante instante de um gozo, mas nem por isso - na verdade, inclusive por isso – deixam de ficar marcadas para sempre na pele de quem sente. E quando se juntam paixão carnal e espiritual, então! Aí o ser humano atinge o raro momento de completude. Suzanne Vega pode dizer que viveu um momento assim há exatos 30 anos. Cantora e compositora de mão cheia e poetisa afiada, esta nova-iorquina filha de um escritor e de uma professora traz na voz doce e afinada a pronúncia cristalina de um inglês o qual se vale com sensibilidade e inteligência literária, buscando referências tanto nas feministas quanto na geração beat. De ouvido raro, adiciona ainda à sua musicalidade a música brasileira, latina, celta e do Oriente. Foi com essa personalidade única que Suzanne surgiu com seu folk pop para o showbizz no elogiado disco de estreia, em 1985. 

No entanto, já no segundo trabalho, “Solitude Standing”, de dois anos depois, aconteceu-lhe o que todo artista pop almeja: fama. O hit “Luka”, 3º lugar na Billboard Hot 100 e indicado a Grammy em três categorias, estourou e tornou-a mundialmente conhecida. Porém, perigosamente estigmatizada. Suzanne Vega havia virado sinônimo de “Luka”. O que poderia ser bom para muito artista descompromissado com sua obra, para alguém como ela, que sabia ter muito ainda a dizer, definitivamente não era. Parafraseando a letra da própria música, Suzanne precisava sair daquele mesmo segundo andar em que Luka morava e mudar-se para outro lugar longe dali. 

Depois de “Solitude...”, veio ainda o belo “Days of Open Hand”, de 1990, nova parceria com o produtor e arranjador Anton Sanko, com quem havia obtido o seu até hoje maior êxito comercial. Mas Suzanne sentia que precisava de algo mais, algo que a movesse, que a desacomodasse. Que fizesse pulsar seu coração de forma diferente. Uma paixão. Foi então que o destino lhe pôs na frente o músico e produtor Mitchell Froom, que havia trabalhado com Elvis Costello e Los Lobos. Suzanne e Froom identificaram-se, apaixonaram-se e passam a viver sob o mesmo teto, tanto do estúdio quanto de casa. Num intervalo de 6 anos, casaram-se, tiveram uma filha, Ruby, e produziram dois discos, os melhores da carreira de Suzanne: “Nine Objects of Desire”, de 1996, e o primeiro em colaboração: o não coincidentemente intitulado “99.9 F°”: a temperatura do corpo, correspondente a 37,72°C, a partir da qual pode-se considerar que alguém está com febre.

O disco, de fato, respira essa ruptura artística e pessoal de Suzanne, que urgia mostrar isso. O recado é dado já no primeiro verso de “Rock in this Pocket”, a impressionante faixa de abertura em que ela diz elegantemente, como lhe é característico, mas de maneira abertamente confessional: "Desculpe/ Se eu puder/ Volte sua atenção/ A meu caminho/ Um momento/ Eu não vou implorar/ Não é muito/ É o que eu preciso". E que refrão! (“And what's so small to you/ Is so large to me/ If it's the last thing I do/ I'll make you see” - “E o que é tão pequeno para você/ É tão grande para mim/ Se é a última coisa que eu faço/ Eu vou fazer você ver”). A ideia do álbum está já toda ali, em brasa: sonoridade moderna, discurso intimista, texturas, poesia e a evolução conceitual de uma artista parindo a si própria para uma nova vida.

Em “99.9F°”, mantém-se a seresteira da tradição voz e violão e a criadora de "chicletes de ouvido" melodiosos, mas adiciona a isso a visão de uma mulher madura, sensualizada e de veias pulsantes. É esta a ideia da brilhante “Blood Makes Noise”, em que uma programação eletrônica engendra um ritmo que supõe o som de um fluxo sanguíneo, como se fosse possível captar - e transformar em música - a sensação de um corpo afogueado de tesão, de urgência. A sonoridade dá forma a esta nova proposta na injeção pertinente de sons sintetizados, vestindo a música naturalmente criativa dela com uma roupagem moderna. Longe da singeleza melancólica de “Luka”, dá pra ouvir até os respiros de Suzanne enquanto canta este rap estilizado e potente: “Mas o sangue faz barulho/ É um zumbido no meu ouvido/ O sangue faz barulho/ E eu não posso ouvi-lo/ No espessamento do medo”.

O excelente clipe de "Blood Makes Noise"
dirigido pelo alemão Nico Beyer

A faixa-título, por sua vez, leva ainda mais às entranhas a dicotomia carne/espírito. Se “Blood...” emula através de sons mecânicos a ideia de um organismo vivo, “99.9° F” reconduz a artista a origens selvagens, instintivas. Numa espécie de tribal pop, Suzanne dança nua em plena floresta para atrair o seu amor: “Algo legal/ Contra a pele/ É o que você/ Pode estar precisando”. Prenúncio de sexo quente.

Já na lírica “In Liverpool”, outra joia do disco, vê-se a cantora e compositora de temas melodiosos como “Night Vision”, de “Solitude...”, e “Thin Man”, do posterior “Nine...”, certeira em sua delicadeza. Tão lírica que foi a música escolhida por Suzanne para dividir os vocais com o tenor italiano Luciano Pavarotti em “Pavarotti & Friends”, daquele mesmo 1992. Aliás, lirismo este o qual a norte-americana nunca abandonou. Com “Blood Sings”, que vem na sequência, ela reitera a temática "blood on the tracks" do disco – já a essas alturas o mais ousado de sua carreira. Porém, fez resgatando a singer woman dos primórdios. Somente voz e violão de aço tocado com dedos chorosos e uma melodia primorosa, a la Bob Dylan e Leonard Cohen, dois de seus ídolos, igual os que ela inundou seu primeiro disco, em 1985. “Quando o sangue vê sangue/ De si próprio/ Ele canta para se ver novamente/ Ele canta para ouvir a voz que é conhecida/ Ele canta para reconhecer o rosto”. Triste e profundamente bela. 

A ótima banda, que conta com o próprio Froom aos teclados e arranjos, mais Bruce Thomas, ao baixo, Jerry Marotta, bateria e percussão, e David Hidalgo, Tchad Blake e Richard Pleasance, nas guitarras – além de Suzanne no violão base –, dá uma reviravolta no climão deixado pela faixa anterior e engata a simpática “Fat Man And Dancing Girl”. Algo como um eletro-jazz em que se ouve com destaque o baixo, aqui tocado por Jerry Scheff, sob a arquitetura sonora estilosa dada por Froom na mesa de estúdio. Mesma coisa ele faz em “(If You Were) In My Movie”, de ares arábicos como Suzanne já havia feito em “Room of the Street”, de “Days...”, mas agora mais texturizado, encorpado. Por feitos como este, ele recebeu indicação ao Grammy de produtor do ano em 1993 por este disco.

Sequência de fotos da arte do encarte:
Suzanne descobre-se feminina e plena

Já em “As a Child”, Froom põe sua musa a brincar num carrossel de parque de diversões, literalmente, como uma criança, enquanto que “Bad Wisdom”, logo em seguida, quebra de novo o estado de euforia. Introspectiva, tem a cara dos tradicionais temas do folclore norte-americano, especialidade de Suzanne, a se ver pela cara country que ela sabe muito bem imprimir como já o fizera em “Predictions”, de “Days...”, e “Cracking”, do álbum de estreia. E como Suzanne está cantando bem! Impossível não lembrar uma de suas principais referências no canto, a bossa-novista brasileira Astrud Gilberto

Num disco tão peculiar como este, até o “perfect pop” não é, assim, tão “perfeito”. Diferentemente do que fez em exemplos clássicos disso, como “Book of Dreams” e a própria “Luka”, em “When Heroes Go Down” ela não respeita o tempo de duração comum a uma música de trabalho (entre 3min30 e 4min), e condensa a ideia em menos de 2 min! Mas o faz aproveitando cada segundo, visto que é daquelas de sair dançando imediatamente. Com cara de que se está se encaminhando para o final, “As Girls Go”, com um excelente solo de guitarra de Richard Thompson ao final, tem, regendo toda a banda, o violão. O velho violão desde sempre tocado com muita habilidade por Suzanne, outra de suas marcas. 

Pinho, aliás, que encerra triunfalmente um álbum surpreendente até nisso. Se começou e se manteve repleto de efeitos e experimentações, agora baixa a rotação e aposta na simplicidade do acústico. “Songs of Sand”, deprê, mas absolutamente poética em letra e melodia, faz Suzanne remeter ao violão perfeito e a colocação exata das frases vocais de Nick Drake. As cordas, arranjadas por Froom, adensam ainda mais essa atmosfera. É o violão também que volta puro novamente na valseada “Private Goes Public” (faixa adicional da edição europeia), em que se ouvem apenas as cordas para finalizar o repertório: as do seu vocal e as do instrumento.

Mesmo com esse encerramento, “99.9F°” é, nos seus contornos e contrastes, um instante de êxtase. Naquele começo de anos 90, Suzanne sabia que nunca mais faria o sucesso que fez com “Luka”, e pelo visto nem desejava isso. Queria, a partir de então, satisfazer-se, estar plena como mulher e artista, e em Mitchell Froom ela encontrou abrigo para tal aspiração existencial. Mas como o fogo dos arrebatados, a chama foi arrefecendo. Como uma fogueira acesa, ainda teve força para iluminar o sensual “Nine...”, registro daquele momento da relação em que ainda desconfiavam se o ardor poderia transformar-se em amor eterno. Não aconteceu: Suzanne e Froom separaram-se e nunca mais voltaram a trabalhar juntos. A temperatura, antes febril, foi baixando cada vez mais no ponteiro do termômetro até voltar a um grau de normalidade corporal. A paixão, tal uma enfermidade deleitosa, enfim, passou. Suzanne, hoje casada há 16 anos com outro homem, talvez veja um disco como 99.9F°”, gravado há três décadas, como algo valioso mas pertencente a um passado muito distante. Da MPB que ela tanto adora, talvez se enxergue naqueles sábios versos de Chico Buarque“vestígios de estranha civilização”.  Já Froom, por sua vez, quem sabe ainda pense consigo mesmo ouvindo a mesma música: “Futuros amantes, quiçá/ Se amarão sem saber/ Com o amor que eu um dia/ Deixei pra você”.

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FAIXAS:
1. “Rock In This Pocket (Song Of David)” - 3:31
2. “Blood Makes Noise” - 2:28
3. “In Liverpool” - 4:41
4. “99.9F°” - 3:15
5. “Blood Sings” - 3:18
6. “Fat Man And Dancing Girl” - 2:18 (Mitchell Froom/ Suzanne Vega)
7. “(If You Were) In My Movie” - 3:06
8. “As A Child” - 2:56
8. “Bad Wisdom” - 3:22
9. “When Heroes Go Down” - 1:54
10. “As Girls Go” - 3:26 (Nils Petter Molvær/ Vega)
11. “Private Goes Public” - 1:57
Todas as composições de autoria de Suzanne Vega, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Música da Cabeça - Programa #253

 

Apologia ao nazismo? Não aqui! Aqui é respeito e, claro, música boa, como as de Bob Dylan, Paulinho da Viola, Mutantes, Ministry, Sade e outros ilustres. Ilustre também é o nosso homenageado John Williams, que nos motiva a mais um quadro Cabeção. Quer flow de verdade? Escuta o MDC hoje, 21h, na humanista Rádio Elétrica. Produção, apresentação e direito de tentar não ser idiota: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

domingo, 9 de janeiro de 2022

DOSSIÊ ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2021




O velho Wayne de olho no trono dos Beatles
Chegou a hora da verdade! A hora dos número. Mais um ano se foi e é chegada a hora de fazer aquele habitual levantamento dos álbuns que entraram para a seleta galeria dos Fundamentais do Clyblog. Lembrando sempre que, na verdade, a seção não tem por objetivo promover disputa ou qualquer tipo de comparação entre artistas e obras, mas a gente mesmo fica curioso para saber quais as marcas e quantitativos e aí, então, levantamos e, em forma de ranking, passamos para vocês. 

2021 foi o ano do jazz nos ÁLBUNS FUNDAMENTAISÁLBUNS. Das 29 obras destacas na nossa seção de discos, 11 foram do refinado estilo norte-americano. Se aproveitando desse predomínio, neste período, o craque Wayne Shorter encostou definitivamente no pessoal de cima. Ainda não alcançou os Beatles, que continuam liderando, mas, junto com seu companheiro de sopro, Miles Davis, que também chegou nas cabeças, já começam a botar uma certa pressão nos rapazes de Liverpool. A propósito da Terra da Rainha, curiosamente no último ano, não tivemos NENHUM artista britânico teve discos incluídos na nossa seção. as ações ficaram basicamente divididas entre norte-americanos e brasileiros, com destaque para o primeiro japonês na lista, o versátil Ryuichi Sakamoto.

No que diz respeito aos brasileiros, Caetano Veloso que dividia a liderança com Jorge Ben, agora toma a frente isoladamente por conta pela participação no disco "Brasil", com João Gilberto, Bethânia e Gilberto Gil. Mas  a disputa está tão apertada quanto no internacional e qualquer disco aqui, disco ali, no ano que chega, pode mudar o panorama.

Entre as décadas com mais obras mencionadas, os anos 70 continuam imbatíveis, embora o ano que aparece mais vezes seja o de 1986. Chama atenção que cada vez mais é inevitável que seja reconhecida a qualidade e se projete a relevância de trabalhos recentes, o que faz com que venham aparecendo com mais frequência, em maior número e cada vez mais fresquinhos, como foi o caso do recém lançado "Carnivore", do Body Count, que mal nasceu  e já figura entre os melhores.

Então, vamos aos números que é o que interessa. Chegou a hora da verdade!


  • The Beatles: 6 álbuns
  • David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e John Cale*  **: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Lee Morgan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, Body Count, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 6 álbuns*
  • Jorge Ben: 5 álbuns **
  • Gilberto Gil*  **: 5 álbuns
  • Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
  • Gal Costa, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto*  ****: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns 

*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
**** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 19
  • anos 60: 96
  • anos 70: 138
  • anos 80: 116
  • anos 90: 89
  • anos 2000: 13
  • anos 2010: 15
  • anos 2020: 2


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 22 álbuns
  • 1977: 19 álbuns
  • 1969 e 1985: 17 álbuns
  • 1967, 1972, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
  • 1968 ,1970 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1971, 1979, 1980 e 1991: 14 álbuns
  • 1965, 1975 : 13 álbuns
  • 1965 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1964, 1966, 1987,1989, 1990 e 1994: 11 álbuns cada
  • 1978: 10 álbuns



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 192 obras de artistas*
  • Brasil: 139 obras
  • Inglaterra: 114 obras
  • Alemanha: 9 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
  • Japão, País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

"Estorvo", de Chico Buarque - Ed. Companhia das Letras (1991)

 

À esq., capa original, de 1991; à dir.,
nova capa da edição comemorativa de 30 anos da obra
Dias atrás li na postagem de uma amiga de redes sociais a pergunta capciosa de quando Chico Buarque ganharia uma indicação para Nobel de Literatura. O comentário vem em um momento bem apropriado, pois, além do lançamento recente de um novo livro, “Anos de Chumbo”, seu primeiro de contos, a trajetória literária do celebrado autor carioca atinge um marco importante em 2021: os 30 anos de “Estorvo”. Embora não seja o primeiro livro de Chico, homem da música mas também das letras desde os anos 60 (sua primeira peça para teatro, “Roda Viva”, data de 1968), este pequeno romance determina-lhe o começo de uma carreira editorial propriamente dita. Tamanha importância, inclusive, justifica-se no relançamento da obra em caprichada edição comemorativa.

Narrado em primeira pessoa, "Estorvo" é a saga de uma caçada de um homem sem rosto a um homem tolhido por sombras e fantasmas. Uma trajetória obsessiva, constantemente no limite entre o sonho e a vigília, pela qual o protagonista se depara com situações e personagens estranhamente familiares. Através da metáfora de um olho mágico, que distorce a imagem humana, engendra projeções de um desespero subjetivo e uma crônica do cotidiano.

Passadas três décadas de dedicação ora aos livros, ora à música, intercalando projetos entre um universo e outro com domínio incomum, é evidente que Chico evoluiu em termos literários de lá para cá. Seja por berço ou por talento próprio, Chico carrega em si o trato com a palavra, a se ver por toda sua obra. A exatidão do emprego dos verbos, o proveito da musicalidade vocálica e o uso preciso das possibilidades gramaticais e sintáticas infinitas do português lhe são inegáveis, seja na música, no teatro ou no cinema. Depois de “Estorvo”, entre seis discos novos de estúdio, escreveu o mesmo número de obras, entre as quais “Benjamim” (1995), “Budapeste” (2003) e “Leite Derramado” (2009), esta última, uma obra-prima da literatura brasileira do século XXI. Como prêmios, o próprio “Estorvo” levou Jabuti em 1992, feito repetido por “Leite Derramado”, em 2010. Em 2019, pouco antes de lançar “Essa Gente”, nova consagração: o Prêmio Camões, maior reconhecimento dado a um escritor em língua portuguesa.  

Mas o que “Estorvo” trouxe a este exitoso caminho de Chico pelas palavras escritas? A começar que, se houve evolução em seu estilo, muito já estava presente neste primeiro romance. A prosódia machadiana, farta de elementos visuais e psicológicos, e o ritmo e construção narrativos muito bem armados (não raro, de pegada musical) estão ali muito mais conscientes do que em “Fazenda Modelo”, novela escrita nos anos 70, esta sim, o primeiro impulso estritamente literário do artista sem que houvesse alguma relação com o teatro. Outra característica de “Estorvo” amplamente desenvolvida nas obras subsequentes, é o olhar social crítico e o universo imaginário, que coloca o leitor em uma fronteira interessante entre o surrealismo e a vida real. A isso soma-se, ainda, outra peculiaridade da escrita do autor de “Vai Passar”, que é o humor – por vezes, ácido dada a ocasião em que se lhe usa –, o que ajuda tanto a quebrar o estranhamento para com surreal quanto, em igual tamanho, condicionar o leitor à proposta narrativa.

Este trecho de “Estorvo” denota bem esta composição formal muito própria de Chico:

“O porteiro quer porque quer carregar a mala, quer correr para me abrir o elevador, quer me chamar de patrãozinho e diz que o bom filho à casa torna. Negro quase azul, embora perdendo o lustre ultimamente, já tinha a cabeça branca trinta anos atrás. Usa sempre o mesmo colete listradinho, com que fica parecendo escrevo de cinema. Anda num passo miúdo, sofre de artrose, e vive contente da vida. Certa vez comprou um rádio e deu para escutar programas de variedades, desses em que as pessoas falam de todos os assuntos com eco na voz. O aparelhinho era potente, irradiava do hall para o poço do elevador, e daí para o prédio inteiro. Uma noite meu pai foi me buscar na rua, e já desceu impaciente, porque quando chegava em casa queria ver todo mundo lá dentro. "Qualquer dia eu entro e passo o ferrolho na porta!" Arrastou-me de volta pelo pescoço, cruzando o hall pela terceira vez seguida, com o locutor lendo o horóscopo, meu pai mandou o porteiro desligar aquela porcaria. E disse que nunca viu empregado ligar para astrologia, ainda por cima crioulo, que nem signo tem. O porteiro achou aquilo coisa mais engraçada. Vendeu o rádio e passou meses rindo muito e repetindo: "crioulo não tem signo, crioulo não tem signo."

“Estorvo” também tem a importância de ser mais uma obra de Chico levada ao cinema em anos depois de "Ópera do Malandro" e "Pra Viver um Grande Amor" na ousada versão do amigo Ruy Guerra, de 1998, movimento que ocorreria posteriormente com “Benjamim” (Monique Gardenberg, 2003) e “Budapeste” (Walter Carvalho, 2009) e, em certa medida, “O Irmão Alemão” (2014), cujo elemento central é antecipado no documentário “Chico – Artista Brasileiro”, de Miguel Faria Jr. (2013).

filme "Estorvo", de Ruy Guerra (1998)


É natural que Chico tenha aperfeiçoado sua forma literária, assim como, noutro âmbito, ocorrera em sua música. Por esta ótica, “Estorvo” é quase como serviu-lhe a trilogia “Chico Buarque de Hollanda”, gravada por ele entre 1966 e 1968, fundamental para erigir, com maturidade e experiência, os grandes álbuns que legou à discografia nacional a partir de “Construção”, de 1971. Trazendo para a literatura, sem o passo inicial de “Estorvo” não teria este chegado ao prestígio que hoje goza não fosse este livro, que o pôs definitivamente na lida da escrita. Quem sabe, então, agora, um Nobel? Considerando a relativização que os prêmios e instituições literários no mundo todo vem fazendo após a Bob Dylan tornar-se Nobel de Literatura em 2016, abrindo espaço para "não-literatos" mais fortemente ligados à música, por que não pensar num segundo autor de língua portuguesa depois de Saramago? Chico, com mais merecimento do que muitos outros, capacita-se totalmente.


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Música da Cabeça - Programa #216

 

Quer saber: viemos aqui para tomar o lugar! Sabendo bem onde deve estar, o MDC traz hoje Kraftwerk, Ed Motta, Tom Jobim, Weezer, Legião Urbana e mais. Tem também os quadros fixos e um "Sete-List" sobre o oitentão Bob Dylan e seus parceiros. Resistindo a qualquer ventania, o programa hoje vai ao ar às 21h, na sempre firme Rádio Elétrica. Produção, apresentação e empurrãozinho: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/


"Crônicas: volume 1", de Bob Dylan - ed. Planeta (2016)

 


"Eu realmente jamais fui mais do que era
- um cantor de folk que fitava a névoa cinzenta
com os olhos cegos pelas lágrimas
e fazia canções que flutuavam 
em uma neblina luminosa."
Bob Dylan em trecho do livro




Dylan é um deleite! Seja ouvindo, seja lendo, sendo que, no caso dele, em especial, o ouvir normalmente não tem como andar separado da leitura. Prêmio Nobel de literatura, suas letras são, desde sempre, não somente dotadas de um conteúdo relevante, significativo, reflexivo, politizado, como, para isso, escritas com uma qualidade ímpar e quase inigualável dentro do universo da música. Mas, efetivamente, toda essa qualidade fica ainda mais evidenciada quando o texto é escrito, dedicado objetivamente à leitura. "Crônicas: vol.1", parte da autobiografia do cantor norte-americano, é uma leitura absolutamente saborosa e envolvente, desenvolvida com sensibilidade, bom humor, fluidez, ritmo e, por incrível que possa parecer para muitos, com musicalidade. Em alguns momentos, parece que só falta o ritmo porque o que estamos lendo parece ser alguma de suas letras, e se o leitor imaginar alguma melodia na cabeça, pronto, estará lendo uma música de Bob Dylan
Em "Crônicas: vol.1", Dylan narra seus primeiros passos em Nova York, os contatos, como o executivo e caça-talentos John Hammond da Columbia, o empresário Lou Levy; as pessoas interessantes que conheceu, como o cantor folk Dave Van Ronk, a assistente de palco Suze Rotolo, de quem foi namorado; os livros que teve acesso na casa do amigo Ray Gooch, como "A Pele de Onagro", "A Deusa Branca", "As Tentações de Santo Antão"; os autores que passou a admirar por conta disso, como Burroughs, Balzac, Faulkner; os discos com os quais teve contato a partir dessas amizades e as influências musicais que adquiriu a partir dessas audições;  a admiração por Roy Orbison, Johnny Cash, a reverência a Robert Johnson, a devoção por Woody Guthrie; lugares onde começou a se apresentar; as sensações e sentimentos daquela época e daquele momento de sua vida; tudo isso descrito de maneira leve, poética e muito sincera. Dispostos em ordem aleatória cronologicamente, alguns capítulos dão um salto no tempo e tratam de dois álbuns não tão badalados do cantor, "New Morning", de 1970, e "No Mercy", de 1989, sendo que, deste último, chama atenção o tortuoso processo de construção e produção do álbum, ao lado do produtor Daniel Lanois, indicado por Bono Vox, do U2, com idas e vindas, altos e baixos, momentos de inspiração e desânimo, sessões de gravação cansativas, contrastando com outros tempos de sua carreira em que, a rigor, bastava que ele, Dylan, entrasse no estúdio com seu violão, seu suporte de harmônica, algumas páginas de anotações e tínhamos um disco pronto.
Se a música de Bob Dylan é capaz de nos proporcionar um prazer auditivo e sensorial, como um todo, único, seu texto não fica devendo e, inevitavelmente, se funde à sua atividade mais conhecida. Elas são tão gêmeas, tão ligadas que não seria nenhuma loucura dizer que a música de Dylan é luz para os ouvidos e sua escrita, música para os olhos.



Cly Reis
 

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bob Dylan - "Blood on the Tracks" (1975)

Dylan, o salvador

 

"Como se estivesse escrito em minha alma de mim para você." 
Verso da letra de "Tangled Up in Blue"


A intenção deste texto não é falar sobre “Blood on the Tracks”. Assim como outros vários discos de Bob Dylan, esta obra-prima merece estar entre os fundamentais de qualquer discoteca rock como “Desire”, “Besament Tapes”, “Planet Waves”, “The Freewheelin' Bob Dylan” ou os aqui já resenhados “Blonde on Blonde”, "Bringing It All Back Home" e "Highway 61 Revisited"

Na verdade, é quase irrelevante comentar que “Blood...” é considerado por muitos o seu melhor trabalho; que, confessional, foi escrito sob a dor dilacerante de um casamento desfeito; que a "cozinha" que lhe acompanha é a clássica The Band; ou que traz algumas das melhores letras e arranjos da carreira de Dylan, da lindeza de sua faixa de abertura, "Tangled Up in Blue"; da emocionante balada arrependida “If You See Her, Say Hello”, uma das mais belas do cancioneiro rock; do blues infalível "Meet Me in the Morning"; do desfecho primordial de “Buckets of Tears”. Não, este texto não se propõe a falar sobre o óbvio. Pelo menos, não a esta obviedade. Quero falar, sim, sobre quando Bob Dylan me salvou. O que não é nenhuma novidade, visto que o Nobel de Literatura 2016 faz isso a uma geração inteira. Voz da cultura beatnik, foi vital para o ativismo social na década de 60 por causas mundiais como os Direitos Civis, o armamento nuclear e a Guerra do Vietnã. Também, o artista que mais do que ninguém, mais que Jean Cocteau, Jim Morrison ou Bertold Brecht, aproximou a literatura e a poesia da música. 

Mas, para chegar a Dylan, tenho que falar antes sobre outro grande músico do século XX a quem também atribuo minha salvação: Henri Mancini. Impossível desvincular essa história, entretanto, de outra figura aparentemente nada a ver com esses dois, pois homem da política e longe de minha consideração: Alceu Collares. Todos a seu modo me levaram a mim mesmo e a “Blood...”. Mas voltemos à metade dos anos 90, quando eu era um jovem recém saído do 1º Grau do Ensino Fundamental. Como para muitos estudantes brasileiros diante desta etapa, tinha eu que escolher o que fazer da vida. Ano de 1994. Governador do Rio Grande do Sul àquela época, Collares, havia nomeado a igualmente incompetente esposa Neusa Canabarro para o comando da Secretaria de Educação do Estado. Ela, por sua vez, instituíra um sistema indigno e desumano de seleção e ingresso de alunos egressos para o 2º Grau que obrigava as famílias de alunos a formarem constrangedoras e quilométricas filas à porta de escolas estaduais semanas antes para, depois de noites e dias de chuva, frio, sol e perigos de violência, mendigar uma vaga. 

Embora já tivesse certa noção de que a Comunicação era meu caminho, a curto prazo não via como algo a seguir. Filho de uma família de classe média pobre e da periferia, queria fazer o 2º Grau e, assim que possível, começar a trabalhar concomitantemente. Para isso, então, melhor era ver um curso técnico, que dava melhores perspectivas para esse plano. Havia uma escola pública que oferecia curso técnico de Publicidade, algo na área que me interessava, mas a procura a este curso, sabia-se, era extremamente disputada e as vagas eram poucas. Fora que, morando longe dessa escola, localizada noutro extremo da cidade, a logística imposta pela política estadual dificultava-nos ainda mais. Outra alternativa era a chamada Informática, algo hoje tão embrenhado na vida social mas que recém começava a surgir no Brasil naqueles idos. Revoltado com a condição desrespeitosa à sempre desfavorecida classe média daquele sistema educacional vigente, e diante da obrigação da escolha para que escola ir, neguei-me a colocar a mim e a minha família naquela situação de infinitas, insalubres, perigosas e aflitivas filas. Não podendo optar por algo mais a fim comigo, e nem mais tendo ao alcance vaga sequer em Informática, o jeito foi deslocar-me para mais longe e pegar o que viesse. Foi então que, por essas coisas que adolescentes não sabem medir, ingressei num curso de Eletrônica como se isso tivesse algum fio de relação com Informática – a qual, por si, já era uma segunda alternativa.

Óbvio que, no transcorrer do curso, as diferenças entre um ser das humanas como eu e um curso essencialmente das exatas como o de Eletrônica apareceram e ficaram cada vez mais evidentes. Afora os discos em casa, estava muito, muito longe de Dylan. Não via a hora de finalizar os três anos exigidos e partir para um cursinho pré-vestibular. 

Consegui, em parte, no entanto, o que me propunha: trabalhar enquanto estudava, o que se deu dentro da própria escola, pois assumi, no contraturno, um estágio no almoxarifado do laboratório. Foi ali, numa noite fortuita, que um dos meus salvadores surgiu. Acompanhava o trabalho de dois alunos, que desenvolviam seu trabalho de conclusão conjunto, fornecendo-lhes os materiais necessários. Já cansados de tanto raciocinarem sobre diodos e transistores, lá pelas tantas começaram a falar sobre assuntos diversos para desanuviar. Em determinado momento, um deles, que gostava de música, quis fazer uma referência ao autor do tema da Pantera Cor-de-Rosa, que ele sabia, mas não se recordava do nome. Foi, então, que eu, de forma extremamente natural, pois era uma informação comum para mim, despretensiosamente ajudei-lhe: "Henri Mancini". A conversa terminou ali, pois o espanto do rapaz foi tamanho que chocou não somente a ele quanto a mim mesmo. Era-lhe tão improvável que o estagiário de almoxarifado soubesse com tanta facilidade quem era o autor de clássicos como "Blue Moon" e "Peter Gunn", que aquela informação não poderia ser descartada por mim. Eu estava gritantemente no lugar errado e meu primeiro salvador, Henri Mancini, me ajudava a tomar o rumo que a vida escolhera.

Corrigida a rota, fiz o pré-vestibular e entrei na faculdade de Jornalismo da PUCRS em 1999, onde pude confirmar categoricamente a assertividade da minha escolha profissional. Entre muitas lembranças, amigos e momentos inesquecíveis daquele tempo, um me marcou. E é aí que entra meu outro salvador. Se naquele episódio do laboratório de Eletrônica o ocorrido com Mancini transcorreu num dia qualquer do qual não guardo com exatidão, neste caso, a lembrança tem dia e ano certos: 24 de maio de 2001. Aniversário de 60 anos de Dylan.

Sem nenhuma combinação prévia, aquela data foi comemorada da maneira mais natural e devota que se possa imaginar. Foi absolutamente bonito e emocionante. Era uma celebração calma e solene: pelos corredores e salas de aula, as pessoas se cumprimentavam, como que celebrando um acontecimento familiar. Era como se um ente querido, um Deus, um salvador, estivesse completando mais um ciclo ao redor do sol e todos ali sabiam do tamanho simbólico disso. Não teve show, “parabéns pra você”, algazarra, nada diferente. Simplesmente, mestre Dylan fazia seis décadas e nós, cientes de que presenciávamos um momento especial, sabíamos que estávamos no lugar certo para compartilhar aquela felicidade. Para mim, assim como Mancini, Dylan não fez nenhuma força para isso: bastou-lhe a sua representativa existência.

Passadas exatas duas décadas daquela célebre noite na faculdade de Jornalismo, Dylan faz, hoje, 80. Muito trilhei depois daquele episódio, que serviu para me dar a certeza de que autoconhecer-se e ser coerente consigo é o melhor caminho. E que vale a pena correr atrás disso. Curiosamente, “Blood...”, considerado a salvação da alma do artista após o choque da separação, a mim represente também isso, porém noutros termos. Como outros álbuns dele, carregam essa força incomensurável de um artista que cumpre aquilo que os grandes são capazes: são fundamentais para o desenvolvimento da civilização, pois decifram o mistério do que somos, estabelecendo pontes entre nossas mentes e corações através de suas obras. Privilégio ter sido um dia, como milhares de outras pessoas, salvo por esse oitentão.

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FAIXAS:
1. "Tangled Up in Blue" – 5:42
2. "Simple Twist of Fate" – 4:19
3. "You're a Big Girl Now" – 4:36
4. "Idiot Wind" – 7:48
5. "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go" – 2:55
6. "Meet Me in the Morning" – 4:22
7. "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" – 8:51
8. "If You See Her, Say Hello" – 4:49
9. "Shelter from the Storm" – 5:02
10. "Buckets of Rain" – 3:22
Todas as composições de autoria de Bob Dylan

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Ao mestre, com carinho

Gil e a imagem de um de seus mestres
homenageados: Bob Marley
É comum que músicos reverenciem seus mestres. Intérpretes e mesmo os compositores gostam de, invariavelmente, recuperar temas ou referências daqueles em quem se inspiram, muitas vezes intercalando-os com suas próprias autorias seja em discos ou em shows. Não raro veem-se, inclusive, artistas consagrados, a certa altura da carreira, gravarem aquele disco só de versões dos outros. No rock, isso é bem recorrente: John Lennon, Siouxsie & The Banshees, R.E.M., Rage Against the Machine, Titãs e Ira! são casos típicos para ficar em alguns exemplos dos inúmeros possíveis.

Mas um artista autoral abrir mão de composições suas para se dedicar apenas ao repertório do seu mestre, aí já é mais raro. No entanto, fomos atrás e listamos alguns trabalhos assim: aprendizes homenageando seus mestres. Não valem aqui discos de intérpretes, por melhor que sejam as obras, como Gal Costa em seu "Gal Canta Caymmi" ou Sarah Vaughn com seu "Plays Beatles", por exemplo. Álbuns memoráveis estes, mas de cantoras fazendo aquilo que melhor sabem, que é interpretar. Também não entram aquelas “homenagens” ou shows especiais, mesmo que de apenas um artista para outro. Não caberia, por exemplo, “Loopicinio” (2005), em que o músico Thedy Correa faz um exercício de modernização ao samba-canção “dor de cotovelo” de Lupicinio Rodrigues. Válido, mas sabe-se que Lupi não é bem O “mestre” para quem formatou sua carreira no pop rock beatle com como Thedy.

Aqui, a proposta é outra e até mais desafiadora a quem está acostumado a escrever as próprias músicas. O mergulho na obra de quem o inspirou é, desta forma, duplamente instigante: manter a autoexigência do que costuma produzir e, no mesmo passo, fazer jus à obra daquele que reverencia. Chega a ser um exercício de desprendimento. Tanto é diferente este tipo de projeto, que não é extensa a listagem, não. Pelo menos, daquilo que encontramos. Se os leitores identificarem novos trabalhos semelhantes, o espaço está aberto para aumentarmos nossa lista de álbuns dos seguidores aos seus mestres.


Eric Clapton
– “Me and Mr. Johnson” (2004) 

Para Robert Johnson

Vários roqueiros já gravaram Robert Johnson, de Rolling Stones a Red Hot Chili Peppers. Mas quem pode ser considerado um filho artístico do pioneiro do blues do Mississipi é Clapton. Já resenhado nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, este poderoso disco do mais seminal blues rock é o encontro do céu com o inferno: Deus, como Clapton é apelidado, e o Diabo, com quem dizem Johnson ter feito um pacto para que tivesse tanto talento. Se foi ação do bem ou do mal, o fato é que funcionou tanto para ele quanto para seu maior aprendiz. Só podia dar num disco essencial.





FAIXAS:
01. "When You Got a Good Friend" 
02. "Little Queen of Spades"  
03. "They're Red Hot"  
04. "Me and the Devil Blues" 
05. "Traveling Riverside Blues" 
06. "Last Fair Deal Gone Down" 
07. "Stop Breakin' Down Blues" 
08. "Milkcow's Calf Blues" 
09. "Kind Hearted Woman Blues" 
10. "Come on in My Kitchen" 
11. "If I Had Possession Over Judgement Day" 
12. "Love in Vain" 
13. "32-20 Blues" 
14. "Hell Hound on My Trail"  


Velha Guarda da Portela
– “Homenagem a Paulo da Portela” (1988)
Para Paulo da Portela

Celeiro de alguns dos melhores compositores do samba brasileiro, como Alberto Lonato, Candeia, Manaceia, Mijinha e Chico Santana, a Velha Guarda da Portela reuniu-se para homenagear aquele que considera o maior deles: Paulo da Portela. E o faz com time completo: Monarco, Casquinha, Argemiro, Jair do Cavaquinho e as pastoras originais. Se o padrinho do conjunto é merecidamente Paulinho da Viola, é o outro Paulo o que ocupa o lugar de principal referência de compositor para a turma da escola a qual levou no próprio nome com autoridade.




FAIXAS:
01. Linda Guanabara
02. Homenagem ao Morro Azul / Para que Havemos Mentir
03. Teste ao Samba
04. Conselho
05. Deus te Ouça
06. O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento
07. Quem Espera Sempre Alcança
08. Linda Borboleta
09. Cocorocó
10. Este Mundo é uma Roleta
11. Ópio 
12. Cantar para Não Chorar


Gilberto Gil
 – “Kaya N'Gan Daya” (2002)
Para Bob Marley

O múltiplo Gil, mesmo na época da radicalização do Tropicalismo, nunca escondeu que seus mestres eram Luiz Gonzaga, João Gilberto e Bob Marley. Ao primeiro ele dedicou o conceito e regravações na trilha de “Eu Tu Eles” e em “Fé na Festa”, mas aos outros dois rendeu discos completos com o que mais lhe fazia sentido em suas obras. Para o Rei do Reggae criou um disco de ótimos arranjos, juntando letras no inglês original ou versões muito bem traduzidas, como a faixa-título e “Não Chore Mais” (“No Woman, no Cry”), tal como ele havia pioneiramente versado em “Realce”, de 1979. A sonoridade, aliás, não fica somente no reggae, mas também dialoga muitas vezes, justamente, com o baião de Gonzagão. 




FAIXAS:
01. "Buffalo Soldier"  
02. "One Drop" 
03. "Waiting in Vain" 
04. "Table Tennis Table" 
05. "Three Little Birds" 
06."Não Chore Mais (No Woman, No Cry)"
07. "Positive Vibration" 
08. "Could You Be Loved" 
09. "Kaya N'gan Daya (Kaya)" 
10. "Rebel Music (3 O'Clock Road Block)"  
11. "Them Belly Full (But We Hungry)" 
12. "Tempo Só (Time Will Tell)"  
13. "Easy Skankin'"   
14. "Turn Your Lights Down Low"  
15. "Eleve-se Alto ao Céu (Lively Up Yourself)" 
16. "Lick Samba"


Zé Ramalho
– “Tá Tudo Mudando” (2008)
Para Bob Dylan

O músico paraibano sempre reverenciou o autor de “Like a Rolling Stone”. Neste álbum, contudo, fez como só ele poderia: arranjos entre o rock e a música brasileira, sotaque nordestino e as letras em português. Difícil traduzir um Nobel de Literatura? Sim, mas Ramalho, com talento e conhecimento de fã, acerta em cheio. Magníficas "O Homem Deu Nome a Todos Animais" (“Man Gave Names to All the Animals”), regravada por Adriana Calcanhotto em seu “Partimpim 2”, e, a versão para a clássica “Knockin' on Heaven's Door”, provando pros tupiniquins com “síndrome de vira-lata” que criticaram à época, que soa muito melhor um refrão com os versos "Bate bate bate na porta do céu" do que "Knockin' knockin' knockin' on heaven's door". Perto da solução achada por Ramalho, a original nunca mais deixou de soar cacofônica. "I'm sorry, mr, Dylan".



FAIXAS:
01. "Wigwam / Para Dylan" 
02. "O homem deu nome a todos animais (Man Gave Name To All The Animals)" 
03. "Tá tudo mudando" 
04. "Como uma pedra a rolar"  
05. "Negro Amor (And it's All Over Now, Baby Blue)" 
06. "Não pense duas vezes, tá tudo bem (Don't Think Twice, It's All Right)" 
07. "Rock feelingood (Tombstone Blues)" 
08. "O vento vai responder"  
09. "Mr. do pandeiro (Mister Tambourine Man)"  
10. "O amanhã é distante" 
11. "If Not for You" 
12. "Batendo na porta do céu - versão II" 


Rita Lee
– “Bossa ‘n Beatles” (2001)
Para The Beatles

Quando Ramalho gravou seu “Tá Tudo Mudando”, já havia um antecedente de 7 anos antes na discografia brasileira de artista que versou outro monstro sagrado do rock como Dylan dando-lhe caracteres brasileiros. Depois de uma via crúcis para pegar autorização com Yoko Ono para versar a obra do seu ex-marido, Rita conseguiu, finalmente, juntar duas paixões as quais domina como poucos: o rock libertário dos Beatles e as ricas harmonias da bossa nova. Tão filha musical dos rapazes de Liverpool quanto de João Gilberto, somente Rita pra prestar uma homenagem como esta.




FAIXAS:
01. "A Hard Day's Night"
02. "With A Little Help From My Friends"
03. "If I Fell"
04. "All My Loving"
05. "She Loves You"
06. "Michelle"
07. "'In My Life"
08. "Here, There And Everywhere"
09. "I Want To Hold Your Hand"
10. "Lucy In The Sky With Diamonds"
Faixas bônus:
11. "Pra Você Eu Digo Sim (If I Fell)"
12. "Minha Vida (In My Life)"


The The
– “Hanky Panky”
(1995) 
Para Hank Williams

O talentoso “homem-banda” Matt Johnson é um cara fiel às suas origens. Depois de relativo sucesso na metade dos anos 80, ele capturou o amigo de adolescência Johnny Marr, guitarrista recém-saído da The Smiths, para gravar os dois melhores álbuns da The The. Porém, o autor de “This is the Day” queria ir ainda mais a fundo nas autorreferências e foi achar a resposta no músico country “vida loka” Hank Williams. Embora bem arranjado por Johnson e D. C. Collard, “Hanky...”, já sem Marr na banda, por melhor que seja, deixa, no entanto, aquela interrogação para os fãs: “não teria sido ainda melhor com Marr?”





FAIXAS:
01. "Honky Tonkin'"
02. "Six More Miles"
03. "My Heart Would Know"
04. "If You'll Be A Baby To Me"
05. "I'm A Long Gone Daddy"
06. "Weary Blues From Waitin'"
07. "I Saw the Light"
08. "Your Cheatin' Heart"
09. "I Can't Get You Off of my Mind"
10. "There's a Tear in My Beer"
11. "I Can't Escape from You"


Gilberto Gil
– “Gilbertos Samba”
(2014)
Para João Gilberto

12 anos depois de prestar tributo a Bob e de referenciar Luiz Gonzaga em mais de uma ocasião, Gil fecha, então, a trinca de seus mestres musicais. O repertório é lindo, uma vez que, homenageando João, a sua batida e seu estilo de cantar, escola para toda a geração pós-bossa nova a qual Gil pertence, outros artistas importantes para o baiano também são contemplados, como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e Caetano Veloso, todos compositores incorporados no cancioneiro de João. Mas por melhor que seja a produção e por mais lindo que seja o violão de Gil, diferentemente de “Kaya...”, quando a sua voz estava ainda "ok ok ok", os anos comprometeram-na. Rouca e de alcance bastante prejudicado, se perto da voz do próprio Gil saudável já é covardia, imagina, então, comparar com a o do homenageado? Projeto lançado, uma pena, tardiamente.



FAIXAS:
01. "Aos Pés da Cruz" 
02. "Eu Sambo Mesmo"  
03. "O Pato" 
04. "Tim Tim por Tim Tim" 
05. "Desde Que o Samba é Samba"  
06. "Desafinado"  
07. "Milagre"  
08. "Um Abraço no João"  
09. "Doralice"  
10. "Você e Eu"  
11. "Eu Vim da Bahia" 
12. "Gilbertos"  

Daniel Rodrigues
com colaboração de Cly Reis

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2020

 


Corre pro abraçaço, Caetano!
Você tá na liderança.

Como de costume, todo início de ano, organizamos os dados, ordenamos as informações e conferimos como vai indo a contagem dos nossos  ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, quem tem mais discos indicados, que país se destaca e tudo mais. Se 2020 não foi lá um grande ano, nós do Clyblog não podemos reclamar no que diz repsito a grandes discos que apareceram por aqui, ótimos textos e colaborações importantes. O mês do nosso aniversário por exemplo, agosto, teve um convidado para cada semana, destacando um disco diferente, fechando as comemorações com a primeira participação internacional no nosso blog, da escritora angolana Marta Santos, que nos apresentou o excelente disco de Elias Dya Kymuezu, "Elia", de 1969
A propósito de país estreante nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, no ano que passou tivemos também a inclusão de belgas (Front 242) e russos (Sergei Prokofiev) na nossa seleta lista que, por sinal, continua com a inabalável liderança dos norte-americanos, seguidos por brasileiros e ingleses. 
Também não há mudanças nas décadas, em que os anos 70 continuam mandando no pedaço; nem no que diz respeito aos anos, onde o de 1986 continua na frente mesmo sem ter marcado nenhum disco nessa última temporada, embora haja alguma movimentação na segunda colocação.
A principal modificação que se dá é na ponta da lista de discos nacionais, onde, pela primeira vez em muito tempo, Jorge Ben é desbancado da primeira posição por Caetano Veloso. Jorge até tem o mesmo número de álbuns que o baiano, mas leva a desvantagem de um deles ser em parceria com Gil e todos os de Caetano, serem "solo". Sinto, muito, Babulina. São as regras.
Na lista internacional, a liderança continua nas mãos dos Beatles, mas temos novidade na vice-liderança onde Pink Floyd se junta a David Bowie, Kraftwerk e Rolling Stones no segundo degrau do pódio. Mas é bom a galera da frente começar a ficar esperta porque Wayne Shorter vem correndo por fora e se aproxima perigosamente.
Destaques, de um modo geral, para Milton Nascimento que, até este ano não tinha nenhum disco na nossa lista e que, de uma hora para outra já tem dois, embora ambos sejam de parcerias, e falando em parcerias, destaque também para John Cale, que com dois solos, uma parceria aqui, outra ali, também já chega a quatro discos indicados nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.

Dá uma olhada , então, na nossa atualização de discos pra fechar o ano de 2020:



PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)

  • The Beatles: 6 álbuns
  • David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones e Pink Floyd: 5 álbuns cada
  • Miles Davis, Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Wayne Shorter e John Cale*  **: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Bob Dylan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
  • Björk, The Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 5 álbuns
  • Jorge Ben: 5 álbuns *
  • Gilberto Gil*, Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
  • Gal Costa, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**,, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns 
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
*** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto" ****
contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 15
  • anos 60: 90
  • anos 70: 132
  • anos 80: 110
  • anos 90: 86
  • anos 2000: 13
  • anos 2010: 13
  • anos 2020: 1


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 21 álbuns
  • 1985, 1969 e 1977: 17 álbuns
  • 1967, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
  • 1968 e 1972: 15 álbuns cada
  • 1970, 1971, 1979 e 1991: 14 álbuns
  • 1975, e 1980: 13 álbuns
  • 1965 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1964, 1987,1989 e 1994: 11 álbuns cada
  • 1966, 1978 e 1990: 10 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 171 obras de artistas*
  • Brasil: 131 obras
  • Inglaterra: 114 obras
  • Alemanha: 9 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
  • País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)