Há quem diga que a dancinha do Maduro é um pedido de trégua pros Estados Unidos, mas a gente sabe que é só porque ele soube do MDC desta quarta. Mexendo o esqueleto, Lou Reed, Sabotage, Tom Waits, Beach Boys, Zé Ramalho e mais. Ainda, Cabeção celebrando aniversário do grande Toninho Horta. Dando um "sim" à paz e "não" à guerra, o programa toma o espaço aéreo às 21h na pacífica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e coreografia: Daniel Rodrigues
Não, você não está tendo uma alucinação: é mesmo o MDC te chamando para ouvir a edição desta semana. Por pura curiosidade, vamos violar as amarras da mediocridade com Nação Zumbi, Patti Smith, Edo Lobo, Esquivel, Milton Nascimento e mais. Ainda tem um Cabeça dos Outros de gente com nenhuma paranoia dentro dela. Metendo o ferro quente, às 21h vamos botar pra ferver na inviolável Rádio Elétrica. Produção, apresentação e vozes do além: Daniel Rodrigues.
"20 anos de 'Aystelum', um dos meus prediletos. Toques de free jazz com samba, Broadway, funk. Que sorte que pude gravar esse disco. 'Aystelum' tem a bênção de um santo protetor na minha vida".
Ed Motta
O cara se contradiz, é desrespeitoso, brigão e, por vezes, arrogante. Ao mesmo tempo, é sincero e fala verdades necessárias que poucos ousam dizer. Controverso, paga o preço por isso, sendo “cancelado” em vários meios. Mas uma coisa não se pode discordar: como o próprio se autodefine sem nenhum constrangimento pela soberba, ele é um dos “gênios da nossa latinoamerica”. Ed Motta, essa figura única, é, definitivamente, um dos músicos mais completos do mundo. Dono de um vocal cheio de técnica e timbre, este carioca nascido em família musical (sobrinho de Tim Maia, conviveu na infância com o tio e seus amigos Lincoln Olivetti, Cassiano, Hyldon entre outros, o suficiente para se encantar com o universo dos músicos) é capaz de, como nenhum outro cantor, compositor e instrumentista vivo, unir com tamanha densidade a soul, o jazz, o samba, o funk e os ritmos latinos. Nisso, há de se concordar com ele sem se contaminar pela insolência do próprio: Ed é o cara.
Prodígio, Ed teve carreira artística iniciada aos 16 anos já com os megassucessos “Manoel” e “Vamos Dançar”, da Ed Motta & Conexão Japeri, de 1988. Sua precocidade, aliada à personalidade contestadora e, por vezes difícil, no entanto, o prejudicaram ao longo dos anos no mainstream. Fez sucesso, rompeu com gravadoras, voltou atrás, fez mais sucesso, vendeu milhões e, a exemplo de seu tio, rompeu de novo com as gravadoras que faltavam até ficar escanteado. Disso tudo, a consequência: o trabalho realmente autoral de um artista que sempre buscou esse objetivo só pode ser realizado por ele mais de uma década depois de sua estreia: em “Aystelum”, de 2005, décimo álbum de Ed, que completa 20 anos de lançamento.
Fruto do encontro de Ed com o selo Trama, de João Marcelo Bôscoli, “Aystelum”, na esteira do excelente “Dwitza”, de três anos antes, e “Poptical”, o primeiro pela Trama, é o resultado da libertação criativa de um músico sem fronteiras de gêneros, estilos e temporalidade. É música pura – e no mais alto nível que o país de Moacir Santos, Tom Jobim, Tânia Maria, Filó Machado, Johnny Alf, Dom Salvador e tantos outros mestres de sua admiração pode produzir. Mas, claro, não somente estes professores musicais. Fã da música negra norte-americana desde criança, Ed usa e abusa nesse disco da sonoridade do afro jazz, do free jazz, do latin jazz e do spiritual jazz, sem deixar de referenciar suas bases da soul, Donny Hathaway, Donald Fagen, Gil Scott-Heron, Patrice Ruschen, entre outros. “Aystelum”, no entanto, ainda adiciona outra paixão de Ed: a música da Broadway de autores como Leonard Bernstein, George Gershwin, Stephen Sodenhein e Irvin Berlin.
Essa sonoridade livre está impressa na faixa de abertura, um afro jazz modal latino e spiritual em que brilham não somente o band leader, nos teclados, como toda a banda: o baixista Alberto Continentino; o baterista Renato Massa; o trompetista Jessé Sadoc Filho; o piano elétrico de Rafael Vernet; o guitarrista Paulinho Guitarra; o craque da percussão Armando Marçal; e o chileno Andrés Perez, “saxofonista tenor com a sonoridade do Coltrane, Joe Henderson, conhecimento alto das escalas e também de efeitos que o sax pode fazer, harmônicos, etc.”, como aponta Ed.
A então recente aproximação de Ed com a música brasileira – uma vez que, infantilmente, até pouco tempo antes a renegava em detrimento da norte-americana – fez com que ganhasse, aqui, dois presentes. Nei Lopes. compositor, cantor, escritor e estudioso das culturas africanas escreve-lhe as letras de “Pharmácias”, um samba-jazz influenciado pela música brasileira tradicional tocado só com instrumentos eletroacústicos, e a obra-prima “Samba Azul”. Nesta última, em especial, Ed encontra uma improvável intersecção entre samba-canção, blues, bossa-nova e bolero, tudo num arranjo primoroso do maestro Jota Moraes, parceiro de longa data. Mas não só isso: a música, além da magnífica letra de Lopes (“Tudo azul/ Beija-flor voa ao leu/ Sobre Vila Isabel/ Elegante/ Vai pousar distante/ Na Portela”), ainda tem um duo com Alcione, uma “força da natureza” cuja voz põe todo mundo no estúdio para “voar”, descreveu Ed.
A faixa-título, composta por uma palavra inventada por Ed sem nenhum sentido, apenas dotada de sonoridade, é outro jazz instrumental em que a turma arrebenta. O tema mais spiritual jazz de todos do repertório, lembrando bastante coisas de John Coltrane e Pharoah Sanders. Esse abstratismo é logo contraposto por “É Muita Gig Véi!!!”, que é puro ritmo. Baseada na ideia de improvisação, cada músico traz para dentro da jam suas experiências e bagagens. Samba e jazz em perfeita comunhão com direito a show de cuíca de Mestre Marçal. Outra espetacular nesta linha é “Partidid”, das melhores do disco, na qual fica evidente a reverência à sonoridade sofisticada e gingada de bandas como Azymuth e Black Rio.
Porém, sem se prender a nenhum formato, Ed traz para dentro desse caldeirão musical algo extremamente próprio e bonito, que é o musical norte-americano. Neste sentido, “Balendoah” é divisional. Mais uma dessas palavras tiradas da mente de Ed (que querem dizer, no fundo, apenas “muita musicalidade”), este número é fundamental para a narrativa do disco. Nele, Ed une os dois polos que o álbum propõe: o jazz de matriz africana e a música da Broadway. “Negros e judeus, o ápice da música que eu amo”, classificou ele próprio. Com a engenhosidade harmônica complexa extraída dos mestres Duke Ellington, Randy West, Moacir Santos e Charles Mingus, Ed amalgama uma melodia de voz que cria essa ponte com o teatro/cinema musical norte-americano. “Balendoah”, assim, além de uma música arrebatadora, abre caminho para a “segunda parte” do disco.
Tal virada em “Aystelum” surpreende, mas não destoa. O trecho de "7 - O Musical”, que Ed escreve para a peça musical de Charles Möeller e Claudio Botelho, é um medley em que constam a graciosa “Abertura”, a atonal “Na Rua”, com vocal de timbres metálicos de Tetê Espíndola, e a bela “Canção Em Torno Dele”. Interessante notar o “libreto” em português e não em inglês, contrariando a própria lógica do tradicional musical, o que denota um Ed desprovido de afetação para com a língua inglesa, a qual teria maior naturalidade.
“A Charada”, parceria com Ronaldo Bastos, retoma a sonoridade soul num AOR romântico, que poderia tranquilamente ser uma música de trabalho não tivesse “Aystelum” feito tão pouco sucesso de público, que estranhou todo aquele experimentalismo. “Guezagui”, então, um funk tomado de groove e musicalidade, fecha a conta deste histórico e sui generis disco da discografia brasileira.
Ed já havia dado seu grito de independência com “Entre e Ouça”, de 1992, então apenas seu terceiro trabalho. Além de ainda muito jovem (só tinha 21 anos), naquela época não tinha a credibilidade e nem a experiência de um trintão amadurecido musicalmente como em “Aystelum”. Foram necessários que os anos lhe dessem tempo para agregar as diversas sonoridades entre as milhares que rondam sua cabeça, as quais absorve e traduz com espantoso poder de síntese e originalidade. Depois de tantos acertos e topadas, paixões e desavenças, fama e infortúnio, de tanto céu e inferno, Ed chegava, enfim, na paz da sua própria obra. Como quem toma a bênção de um santo protetor e pronuncia, em louvor, uma palavra que somente os deuses da música compreendem: “Aystelum”.
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FAIXAS:
1. "Awunism" - 5:37
2. "Pharmácias" (Nei Lopes/ Ed Motta) - 3:17
3. "Aystelum" - 6:48
4. "É Muita Gig Véi!!!" - 3:53
5. "Samba Azul" (Lopes/ Motta) - 4:49
6. "Balendoah" - 4:19
"7 - O Musical (Medley)" (Claudio Botelho/ Motta)
7. "Abertura" - 1:33
8. "Na Rua" - 2:06
9. "Canção Em Torno Dele" - 1:54
10. "A Charada" (Ronaldo Bastos/ Motta) - 4:00
11. "Patidid" - 2:26
12. "Guezagui" - 3:50
Todas as composições de autoria de Ed Motta, exceto indicadas
Maldito é uma espécie de bendito ao contrário. É nessa lógica que vamos falar da perda de Jards Macalé: ao invés de lamentar, celebraremos! Afinal, temos muito sempre a exaltar de Macau, a começar pela entrevista que ele nos prestou em 2011 para a edição especial de nº 200 do MDC, que iremos reprisar hoje. Também, nesta Semana da Consciência Negra, teremos outros artistas e ainda mais Jards, seja em forma de notícia, letra ou nos abençoando com sua maldição. Desafiando o coro dos contentes, o programa não vai ficar no porto chorando, não, pois às 21h embarca naquele velho navio da Rádio Elétrica. Produção e apresentação american black do Brás do Brasil: Daniel Rodrigues
No Brasil, são 12.284.478 Marias, 5.164.752 Josés e 34.030.104 Silvas. Mas o que o Censo não revela é a sigla mais falada no Brasil: MDC. Afinal, são 435 no total, trazendo sempre consigo nomes dos mais destacados como Paulinho da Viola, The Cure, Velvet Underground, SZA, João Donato e mais. Nesse ranking também entram outros sete nomes, que vão compor o nosso quadro Sete List da semana. Dando nome aos bois, o programa vai ao ar às 21h na estatística Rádio Elétrica. Produção, apresentação e outros 770.743 primeiros nomes iguais: Daniel Rodrigues.
Deixemos um pouco de lado os homens sórdidos e os ratos mortos na praça. Nesta semana em que a nuvem cigana levou Lô Borges, o MDC celebra ele e também dá lugar a Miles Davis, Ivan Lins, Camisa de Vênus, Body Count, Radiohead e muito mais. No Cabeça dos Outros, o Sol também bate, pois lembramos novamente Lô. Da janela lateral dará para ouvir o programa de hoje às 21h no trem azul da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e sonhos que não envelhecem: Daniel Rodrigues.
O Crystal Method para mim é uma espécie de experiência musical temporal. Algo que foi sendo construído em camadas formadas ao longo do tempo.
Conheci o Crystal Method na trilha do game FIFA 98. Sem saber do que se tratava, curtia muito a música que tocava enquanto se editava as características, atributos e habilidades dos jogadores. Mais tarde, no saudoso programa AMP da MTV, é que soube que se chamava "Busy Child", que viria a ser o maior sucesso da dupla norte-americana de música eletrônica. Ainda alguns anos depois, topei com um CD dos caras num sebo da vida e, embora só conhecesse seu grande hit, tive a intuição de comprá-lo. Valeu a pena. "Vegas", o disco de estreia do duo formado por Ken Jordan e Scott Kirkland é um grande álbum! Mas só tempos depois de adquiri-lo, ouvi -logo muito, usá-lo de trilha sonora para minhas corridas de fim de tarde, foi que vim a saber que se trata de uma referência da electronic music. E só, ainda mais recentemente, foi que soube que a dupla representava uma espécie de 'resposta' norte-americana aos britânicos Chemical Brothers. E de certa forma, deixando de lado pseudo-rivalidades criadas sabe-se lá por quem é com qual interesse, musicalmente faz sentido. As propostas, os sons, a criatividade, a qualidade do que buscam, do que fazem, se assemelha bastante.
Embora reconheçamos obviamente diversas relações e musicalidades, como o funk, o rap, ambient, krautrock, house o que me parece muito marcante no Crystal Method é o pezinho no jazz. Noto essa influência em diversas canções, vários momentos e em muitas estruturas das músicas, e vejo isso como um diferencial. Em meio a samples, loops, drops, beats fankeados, os dois caras em muitas oportunidades apresentavam tempos improváveis, um minimalismo inteligente, uma certa economia de notas, lacunas propositais de algum elemento, é até mesmo, dentro de um universo tão compartimentado, a sensação de improvisos sobre a base.
Depois da poderosa abertura com "Trip Like I Do", sem dúvida um grande início de álbum, já vem o clássico "Busy Child", pura energia mas também tem classe, elegância e uma construção primorosa. Uma base 'baixo' inquieta e envolvente, sobreposições empolgantes, um sample daqueles de assinatura, reconhecíveis em qualquer pista de dança, loops alucinantes, funk, soul, jazz, groove, aquela era definitivamente uma das melhores músicas eletrônicas de todos os tempos.
"Cherry Twist", que segue, é muito jazz! Extrapola os limites da construção e da variação em torno de elementos mínimos. "High Roller" alivia na pulsação e vai pra uma batida mais marcada e ritmada, numa vibe meio blaxploitation dos anos 70.
"Coming' Back" com participação da vocalista Trixxie é possivelmente o momento mais pop e menos surpreendente do álbum, o que não a torna menos especial. Pelo contrário. Na minha opinião é uma das grandes faixas do disco. Um pop com cara de hit radiofônico.
"Jadded" tem uma pegada selvagem e sensual; e a ótima Vapour Trail", outra das mais celebradas da dupla, é construída pacientemente agregando elementos, crescendo, ganhando ritmo, até se tornar uma coisa incrível alucinante repleta de camadas, facetas e influências. O disco se encerra com "Bad Stone", atmosférica, num clima mais ambiental, pra mexer mais com as sensações do que com o corpo.
Vim a saber também há pouco tempo que os caras se mantém na ativa e por sinal continuam produzindo coisas bastante boas. Mas, sem dúvida, "Vegas" se destaca não somente entre seus trabalhos, como também entre os grandes clássicos do gênero. Talvez o tempo nos ajude a entender a verdadeira dimensão do Crystal Method e de sua obra dentro da música eletrônica. O tempo, o tempo...
“Nem estou acreditando que estou chegando nos 50. Esse projeto não é só sobre mim: é sobre todas as pessoas que me ajudaram a não desistir”.
Criolo
Que Criolo é o cara da nova música brasileira, isso já se sabe. Que este músico paulista, iniciado no rap, desenvolveu-se em tudo que é gênero musical, do samba ao afrobeat, também não é novidade. Que é um poeta raro, idem. Que é um dos artistas mais inovadores e influentes da música brasileira contemporânea, igualmente é outra certeza, assim como que ele já ocupa o panteão dos grandes da MPB. Porém, o palco ainda era uma dúvida, pois parecia carecer de uma afirmação. Afinal, é ali que se confirma um grande artista. É onde sua alma é impressa. Já havíamos Leocádia e eu assistido alguns shows de Criolo pela tevê, uns melhores e outros nem tanto. Mas o que não era possível captar à distância era justamente aquilo que se pode confirmar na inesquecível apresentação deste artista no Araújo Vianna, em Porto Alegre: a impressão de sua alma. E ela estava lá.
Comemorando seus 50 anos de idade - uma vitória para um rapaz preto e da periferia num país aporofóbico e racista, como ele mesmo observou -, Criolo e sua ótima banda mandaram ver num show empolgante, pois bem realizado em todos os aspectos: som, luz, projeções/arte, narrativa, repertório e, o mais importante, sintonia com a plateia. O carisma, a vibe zen e o bonito vocal de Criolo, dotado de pouca extensão mas que funciona mais em estúdio, é compensado, no palco, pela energia e o vozeirão do MC e DJ DanDan, parceiro antigo. Eles comandam o show, que percorre, num apanhado cirúrgico, o repertório dos cinco álbuns solo de carreira de Criolo dando especial destaque aos excelentes "Nó na Orelha" (2011) e "Convoque seu Buda" (2014), e o seu último, "Sobre Viver" (2022), além do disco de samba "Espiral da Ilusão" (2017).
Foram só pedradas, novos clássicos da música brasileira. Começando por "Mariô" e "Duas de Cinco", que abrem a apresentação puxando versos impactantes: "Tenho pra você uma caixa de lama/ Um lençol de féu pra forrar a sua cama/ Na força do verso a rima que espanca/ A hipocrisia doce que alicia nossas crianças" ou "Compro uma pistola do vapor/ Visto o jaco califórnia azul/ Faço uma mandinga pro terror/ E vou". Seguiram-se "Sistema Obtuso" e "Esquiva da Esgrima", esta, das preferidas do público. Em "Ogum Ogum" e "Iemanjá Chegou", duas de "Sobre...", Criolo abre espaço para a religiosidade afro, assim como faz para outros dois blocos distintos. Um deles, o momento reggae, em que canta "Samba Sambei" e "Pé de Breque", além de um novo arranjo para o rap "Sucrilhos", agora ao estilo de Bob Marley.
A clássica "Subirodoistiozin" pondo o
público gaúcho para cantar
Outro ponto especial é a parte reservada ao samba, gênero que Criolo domina como poucos. O divertido partido-alto "Lá Vem Você" e o samba-canção engajado "Menino Mimado", ambas de "Espiral...", se juntam a "Linha de Frente", célebre samba de encerramento de "Nó..." ("O nó da tua orelha ainda dói em mim/ E Cebolinha mandou avisar/ Que quando a 'fleguesa' chegar/ Muitos pãezinhos há de degustar") em que Criolo já anunciava essa sua verve composicional.
Mais clássicos contemporâneos: "Grajauex", "Não Existe Amor em SP", cantadas em coro pelo público, e "Subirodoistiozin", que ganha, ao final, um arrasador arranjo drum 'n' bass do DJ DanDan. Para fechar, uma versão do samba triste de Benito Di Paula "Retalhos de Cetim" ("Mas chegou o carnaval/ E ela não desfilou/ Eu chorei na avenida, eu chorei...") e o matador rap-ninja "Convoque seu Buda" para encerrar, quando todos fizeram o tradicional movimento de balançar a mão de cima para baixo como nos clipes de hip hop.
Se faltava a Criolo o atestado do palco, o show do Araújo Vianna foi uma mostra de que, chegado aos 50 anos e experiente como artista, não falta nada mais a ele, Sua alma estava lá, definitivamente. E se lhe foi uma vitória chegar ao primeiro meio século, esperamos que o Brasil lhe oportunize a partir de agora novos 50 anos de brilho, dignidade e sucesso. Ele merece.
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Aguardando Criolo!
Começando o show com alta energia
Criolo em sintonia com o público
Seja rap, soul, samba, afrobeat: Criolo manda bem no que vier
Sessão de samba do show
A linda projeção completando a arte do espetáculo
O rap se mistura à musicalidade brasileira no trabalho de Criolo
A Nasa tá se quebrando pra entender o comportamento do cometa 3I/Atlas. Mas o que vai dar mesmo um nó nos cientistas é desvendar a composição do MDC desta semana. Elementos como Luiz Gonzaga, Michael Jackson, Dr. Feelgood, Banda Black Rio e Elis Regina formam uma química improvável. Ainda mais atônico é o nosso homenageado do Cabeção, o italiano Luciano Berio, que faria 100 anos. Enquanto o corpo interestelar ziguezagueia na direção da Terra, a gente escuta o programa 433 bem de boas, às 21h, na celeste Rádio Elétrica. Produção, apresentação e só de olho no céu: Daniel Rodrigues
Sabe quando um time não tá funcionando bem, pinta aquela crise no vestiário e um setor começa a reclamar do outro? O pessoal do ataque cobra da defesa por tomar tantos gols, mas aí o pessoal da zaga argumenta que os atacantes não tem a menos noção da dificuldade que é marcar porque nunca se preocupam com isso e não ajudam nem na saída de bola. Os dianteiros, por sua vez, se defendem alegando que o meio deveria colaborar mais, que jogam muito espaçados e que o volante deveria proteger a área. Aí é a meiúca que acusa os laterais de avançarem muito e deixarem a parte defensiva muito exposta. Os homens dos flancos, por seu turno, ofendidos, alegam que tem que ir e voltar o tempo todo e que ninguém trabalha como eles no time... "Queria ver se fossem vocês!", dizem. Enfim, ninguém se entende!
No nosso duelo cinefutebolístico da vez, pegamos dois filmes em que, exatamente, uma personagem não tem a exata noção das dificuldades da outra e acaba precisando viver na pele os problemas do outro lado para perceber que perrengues não são exclusividade sua.
"Se eu Fosse Minha Mãe" e "Sexta-Feira Muito Louca" têm basicamente a mesma história. Mãe e filha, intolerantes às questões da outra, depois de uma discussão (mais uma!!!) acabam por um incidente metafísico trocando de lugar, mudando de corpo. A mãe no corpo da filha e a filha no corpo da mãe, mas com a mesma cabeça, os mesmos conceitos, os mesmos pensamentos e preocupações. Em nome de manter as aparências e tentar deixar as coisas sob controle até que, de alguma forma, tudo volte ao normal, elas concordam em assumir seus papéis durante aquele dia e cumprir as tarefas uma da outra. Aí é passar um dia encarando os desafios cotidianos do outro lado tão subestimados por cada uma delas.
No original de 1976, a mãe, Ellen, vivida por Barbara Harris, é meramente uma dona de casa e suas particularidades basicamente se limitam à rotina do lar, como preparar a comida, lavar a roupa, cuidar do marido, solicitar manutenções, etc., retrato da época e do padrão desejado para uma mulher na sociedade dos anos 70. O universo da filha Annabelle, vivida por uma jovem Jodie Foster ainda em seus tenros 14 anos, além da escola, do convívio das amigas, inclui atividades esportivas nas quais, por sinal, ela se destaca, como hóquei e esqui aquático, o que representará dificuldades adicionais a quem assuma sua identidade.
Não precisaria nem dizer que a filha, no corpo da mãe, em casa tendo que atender o fogão, máquina de lavar, serviços de entrega, relações sociais e tudo mais, fica perdidinha e só toma decisões erradas. E a mãe, na escola, no corpo da filha, além de perceber que o universo escolar é mais complexo do que imaginava, nas atividades extraescolares não terá a menor destreza com tacos de hóquei, esquis e coisas do tipo.
Na refilmagem de 2003, a atualização é preciosa e rende muitos ganhos à nova versão. Tess, a mãe, interpretada por Jamie Lee Curtis, é uma mulher independente, de sucesso, trabalha fora, é viúva mas tenta dar uma nova chance à sua vida com um novo parceiro que, por sinal, é muito mal recebido pela filha adolescente Anna, ainda muito sentida pela perda recente do pai. Anna tem preguiça pra acordar pra ir pra escola, briga com o endiabrado irmãozinho menor, não é má aluna mas tem suas dificuldades na escola, seja com outras meninas, seja com professores implicantes. Tem uma quedinha por um gatinho da escola, tem personalidade forte, discute com a mãe por quase tudo e tem uma banda de rock que além de seu lazer, seu prazer, é quase seu escape para todo os estresses do dia a dia. O problema é que a mami não vê bem assim. Acha que é só uma barulheira, é só mania, brincadeira de adolescente, que não tem importância alguma e no dia que pode ser o mais importante para o futuro musical da filha, ela quer pôr seu interesse à frente obrigando a garota a ir em sua festa do noivado com o futuro padrasto. Aí não, né! É claro que vai dar treta! Tá certo que Anna tem que entender que a mãe precisa de uma nova chance na vida, passado o luto, e que aquele é um momento especial, mas Tess também podia ter um pouquinho de noção que uma batalha de bandas, uma chance de mostrar seu talento, exibir aquilo que você curte e faz bem, de se autoafirmar como pessoa, é algo que não se pode deixar passar.
Só esse recorte já demonstra o quanto "Sexta-Feira Muito Louca" é mais bem estruturado, mais bem costurado, bem construído, ao passo que o outro tem questões pontuais, dilemas mais isolados e o problema final que é o de Ellen no corpo da filha tendo que participar de uma demonstração de esqui, enquanto Annabelle no corpo da mãe, com uma licença de adulto mas sem nenhuma prática na direção, tem que dirigir até o local do evento aquático para impedir que algo de pior aconteça à filha..., digo à mãe..., a mãe que na verdade é filha... Ah, sei lá! Até já me confundi.
Fato é que o remake é muito superior. A própria troca de papéis tem uma "lógica" mais justificável na segunda versão, com os biscoitos da sorte no restaurante chinês, do que no primeiro filme quando se dá simplesmente durante mais uma discussão na qual ambas acabam falando ao mesmo tempo. Sem falar na rotina escolar de Anna, no cotidiano mais complexo da mãe, na relação mais engraçada da garota com o irmão, a situação do namoradinho que se encanta com a mulher mais velha, que no primeiro é meramente um bocó da vizinhança enquanto na refilmagem é um gatão de moto e que tem participação relevante em um elemento importante da trama. Ou seja, "Sexta-Feira Muito Louca" tem tudo para passar por cima de "Se Eu Fosse Minha Mãe".
Mas futebol e cinema se decide dentro das quatro linhas e, apesar das aparências, o filme de 1976 não é nenhuma galinha-morta. Dois times com boas duplas de ataque! De um lado, "Se eu fosse minha mãe" tem a belíssima Barbara Harris num papel até bem competente dadas as limitações do personagem, e a jovem Jodie Foster que viria a ter dois prêmios The Best FIFA na estante (ou seja, dois Oscar da Academia) mas que até aquele instante era apenas mais uma boa promessa do sub-15. Mas se não era possível prever que no futuro aquela adolescente sardentinha seria uma oscarizada, quem apostaria que um dia a final-girl de Halloween, Jamie Lee Curtis também teria um Oscar pra chamar de seu? Pois é, alguns anos depois, uma das primeiras rainhas do grito, também viria a levar seu 'premio FIFA' por "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". Ou seja, se o negócio é prêmio grande, TEMOS. E pros dois lados.
Já a mãe da versão original e a filha da versão nova, nunca chegaram a ter essa projeção toda, embora Harris tenha recebido uma indicação ao Oscar e Lindsay Lohan tenha sido um ícone de sua geração especialmente nas comédias juvenis. O problema com LL é que foi tipo aquele jogador porra-louca que teve bom desempenho em duas ou três temporadas depois de subir pro profissional mas estragou tudo e jogou a carreira fora.
Mas, pasmem, aqui, no estágio da carreira de cada uma, a Lindsay 'Lôca', supera a bi-oscarizada Jodie Foster. O retrato de adolescente, as particularidades da sua época, as atualizações do roteiro, a parte musical, favorecem enormemente a maluquete dos anos 2000 e ela desequilibra a favor do seu time.
"Se Eu Fosse Minha Mãe" - Abertura
Apesar de tudo indicar uma vitória fácil do remake, para surpresa geral, o original é quem abre o placar nos primeiros segundos de jogo. A abertura em animação, graciosa e cativante é um diferencial do time de 1976. Muito bonitinha! Gol relâmpago! SEFMM 1x0.
Mas parece que era tudo que o time setentista tinha para dar. A dinâmica do remake, os contextos familiar e escolar, a atualização do olhar sobre a mulher, a introdução do elemento do padrasto, a existência da banda, tudo isso representa um ganho considerável para o novo filme. Jogada coletiva, toca daqui toca de lá e SFML empata rapidamente. 1x1.
Numa tabelinha espetacular de Jamie Lee Curtis com Lindsey Lohan, SFML faz o segundo. As situações em que elas contracenam logo após a troca, quando compreendem que mudaram de corpo e teriam que encarar pelo menos um dia daquele jeito, são de se mijar de rir. Cada uma pegando as falas, as manias, os trejeitos da outra é algo absolutamente hilário! Experiência aliada à juventude e SFML vira o jogo: 1x2.
Por falar em experiência e juventude, a cena em que o crush de Anna, Jake, um rapaz da escola que ajuda na detenção, dá carona de moto para a mãe, achando que está caidinho por ela (mas é pela filha), além de saborosa e engraçada, é embalada por uma versão matadora de Joey Ramone para o clássico "What a Wonderfull World". Aí não tem como, né? É gol do time de 2003. 1x3 no placar.
"Sexta-Feira Muito Louca" - cena da moto
"What a Wonderfull World", Joey Ramone
A relação com o irmão menor é mais engraçada na segunda versão mas não faz tanta diferença para representar um gol; a origem da "maldição", com o restaurante chinês, o biscoito da sorte e tudo mais é apenas mais bem resolvida na refilmagem que o do original, mas não chega a ser nada genial e não representa, um diferencial considerável. O que faz a diferença, sim, é a sequência final que, enquanto no primeiro filme se resume a uma desastrada demonstração de esqui aquático e uma perseguição automobilística totalmente pastelão, na nova versão tem o clímax dividido entre a festa de noivado da mãe e a batalha de bandas da filha, colocando frente a frente os interesses de cada uma e a capacidade de compreender a necessidade da outra. A sequência toda culmina em nada menos do que um show de rock com um solo de guitarra de Anna, no corpo da mãe Tess, salvando a própria pele, uma vez que a quem está ali no palco, pelo menos em corpo, é ela mesmo. Literalmente..., show!1x4.
Num jogo realizado numa sexta-feira e em que tudo parecia fora do lugar - o volante jogando de ponta esquerda, o zagueiro de centroavante, o lateral na meia - "Sexta-Feira Muito Louca" mostra mais qualidades, mais variações de jogo, troca de posições, e atropela seu original dos anos '70. Se eu fosse a Jodie Foster, eu chamava minha mãe porque a surra foi feia.
Pois é, futebol moderno exige que os jogadores atuem em mais de uma função. Tem que aprender a jogar na posição da outra. (À esquerda, Annabelle e Ellen, na primeira versão, e à direita, Anna e Tess, na refilmagem)
Fazia um bom tempo que não assistíamos alguma apresentação da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, a Ospa. Houve uma época, anos atrás, em que particularmente ia com certa frequência aos concertos, geralmente ocorridos no Salão de Atos da UFRGS desde que a orquestra ficara sem casa após a desativação do Teatro da Ospa, em 2008. Porém, a Ospa ganhou um novo endereço a pouco tempo, o Complexo Cultural Casa da Ospa, aberto em 2018, e que inclusive é perto de onde moramos.
A oportunidade de revermos o grupo e de conhecermos, enfim, a nova sede, surgiu, então, a partir de um convite do amigo Javier Balbinder, músico e segundo-oboé da Ospa. E a atração não podia ser melhor: assistir ao ensaio de “Os Saltimbancos”, programada para a sessão em homenagem ao Dia das Crianças, dali a dois dias. Numa agradável noite e na ainda mais agradável companhia de Javier, Leocádia e eu fomos vê-los tocar a famosa peça infantil de Chico Buarque, Sérgio Bardotti e Luis Bacalov, que tanto ouvimos na nossa vitrola há tantos anos, seja a trilha da peça, de 1977, quanto a do filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, de 1982, o qual guardamos a memória de infância de assistir no cinema.
Embora fosse um ensaio, tendo na plateia basicamente famílias dos músicos e dos integrantes dos coros infantil e jovem da orquestra – essencial para o arranjo d”Os Saltimbancos” -, a execução foi mesmo pra valer. Ou seja: além da caracterização dos cantores/atores (a Galinha, o Jumento, o Cão e a Gata), que já nos ajuda a mergulhar na cenicidade, os músicos tocaram como se estivessem na apresentação oficial.
Após o enseio da primeira parte, a peça também infantil "Tubby, a Tuba", de George Kleinsinger, e que teve narração e Simone Rasslan e solo de Wilthon Matos, veio então a parte principal. A primeira peça infantil de Chico bem poderia ser classificada como “manifesto comunista para crianças”, dado seu teor político contestatório – e de esquerda. Desde o início, com a deliciosa “Bicharia” (“Au, au, au. Inha in nhó/ Miau, maiu, miau/ Cocorocó”, quem não reconhece?), a mensagem está posta: “O animal é tão bacana/ Mas também não é nenhum banana”. O brilhante monólogo do Jumento, que vem logo na sequência com seu tema, é trazido com a boa interpretação de Daniel Schilling, que adiciona um leve sotaque caipira ao personagem, toque bastante pertinente da diretora cênica Carol Braga.
Trecho da divertida canção do
Jumento de Os Saltimbancos
A cativante trilha de “Os Saltimbancos”, regida por Manfredo Schmiedt, foi tocada, então, exatamente na ordem, com momentos engraçados, como nos devaneios da bicharada em “A Cidade Ideal” (‘A cidade ideal da galinha/ Tem as ruas cheias de minhoca/ A barriga fica tão quentinha/ Que transforma o milho em pipoca”, por exemplo), ou o cachorrinho (vivido por João Boff) contando de sua trajetória até ali em “Um Dia de Cão”, obedecendo a qualquer um que o trate bem (“Sim, vossa Galinidade!”, diz certa hora à Galinha). “História De Uma Gata”, originalmente na voz de Nara Leão e imortalizada na de Lucinha Lins, para a trilha do filme, neste belo concerto da Ospa quem assume o microfone é a pequena e graciosa Maitê Ely. Já a Galinha, feita por Pablo Pinho, também entrega cenas espevitadas como a personagem.
Mas, principalmente, a apresentação nos emocionou. Em “Minha Canção” e na politicamente revolucionária “Todos Juntos”, além do discurso humanista e do posicionamento do lado certo da história, é impossível não sair tocado pela doçura da obra em si, um primor de música popular brasileira para criança, algo que poderia ter como sigla MPBC. E com a densidade da orquestração e o coro infantil da Ospa, tudo ganha ainda maior dimensão. Um belo programa – antecipado – para alimentar de cultura e beleza as nossas eternas crianças.
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Ospa ensaiando Os Saltimbancos como se fosse pra valer
Daniel Schilling no brilhante monólogo do Jumento
O atrapalhado e servil Cão vivido por João Boff
A espevitada Galinha por Pablo Pinho
A pequena Maitê Ely faz uma graciosa Gata, destaque entre os solistas
"História de Uma Gata":
"Nós gatos já nascemos pobres..."
Hora da balada "Minha Canção", com os quatro personagens em uníssono
Para finalizar lindamente, a engajada "Todos Juntos":
Será mesmo que a polícia francesa não se deu conta de que o roubo das joias do Louvre é coisa do Arsène Lupin? Intrépido e certeiro assim como o personagem de Leblanc é o MDC, que terá somente joias preciosas na edição de hoje. The Beatles, Cypress Hill, Vitor Ramil, Talking Heads e Miúcha são alguns dos que vão brilhar. Reluzindo igualmente, o ouro negro Grande Otelo, que completa 110 anos de seu nascimento. Roubando a atenção de muita gente, o programa vai entrar pelas janelas às 21h na sorrateira Rádio Elétrica. Produção, apresentação e joias bem escondidas: Daniel Rodrigues