"Não me considero fora de nada.
Só me considero um cara
'não próximo das coisas' ".
Bob Dylan
Demorei pra conhecer Bob Dylan, se bem que ele já vinha me convidando a conhecê-lo havia tempo. Lembro que em Porto Alegre, na Galeria Chaves, no subsolo, funcionava a loja Dylan Discos e eu sempre ia àquela galeria por causa da Technique Records que ficava imediatamente acima dela, no térreo e que tinha uma porrada de coisas do The Cure e outras coisas do gênero que era o que mais me interessava naquele momento. Quase nunca descia no andar inferior mas de vez em quando passava em frente à Dylan e lembro, em especial de uma capa desfocada com ele, o homem, de cabelo desgrenhado e olhar um tanto desafiador. Aquela capa parecia me intimar como se dissesse, "E aí, vai entrar ou não?". Eu quase nunca atendi ao desafio daquele olhar mas uma vez que outra tentei aceitá-lo e cruzei aquela porta. A loja não era exclusivamente de material do cantor, mas chegava a ser quase intimidadora tal a quantidade de coisas dele que se encontrava lá. Chegava a dar um desestímulo de procurar outras coisas enxergando Bob Dylan, Bob Dylan, Bob Dylan por todo lado. Além da discografia oficial, obrigatória numa loja daquelas, o dono devia ter todos os singles, os singles extraoficiais, os picture-disc, os 'piratas' ao vivo, os ao vivo em todos os lugares do mundo, o ao vivo Onde-judas-perdeu as botas e tudo isso em pelo menos dois exemplares de cada, imagino, porque, cara, era muito disco do Dylan numa loja só!
Tempos depois foi que soube que aquele disco que me convidava a entrar chamava-se "Blonde on Blonde" e a primeira música dele que me chamou atenção foi "Rainy Day Woman #12 & 35" com seu ar irreverente e tom de fanfarra, que ouvi ainda em seu "Greatest Hits" antes de conhecer efetivamente seu álbum de origem. Mas depois conhecendo "Blonde on Blonde" especificamente, foi impossível não admirar também o bluesão elétrico "Pleading My Time"; a soul muito dylanesca "Visions of Johanna", "Stuck Inside of Mobile With The Memphis Blues Again", um dos grandes clássicos da carreira de Dylan; o envolvente rock-country "I Want You"; o rockão bem característico da, então, nova fase "elétrica" "Obviously 5 Believers"; o rock carregado no órgão "Absolutely Sweet Marie"; "Just Like a Woman" uma das mais belas baladas que Dylan já compôs e a extensa "Sad Eyed Lady of Lawlands" que sozinha ocupava o último dos quatro lados do LP.
Sim, lado 4! Porque além de tudo, como se não bastasse toda sua qualidade, brilhantismo e ascendência, "Blonde on Blonde" foi o primeiro álbum de rock concebido para ser duplo, fato que por si só já lhe garante um lugar na história. Mas "Blonde on Blonde" é muito mais que isso. É um álbum definitivo, definidor, uma daquelas obras urgentes que aconteceram oportunamente no momento que deveria acontecer para dar rumo às coisas. E enquanto formato, sua ousadia é recompensada sendo um duplo brilhante do início ao fim, de disposição acertada, dinâmica, que não torna-se chato em nenhum momento, o que é difícil de acontecer.
Hoje eu entendo perfeitamente porque é que Dylan ficava me olhando com a aquela cara provocativa na frente da loja. Olhe bem a capa. Ele está olhando pra você com aquele olhar marrento, aquela cara de foda-se, aquele ar de "não-sei-não" e lhe intimando, lhe desafiando. Interprete aquele olhar... Acho que ele diz, "E aí, vai ouvir?"
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FAIXAS:
- Lado 1
- "Rainy Day Women #12 & 35" – 4:36
- "Pledging My Time" – 3:50
- "Visions of Johanna" – 7:33
- "One of Us Must Know (Sooner or Later)" – 4:54
- Lado 2
- "I Want You" – 3:07
- "Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again" – 7:05
- "Leopard-Skin Pill-Box Hat" – 3:58
- "Just Like a Woman" – 4:52
- Lado 3
- "Most Likely You Go Your Way (And I'll Go Mine)" – 3:30
- "Temporary Like Achilles" – 5:02
- "Absolutely Sweet Marie" – 4:57
- "4th Time Around" – 4:35
- "Obviously 5 Believers" – 3:35
- Lado 4
- "Sad Eyed Lady of the Lowlands" – 11:23
Ouça:
Bob Dylan Blonde On Blonde
Cly Reis
Adorei. É muito legal essa reconstrução dos momentos de vida que temos para com os discos que gostamos. É super rico quando temos histórias que envolvem o disco em si, suas músicas e o que sentíamos à época, num comparativo interessante com o que se sente hoje, de forma mais crítica mas também pessoal.
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