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quarta-feira, 27 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #363

 

O que as câmeras do Times pegaram a Embaixada da Hungria não foi nenhuma atitude suspeita: é só o pessoal fujão querendo saber se lá dentro dá pra ouvir o MDC desta quarta. Sem se esconder de ninguém, o programa hoje terá Caetano Veloso, The Belovead, Bebel Gilberto, Lobão, Bauhaus, Gal Costa e mais. Quem também dá as caras é Michael Nyman, no Cabeção. Com asilo político da Rádio Elétrica, vamos ao ar hoje às 21h. Produção, apresentação e passaportes confiscados: Daniel Rodrigues.


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quarta-feira, 20 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #362

 

Vocês já sabem, mas não custa repetir: o MDC é a melhor vacina. Com a carteirinha em dia, o programa terá doses consideráveis de boa música com Ministry, Carolina Maria de Jesus, Zé Rodrix, The Troggs, Beth Carvalho e mais. Tem até Cabeça dos Outros, e tudo de graça como injeção na testa. Sem fraude no cartão vacinal, vamos ao ar às 21h na imunizada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e certificado autêntico: Daniel Rodrigues



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quarta-feira, 13 de março de 2024

Música da Cabeça - Programa #361

Não é inabilidade da Kate Middleton, não, gente! Ela só tava querendo chamar atenção pro MDC desta quarta, entenderam? Vê só como a estratégia deu certo: estão em destaque Elton Medeiros, Helmet, The Claypool Lennon Delirium, Marisa Monte, The Smiths e Ira!, todos devidamente destacados. Ainda, os 50 anos de discos clássicos da música internacional feitos por mulheres, que estão no seu mês. Acertando o jogo dos 7 erros, o programa vai ao ar hoje às 21h, na sabichona Rádio Elétrica. Produção, apresentação e aulinha de Photoshop: Daniel Rodrigues


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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #358

 

Andam dizendo que o ciclone Akará não é nada perto do furacão que o Brasil tá enfrentando no campo diplomático... Preparado para chuvas e trovoadas está o MDC de hoje, que vai ter New Order, Portela, My Bloody Valentine, Karnak e mais. No Cabeça dos Outros, ainda, Caetano Veloso, e um Palavra, Lê pela memória do revolucionário nicaraguense Sandino. Sem declarações bombásticas, o programa hoje vai ao ar às 21h na bem grata Rádio ELétrica. Produção e apresentação no olho do furacão: Daniel Rodrigues


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sábado, 10 de fevereiro de 2024

Exposição "Artesania Ancestral nos 95 anos da Mangueira" - CRAB Sebrae - Praça Tiradentes - Rio de Janeiro / RJ





O CRAB do Sebrae, Centro de Referência do Artesanato Brasileiro, está com uma exposição muito interessante, bem a propósito do período que ingressamos agora, de carnaval, que é a produção artística artesanal da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, uma vez que, por mais que atuem carnavalescos consagrados, estilistas criativos, quem coloca a mão na massa mesmo e faz acontecer o desfile é a comunidade nos barracões.

A mostra "Artesania Ancestral nos 95 anos da Mangueira" que ocupa oito salas do espaço do Sebrae, no Centro do Rio, traz um pouco da evolução dos desfiles da escola, recupera grandes carnavais e já dá uma mostra do que vem pela frente, inclusive com algumas referências ao aguardado enredo deste ano que homenageia a cantora Alcione.

Miçangas, linhas, plumas, adereços, esboços, figurinos, esculturas de carros, maquetes, fotos de carnavais passados e um pouco da história da escola, tudo isso pode ser visto na belíssima exposição desta que é uma das agremiações carnavalescas mais populares e queridas do Brasil.

Aproveite o clima de carnaval e dê uma passada lá, ou então, vá com tranquilidade e pinte por lá a qualquer outro momento, porque a exposição fica aberta até o início de julho.

Confira abaixo, algumas imagens que fiz por lá:

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Miniatura do desfile da Mangueira na Sapucaí


Logo na escada de acesso, dois belíssimos tótens, com carrancas,
que já decoraram carros alegóricos da Escola.

Manequins com fantasias

Lindíssima fantasia de destaque

Fantasia de ala das baianas

O boi-bumbá relembra o desfile de 2014
mas antecipa o enredo da Maranhense Alcione, pra 2024

Fantasias de outros carnavais na Mangueira

Peças para confecção das alegorias

Aqui, alguns chapéus, túnicas e peças de cabeça

É aqui onde a mágica acontece:
na máquina de costura e no trabalho manual do pessoal do barracão

Desenhos de figurinos para as fantasias

Belíssima maquete do Morro da Mangueira

Reconstituição das tradicionais biroscas do Morro da Mangjueira
cujas mesas viram surgir muitos sambas clássicos

E o blogueiro tomando uma gelada no buteco da Mangueira



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exposição "Artesania Ancestral nos 95 anos da Mangueira"
local: CRAB Sebrae (Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro)
Praça Tiradentes, 69 - Centro - Rio de Janeiro - RJ
período:  até 01 de julho de 2024
visitação: de terça a sábado, das 10h às 17h
ingresso: gratuito




por Cly Reis

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Ivan Lins - "Modo Livre" (1974)

 

"Mas elas [as músicas] começaram a ficar mais políticas a partir de 1973, por aí, quando a gente sentiu mesmo a barra pesar com o Médici, e aí elas realmente assumiram o aspecto político. Até por uma questão pessoal mesmo, eu tive problemas, tive que fazer terapia, me revoltei contra a família, contra o governo, contra TV Globo e editoras, gravadoras." 
Ivan Lins

Há motivos para que a grandeza de Ivan Lins não seja ainda totalmente reconhecida ainda hoje. Isso remonta aos tempos da Ditadura Militar no Brasil, período não só crucial para o artista como aquele em que este melhor desenvolveu a sua música. O pivô desse dissabor? A esquerda. Assim como calhou recair sobre as cabeças de gente como Elis Regina e Wilson Simonal julgamentos pesados de que estariam favorecendo os milicos em razão de episódios até hoje mal explicados, com Ivan Lins a patrulha política também não perdoou. Nem a convivência constante com "malditos" como Gonzaguinha e Aldir Blanc, jovens universitários dos tempos da faculdade de Engenharia Química na Federal do Rio de Janeiro, aliviaram-lhe a pecha de alienado ou entreguista quando sua ufanista "Meu Amor É Meu País" conquistara o segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1970 - música que integraria seu disco de estreia, "Agora", de um ano depois. 

Para piorar: a mesma música foi adotada pela Varig, àquela época um orgulho nacional do mesmo patamar que Petrobras, como tema oficial dos voos internacionais da companhia. Mas tudo que é ruim pode piorar. A coisa azedava de vez quando se olhava para a genealogia de Ivan, que era filho de Geraldo Lins. Almirante Geraldo Lins. Se havia ranço, isso fazia com que os pelos dos detratores se ouriçassem.

Acontece que, assim como vaiaram a velada canção de exílio "Sabiá" no FIC de 1968 por esperarem de Chico Buarque, um de seus autores junto com Tom Jobim, uma canção tirada direto do Livro Vermelho de Mao, "Meu Amor É Meu País" também passou longe de ser compreendida. Nacionalista? Sim, mas com certa melancolia, como que captando a maravilha de pertencer àquela nação recentemente tricampeã mundial, mas de uma sociedade profundamente dividida e infeliz. Metáforas como: "Não importa qual seja a dor/ Nem as pedras que eu vou pisar" soaram deveras fracas para demonstrar que aquilo não se tratava de propaganda para o governo linha-dura de Médici e, sim, um ensaio para os inúmeros versos contundentes contra a Ditadura que Ivan musicaria pouco tempo dali. 

O “cancelamento” por parte da esquerda, compreensível dado o contexto sufocante da Ditadura, funcionou. Mesmo com o sucesso de sua de "Madalena" na voz de Elis, parceria com Ronaldo Monteiro de Souza, em 1971, Ivan precisou, naquele momento, recolher-se para se reinventar. "Quem Sou Eu?" perguntava a si mesmo no disco de 1972. O questionamento veio com ação: rompeu o contrato com a gravadora Phillips e assinou com a RCA Victor, brigou com a Globo, onde apresentou por um tempo com Elis o programa Som Livre Exportação, e se desentendeu até em casa. Chutou o (necessário) balde. A auto-resposta veio dois anos depois e, parafraseando outro título de álbum seu, acionando o "Modo Livre". Como uma autoproclamação. Liberto tanto da esquerda quanto da direita, Ivan encontra na rebuscada musicalidade, no elaborado arranjo de Arthur Verocai e nas letras políticas o caminho que era seu. 

Ivan achou, depois do autoexílio existencial, o discurso e a forma de dizê-lo em letra e música, formando aquele que é certamente o mais corajoso e desafiador cancioneiro de toda a MPB a favor da liberdade de seu país, liberdade que havia sido sequestrada há exatamente 10 anos desde o Golpe Militar de 1964. Ninguém na música popular brasileira ousou dizer tantas verdades ao regime e de forma tão incisiva, seja em palavras tristes e desesperadas, seja em figuras de linguagem repletas de duplos sentidos que, às vezes, de tão inteligentemente invocadas, pareciam literais. Talvez por isso passavam ilesas do carimbo da censura. "Nunca tive problemas com a censura, sou um privilegiado. Só lamento que ela ainda exista", disse em entrevista à revista da USP em 1978. Enquanto Chico, o amigo Gonzaguinha, Milton Nascimento e até Odair José enfrentavam dificuldades com o SCDP, Ivan aproveitava a descendência familiar para lançar mais do que um disco, mas um projeto modulado pela liberdade de expressão que duraria anos. 

Parceiro de outras canções e autor de outros gritos contra a Ditadura (como “Pesadelo”, “Minha Missão” e “Aviso aos Navegantes”), Paulo César Pinheiro assina com Ivan o samba de abertura: "Rei do Carnaval". Óbvio que o “rei” a que se referiam não era o momo e que o “carnaval” se revestia de cinismo para denunciar o cenário nada festivo de então. “O rei chegou/ Mas pra nosso desespero/ O rei mandou/ E era a voz do rei guerreiro”. Que começo! Um marco da “virada de chave” na vida e na obra de Ivan. Até mesmo o jeito de cantar é influenciado pelo “projeto Modo Livre”, uma vez que havia ficado pra trás a impostação da voz dos primeiros trabalhos para um canto mais natural e, sendo redundante, livre. Ivan percebera que sua voz afinada e de timbre doce estava menos para Toni Tornado e mais para Caetano Veloso.

Estava dada a mensagem inicial: Ivan não ia se calar. Havia decidido que diria o que precisava. Tanto é que, na sequência, emenda com um clássico do seu repertório, sucesso um ano antes na voz da cantora e compositora Claudya: “Deixa eu Dizer”. Bastante conhecida do público de hoje por conta do sample de Marcelo D2 para a sua “Desabafo”, de 2008, é outra parceria com Ronaldo Monteiro das seis que têm no disco. Quem não conhece os versos: “Deixa, deixa, deixa/ Eu dizer o que penso dessa vida/ Preciso demais desabafar”? Porém, na voz do seu autor, este samba-canção ganha outra potência, pois carregada de teor político. “E você não tem direito/ De calar a minha boca/ Afinal me dói no peito/ Uma dor que não é pouca”. Que coragem de dizer isso em plenos Anos de Chumbo!

Não somente nas letras, mas a própria sonoridade de Ivan se encorpa a partir de “Modo Livre”. Filho musical da bossa-nova, pianista harmônico como seu ídolo Tom, Ivan, experenciado na música desde a adolescência, une com talento único o samba, o jazz e a soul music, sempre com um refinamento próprio dos grandes. Tanto que sua música encontra semelhanças com a da turma do Clube da Esquina, em especial a de Toninho Horta e de seu outro ídolo, Milton. Com essa amplitude de referências Ivan musica a brejeira “Avarandado”, de Caetano, dando cores mais cintilantes à bossa-nova quase silenciosa que João Gilberto fizera no seu disco de um ano antes. 

“Tens no meu sorriso tua agonia.” Com uma sentença forte como esta, Ivan inicia "Tens (Calmaria)", aviso aos militares que eles podem ter “no quarto um cão vigia” e a “valentia”, mas que, resistente, “só na minha morte então terás tua calmaria”. Com o apoio luxuoso da MPB-4 a partir da segunda metade, esta fantasia se torna um samba-canção, cadenciado no ritmo de um bumbo triste. E isso, como diz a música seguinte, “Não tem Perdão”. Clara referência às torturas promovidas pela Ditadura, esta bossa-nova espelha a arte da capa do disco, em que o músico está com o corpo inteiramente submerso na água e só com a cabeça para fora e um olhar de soslaio que parece humilhado. “Não vou deixar/ Nem você nem ninguém/ Me envolver/ Me arrastar e me rasgar/ E espalhar/ Meus retalhos pelo mundo afora”. Quanto esforço de Ronaldo Monteiro para dar duplo sentido e fazer com que esses versos passem a ideia de se tratar apenas de um amor dissolvido.

“Modo Livre” representa ainda outro marco na carreira de Ivan e na história da música popular brasileira moderna, que é o seu encontro com Vitor Martins. Letrista da maioria de suas composições e com quem escreveria diversos clássicos da MPB a partir de então, como “Aos Nossos Filhos” (1978), “Começar de Novo” (1979) e “Novo Tempo” (1980), é deles, no disco, "Abre Alas". E nada melhor que começar uma parceria com um sucesso. Regravada por diversos artistas nacionais e internacionais, entre eles Sarah Vaughan, George Robert, Quarteto em Cy e Tânia Maria, este samba tem na força do refrão (“Abre alas pra minha folia/ Já está chegando a hora”) sua marca. Porém, nem por isso deixa de, assim como o repertório todo, cutucar os repressores: “A vida não era assim, não era assim/ Não corra o risco de ficar alegre/ Pra nunca chorar”.

O ritmo é de bossa-nova, mas a melodia vocal alta contrasta com a harmonia refinada, provocando uma verdadeira dissonância. Também pudera para uma música que se chama “Chega”. Novamente recorrendo a um suposto caso de amor para denunciar os crimes de tortura, Ivan canta versos como: “Chega/ Você não vê que eu estou sofrendo?/ Você não vê que eu já estou sabendo?/ Até onde vai esse seu desejo”. E continua de forma autoavaliativa, que responde tanto aos militares quanto ao Partidão: “Chega, preciso estar com pessoas/ Falar coisas ruins e coisas boas/ Botar meu coração na mesa/ As pessoas tem que gostar de mim/ Como eu sou e não como você quer que eu seja”.

Com lindo arranjo de Verocai, “Espero”, a qual contém na letra o termo que dá título ao disco (“E mergulhando em meu peito/ Um modo livre que foi desfeito/ Com o tempo”) não dá respiro no grito libertário e denunciativo a que o artista se propôs. Canta um tempo que aguarda ansiosamente que chegue, ou seja: que o pesadelo da Ditadura acabe. O fantástico samba-jazz “Essa Maré” (“Eu que queria e só queria/ Ser feliz, feliz um pouco/ E já não posso mais”) tem na flauta do trio Celso, Copinha e Jorginho um alívio para tanto padecer. O que não alivia é a jobiniana “Desejo”, de pura melancolia: ”Quando você/ Por ai me encontrar/ Esqueça do fim, venha/ E faça de mim desejo/ Seus risos, seus ais/ Nas noites, no cais”.

Ivan encerra o álbum como começou: com metáforas. Desta vez, ele pega sambas antigos e os ressignifica, trazendo-os para a realidade dura de então. Caso de “General da Banda”, clássico na voz de Blecaute, em 1949, “A Fonte Secou”, sucesso com Monsueto em 1954, e “Recordar”, esta, gravada por Gilberto Mendes em 1955. Versos como “Eu não sou água/ Pra me tratares assim”, ou “Chegou o general da banda”, aparamentes inocentes, ganham novos sentidos na sua voz. Ivan não precisa nem recorrer às próprias palavras para dizer o que estava implícito. 

Seja por desatenção ou ignorância dos censores, a música fortemente denunciadora de Ivan não se limitou apenas a este disco, mas a uma série irrepreensível produzida ao longo de 6 anos. Não se estranhe que "Chama Acesa", de 1976, "Somos Todos Iguais Nesta Noite", 1977, "Nos Dias De Hoje", 1978, e "A Noite", 1979, apareçam aqui como álbuns fundamentais à medida que, como “Modo Livre” em 2024, completem 50 anos de lançamento. Afinal, são obras marcantes em proposta e qualidade de um dos maiores nomes da música brasileira, reconhecido internacionalmente pela crítica e por gente do calibre de Ella Fitzgerald, George Benson, Ed Motta, Quincy Jones e Barbra Streisend, mesmo alguns que (ainda) lhe torçam o nariz em terras tupiniquins. 

O tempo se passou e Ivan, como não poderia deixar de acontecer, distendeu a corda a partir dos anos 80 de Diretas Já!. A tal "chama", que intitula o disco sucessor de "Modo Livre", havia, se não apagado, naturalmente diminuído. Porém, o que ele fez naquela segunda metade de anos 70, um dos períodos mais sombrios para o Brasil enquanto nação, está gravado na história da música brasileira como um ato guerrilheiro. Foi como se o artista, "entre espadas e rodas de fogo”, pegasse em armas e tomasse para si aquela batalha em nome do povo, de seus irmãos, a qual tivera em "Modo Livre" o primeiro tiro disparado. 

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FAIXAS:
1. "Rei do Carnaval" (Ivan Lins, Paulo César Pinheiro) - 2:31
2. "Deixa Eu Dizer" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:12
3. "Avarandado" (Caetano Veloso) - 3:15
4. "Tens (Calmaria)" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:03
5. "Não Tem Perdão" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 3:45
6. "Abre Alas" (Ivan Lins, Vitor Martins) - 3:12
7. "Chega" (Ivan Lins) - 3:27
8. "Espero" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:23
9. "Essa Maré" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:14
10. "Desejo" (Ivan Lins, Ronaldo Monteiro) - 2:19
11. Potpourri - 2:32
11a. "General Da Banda" (José Alcides, Sátiro de Melo, Tancredo Silva)
11b. "A Fonte Secou” (Marcléo, Monsueto Menezes, Tufic Lauar)
11c. "Recordar" (Adolfo Macedo, Aldacir Louro, Aluisio Marins)

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OUÇA O DISCO:
Ivan Lins - "Modo Livre"


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Música da Cabeça - Programa #355

Saiu a lista do Oscar! Mas o quê: o MDC não tá concorrendo? Pode não ser oscarizável, mas ninguém bate a gente em trilha original. Ainda mais com um elenco desses: Groover Washington Jr., Uakti, Criolo, Erika Badu e mais. No Cabeção, estrelando: Françoise Hardy, que completou 80 anos. Sem estatueta mixuruca e nem tapete vermelho, o programa de hoje vai ao ar às 21h na autopremiada Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues (Essa Academia não entende de nada.)


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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Criolo - “Convoque seu Buda” (2014)

 

'Convoque seu Buda' fermenta a massa modelada no antecessor 'Nó na Orelha', álbum que projetou e consagrou Kleber Cavalcante Gomes, cantor e compositor das quebradas que, comendo pelas beiradas, vem flertando com ícones da linha de frente da MPB.  'Convoque...' jamais ultrapassa a fronteira delimitada por 'Nó...', mas aprimora a receita sonora do álbum anterior."
Mauro Ferreira, crítico musical

Quando “Convoque seu Buda” foi lançado, no final de 2014, Criolo já ocupava seu merecido lugar no panteão dos grandes da música brasileira. “Nó na Orelha”, seu antecessor de três anos antes, havia garantido este posto ao cantor e compositor paulista ao lado de colegas do gabarito de Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. Obras como “Subirodoistiozin”, “Não Existe Amor em SP” e “Grajauex” eram provas incontestes de que, depois de muitos anos, havia surgido um talento acima da média na já tão bem representada MPB, mas carente de novas referências.

Só status, contudo, não era suficiente para Criolo. Para um artista de alto nível e, principalmente, honesto consigo e para com seu público, contentar-se com a atribuição externa seria impensável. Ainda mais porque, indiretamente, espera-se, sim, que grandes artistas sigam produzindo bem e, consequentemente, evoluindo. Por isso, fazer um novo disco só para cumprir tabela lhe soaria, ao mesmo tempo, a mediocridade e calvário. O que se vê em “Convoque...”, além de um Criolo totalmente consciente de seu universo sonoro, é a manutenção de parte da estrutura narrativa da estreia, bem como da veia contestadora e do rap como força-motriz. Mas com acréscimos.

A pegada hip hop está lá, preservada, como na faixa-título e de abertura. Porém, já aí se nota um Criolo mais maduro e dono de uma musicalidade talvez menos instintiva. As referências não-óbvias ao rap samurai da Wu-Tan Clan, bem como a seus ídolos Sabotage e Racionais, chamam o ouvinte para uma experiência diferente. Na letra, a pungência onírica improvável de sua poética: "De uzi na mão, soldado do morro/ Sem alma, sem perdão, sem jão, sem apavoro/ Cidade podre, solidão é um veneno/ O Umbral quer mais Chandon/ Heróis, crack no centro/ Da tribo da folha favela desenvolvendo/ No jutsu secreto, Naruto é só um desenho".

Pronto: foi dada a largada para um novo grande disco de Criolo, que definitivamente não se resume ou se estreita, como “Nó...” já sugeria, apenas ao rap, sua raiz das quebradas paulistas. A musicalidade brasileira afro se homogeneíza fortemente agora. Caso evidente da obra-prima “Esquiva da Esgrima”. Misto de rap e candomblé. E que letra, que refrão! “Hoje não tem boca pra se beijar/ Não tem alma pra se lavar/ Não tem vida pra se viver/ Mas tem dinheiro pra se contar/ De terno e gravata teu pai agradar/ Levar tua filha pro mundo perder/ É o céu da boca do inferno esperando você”. E mais uma evolução visível: Criolo está cantando melhor. Seja nos detalhes de overdubs, nas variações de timbre e até na extensão, seu belo timbre está mais bem trabalhado e aproveitado.

Sem dar fôlego, Criolo apresenta aquela que é ao mesmo tempo a mais pop e uma das mais críticas do álbum: a sarcástica “Cartão de Visita”. Rap de excelente arranjo e cantado por ele com uma debochada voz afetada sobre a frivolidade perversa da alta sociedade, tem a parceira de Tulipa Ruiz no marcante refrão: “Acha que 'tá mamão, 'tá bom/ 'Tá uma festa/ Menino no farol se humilha e detesta/ Acha que 'tá bom/ Não é não nem te afeta/ Parcela no cartão/ Essa gente indigesta”. Nada menos que genial.

Mas Criolo estava, definitivamente, disposto a fazer história. “Casa de Papelão” pode não se tratar da melhor do disco, mas certamente a mais radical aproximação com aquilo que se entende por MPB. O arranjo, primoroso, lembra os dos clássicos discos dos anos 70 assinados por Rogério Duprat, Edu Lobo, Wagner Tiso ou Francis Hime. A música soa épica, densa, imponente. O forte teor social, igualmente, retraz as denúncias musicais e a atmosfera grave dos Anos de Chumbo, como "Cala a Boca, Bárbara", "Demônio de Guarda", "Sacramento", "Café". Deste nível. Criolo, que à época já ensaiava parcerias com Milton, Arthur Verocai e Tom Zé, chegava, sozinho, àquilo que seus mestres o ensinaram.

“Convoque...” tem, assim como “Nó...”, mais uma vez a mão dos produtores Daniel Ganjaman e de Marcelo Cabral nos arranjos, instrumentos e coautorias. Mas não se resume a estes, pois novos parceiros são, como o título sugere, convocados. A turma originalíssima da Metá Metá, donos da musicalidade afro mais raiz da música brasileira, são alguns deles. Seus integrantes, Kiko Dinucci, Thiago França e Juçara Marçal, aparecem em mais de uma faixa e em momentos fundamentais. É o que se vê noutra excelente do repertório, “Pegue pra Ela”, com a sonoridade folclórica dos pífaros tocados por França e a percussão marcante de Maurício Badé, bem como em “Pé de Breque”, dub jamaicano tal como reggae “Samba Sambei” do álbum anterior, compondo uma variação estratégica na narrativa sonora.

O samba, claro, está novamente presente. Repetindo também a "fórmula" de “Nó...”, que trazia o partido-alto "Linha de Frente", agora é vez da sociopolítica “Fermento pra Massa”, crônica urbana que defende em seus versos o direito à greve para se obter melhores condições de trabalho. Interessante que a música tem relação com o que Criolo fez antes, mas também com o que faria depois, a se ver por seu disco só de sambas “Espiral da Ilusão”, que lançaria 4 anos depois, e canções atuais.

Outra com olhar para a música brasileira de outros tempos, “Plano de Voo” carrega na lírica com uma letra extensa e densa que conta com ajuda do rapper Síntese. Encaminhando-se para o fim, a forte “Duas de Cinco” traz o sampler da canção "Califórnia Azul", de Rodrigo Campos, com a voz de Luísa Maita – filha de Amado Maita e de visível semelhança ao timbre da saudosa Beth Carvalho – para abrir a música com um canto melancólico e circunspecto, que dá lugar, aí sim, ao Criolo rapper. "Ela conta uma epopeia sem Ulisses", diz Criolo sobre seu rap-denúncia-confissão. Afinal, o narrador é um sujeito impregnado de "realidade", um sujeito comum que vivencia os fatos fractalmente narrados, sem a homérica intenção de heroísmo. 

A excelente “Fio de Prumo (Padê Onã)”, com os vocais de Juçara e arranjo de Dinucci, inundam de signos brasileiríssimos e põem na boca de Juçara as palavras nagô: "Laroyê eleguá/ Guarda ilê, onã, orum/ Coba xirê desse funfum". Ancestralidade poética, musical, cultura. Resistência, ode, memória. Que forma de terminar um grande disco, aquele que punha definitivamente Criolo entre os maiores. Se “Nó...” serviu para ele abrir a porta ao de muito desvalorizado rap como sendo pertencente ao universo da música brasileira, “Convoque...” solidificou sua posição e desfez de vez qualquer preconceito musical, artístico ou cultural. E pode-se dizer hoje: sim, a linhagem de Noel Rosa, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Gilberto Gil e outros gigantes fez-se preservada em Criolo.

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FAIXAS:
1. “Convoque Seu Buda” - 3:51 (Criolo e Daniel Ganjaman)
2. “Esquiva Da Esgrima” - 4:29 (Criolo, Ganjaman e Marcelo Cabral) 
3. “Cartão De Visita” - 3:26 (Criolo, Ganjaman e Cabral)
4. “Casa De Papelão” - 4:59 (Criolo, Ganjaman, Cabral e Guilherme Held)
5. “Fermento Pra Massa” - 3:41 (Criolo)
6. “Pé De Breque” - 4:06 (Criolo)
7. “Pegue Pra Ela” - 4:25 (Criolo)
8. “Plano De Voo” - 3:39 (Criolo, Síntese, Ganjaman, Held e Cabral) 
9. “Duas De Cinco” - 3:45 (Criolo, Rodrigo Campos, Ganjaman e Cabral)
10. “Fio De Prumo (Padê Onã)” - 4:09 (Criolo e Douglas Germano)

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

"Bom Dia, Manhã - Poemas", de Grande Othelo - Ed. Topbooks (1993)




"Grande Othelo foi um imenso brasileiro, um dos maiores de todos os tempos: ator, músico, cantor, apresentador de televisão, grande do teatro e do cinema, gênio nascido no ventre mestiço do Brasil. Tão gênio brasileiro quanto Oscar Niemeyer, Carlos Drummond de Andrade e Pelé."
Jorge Amado

"O autor por excelência do Brasil."
José Olinto

Há determinados artistas brasileiros que deixam um vácuo quando morrem. Aqueles que vão inesperadamente como foi com Elis Regina, Chico Science, Raphael Rabello, Cássia Eller e, mais recentemente, com Gal Costa. Eles provocam essa sensação de um buraco que se abre e que nunca mais será preenchido. Tanto quanto aqueles que, comum mais antigamente, despediam-se com menos idade do que seria normal à atual expectativa de vida, casos de Tom Jobim (67), Emílio Santiago (66), Mussum (53) e Tim Maia (55). 

Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Othelo é um desses vazios. Aliás, fazem 30 anos deste vazio, tão grande que parece contradizer com a diminuta estatura deste homem de apenas 1m50cm de altura. Mesmo que menos prematuro como os já citados (morreu aos 78 anos), sua vida marcada pela infância dura e pela vida adulta boêmia, não o poupou de roubar-lhe, quiçá, uma década cheia. Mas o que este brasileiro deixou como legado se reflete (ao contrário dos citados acima, músicos por natureza) em mais de um campo artístico. Grande Othelo foi um gênio na arte de atuar, mas deixou marcas indeléveis na música popular e na poesia.

"Bom Dia, Manhã" cristaliza essa magnitude de Grande Othelo, o homem das palavras, sejam as da dramaturgia, as dos sambas ou as dos poemas. Lançado em 1993 e com organização de Luiz Carlos Prestes Filho, o livro reúne um bom compêndio de mais de 100 textos poéticos do artista que eternizou em seu nome o ícone shakesperiano. Não haveria o livro, por óbvio, ser menos do que isso. Com sua inteligência incomum e fluência natural de escrita, Grande Othelo alterna da mais singela confissão existencial ao romantismo sentimental, a malandragem e a alta literatura, os sambas e o parnasianismo, passando pelas homenagens aos amigos e as observâncias da vida e das mazelas do mundo. Tudo numa linguagem de "puras palavras", como definiu o escritor José Olinto, sem cerebralismos e dotados de cadências existenciais.

Em “Nada”, o poeta escreve: “Na saga das tuas solidões/ Vão surgindo outras/ Em outros corações”. A compreensão do amor “desromantizado” de “Homem e Mulher” é também digna de escrita, assim como “Estrada”, que narra o descompasso de um homem velho e uma mulher mais jovem. Os sambas, no entanto, são uma delícia à parte. Como os que coescreveu com Herivelto Martins  “Fala Claudionor” ou o clássico “Bom dia Avenida”, de 1944, feito quando a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu acabar com o Carnaval na referencial Praça Onze, a Sapucaí do início do século XX: “Vão acabar com a Praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba/ Não vai/ Chora tamborim/ Chora o morro inteiro”. Mas há ainda o samba-fantasia “Penha Circular”, o samba-crônica “Rio, Zona Oeste”, o samba inacabado “A boemia cantou”, o samba não-cantado por Elizeth Cardoso “Ao som de um violão”.

Representativo da raça negra em uma época de inúmeras dificuldades para o exercício deste ativismo, Grande Othelo mesmo assim posiciona-se por meio de suas palavras. Semelhante ao que ocorrera com outro ícone preto made in Brazil, Pelé, Othelo (que bem pode ser considerado um Pelé dos palcos, pois possivelmente o maior da sua área) bastava existir para representar resistência. Mas faz mais. “Sou no momento que passa/ A expressão mais forte/ De uma raça”, escreveu em “Neste momento: eu!”. Leu, com o olhar de menino sábio, a lenda gaúcha do Negrinho do Pastoreio, que ele mesmo representou no cinema em 1973, dirigido pelo tradicionalista Nico Fagundes:

“O negrinho descerá e subirá cañadas
Em correrias desenfreadas...
Beberá a água das sangas
E sempre sozinho, pois ninguém o vê.
Mas quando voltar há de trazer
A felicidade procurada por você.”

Não é uma delicadeza de apreciação? Estas e muitas mais delicadezas estão em "Bom Dia, Manhã", cuja leitura se dá com o prazer de quem ouve um samba, de quem lê uma crônica, de quem reflexiona a própria condição humana. É difícil imaginar o que Grande Othelo teria feito se tivesse vivido, quem sabe, mais 10 anos – nada alarmante nos tempos de hoje em que senhores da faixa dos 87-88 anos são Tom Zé ou Roberto Menescal, ativos e joviais. Mas é impossível não sentir falta dele vivo, aqui presente. Pensar que aquele Macunaíma, aquele Espírito de Luz, aquele parceiro de Carmen Miranda, aquele Cachaça, aquele farol do povo brasileiro não está mais é reconhecer o vazio que isso provoca. Um vazio grande, como o que este pequeno Othelo carregava no nome.

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Trio de Ouro 


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #346

O que você está levando aí, hein, seu guarda? Se está pela paz, pode seguir adiante como o MDC de hoje: pela paz. No Dia Internacional da Solidariedade com o Povo Palestino, a genialidade de Bansky nos ajuda a contar que teremos também Elis Regina, Luiz Melodia, Vince Guaraldi, Xande de Pilares, Nirvana e mais. Armado mas de arte e amor, o programa vai ao ar hoje na pacífica Rádio Elétrica. Produção e apresentação devidamente revistadas: Daniel Rodrigues.

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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #345

 

Lá se vai mais um 20 de novembro, mas nossas cabeças permanecem preenchidas de consciência. Negra. O que inclui a música, seja o rock de John Lennon, o ska da The Specials, o samba de João Bosco ou o hip hop de Thaíde & DJ Hum. Todos ritmos legitimamente negros, como será o nosso MDC desta semana, que se aquilomba às 21h na consciente Rádio Elétrica. Produção, apresentação e punho em riste: Daniel Rodrigues.

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segunda-feira, 20 de novembro de 2023

cotidianas #815 - "Sorriso Negro"



Um sorriso negro, um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego, fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade

Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio, é luto
negro é a solidão

Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade

Um sorriso negro, um abraço negro
Traz felicidade
Negro sem emprego, fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade

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"Sorriso Negro"
Dona Ivone Lara
(composição: Adilson Barbado / Jair / Jorge Portela)

Ouça:

Os Sambistas

 




"Os Sambistas" - REIS, Cly
ilustração digital GIMP



"Os Sambistas"
Cly Reis

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #342

 

Essa abóbora de Halloween tá meio diferente, hein... Isso porque no MDC a gente não escolhe por doces ou por travessuras: aqui, a gente opta pelos dois! Afinal, quanta doçura vem embalada na melodia de Isaac Hayes ou de Djavan! Mas também aquela atravimento maroto que só os bons roqueiros como New Order e Erasmo Carlos ou o sambista Bezerra da Silva têm. No quadro móvel, outra surpresa tirada do caldeirão. Mas não tenha medo: basta abrir a porta para o programa às 21h, na horripilante Rádio Elétrica, que só coisas boas vão lhe acontecer. Produção, apresentação e bruxaria musical: Daniel Rodrigues.


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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Xande de Pilares - “Xande Canta Caetano” (2023)

 

“Quando não genocidam as nossas crianças elas crescem e têm grandes chances de se tornar, no futuro, um Xande de Pilares, por exemplo. Que estupendo cantor ele se confirma neste álbum que não me canso de ouvir”.
Ricardo Aleixo, poeta, músico e ativista negro

"Canto e imagino que todo o povo, toda 'gente quer ser feliz, gente quer respirar ar pelo nariz' e levar a paz." 
Xande de Pilares, em carta aberta sobre “Xande canta Caetano”


O povo preto não pode nunca deixar de estar alerta. Mãe Bernadete, Moa, Amarildo, Júlio César, Genivaldo, Moïse, Sandro. Marielle Franco. Seja pela força do Estado, seja pelo braço armado do Estado, seja pela conivência do Estado, seja pela incompetência do Estado. No Brasil, o genocídio negro vem de séculos, desde os navios tumbeiros. E quando crias negras nem sequer têm a chance de conhecerem a vida? João Pedro, Heloísa, Miguel, Eloá, Thiago, Ágatha, Maria Eduarda, Kauã, Alice, Emilly, Rebecca. Chacinados da Candelária.

Acontece que, há séculos também, este mesmo povo preto massacrado e açoitado, embora submetido à pior das condições humanas, a escravidão e o aniquilamento, resiste. Resiste e dança, tal como um personagem essencial para esta análise um dia disse: "com uma graça cujo segredo nem eu mesmo sei". 

Alexandre Silva de Assis, ou Xande de Pilares, nascido no suburbano Morro da Chacrinha e que leva no nome outro bairro pobre da Zona Norte do Rio de Janeiro, é fruto deste milagre da resistência. Criado nas rodas de samba de Ramos, Cachambi, Madureira, Pilares – o Pagode do Boleiro, o da Beira do Rio, o Pagofone, o da Geci, o Compasso da Vila, o Risco de Vida, a Adega do Sambola –, chegou ao estrelato aos 22 com o Grupo Revelação na onda pagodeira dos anos 90. Sobreviveu e se desenvolveu. Solo, lançou, entre outros, discos com títulos nada despropositados: “Esse Menino Sou Eu” e “Perseverança”. Aos 53, então, Xande valeu-se da desatenção do sistema racista para cunhar um disco que já nasce, assim como ele e seus milhões de irmãos, valoroso e celebrável. “Xande Canta Caetano” é daquelas raras obras que não precisam da permissão do tempo para se tornarem essenciais. Já vem ao mundo assim.

Vários motivos levam o disco a ser especial. A começar pelo homenageado, cuja gigantesca e assombrosa obra em tamanho e importância garante um set-list de alta qualidade. Segundo: a ideia surgiu de um convite do próprio Caetano Veloso, aceita com certo temor pela responsabilidade por parte de Xande, mas assumida com reverência, respeito e entrega pelo mesmo. Terceiro, a ousadia de trazer para o seu chão, o samba, até mesmo aquilo que não é samba na roupagem original. E quarto e principal: o primoroso resultado final. São apenas 10 faixas, que levam o canto emocionado e gabaritado de Xande para canções do baiano – muitas delas, clássicos do cancioneiro brasileiro – em versões personalíssimas e inspiradas.

Xande demonstra ser um grande fã de Caetano já na escalação do repertório. Uma seleção de quem conhece a fundo aquilo a que está se dedicando. Mas sobretudo e artisticamente falando, um entendimento do que se conecta com ele como intérprete. Fora o fato de ser um disco de duração curta e exata – como os da MPB dos velhos tempos do long player, incluindo os de Caetano –, o repertório torna-se um dos diferenciais do disco. Xande optou por músicas não óbvias do farto cancioneiro caetaneno, mesmo podendo recorrer a uma maior facilidade. Não seria nenhum crime, por exemplo, aproveitar sambas consagrados como “Desde que o Samba é Samba”, "Saudosismo", “Sampa” ou “Sem Samba não Dá”. Ou, quem sabe, sambas convictos do compositor: "Festa Imodesta", "A Voz do Morto", "Samba em Paz", "Força de Imaginação", esta parceria com a "dona do samba" D. Ivone Lara? Diminuiria a margem de erro. Mas não. Xande ousou – e acertou. A se ver pela surpreendente escolha de “Muito Romântico”, que abre o disco numa tocante versão da canção feita para a voz perfeita de Roberto Carlos em 1977 e gravada pelo autor apenas posteriormente. Samba puxado no cavaquinho, instrumento-base de Xande aprendido naquelas tais rodas de samba de outrora, nos botequins da vida. No talento trazido acorrentado da África pelos ancestrais, dos batuques sincréticos na senzala.

Pois outro jovem preto que driblou o sistema genocida é corresponsável por este feito: Ângelo Vitor Simplício da Silva, mais conhecido como Pretinho da Serrinha. Igualmente rebento dos pagodes da vida, das quadras de escola de samba, do ouvido absoluto e do talento nato. Pretinho é quem, além de produzir o disco com a mais alta competência e tocar nada menos que 24 instrumentos nas gravações, assina todos os arranjos, estes capazes de operar o milagre de fazer com que músicas de estruturas rítmicas variadas soem naturalmente sambas tal tivessem sido assim desde sempre. “Luz do Sol”, o emocionante tema escrito por Caetano para a trilha sonora do filme “Índia, A Filha do Sol”, de 1982, de uma balada melancólica vira, simplesmente, um samba-canção de muito bom gosto na tradição de Cartola e Paulinho da Viola.

E o que dizer de “Qualquer Coisa”, que, de portenha, passa a ganhar ares de sambolero com direito a bandolim de Hamilton de Holanda? Até mesmo o hit “Tigresa”, outro não-samba originalmente, é vestido por uma elegante roupagem em que Xande desfila extensão vocal e fraseados num samba lânguido e sensual. Palmas, aliás, para outro preto: Diogo Gomes – mais uma de história linda de superação e perseverança –, que capricha no arranjo de metais.

videoclipe de "Tigresa", da Araguaia Filmes

Assim como “Tigresa”, “Alegria, Alegria” é outro clássico inconteste de Caetano relido no álbum. Porém, ainda mais improvável achar samba naquela marchinha psicodélica. Pois Xande/Pretinho conseguiram, e com louvor. Das melhores do álbum, um dos hinos do movimento tropicalista, defendida pelo autor no memorável Festival da Canção de 1967, transforma-se em um misto de samba rural e afoxé em que o violão do craque Carlinhos 7 Cordas prevalece. Xande, cuja memória ainda preserva da infância as festas da Folia de Reis nas comunidades em que viveu, evidencia neste samba raiz uma atmosfera que talvez até Caetano nem percebera que sua música continha.

Outra nada óbvia – e mostra do quanto Xande caprichou na pesquisa interna à música do homenageado – é “Diamante Verdadeiro”, composta por Caetano para a mana Maria Bethânia e que abre o disco de maior sucesso da carreira dela, “Álibi”, de 1978. Como se encarnasse Moreira da Silva, Xande faz o diamante reluzir verdadeiramente como um samba-de-breque. Na sequência, para uma das mais pessoais e bonitas de todo o repertório de Caetano, “Trilhos Urbanos”, o que poderia ser equivocado se torna ainda mais assertivo. Resgatando no marcante som dos atabaques e do cavaquinho o xirê de candomblé e o samba-de-roda do Recôncavo Baiano, terra-natal de Caetano, a dupla Xande e Pretinho constrói uma das mais belas músicas de todo o disco e, quiçá, da década no Brasil. O bom-senso não recomendaria que o incomum “refrão de assovio” da original de Caetano fosse reproduzido. A solução? Um coro feminino cantarolando a melodia de “Retirantes”, de Caymmi, que faz remeter imediatamente à célebre canção-tema da novela “Escrava Isaura”, presente na memória afetiva de todo brasileiro. Sacada de mestres, astúcia de uma raça que sobrevive com graça para além das desgraças.

Formando a tríade com os maiores cantores da MPB presenteados por Caetano com sua criatividade ímpar, Xande, que passara por Roberto e Bethânia, agora chega a vez de Gal Costa, mencionada na faixa anterior por seu canto de "Balancê". E fazendo jus a um repertório pinçado com sensibilidade, ele versa ainda “O Amor”, que Caetano, sobre a poesia revolucionária do poeta russo Maiakovski, deu para a voz cristalina de Gal em 1981. A mais samba, mas nem por isso menos desafiadora, é “Lua de São Jorge”, uma reverência a ao guerreiro Ogum em ritmo de pagode. Salgueirense, Xande celebra também a escola a qual pertence, devota do mesmo santo, tão vermelha e branca quanto ele. Não à toa os metais e o agogô desenham toda a melodia, afinal, está se falando do “senhor da metalurgia”.

Mas ainda mais revolucionária é a que encerra: “Gente”, o grito humanista mais pungente de Caetano. Difícil escutá-la e não ir às lágrimas, como ocorreu com o próprio Caetano ao ouvi-la pela primeira vez. Xande, com sua história pessoal e representatividade, cantando em clima de samba-enredo essa ode às pessoas simples, apropriando-se dela, reverbera em muitas dimensões do tecido social brasileiro. “Gente pobre arrancando a vida com a mão”. Quanto potência e significado versos como estes ganham ao saírem de sua boca: “Não, meu nêgo, não traia nunca essa força, não/ Essa força que mora em seu coração”.

“Xande Canta Caetano” é, sem pestanejar, o melhor álbum lançado no Brasil em 2023, um presente aos brasileiros para um festivo ano em que o país se livrou do fascismo e vislumbrou novamente a esperança na democracia, no respeito ao outro e no amor. Brasileiros como Ricardo Aleixo, Jorge Furtado, Pena Schmidt, Martha Medeiros, Nizan Guanaes e Moysés Mendes pensam o mesmo. Na mesma lógica de enumerar nomes como na música "Gente", podem-se adicionar tranquilamente a Francisco, Zezé, Gildásio, Renata, Agripino, Dolores ou João, como a poética sugere, outros nomes, tal Pretinho, tal Diogo. Tal Xande. Foi deixarem o negro existir, deu nisso: amor e arte, as armas contra a iniquidade capazes de transformar o mundo. Afinal, gente é pra brilhar como brilha Alexandre Silva de Assis. Não pra morrer de fome, de bala ou pela invisibilidade.

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videoclipe de "Gente", da Araguaia Filmes


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FAIXAS:
1. “Muito Romântico” - 3:16
2. “Luz do Sol” - 3:44
3. “Qualquer Coisa” (participação: Hamilton de Holanda) - 3:00
4. “Tigresa” - 3:59
5. “Alegria, Alegria” - 2:56
6. “Diamante Verdadeiro” - 3:14
7. “Trilhos Urbanos” (Música incidental: “Retirantes”, Dorival Caymmi) - 3:22
8. “Lua de São Jorge” - 3:01
9. “O Amor” (Caetano Veloso / Ney Costa Santos / Vladimir Maiakovski) - 3:37
10. “Gente” - 3:55
Todas as composições de autoria de Caetano Veloso, exceto indicadas


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

cotidianas #808 - "Bebeto Loteria"

 




Bebeto subiu o morro gritando fiz treze
Mandando a miséria pra casa do chapéu
Mandou repetir a rodada de cerva três vezes
Dizendo que bancava tudo
Que também era coronel

Chegou no carteado perdeu por perder
Chegou na esquina deu nota de quina a valer e
O morro inteiro ficou perfumado com o perfume
Que a preta do Beto ganhou

Até quem não é de cheirar cheirou
Até quem não é de cheirar cheirou

De madrugada pintou sujeira o morro cercado, a maior correria
E o tal de Bebeto a polícia levou
Até hoje o morro quer saber
Qual foi a loteria que o Bebeto acertou

Até quem não é de cheirar cheirou

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"Bebeto Loteria"
Grupo Fundo de Quintal
(letra: Tião Pelado)

Ouça: